sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Entrevista – FHC: “O centro radical”

FHC diz que eleição explodiu o sistema, afirma que “fascismo” e “comunismo” são apenas fantasmas e que partido sem conexão com a sociedade estará liquidado

Por Ana Clara Costa | Revista Veja

Prestes a terminar o quarto volume de suas memórias do período em que ocupou a Presidência da República (1995-2002), Fernando Henrique Cardoso, de 87 anos, acredita que o momento político do Brasil requer “paciência histórica”. Diz que o país vive um período de transição, com o fim de um ciclo iniciado na Constituição de 1988, em que os partidos criados falharam em representar os anseios da sociedade. FHC afirma ser exagero ligar o governo Bolsonaro a um movimento “fascista”, apesar da migração das forças políticas para a direita. O tucano prega a construção de um “centro radical” para se opor a medidas extremas e declara que, se o PSDB não ocupar esse papel, ele não vê razões para continuar no partido. “Se o PSDB virar uma sublegenda do governo, qualquer governo, estou fora.”

• O senhor tentou, no período eleitoral, criar uma força democrática de centro, e não deu certo. O que aconteceu?

Não houve interesse do eleitor em escolher o centro porque ele achou melhor botar ordem na casa. Quem simbolizou segurança, ordem e combate à corrupção ganhou. Não houve discussão econômica.

• Como ocorreu essa tentativa de costurar uma frente?

Estou mais fora da política do que as pessoas pensam. Mas eu acho o seguinte: quando há uma polarização como houve no Brasil, o medo prevalece acima de tudo. A razão perde sentido prático. As pessoas que querem ser razoáveis, como é meu caso, ficam sem espaço. Uns dizem “Eu sou o bem e quero extirpar o mal”. E, quando você diz “Cuidado, o bem e o mal são relativos, é preciso conviver”, você fala sozinho.

• Mas o senhor chegou a fazer um movimento concreto nesse sentido?

Eu falei com algumas pessoas, fiz uma ou outra reunião. Mas não estou no cotidiano do partido e acho também que não tinha mais espaço. A polarização não depende de você querer. Ela acontece. Quando a população descobriu as bases podres do poder, ficou contra o poder e quem o simboliza. Acho um absurdo que alguns tenham sido derrotados, gente séria, competente. Mas é assim que funciona. Política não é uma escolha de quem é mais competente, quem é melhor. É de quem, naquele momento, bate com o sentimento do eleitor.

• Como chegamos a esse estado de coisas?

Nossa visão do mundo político nasceu no século XIX e se consolidou no XX. Havia as classes, não necessariamente opostas umas às outras, e os partidos, que representavam uma ideologia pertinente aos interesses e valores dessas camadas. O mundo atual rompeu isso porque a mobilidade social aumentou, a coesão entre esses grupos diminuiu e há fluxos de dinheiro e comunicação muito grandes. O primeiro sociólogo que viu esse movimento chama-se Manuel Castells, meu colega em 1968 em Nanterre (na Universidade Paris X, na França, onde FHC lecionou) e meu amigo até hoje. A Sociedade em Rede, livro que Castells lançou em 1996, é, no fundo, isso. Estamos em um momento de transição, e a nova sociedade é dos que estão conectados. Essa conexão salta estruturas e até instituições nacionais.

“Os dois lados estão inventando fantasmas. Um vê fascismo, o outro acha que o comunismo está à porta. Há uma guerra de narrativas. E narrativas em que não entra o povo”

• O Brasil vive um momento de desmonte das estruturas, ou, como o senhor diz em seu último livro, “uma nova era”?

Sociologicamente, eu diria que, nestas eleições, “a história se manifestou estourando tudo de maneira cega”. Há momentos em que há explosões, e aqui houve uma explosão limitada, mas foi uma explosão do sistema anterior. Então, há um processo geral que permeia todas as sociedades que estão conectadas. É preciso agregar a tremenda corrupção que houve ao horror que ela produziu. O povo se assustou e disse “basta!”
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Fernando Gabeira: Entre a política e a religião

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro fez a melhor escolha em termos de governar o Brasil nesta quadra complexa?

A forte presença religiosa no governo Bolsonaro estimula a abertura de um diálogo entre política e religião, na verdade, uma tentativa de examinar esse constante intercâmbio de duas dimensões diferentes de abordagem de nossos problemas. Durante a campanha, Bolsonaro usou muitas vezes o verso bíblico de João: “Conhecei a verdade e a verdade vos libertará”.

Aplicado às circunstâncias eleitorais, funcionou: conhecer a verdade sobre o sistema político, os erros do PT, e escolher um caminho alternativo pelo voto. Mas esse mesmo verso de João aplicado à complexidade do governo perde um pouco sua substância política. Creio que muitas vezes será preciso tomar decisões sem conhecer toda a verdade. E mesmo quando a alcançamos, é uma verdade provisória contestada.

A palavra salvação em política é ambígua e leva, de modo geral, a uma desconfiança. Ela se instalou como um contrabando na religião laica do marxismo, que definiu o sujeito da salvação: a classe operária. O problema é que a classe operária, na teoria revolucionária, precisava organizar seu exército para nos salvar. E nos colocava diante de um novo dilema: quem nos salvará dos salvadores?

A salvação pelo mercado, a exportação do livre-comércio e a democracia liberal provocaram alguns desastres. E isso é visto com resistência em muitos pontos do mundo, onde o nacionalismo ressurge.

Agora a presença religiosa é direta: esteve presente na escolha do novo ministro da Educação. Ao anunciar o nome de Ricardo Vélez Rodríguez, a opção de Bolsonaro foi interpretada por alguns articulistas como algo coerente, uma decorrência lógica de suas propostas de campanha. Não estou tão seguro de que tenha sido uma escolha tão linear. Bolsonaro visitou a Coreia do Sul e lá deve ter ouvido falar de outras experiências inovadoras de educação no mundo.

