quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Merval Pereira: O deus Trump

- O Globo

A decisão de escolher um diplomata de carreira para comandar o Itamaraty parecia ser uma sensatez do novo governo Bolsonaro, indicativo de que entendia, afinal, que as relações internacionais do Brasil têm mais importância do que revelavam seus comentários apressados sobre questões delicadas, como a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém ou as críticas à China, que estaria “comprando o Brasil”.

Mas a escolha do ministro das Relações Exteriores do futuro governo Bolsonaro não poderia ter si domais desastrada, a começar de como ele chegou a oposto máxi moda carreira depois de nomeado embaixador há pouquíssimo tempo, sem nunca ter chefiado uma embaixada.

O concorrente mais visível, Luis Fernando de Andrade Serpa, já era considerado uma extravagância perigosa. Pela carreira sem grandes voos, e pelo fato de que era talvez o único embaixador que Bolsonaro conhecia, por ter viajado recentemente para a Coreia do Sul.

Mas Ernesto Araújo, diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, é uma surpresa desagradável, que indica, pela primeira vez na montagem do Ministério, uma decisão de fazer na política externa exatamente o que criticava nos governos petistas, com sinal trocado.

O secretário-geral do Itamaraty no começo da gestão de Celso Amorim, considerado o ideólogo da política petista de relações internacionais, Sebastião Pinheiro Guimarães, considerava que o futuro da diplomacia brasileira estava na África, e taxava os Estados Unidos de desimportante como posto de carreira. Ernesto Araújo coloca Trump acima de tudo e Deus acima de todos.

Míriam Leitão: Ideologia volta ao Itamaraty

- O Globo

Bolsonaro partidarizou a política externa brasileira em grau elevado. Alinhamento ao governo Trump terá custo econômico

O presidente Jair Bolsonaro pode fazer uma política externa ideológica de direita. Foi eleito para governar e escolher os caminhos do país. Só não pode acusar os governos petistas de terem partidarizado a política externa, porque é exatamente isso que ele está fazendo em grau muito mais elevado. O embaixador Ernesto Araújo como ministro das Relações Exteriores, por tudo o que disse até agora em seu blog de ativista, indica que o governo escolheu um alinhamento entusiástico a Donald Trump e isso tem um custo econômico.

Os artigos que postou no blog dele têm ideias definidas pelos seus colegas como “exóticas” e “constrangedoras”. Como a de que o “globalismo” seria uma conspiração cultural marxista contra o cristianismo, e que apenas Donald Trump poderia salvar o Ocidente.

Na vida real, os Estados Unidos estão num dos piores momentos de sua política externa, com conflitos com vários aliados e em muitas frentes, uma diplomacia de ofensas e brigas. Os EUA com o tamanho que têm podem errar. Um país como o Brasil não poderia. O risco é o de comprar as brigas americanas, sem o poder de barganha que eles têm, perder mercados e se isolar. Como o presidente eleito Jair Bolsonaro disse que agora será uma “política externa sem viés ideológico”, só se pode concluir que ou ele concorda com o que o novo chanceler diz em seus textos de ativista da extrema-direita ou ele não os leu.

Bernardo Mello Franco: Um bolsonarista na casa de Rio Branco

- O Globo

O presidente eleito terá um chanceler à sua imagem e semelhança. Ernesto Araújo emula o discurso do chefe contra o ‘globalismo’ e é admirador de Donald Trump

O novo presidente terá um chanceler à sua imagem e semelhança. O futuro ministro Ernesto Araújo não é apenas um bolsonarista de carteirinha. Ele também emula o chefe no discurso contra o “globalismo”, a “ideologia de gênero” e o “marxismo cultural”.

O ideário do novo chefe do Itamaraty pode ser consultado no blog “Metapolítica 17”. A página é dedicada a uma militância fervorosa a favor do capitão e contra o PT. Ele se refere à sigla como “Partido Terrorista”. Em tom imodesto, diz que pretende “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista”.