Durante algum tempo manteve diálogo com um setor mais técnico e, segundo a imprensa, chegou a considerar o nome do Instituto Ayrton Senna. Imagino que o diagnóstico que recebeu não ponha a questão dos valores como o problema principal de nossa educação, mas sim a baixa qualidade.

José de Souza Martins: De boca fechada

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

O presidente eleito da República, radicalmente diferente de Lula, seu êmulo, fala pouco. Quando candidato, deixou a palavra com as redes sociais. O Twitter tem-lhe permitido dizer tudo quase sem dizer nada. Quem o lê inventa o complemento da mensagem, conforme a mentalidade de cada um. Pode ter sido bom para ganhar a eleição. Mas os algoritmos ideológicos dessas mensagens cifradas municiam os protagonistas da nova era política com opiniões que na verdade são concepções do senso comum e do cotidiano. É no terreno da incerteza intencional que o novo governo vai sendo montado.

Já a postura lulista de falar demais baseou-se e baseia-se num outro tipo de cumplicidade dos acólitos que traduzem a fala barroca do líder em língua ideológica e em diretriz partidária. O que se revelou um erro de quem se julga no mundo, mas não vê o mundo.

No caso de Bolsonaro, os extraordinários poderes das redes sociais e dos púlpitos pentecostais encarregaram-se de elaborar a imagem ficcional de um candidato da ordem. Não o que ele é, mas o que querem que ele seja. Como ocorreu com Lula, ele não sabe e nunca saberá quem de fato é, politicamente. Chegamos à era do poder da incerteza.

É fenômeno da mesma qualidade que caracterizou a ascensão de Luiz Inácio ao poder. Nesse caso, a população demonstrou, mais em 2002, menos em 2006 e menos ainda em 2010, que se insurgia contra a voracidade de ganhos e de poder de setores insaciáveis e inescrupulosos da elite.

A carta do PT ao povo brasileiro, no entanto, foi uma declaração de adesão a eles e um reconhecimento público de que pelo poder o partido estava disposto a aceitar a cooptação. E foi o que aconteceu. Lula e Dilma presidiram a República, mas o PMDB e seus aliados a governaram. Relembrando a frase de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em "O Leopardo", de que tudo deve mudar para que tudo fique como está.

César Felício: Paulo Guedes, a ordem e o progresso

- Valor Econômico

Estratégia econômica parece estar comprometida

Paulo Guedes começou a ser chamado a honrar o seu papel de avalista de Jair Bolsonaro junto à nata do meio financeiro e empresarial antes mesmo da eleição. Na reta final da campanha, Bolsonaro elevou o tom e gravou um discurso para seus apoiadores na avenida Paulista de caráter nitidamente ameaçador contra a oposição. Falava em "banir os marginais vermelhos da pátria" e fazer valer a lei no lombo da "petralhada".

Guedes foi acionado por interlocutores. Lembraram ao economista que aquela era uma maneira de ganhar as eleições que prejudicava a governabilidade e que ele tinha a obrigação de se envolver nestas questões. O economista recebeu ainda um conselho de um deles: que jamais transigisse na defesa de valores democráticos.

Este interlocutor está convicto de que o futuro ministro da Economia entende a importância de um presidente manter-se nos limites da institucionalidade, sem procurar usar a sua popularidade para ampliá-los. Ele não tem certeza, entretanto, deste compromisso por parte do restante do entorno do presidente eleito.

Guedes gosta de dizer que seu encontro com Bolsonaro, no fim de 2017, foi a reunião "da ordem com o progresso". A ordem, claro, seria representada pelo capitão de reserva. Mas a amizade entre os dois, que dura apenas um ano, deixa evidente que existe uma expectativa de que o futuro ministro seja o manancial tanto da ordem quanto do progresso. Para agentes econômicos, autocratas embutem, por assim dizer, um risco de insegurança jurídica. Guedes seria o poder regulador do mercado sobre a aventura.

Eliane Cantanhêde: Justiça vira grande PF

- O Estado de S.Paulo

Assim como Bolsonaro atrai generais, Moro monta Justiça com delegados da PF

O Ministério da Justiça atraiu de novo a segurança pública, cresceu tanto que está virando uma grande Polícia Federal. Cuida de vários assuntos, mas os principais postos, quadros e recursos irão para as investigações contra corrupção, crime organizado e violência urbana.

Sérgio Moro estará às voltas, teoricamente, com índios, drogas, ordem econômica, consumidores, estrangeiros, arquivos nacionais, pirataria, tráfico de pessoas, patrulhamento de estradas e a sempre explosiva política penitenciária. Ufa!

Na prática, porém, Moro valeu-se de sua própria experiência de juiz criminal e ícone da Lava Jato e das duas mais contundentes promessas de campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro: acabar com a corrupção desbragada e a insegurança dos cidadãos e cidadãs de Norte a Sul.

Foi com base na sua experiência profissional e da sólida aliança que construiu com a PF que Moro encheu o seu ministério de delegados federais, assim como Bolsonaro montou seu governo – particularmente o próprio Planalto – com os velhos companheiros do Exército, hoje todos generais.

O anúncio de Moro para o superministério da Justiça, à semelhança de Paulo Guedes no superministério da Economia, foi recebido com enorme apoio pela sociedade, com ressalva para o PT, setores da esquerda e uma parte do Judiciário preocupada com a simbiose da figura jurídica e da figura política do ícone da Lava Jato.

Assim, a expectativa quanto ao trabalho de Moro é imensa e, quanto mais alta a expectativa, maior o risco de frustração. A sociedade está exausta de tanta corrupção, mas está ainda mais desesperada com a insegurança. Se o tempo passa e nada acontece, há o temor de Moro ser confrontado pela mãe irada com o assassinato da filha, o pai desesperado com mais um assalto na sua loja, todos achando que nada mudou e, injustamente, frise-se, cobrando: “E esse Moro, não faz nada?”.

Dora Kramer: Forte apache

- Revista Veja

O Congresso é melhor em levar na conversa que em bater continência

Com seus quase trinta anos de mandato como deputado, Jair Bolsonaro não é alguém a quem se possa atribuir desconhecimento sobre os caminhos em que as cobras andam no Congresso. Tendo sido o presidente eleito durante aquele período de sócio atleta do clube de um baixo clero catedrático nas manhas e artimanhas do Parlamento, por mais razão não se devem subestimar seus conhecimentos na matéria.

Mais do que você, eu ou qualquer um dos brasileiros tidos como expertos no tema, Jair Bolsonaro tem ciência de que a guarda compartilhada das relações com deputados e senadores entre o deputado Onyx Lorenzoni e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz não é uma aposta necessariamente certeira.

Portanto, ele deve ter um plano cujas informações essenciais garantidoras da eficácia do projeto ainda reserva para si. Se não tiver, pior para todos nós, tripulantes do mesmo barco, sobretudo considerando que o novo mandatário passou muito menos tempo no quartel do que na Câmara e, por isso, percebe (ou deveria perceber) com nitidez que na vigência da democracia é mais fácil o Congresso levar o general Santos Cruz na conversa que os parlamentares aceitarem submeter-se à disciplina militar.

A nomeação de quantidade inédita de militares em governo civil em si não configura risco ao regime nem uma ameaça ao estado de direito, reconquistado a penas duríssimas. É evidente que militares formados (alguns até nascidos) nos anos posteriores à ditadura são diferentes daqueles forjados em critérios anteriores à reformulação constitucional que desde 1988 sustenta o Brasil democrático e que o submeteu a reiterados e exitosos testes de firmeza institucional.

Ricardo Noblat: Bolsonaro sai em defesa do filho

- Blog do Noblat | Veja

Não pode ficar por isso mesmo

Depois da facada que Jair Bolsonaro levou em Juiz de Fora em 6 de setembro último, o Ministério da Segurança Pública abriu dois inquéritos para apurar se o agressor Adélio Bispo de Oliveira agira sozinho, por conta própria, ou se a mando de alguém.

O primeiro inquérito concluiu que ele agira sozinho. Adélio foi apontado como um homem mentalmente desequilibrado, que se opunha a Bolsonaro pelo que o então candidato a presidente dizia, e também porque supunha que ele era apoiado pela Maçonaria.

Sobre o segundo inquérito, nunca mais se ouviu falar. Dele se encarrega a Polícia Federal. Em outubro, foi prorrogado sem que se definisse uma data para seu termino. É preciso que chegue ao fim. Enquanto não chegar dará margem a todo tipo de especulação.

Murillo Camarotto: A ideologia que cabe no ônibus do Itamaraty

- Valor Econômico

Aversão à ideologia parece esquecida na questão de Israel

Ainda não foi apresentada nenhuma explicação razoável para a troca da embaixada brasileira em Israel, confirmada nesta semana pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que tem feito as vezes de enviado especial do futuro governo de seu pai em uma visita a autoridades em Washington.

Talvez essa explicação simplesmente não exista, visto que, mais uma vez, o presidente eleito teve que vir a público para consertar as declarações do "garoto". Jair Bolsonaro disse ontem que a mudança de Tel Aviv para Jerusalém seria apenas uma possibilidade - reforçada pela confirmação da vinda de Benyamin Netanyahu para a posse, em 1º de janeiro.

Feita com boné na cabeça, a política externa do futuro governo tem como prioridade a defesa dos interesses de quem anda de ônibus, conforme defendeu em artigo recente o próximo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Esse movimento, de acordo com o chanceler, faz parte da tarefa de extirpar o viés ideológico de dentro do Palácio do Itamaraty.

Segundo seu raciocínio, parte da diplomacia nacional ignora a existência e os interesses da "moça que espera o ônibus às 4 da manhã" ou "do rapaz triste que vende panos debaixo do sol". Fica, no entanto, a pergunta sobre o interesse dessas mesmas pessoas no logradouro da embaixada brasileira na Terra Santa.

A aversão à ideologia - pregada pelo novo chanceler e pelos "garotos" de Bolsonaro - parece esquecida quando o assunto é a delicada questão árabe-israelense. Se há razões não ideológicas para o envolvimento do Brasil nesse conflito, por que elas ainda não foram apresentadas para a população que anda de ônibus?

Monica De Bolle: Não fossem o gogó e os pés...

- Época

Seu objetivo era descobrir em que medida diferenças de temperamento entre os sexos eram culturalmente, não biologicamente, determinadas.

Não fossem o gogó e os pés... Sai a figura oculta que é um cachorro atrás, entra o marxismo cultural. Sai a saudação à mandioca, entra a ideologia de gênero. Ricardo Veléz Rodríguez, filósofo, teólogo e futuro ministro da Educação do governo Bolsonaro, condena a tal da ideologia de gênero, que, segundo ele e todos os ultraconservadores de sua estirpe que hoje pipocam mundo afora, é uma afronta aos valores tradicionais cristãos. Trata-se, segundo ele, de ideologia “destinada a desmontar os valores tradicionais de nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da cidadania, em soma, do patriotismo”. Assim como o novo chanceler de Bolsonaro, o futuro ministro da Educação mantém, desde 2009, um blog em que expõe suas ideias. Apropriadamente, o blog chama-se “Rocinante”, cavalo virtual em que monta Vélez Rodríguez para lutar batalhas quixotescas contra moinhos de vento como a “doutrinação de esquerda nas escolas”. Vélez Rodríguez, quem poderia imaginar, quer estocar o vento da ideologia de gênero, trancando-o num armário bem fechadinho.