“Se o PT ganhar, vai extinguir todas as luzes da decência e da liberdade”, escreveu, a uma semana da eleição. Ele acusou os petistas de tramarem um “regime de partido único, ditatorial, (...) um governo que controlará sua vida a partir da educação pré-escolar, que administrará sua família, que controlará o que você pensa e diz”.

Ascânio Seleme: Nomear, delegar, demitir

- O Globo

Segundo especialistas em gestão, delegar é uma das mais importantes qualidades do líder

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, não precisou mais do que 40 minutos para convencer o presidente eleito Jair Bolsonaro de que Joaquim Levy era um bom nome para presidir o BNDES.
O fato de Levy ter trabalhado nos governos de Lula e Dilma, e de Sérgio Cabral, no Rio, não impediu que seu nome fosse aceito. Ao ser questionado se a indicação não implicava um recuo do discurso de campanha, Bolsonaro disse que confia em Guedes e que Levy não responde a nenhuma acusação ou denúncia. Neste episódio, o presidente exerceu na plenitude sua capacidade de delegar.

Bolsonaro escolheu Guedes e entregou a ele a responsabilidade de montar toda a estrutura abaixo dele e ao seu redor. Além de Levy no BNDES, o futuro ministro vai indicar o novo presidente do Banco Central e preencher inúmeros outros cargos com pessoas que exercerão o controle da economia e sobre as quais estará amparado o futuro do país. Você pode achar que se trata de muita delegação de autoridade. É, pode ser. Mas também é demonstração de confiança no subordinado e de reconhecimento de suas próprias limitações.

Segundo especialistas em gestão, esta é uma das mais importantes qualidades do líder. A professora Ylana Miller, do Ibmec, disse numa entrevista ao GLOBO, de agosto de 2014, que delegação é “atitude de gestores que incentivam a participação ativa da equipe sem receio de suas contribuições serem melhores do que as dele”. Bolsonaro nunca escondeu isso, sobretudo quando o assunto é economia. Apelidou Paulo Guedes de Posto Ipiranga e disse em diversas entrevistas que não entende do assunto.

Eliane Cantanhêde: Vem aí o novo Itamaraty, ‘trumpista’ e ‘bolsonarista’

- O Estado de S.Paulo

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, deu muitas voltas até chegar ao ponto zero e anunciar quem ele queria desde o início para Relações Exteriores: o diplomata “trumpista” e “bolsonarista” Ernesto Araújo, que é “júnior” (nunca exerceu a função de embaixador), mas encantou Bolsonaro como intelectual chegado aos clássicos, contrário ao globalismo, pró-Ocidente e fascinado por Donald Trump.

A principal recomendação do futuro presidente ao seu chanceler é promover a “regeneração” do Itamaraty. Leia-se: eliminar os vestígios, programas e diplomatas da era PT, particularmente ligados ao ministro dos oito anos do ex-presidente Lula, Celso Amorim. “Fazer uma limpeza, mudar tudo”, resume-se na equipe de Bolsonaro.

Na prática, porém, Araújo terá uma tarefa bem mais imediata: apagar incêndios criados por manifestações tão leigas quanto perigosas do futuro chefe sobre China, Egito, Palestina e mundo árabe, assim como assustou o Mercosul e a União Europeia. Sair da ONU? Do Acordo de Paris? Mudar a embaixada em Israel para Jerusalém?

William Waack: ‘Se esse troço der errado’

- O Estado de S.Paulo

Militares apostam em medidas liberais na economia para o governo Bolsonaro dar certo

No começo desta semana, um grupo seleto de investidores reunidos em Nova York ouviu em inglês de um integrante do “núcleo duro” do futuro governo que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, quer mesmo aplicar um choque liberal na economia brasileira. Quer privatizar 100 de 160 estatais. Leiloar bons contratos para interessados em investir em infraestrutura. Reformar um sistema tributário caro. Priorizar, acima de qualquer coisa, o ajuste fiscal. E mudar o comércio exterior, no sentido de maior abertura.

Não, não era Paulo Guedes falando. Era o vice-presidente Hamilton Mourão. Combinam as ideias representadas por Guedes com a cabeça de quem passou mais de 30 anos pela formação de escolas militares, como são todos os oficiais envolvidos de uma forma ou outra com o novo governo? Pelo jeito, parece que sim. Mourão descreveu para os investidores em Nova York como “um bom negócio” a fusão da Embraer com a Boeing (chamada de “entreguismo” pelo retrógrado pensamento de esquerda no Brasil).

Na mesma ocasião, Mourão ecoou também o que o seu antigo chefe, o comandante do Exército, disse em várias entrevistas, a mais recente delas ao correspondente no Brasil do Financial Times – uma das mais influentes publicações internacionais e uma das poucas a não cair na narrativa de que o Brasil estaria elegendo uma nova ditadura militar. Os militares não vão se meter em política, garantiu o general Villas Bôas.

Zeina Latif*: A palavra de ordem é foco

- O Estado de S.Paulo

Não se pode falhar na aprovação de uma reforma da Previdência

Muitas falas de Jair Bolsonaro ainda lembram discursos de campanha. Não focam naquilo que é mais relevante e abordam temas superados ou que não demandam ação estatal. O presidente eleito tem grande capacidade de comunicação, mas precisa dar o devido peso aos temas, conforme seu grau de importância. Não basta se comunicar. É necessário definir objetivos e estratégias, para assim conquistar o apoio da sociedade à urgente agenda de reformas.

Um exemplo recente foi sua defesa de maior transparência do BNDES. Todavia, o grau de abertura de informações atualmente é equivalente ao dos bancos privados, respeitando a lei de sigilo bancário. Com sua fala, Bolsonaro passa para a sociedade a ideia equivocada de que nenhum ajuste foi feito no banco nos últimos anos, enquanto perde a oportunidade de discutir seus reais desafios.

Tem havido muitos avanços no BNDES. O principal foi em 2017 com a mudança do cálculo da taxa de juros cobrada nos empréstimos, com a substituição da TJLP pela TLP, sendo a primeira uma decisão discricionária do governo e a segunda o reflexo das condições de mercado. Se houver intenção de emprestar a taxas mais baixas, será necessário obter aprovação do Congresso para o subsídio a ser concedido. Uma combinação saudável de transparência, zelo com os cofres públicos e deliberação da sociedade.

Luiz Carlos Azedo: Deus é brasileiro

- Correio Braziliense

“Para Fraga Araújo, Itamaraty evitou a todo custo participar de blocos e preservou a capacidade de desenvolver uma política externa autônoma, mas precisa ir além disso”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou que o diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo será o novo ministro das Relações Exteriores. Atual diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, nunca comandou uma embaixada; porém, como ministro de primeira classe e chefe de departamento, tem status de embaixador. Ao confirmar o nome em entrevista, depois de anunciá-lo pelo Twitter, Bolsonaro classificou o novo chanceler, que tem 29 anos de carreira, como “uma pessoa bastante experiente” e “intelectual brilhante”. Fraga tem 51 anos e disputou a posição com outros diplomatas de grande prestígio.

Fraga Araújo fez campanha eleitoral de rua para o presidente eleito. Sem falsa modéstia, disse que à frente do Itamaraty fará uma política “efetiva em função do interesse nacional”, tornando o Brasil um país “atuante”, “próspero” e “feliz”. Negou alinhamento automático com o governo dos Estados Unidos, tangenciando a tese que defende sobre a política externa brasileira, explicitada no artigo “Trump e o Ocidente”, publicado nos Cadernos de Política Exterior nº 6, do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, que fez a cabeça de Bolsonaro. Segundo Fraga Araújo, Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais.

“Avante, ó filhos de helenos,/ libertai a pátria,/ libertai vossos filhos,/ vossas mulheres,/ os templos de vossos deuses,/ os túmulos dos ancestrais,/ agora mais que nunca,/ lutai!”. Esse trecho do poema Os Persas, de Ésquilo, que exalta a batalha naval de Salamina, na qual os gregos derrotaram os invasores persas, em 480 a.C, assinala o marco fundador da primeira aliança do Ocidente. “A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. Não se trata tampouco de uma proposta de expansionismo ocidental, mas de um pan-nacionalismo. O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente”, propõe o futuro chanceler.