Mas o que é ideologia de gênero? De acordo com alguns estudos e análises — sérios — da área de gender studies, a ideologia de gênero condenada por setores ultraconservadores mundo afora seria a visão de que gênero não tem relação com diferenças biológicas e de que pode ser simplesmente fruto de uma escolha individual. Segundo os detratores da ideologia de gênero — expressão cunhada por eles —, ela seria linha de pensamento perigosa que poderia contaminar as crianças e destruir a democracia. O movimento anti gênero e anti-ideologia de gênero marcou presença nos ataques à visita da filósofa Judith Butler ao Brasil há pouco mais de um ano, no repúdio ao referendo sobre o acordo de paz do ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos com as Farc em 2016, nas campanhas pela reforma da constituição distrital no México em 2017 e durante a votação final sobre a lei que acabaria com a proibição da interrupção da gravidez promulgada por Augusto Pinochet no Chile, também em 2017 . Esses são apenas alguns exemplos de como o rechaço à chamada ideologia de gênero vem se espalhando na América Latina com o fervor ultraconservador que se alastra como epidemia de fé e de rejeição à ciência.

Ruy Fausto: Única coisa rigorosa no discurso de Olavo são os palavrões

- Folha de S. Paulo

Autor questiona ideias do guru de Jair Bolsonaro e sua aplicação em propostas e ações do presidente eleito e sua equipe

As boas almas acham que tudo vai se normalizando no Brasil depois da eleição de Jair Bolsonaro. A ordem é pacificar, reduzir as diferenças ou fazer oposição... Construtiva. Afinal, seria preciso manter a cabeça fria. E se as coisas não se passassem exatamente assim?

Bolsonaro não era um candidato igual aos outros, aos que se apresentaram nas eleições de outubro ou em eleições anteriores, nem aos presidentes que se elegeram anteriormente. Exagero? “Complotismo”? Infelizmente, acho que não.

O vencedor do pleito de 28 de outubro não oculta o seu projeto, mesmo se afirma respeitar a Constituição, o que pode ser lido de muitas maneiras. Ele diz quais são as suas convicções e, com os seus partidários, da cúpula ou da base, age. Deixa claro que quer “desmontar o sistema”. E, em setores fundamentais, não deixa dúvida sobre o que isso significa.

As universidades e as escolas devem ser submetidas pela proposta da chamada Escola sem Partido. Houve também o episódio da intervenção nas universidades, que o STF pôs em xeque. Os jornais, já sabemos, devem se comportar bem, se quiserem ter “subsídios”.

Nada de publicar notícias sobre uma funcionária do presidente eleito que é surpreendida pela reportagem muito longe do seu trabalho. E nada de notícias sobre o uso abusivo de uma mídia eletrônica pelo candidato e pelo seu partido, na realidade, a ponta emersa de um iceberg. Nada de escrever coisas incômodas ao presidente. Ou então: nenhuma publicidade oficial e entrada barrada às entrevistas coletivas do novo presidente.

O Judiciário? Uma parte está com ele. A manifestação de cem procuradores e promotores em favor da famigerada Escola sem Partido é um sintoma da maior gravidade. Parte do Judiciário assume com entusiasmo um projeto liberticida.

Há também o projeto de revogar a chamada “PEC da bengala”, o que permitiria a Bolsonaro nomear quatro ministros do Supremo... Uma deputada eleita diz que isso é necessário, já que por razões “ideológicas” (sic!) o STF tende a barrar as brilhantes iniciativas do presidente (Escola sem Partido, excludente de culpabilidade etc.).

A parte do Judiciário que não estiver com o novo poder, cuidado: o filho deputado, o “menino”, não deixou por menos. Não é necessário um jipe nem um sargento para fechar o STF. Militares a pé, dos dois graus inferiores da hierarquia (com o perdão deles), poderão fazer o serviço.

E a Câmara? Não sabemos. Claro que a maioria dos deputados e senadores não é flor de muito bom cheiro. Mas as duas instituições, estas, há que preservá-las. O futuro ministro da Economia quer “prensar” uma delas, e parece que o verbo “tratorar” andou também circulando.


O Congresso aprova aumento dos subsídios dos membros do Judiciário, contrariando a vontade do novo presidente? Organiza-se um abaixo-assinado com mais de 1 milhão de assinaturas. Claro que somos contra esse aumento. Mas que uso fará o novo poder desse abaixo-assinado? Serviria de arma para uma batalha contra um Congresso demasiado indócil para o gosto do presidente?

Eduardo Bolsonaro, deputado eleito por São Paulo, aquele mesmo do “soldado mais o cabo”, recidiva com nova entrevista. Dois pontos-chave: se precisar prender 100 mil, diz ele, a propósito da projetada criminalização dos movimentos sociais, prenderemos... Mais claro ainda: seu projeto é o de “proibir” o comunismo, como na Ucrânia, na Polônia e na Indonésia (!). O que significaria, está dito quase com todas as letras na entrevista, pôr fora da lei o PT, o PC do B, e o PSOL. Nada menos...

A verdade é que não só podemos dizer que há um perigo real de que evoluamos para uma forma atípica de ditadura. Sem exagero, acho que o processo que nos levaria por esse caminho já está em andamento.

Para entender quem é Bolsonaro, vale a pena se debruçar sobre sua relação estreita com Olavo de Carvalho. Olavo de Carvalho é um misto de mau filósofo, de iluminado e de ativista, um militante da mídia que é seguido por centenas de milhares de adeptos.

Católico fundamentalista, ele andou falando bem de certos regimes, como o de Viktor Orbán, na Hungria. Nesse país, as “instituições” foram em geral conservadas. Vota-se, há câmaras legislativas e tribunais superiores e ordinários. Entretanto, é muito difícil dizer que a Hungria seja hoje uma democracia.

Orbán assegurou uma maioria confortável no tribunal superior, por meio de nomeações devidamente controladas. Pôs a mão nas escolas e nas universidades. Graças ao controle dos jornais e de algumas medidas na organização das eleições, ele garante um domínio estável sobre o país e impõe práticas restritivas em matéria de costumes. A alternância se tornou quase impossível.