Araújo critica o Iluminismo e o globalismo. Segundo ele, a Europa e os Estados Unidos viviam já fora da história, depois da história, num estado de espírito (ou falta de espírito) onde o passado é um território estranho. Toda a tradição liberal e revolucionária constituiu-se numa rejeição do passado, aos heróis, ao culto religioso e à família, destaca. Ao contrário, Trump, ao falar de alma, desafia frontalmente o homem pós-moderno, “que não tem alma, que tem apenas processos químicos ocorrendo aleatoriamente entre seus neurônios”.

Janio de Freitas: Além do limite

- Folha de S. Paulo

A coragem cívica não é, historicamente, uma qualidade do alto Judiciário brasileiro

A sucessão de entrevistas e de outras presenças de generais no jornalismo comprova, por si só, a relevância preocupante dada pela opinião pública ao retorno dos militares à superfície política.

Alguns deles, em especial o comandante do Exército e o vice-presidente eleito, esforçam-se para negar riscos inquietantes. Sem maior êxito. E não é provável que a desconfiança arrefeça no futuro governo.

Exemplo frequente dos motivos de preocupações, o pronunciamento do general Villas Bôas, na véspera de votação do Supremo decisiva para Lula, é assim explicado pelo autor: (...) "Um episódio em que nós estivemos realmente no limite", (...) "nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite, mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse".

A advertência do comandante do Exército contra a possibilidade de decisão favorável a Lula —ou não haveria motivo para a nota— não ficou "realmente no limite". Foi pressão explícita sobre os julgadores.

A coragem cívica não é, historicamente, uma qualidade do alto Judiciário brasileiro. Foi com isso que a decisão da nota contra "a impunidade" contou. Muito além do limite.
E este é, em síntese, o grande problema: a noção de limite é diferente para os civis e para os militares.

Os limites civis estão demarcados na Constituição e nas leis. As quais não admitem indução, não importa o seu sentido, de autoridade militar em decisão da Justiça civil. Os limites de militares, em sua noção ainda vigente, estão sujeitos a fatores diversos, dependentes sobretudo da presença ou ausência de desenvolvimento político e consciência institucional.

Uirá Machado: Bolsonaro e a pelada

- Folha de S. Paulo

Com tantas idas e vindas, Bolsonaro transforma a transição política em várzea

Toda transição de governo tem um quê de janela de transferência de futebol: se nesta os dirigentes e empresários tentam forçar compras e vendas de jogadores, naquela os correligionários e conselheiros procuram emplacar nomes de seu agrado ou ostentar uma influência de que nem sempre desfrutam.

Nunca foi fácil fazer jornalismo nesses momentos. Muitas negociações são mera especulação e jamais chegariam a bom termo, mas tantas outras de fato existem e, por razões diversas, terminam frustradas.

Como nesses dois casos o resultado é o mesmo (uma transação que não se concretizou), o cartola e o político sentem-se à vontade para acusar o jornalista de fabricar fake news, mesmo quando em sua apuração ele tenha seguido à risca os melhores manuais da profissão.

O veículo de comunicação que quiser evitar esse ataque só tem uma saída: noticiar apenas as transações consolidadas. É uma estratégia segura, sem dúvida, mas também covarde e impensável para qualquer publicação que leve a sério o ofício de manter seus leitores informados.

Para ficar em somente um exemplo, torcedores e eleitores podem querer protestar antes de uma determinada contratação ser efetuada.

Bruno Boghossian: Ano de maldades?

- Folha de S. Paulo

Medidas amargas serão teste de popularidade para Bolsonaro

Por quase cinco anos, o Brasil adiou o ajuste de suas contas por razões políticas. Dilma Rousseff escondeu o rombo nos cofres do governo para garantir um segundo mandato. Michel Temer tentou, mas não conseguiu convencer sua base aliada a abraçar uma reforma da Previdência às vésperas de um ano eleitoral.