Se há risco de que esse modelo venha a ser implantado do Brasil, é preciso reunir forças, discutir o mais possível, e, “not least”, não se esquecer de desmontar o discurso do adversário. Esse trabalho é da maior importância.

É com essa perspectiva, que dedicarei o que segue a Olavo de Carvalho, em especial à entrevista que o mentor e ideólogo de Jair Bolsonaro deu, duas semanas atrás, à revista Carta Capital.

Reinaldo Azevedo: Polícia, Chicago e caserna

- Folha de S. Paulo

Ou Bolsonaro devolve a política a seu lugar, ou não há como esse arranjo dar certo

Platão expulsou os poetas de sua "República"; Jair Bolsonaro, os políticos. Vai funcionar? O presidente eleito decidiu lotear o Executivo entre três legendas, e essa tripartição o aprisiona e o faz refém de sua própria concepção de mundo.

Dividirão o poder o Partido da Polícia, liderado pelo indemissível Sergio Moro; o Partido de Chicago, comandado pelo não menos indispensável Paulo Guedes, e o Partido da Caserna, composto pelo generalato da reserva.

Esses anéis de poder representariam o avesso virtuoso da política. Moro é aquele que mandava os políticos para a cadeia e que, já deixou claro, pretende ser juiz informal de seus colegas de ministério. Guedes é o que tem o dever de arrumar as contas que aqueles teriam destroçado. E os militares entram como a força incorruptível, despida de egoísmo.

Ecoam, na visão bolsonariana, o país edênico da ditadura militar, com serviços públicos eficientes, escolas sem partido, pleno emprego, menino brincando de bola, e menina, de boneca. Cada coisa em seu lugar.

Nada que lembrasse, note-se à margem, a mesa com que Bolsonaro recepcionou John Bolton em sua casa: bolo de fubá, café, marxismo cultural, celular, suco de laranja na caixinha, banana, Cuba, tela de computador, manteiga a céu aberto, Israel, Pabllo Vittar, Danoninho, Venezuela, água de coco, ideologia de gênero, queijo em isopor de padaria, Gramsci... Um caos de ofertas claras. Abarrotada, não havia lugar naquela mesa para uma ideia que fosse. Mas volto ao ponto.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e o gasto em saúde e educação

- Folha de S. Paulo

Equipe do presidente pode mudar piso de despesa social e reajuste de aposentadorias

Gente curtida no trabalho de aprovar reformas importantes diz que o Congresso não digere a tramitação de mais do que dois projetos grandes ao mesmo tempo.

Grandes como o quê? Por exemplo, uma reforma da Previdência e um pacote de segurança pública, para dar um exemplo baseado em intenções de Jair Bolsonaro.

A equipe econômica do presidente eleito parece ter ambições maiores, de mexer até em reajuste de aposentadoria e em gasto mínimo com saúde e educação.

No início de 2019, quer levar ao Congresso uma reforma da Previdência mais ou menos à moda daquela de Michel Temer, mas também a refundação previdenciária para o futuro (o regime de capitalização, de poupança individual para a aposentadoria).

Agora, estuda ainda um plano de desindexação das despesas com benefícios previdenciários, saúde e educação.

Trocando em miúdos: em situação excepcional ou de risco de estouro de limite de despesas, do “teto de gastos”, não haveria reajuste do benefício previdenciário nem pela inflação. Além do mais, poderia ser revogada ou suspensa a exigência de gastos mínimos com educação e saúde.

Tudo isso depende também de reforma constitucional, 308 votos na Câmara, duas votações em cada Casa do Legislativo, uma dificuldade imensa, como qualquer leitor de jornal está cansado de saber.

Hélio Schwartsman: O que um país deve ao outro?

- Folha de S. Paulo

Cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser em relação a seus homólogos

Está pegando mal até no Partido Republicano a extrema deferência com que Donald Trump vem tratando o príncipe Mohammed bin Salman, mesmo diante das crescentes evidências de que foi o herdeiro do trono saudita quem mandou assassinar o jornalista Jamal Khashoggi, no mês passado.

O que um país deve ao outro? Lembro-me vivamente de uma aula do saudoso Gérard Lebrun em que ele dizia que, se quiséssemos um exemplo do estado de natureza hobbesiano, bastava olhar para o campo das relações internacionais. Sem uma autoridade central forte que a todos submeta, cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser em relação a seus homólogos.

As principais limitações são a força do adversário, seguida de acordos e tratados internacionais, cuja imposição, entretanto, é fraca, e, no caso de democracias, da repercussão política que as ações possam ter para o público interno.

Rogério Furquim Werneck: O governo Temer no retrovisor

- O Globo

Presidente conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível

Daqui a não mais que um mês, todos os olhos estarão voltados para o novo ocupante do Palácio do Planalto. E o governo Temer estará relegado ao retrovisor.

Levará algum tempo até que o país consiga desenvolver uma visão equilibrada do desempenho de Michel Temer, ao longo dos quase 32 meses em que ocupou a Presidência da República, quatro deles como interino. Mas nada impede que, ainda em meio às intensas controvérsias que Temer continua a despertar, sejam aqui recapitulados fatos essenciais de sua polêmica atuação no Planalto.

Fazendo bom uso da larga experiência que adquirira em três mandatos como presidente da Câmara, Temer logo conseguiu converter a ampla coalizão que respaldara o impeachment de Dilma Rousseff em sólido apoio a seu governo no Congresso. Tendo entregue boa parte dos cargos de primeiro escalão a parlamentares especialmente influentes, viuse posteriormente obrigado a afastar vários deles na esteira de denúncias de corrupção.

Não obstante todos os temores de que lhe seria difícil atrair gente competente que, naquelas circunstâncias, se dispusesse a lidar com o descalabro que lhe deixara a antecessora, Temer conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível. O que, para o país, fez toda a diferença.

Merval Pereira: Estratégia de guerra

- O Globo

Não raro o processo dorme na gaveta do ministro que pediu vista até que a suposta maioria já não faça diferença

Oque aconteceu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) tem o nome técnico de “vista obstrutiva”, quando um ministro que vai ter sua tese derrotada pela maioria suspende o julgamento com um pedido de vista.

A partir daí, mesmo que a maioria, como ontem, já tenha sido formada, o julgamento não termina, porque até seu final ministros podem mudar de voto, e a decisão só poderá ser tomada quando o processo for devolvido para a pauta de votação.

Não raro o processo dorme na gaveta do ministro que pediu vista até que a suposta maioria já não faça diferença. É o que deve acontecer agora, com o pedido de vista do ministro Luiz Fux quando o julgamento estava em 6 a 2 a favor da permissão para que o presidente da República, no caso Temer, possa indultar quem ele quiser, sob qualquer critério.

A única limitação aceitável para os ministros que votaram a favor do indulto, como Gilmar Mendes, são os chamados “crimes hediondos”, como terrorismo e tortura.

O impasse aconteceu duas vezes ontem, pois também o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, pediu vista quando se formou uma maioria para manter de pé a liminar que impediu o presidente Temer de indultar os acusados de crimes do colarinho branco.

Bernardo Mello Franco: Rio, o estado a que chegamos

- O Globo

A Lava-Jato pôs um ponto final no ciclo de poder e corrupção do PMDB fluminense. Neste período, o estado quebrou e quatro governadores foram para a cadeia

A prisão de Luiz Fernando Pezão não é uma surpresa para quem acompanha a Lava-Jato no Rio de Janeiro. O governador já havia sido acusado de receber propina por diversos delatores do esquema que saqueou o estado. A novidade está no fato de ele ir para a cadeia antes do fim do mandato.

Pezão esperava ter mais um mês de tranquilidade até passar o cargo ao governador eleito Wilson Witzel. Até janeiro, contava com a proteção do foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça.

O sucessor de Sérgio Cabral tentava escapar do mesmo destino do padrinho político, preso no fim de 2016. A blindagem resistiu por dois anos e 12 dias. Neste período, a crise do estado se agravou e ele conquistou o título de governador mais impopular do Brasil.

Com os cofres raspados, o Rio passou a atrasar salários de servidores e aposentados. A falta de verbas fechou leitos de hospitais e deixou carros da polícia sem gasolina. A Uerj, umas das principais universidades públicas do país, ficou quase seis meses parada.

Míriam Leitão: Rio de Janeiro e da dúvida

- O Globo

É quase uma aberração, uma corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado

O estado amanheceu ontem diante de um rio de dúvidas. E o mês de janeiro, quando haverá troca de governo, ainda nem começou. O governador Luiz Fernando Pezão, preso logo cedo, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter sido sucessor do ex-governador Sérgio Cabral no comando da mesma organização que tirou recursos dos cofres públicos. A prisão teria sido necessária, 32 dias antes do fim de sua atormentada administração, porque provas estariam sendo destruídas, segundo disse o MPF.

A dúvida econômica do Rio de Janeiro é se ele conseguirá ficar de pé depois do longo tombo que sofreu em suas finanças nas últimas administrações. Nelas esteve Pezão. Primeiro, como vice-governador e homem de confiança de Sérgio Cabral e, depois, como governador.

O Rio é o único estado que conseguiu entrar no Regime de Recuperação Fiscal e o governador Pezão estava reduzindo a relação da despesa como proporção da receita corrente líquida. Em parte, pelo esforço do ajuste, empurrado pelo Tesouro, em parte, pelo petróleo. E agora? O Rio entrará num desvio? A informação de Brasília é de que o acordo não é com uma pessoa, mas com o estado. A questão é que tem que ser cumprido.

— Se o vice-governador, ou o novo, não cumprir o acordado, o estado do Rio perde o direito de continuar no Regime de Recuperação e perde todos os benefícios — informou uma autoridade federal.

Sem o benefício da suspensão do pagamento dos juros da dívida à União, o Rio se afundará ainda mais na crise. E ontem mesmo, no vazio de poder que houve logo após a prisão, o novo governador Wilson Witzel disse que não concorda com a privatização da Cedae porque acha que só as empresas deficitárias devem ser vendidas. A venda da Cedae é parte do acordo para sanear as finanças do Rio.

O problema é que o Rio tem uma enorme dívida. Os números mais recentes são: R$ 15,3 bilhões de dívidas refinanciadas e R$ 6,3 bi de honras de aval, que são dívidas que o estado não pagou e que a União teve que honrar. Ao todo, um endividamento de R$ 21,6 bilhões. Como houve aumento da receita, e ajuste nas despesas, o Rio está chegando ao fim do ano atingindo algumas metas, entre elas a de gasto de pessoal. Mas tem que continuar cumprindo as obrigações do acordo para permanecer no regime de recuperação fiscal.

Luiz Carlos Azedo: Aventuras da Lava-Jato

- Correio Braziliense

“O indulto de Natal já é jogo jogado. Revela que a maioria no Supremo que pode revogar a jurisprudência das prisões em regime fechado após condenação em segunda instância”

O principal eixo das eleições de 2018 foi a Operação Lava-jato, que sepultou as pretensões de muitos políticos tradicionais e alavancou a vitória do presidente eleito, Jair Bolsonaro, além da eleição de governadores, senadores e deputados que surfaram a onda de ojeriza dos eleitores ao establishment político. A prisão do governador Luiz Fernando Pezão (MDB), na manhã de ontem, no Rio, por determinação do ministro Félix Fischer, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, é uma demonstração de que a Lava-Jato está revigorada e uma nova ofensiva do Ministério Público Federal está em curso para punir os políticos corruptos.