Jair Bolsonaro será obrigado a enfrentar um teste de popularidade logo na largada. A agenda econômica que serviu de pilar para sua campanha é sabidamente amarga e precisará ser apresentada o quanto antes.

A mudança no sistema de aposentadorias é um assunto especialmente incômodo. Nas últimas semanas, o próprio presidente eleito deu sinais de hesitação diante de medidas que podem ser dolorosas. “É complicado, mas você tem de ter o coração nessa reforma também. Não são apenas números”, disse, há três dias.

O equilíbrio entre ajuste fiscal e popularidade depende de certa habilidade política. No fim dos anos 1990, o professor Kurt Weyland estudou o sucesso de reformas neoliberais implementadas em países da América Latina, comparando duas hipóteses que poderiam explicar o apoio àqueles remédios amargos.

Vinicius Torres Freire: Quem tem dinheiro no governo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Militares ficam com ministérios com dinheiro, antes negociados com o Congresso

Militares devem ficar com ministérios que controlam 60% do investimento federal. Assim será caso um militar também chefie um superministério da Infraestrutura, como se especula.

Tão ou mais importante, militares vão administrar pastas com os orçamentos ao mesmo tempo mais gordos e maleáveis, antes de grande importância na negociação política com o Congresso.

É uma divisão de poder a se prestar atenção.

Primeiro, a se confirmar a nova composição do seu Lego Ministério, Jair Bolsonaro terá de fato fechado os canais de negociação política com o Congresso por meio de nomeações ministeriais.

Segundo, o presidente eleito cria um "polo de planejamento" sob comando militar, organizado mesmo antes da campanha eleitoral, sob a orientação dos generais Oswaldo Ferreira e Augusto Heleno.

Note-se que também será um polo a reivindicar verbas orçamentárias ao uberministro da Economia, Paulo Guedes, e mudanças regulatórias ao Congresso. O governo Bolsonaro quer mudanças na área ambiental e de licitações, entre outras, a fim de tocar mais obras. Reivindicação cria possibilidade de atrito.

Ricardo Noblat: O que Moro acha disso?

- Blog do Noblat | Veja

Um problema vultoso ou não

Sabia-se que o deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS), futuro chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, havia recebido em 2014 do Grupo JBS e por meio de caixa 2 o que Lula chamaria de titica – R$ 100 mil. Descoberto, ele devolveu a metade e prometeu devolver a outra mais tarde.

Descobre-se agora que em 2012, como presidente da seção gaúcha do DEM, Lorenzoni recebeu do mesmo grupo mais R$ 100 mil. Como ele reagiu? Em pronunciamento inflamado, disse tratar-se de uma “denúncia requentada”, mas não explicou por que uma vez que não se sabia dela.

À moda de Lula, acrescentou que poucos políticos ou talvez nenhum tenha se batido tanto contra a corrupção como ele. E que ao ser atingido pela denúncia de 2014, fez em seguida o que “uma pessoa certa” faria: devolveu o dinheiro. Uma “pessoa certa” não teria recebido, mas em todo caso…

O juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça escolhido pelo presidente eleito, já havia perdoado Lorenzoni no caso da denúncia mais antiga. Até o elogiou. No caso da denúncia mais nova, ainda não foi ouvido a respeito. Mas Bolsonaro foi ouvido. E respondeu assim:

– É muito difícil você pegar alguém que não tenha alguns problemas, por menores que sejam. Os menores nós vamos ter que absorver. Se o problema ficar vultoso, você tem que tomar uma providência.

Duas denúncias de caixa 2 contra um ministro que ainda nem assumiu o cargo configuram um problema vultoso? Esqueceu-se de perguntar a Bolsonaro.