Aos 63 anos, Pezão foi preso durante a Operação Boca de Lobo, após delação premiada de Carlos Miranda, operador de Cabral, que detalhou o pagamento de mesada de R$ 150 mil para o governador fluminense na época em que ele era vice. Haveria também pagamento de 13º de propina e ainda dois bônus de R$ 1 milhão como prêmio. Raquel Dodge acusou Pezão de ter dado continuidade ao esquema de corrupção que levou à prisão o ex-governador Sérgio Cabral, além de montar um sistema próprio de arrecadação. O vice-governador Francisco Dornelles assumiu o comando da administração estadual e deu uma entrevista na qual disse que a prisão de Pezão foi uma violência.

Os quatro últimos governadores eleitos do Rio de Janeiro já foram presos, mas somente Pezão o foi em pleno exercício do mandato, caso semelhante ao do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Rosinha Matheus foram presos quando já não eram mais governadores. Dornelles permanecerá no cargo até o fim do ano. O futuro governador Wilson Witzel, que começará sua gestão em 1º de janeiro de 2019, foi eleito na onda de rejeição aos políticos ligados a Cabral, entre os quais o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), que era o favorito na disputa, mas acabou contaminado pelo desgaste dos aliados presos.

Há um verdadeiro pânico no Congresso em relação às investigações ainda em curso, porque muitos políticos que não se elegeram ou ocupam cargos nos governos que estão se encerrando perderão o foro privilegiado. A prisão de Pezão sinaliza que os desdobramentos da Operação Lava-Jato nos estados ainda não se encerraram.

A bancada militar

Generais vão ocupar pastas importantes no governo Bolsonaro, e as ligações com a caserna também influenciaram a escolha de outros ministros

Por Gabriel Castro | Revista Veja

O presidente eleito Jair Bolsonaro não pode ser acusado de estelionato eleitoral. Em agosto passado, durante a campanha, ele disse que colocaria “um montão de militar” no governo caso fosse eleito presidente da República. Agora, a menos de um mês de assumir o cargo, está cumprindo a promessa e fazendo dos generais a maior e mais poderosa bancada da futura administração. Até o fechamento desta edição, Bolsonaro ainda não havia escalado toda a sua equipe, mas é certo que nenhum partido político terá o protagonismo reservado aos seus antigos companheiros de caserna.

Além do vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, o núcleo governista abrigará pelo menos outros quatro generais da reserva: Augusto Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (ministro da Defesa), Carlos Alberto Santos Cruz (secretário de Governo) e Maynard Santa Rosa (secretário de Assuntos Estratégicos), o único do quarteto que não terá status de ministro. O retrato é claro: os militares nunca acumularam tanto poder desde o fim da ditadura — e, agora, chegam ao Planalto pelo voto.

Durante a corrida presidencial, o capitão da reserva explicou assim a sua predileção por companheiros de Exército: “Acho difícil corromper um general. Não é incorruptível, mas muito mais difícil que esses últimos ministros que passaram por aí”. No desenho atual, o generalato tem primazia até mesmo dentro do Palácio do Planalto, que terá apenas dois ministros civis em suas dependências, ambos com funções esvaziadas. O deputado reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS) chefiará a Casa Civil, e o advogado Gustavo Bebianno, a Secretaria-Geral da Presidência. Nas administrações petistas, a Casa Civil era sinônimo de poder, e por ela passaram nomes como José Dirceu e Antonio Palocci, ambos condenados à prisão na Operação Lava-Jato, e a própria ex--presidente Dilma Rousseff. Na gestão Bolsonaro, a pasta será desidratada. Lorenzoni vai dividir as atribuições de articulador político com o general Santos Cruz, que comandou missões de paz da ONU no Congo e no Haiti (veja o quadro na pág. 57), e compartilhará as funções de coordenador da máquina administrativa com o general Mourão.

Os generais já participavam da campanha presidencial, capitaneando discussões sobre o programa de governo de Bolsonaro. Com a vitória nas urnas, foram chamados a ocupar postos estratégicos da futura administração. No novo núcleo governista, o general Augusto Heleno é quem tem mais prestígio com Bolsonaro, sendo consultado sobre cada militar cotado para cargos de primeiro escalão. A ideia inicial era que Heleno comandasse o Ministério da Defesa, mas o presidente preferiu a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que fica no próprio Palácio do Planalto e tem sob o seu guarda-chuva a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão que pretende fortalecer. “A Abin é o grande produtor de informações elaboradas para o governo. Informação é poder. E inteligência é a informação elaborada. Portanto, inteligência é um instrumento indispensável”, disse a VEJA. Com a ascensão dos militares, a área de inteligência voltará a ganhar musculatura.

“Acho difícil corromper um general. Não é incorruptível, mas muito mais difícil que esses últimos ministros que passaram por aí”

Os generais de Bolsonaro

Quem são os militares que estarão no coração do poder

Jailton de Carvalho | Época

Com a indicação de Carlos Alberto dos Santos Cruz para a Secretaria de Governo, já são quatro os generais no alto escalão do presidente eleito Jair Bolsonaro Em junho, quando o cenário eleitoral ainda estava indefinido, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz deixou discretamente o comando da Secretaria Nacional de Segurança Pública para mergulhar na campanha do capitão da reserva Jair Bolsonaro, visto por muitos naquele momento como um azarão. Neste mês, na segundafeira dia 26, o agora presidente eleito anunciou num inesperado tuíte que Santos Cruz será o futuro chefe da Secretaria de Governo, um dos dois cargos mais importantes na estrutura da Presidência da República. Caberá ao general gerenciar os ministérios e fazer a interlocução do futuro governo com os grupos da sociedade civil.

Santos Cruz será o terceiro general com um lugar estratégico na próxima configuração do Palácio do Planalto — os outros dois confirmados serão o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. A ascensão de Santos Cruz ao coração do poder foi uma surpresa, porque ele havia sido convidado pelo ex-juiz Sergio Moro a voltar à Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Por que Bolsonaro escolheu esse general para ocupar um cargo político como a Secretaria de Governo? Para ex-colegas de caserna, essa dúvida não existe. Santos Cruz se credenciou a um gabinete no Planalto pelo extenso currículo internacional, pela proximidade com o presidente eleito e, sobretudo, porque seu histórico pessoal coincide com o perfil de austeridade e dureza que Bolsonaro idealiza para o governo.