Bolsonaro com pena dos cubanos

Para acabar com a crueldade do PT

Barganha sobre auxílio-moradia é corporativista: Editorial | O Globo

A melhor alternativa na questão do reajuste dos ministros do STF é o presidente Temer vetá-lo

Reconheça-se que, ao menos, ocorre à luz do dia a barganha que se desenrola entre ministros do Supremo e o governo Michel Temer, na troca da sanção presidencial do aumento aprovado pelo Congresso, de 16,38%, dos proventos dos magistrados da Corte, pela decretação, no STF, do fim da farra do auxílio-moradia.

Poderia ser na penumbra dos bastidores. Melhor à frente de todos, mas a conta será, como sempre, enviada ao Erário. É certo que poderia ser pior, não houvesse a contrapartida da moralização do acesso indiscriminado ao auxílio-moradia, mesmo por juízes com imóvel próprio. Ou casais de magistrados que acumulam a benesse e dividem a mesma residência também própria. Um deslize ético. Mas a economia na distribuição do auxílio apenas para quem necessita de fato é pequena.

A vinculação entre as duas coisas foi explicitada pelo ministro Luiz Fux, relator da questão no STF, e que conduz o assunto ao lado do novo presidente da Corte, Dias Toffoli.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, foi contra a liberação do reajuste no Legislativo. Afinal, enquanto se prepara para assumir um governo que terá de ser de aperto, sabe que subirá a rampa já tendo sido contratada uma despesa adicional de R$ 4 bilhões.

Bombas contra desempregados: Editorial | O Estado de S. Paulo

Cerca de 12 milhões de brasileiros passarão um fim de ano apertado, mal conseguindo pagar as despesas mais simples, e muitos ainda estarão em sérias dificuldades no fim de 2019, se a irresponsabilidade política ainda travar a criação de empregos. Nesse caso, o estrondo de pautas-bomba – projetos com aumentos de custos para o governo – ainda será mais forte que o dos foguetes e rojões típicos das festas. Sem dinheiro para festejar, esses desempregados ainda pagarão impostos sobre seus gastos, mínimos e indispensáveis, e assim financiarão os benefícios concedidos a pessoas e a setores empresariais imensamente mais aquinhoados. Quase metade dos trabalhadores em busca de uma vaga está desocupada há mais de um ano. Mais de um quarto, há mais de dois, segundo os últimos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. O levantamento é realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os cidadãos à procura de trabalho há mais de um ano eram 5,05 milhões no terceiro trimestre, de acordo com a Pnad. Eram cerca de 40% dos 12,5 milhões de desocupados. O grupo há mais tempo desempregado – sem ocupação há dois anos ou mais – correspondia a 3,2 milhões de pessoas, 25% do total de desocupados.

Esse contingente é quase tão numeroso quanto a população do Uruguai (3,46 milhões de habitantes em 2017), incluídos bebês, crianças da escola básica e velhinhos há muito aposentados, e corresponde a 17,18% da população chilena.

Redes de escuridão: Editorial | Folha de S. Paulo

Oligopólios da internet tornaram-se grandes difusores de opacidade

Não surpreende a resposta protocolar ao Tribunal Superior Eleitoral, quase insultuosa de tão cínica, dos conglomerados que dominam as chamadas redes sociais sobre a atuação de empresas no impulsionamento de mensagens eleitorais.

Desdenhar autoridades investidas do poder legítimo tem sido o padrão desses oligopólios. Dobram-se diante de ditaduras, mas sentem-se à vontade para contornar duros questionamentos em democracias onde atuam.

A solicitação do ministro Luís Roberto Barroso a Google, Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp foi objetiva: deveriam identificar "a contratação de impulsionamento de conteúdos na rede mundial de computadores em favor do candidato eleito à Presidência da República, senhor Jair Messias Bolsonaro", e informar detalhes como data e valor dos contratos.

Está longe de satisfazer à indagação responder, como Twitter e Facebook, que a campanha do PSL não contratou o serviço. É preciso saber se outras pessoas, físicas ou jurídicas, agiram para catalisar mensagens em prol da chapa.

Em setembro o TSE multou um empresário por ter feito exatamente isso, mas nem sequer esse fato notório o Facebook reportou.

Vinicius de Moraes: Pátria minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…