Tido como um linha-dura entre os linhas-duras do Exército, o general é quase uma lenda entre os militares das três Forças, sobretudo entre os mais jovens. “Ele é faca na caveira”, resumiu um militar a uma assessora do governo quando o general retornou ao Brasil, depois de passar dois anos — entre 2013 e 2015 — como chefe da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) na República Democrática do Congo. “Ele não tem medo de matar ou morrer quando está em ação. Sabe que isso faz parte do trabalho. Ele é simplesmente pragmático”, explicou um oficial experiente, que conhece bem a carreira de Santos Cruz.

Obras minguantes: Editorial | Folha de S. Paulo

Investimento público chega ao menor patamar já medido no país

O período dos militares no poder esteve associado ao pico histórico das obras públicas no país, quando os investimentos da União e de suas estatais, dos estados e dos municípios chegaram a somar mais de 10% do Produto Interno Bruto.

Carrega algum simbolismo, assim, a indicação de Tarcísio Gomes de Freitas, formado pelo instituto de engenharia do Exército, para a chefia da pasta da Infraestrutura no governo Jair Bolsonaro (PSL). Mas não muito mais que isso.

Por qualificado que seja o escolhido, e por estratégico que pareça o setor aos oriundos da caserna, a depauperação do Orçamento não permite que se prometa nem mesmo a recuperação dos já modestos patamares anteriores à recessão econômica —que dirá os recordes dos anos 1970.

Freitas não comandará um superministério, como chegou a especular o entorno bolsonarista.

Em vez de integrar à pasta outros órgãos, o presidente eleito preferiu simplesmente dar um novo nome ao atual Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

Um plano ainda sem Trump: Editorial | O Estado de S. Paulo

Será uma surpresa se o novo governo aproveitar uma das melhores contribuições deixadas pela atual administração, um esboço de planejamento econômico e social para os 12 anos de 2019 a 2031. Esse período corresponde aos próximos três mandatos presidenciais. A estratégia apresentada inclui, entre seus pressupostos, a manutenção de compromissos com objetivos amplamente partilhados, como o desenvolvimento sustentável em termos ambientais. As bases desse trabalho foram expostas pelo ministro do Planejamento, Esteves Colnago, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na presença do presidente Michel Temer e do coordenador do Gabinete de Transição, Onyx Lorenzoni. No mesmo dia, quarta-feira passada, o Itamaraty anunciou, atendendo o presidente eleito, a renúncia do Brasil a sediar em 2019 a conferência do clima da Organização das Nações Unidas, a COP-25. Esse contraste é mais uma indicação de um fosso muito largo entre duas concepções do Brasil e do mundo.

A do atual governo é favorável a uma diplomacia aberta à mais ampla cooperação, como foi afirmado muitas vezes. O Brasil está de volta, disse o presidente Michel Temer em Davos, numa sessão plenária do Fórum Econômico Mundial, no começo de 2018. Ele se referia à recuperação do País, depois de dois anos de recessão, e também à diplomacia econômica. Essa diplomacia, segundo Temer, valorizava maior abertura e maior integração no sistema global, depois do terceiro-mundismo dominante na fase petista. Qual será a mensagem do novo presidente, Jair Bolsonaro, se ele se juntar a milhares de participantes de todo o mundo, para assistir a uma das principais liturgias da globalização, a reunião anual do Fórum?

Fed indica que ciclo de alta dos juros não será longo: Editorial | Valor Econômico

Com um par de palavras, o presidente do Federal Reserve Bank, Jerome Powell, mudou a direção esperada da política monetária americana e animou os mercados financeiros globais. Ao discursar no Clube Econômico de Nova York para apresentar o primeiro "Relatório de Estabilidade Financeira", Powell disse que a taxa de juros determinada pelo Fed estava apenas "um pouco abaixo" da neutra - a que não estimula nem contrai a economia -, indicando que o banco central americano pode estar se aproximando de uma pausa no seu ciclo de aperto monetário. Da última vez em que comparou as duas taxas, Powell dissera que elas ainda estavam muito distantes uma da outra, sugerindo a necessidades de vários aumentos futuros.

A trajetória indicada pelo Fed em reunião de setembro, e ao lado dela, pelos gráficos de pontos sobre o caminho futuro dos juros, apontou que o cenário mais provável visto pelos membros do Fomc era de mais uma alta em dezembro, seguida de mais três ao longo de 2019. O Fed deve elevar o juro novamente em dezembro, para 2,25% a 2,5% e talvez um par de vezes mais, até atingir 3%.

O combate à cultura criminosa da política do Rio: Editorial | O Globo

Prisão de governador aumenta a responsabilidade dos que assumem em janeiro

A imagem da política praticada no Rio de Janeiro, principalmente depois da fusão da Guanabara com o Estado do Rio, nunca foi boa. E degradou-se bastante. Um balanço do destino de homens públicos, do Executivo e Legislativo doestado, de 1998, dez anos após promulgada a Constituição que institucionalizou a redemocratização, até a última eleição geral, em outubro, não deixa dúvidas.

Todos os governadores eleitos no período, com exceção de Benedita da Silva, estão ou foram presos. O último é Luiz Fernando Pezão, que teve prisão preventiva decretada ontem pelo Superior Tribunal de Justiça, tornando-se o primeiro governador do estado a ser detido no exercício do cargo.

No Legislativo (Alerj), todos os presidentes da Casa, entre 1995 e 2017, ouviram voz de prisão: Sérgio Cabral, também ex-governador, Jorge Picciani e Paulo Melo. Ocorreu o mesmo com dez dos 70 deputados estaduais. No Tribunal de Contas do Estado, órgão auxiliar da Assembleia, cinco dos seis conselheiros foram pelo mesmo caminho.

Poesia - Manuel Bandeira: A estrela da manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã