segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Alberto Aggio

Mesmo numa conjuntura problemática, a democracia tem possibilitado aberturas tanto ao que se poderia chamar de hiperdemocracia (a democracia como critério para tudo) quanto ao hiperpluralismo (uma ampliação ilimitada de sensibilidades que invadem o espaço público). Mas, conforme Giovanni Orsina (La Democrazia del Narcisismo, 2018), a emergência de uma cultura narcísica, ao subjetivar todas as atividades, vem alterando o sentido do individualismo moderno. Essa cultura é uma obsessão baseada na incapacidade de perceber a própria pessoa e a realidade como duas entidades separadas e autônomas, de distinguir o que está dentro do que está fora, em suma, o objetivo do subjetivo.

A repercussão disso na política é devastadora. O cidadão, o individuo democrático, fechado em si mesmo, passa a não escutar mais, refuta interpretações e avaliações da realidade que venham de fora dele. Sua relação com o mundo é inteiramente determinada pelo filtro de uma perspectiva subjetiva não educada nem amadurecida pelo confronto. Onipotente, é incapaz de imaginar o futuro a não ser como espelho do desejo, sem mediações, avesso à política.

A irrupção da antipolítica nas sociedades contemporâneas, e no Brasil em particular, não pode ser reduzida ao “fantasma do populismo” nem ao maniqueísmo do embate entre democracia e fascismo. Recuperar a política como um desígnio moderno, sem polarizações estéreis, é o desafio do tempo presente.
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* Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp. ‘A irrupção da antipolítica’, O Estado de S. Paulo, 9/12/2018

Marcus André Melo: Governo e controles

- Folha de S. Paulo

Tudo depende de como Bolsonaro reagirá às instituições que não controla

“A escolha do presidente da República continua a constituir o maior drama do país, seu único drama.” Se é verdade o que afirma Hermes Lima, em 1955, vivemos agora o entreato: passado o momento da escolha, as expectativas voltam-se para o que vem pela frente. O que será o futuro governo Bolsonaro?

Os cenários foram antecipados pelo autor: “Se o presidente é dotado de forte personalidade e seu partido conta com maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu caráter unipessoal, impõe avassaladoramente sua vontade. Se o presidente é fraco, o Congresso toma o freio nos dentes. Em qualquer dessas hipóteses, não há colaboração, há predomínio”.

Para Lima, há assim um jogo de soma zero nas relações Executivo-Legislativo. Mas, na realidade, há ganhos de troca nessa relação e ambos podem beneficiar-se.

O modo default de funcionamento das relações Executivo-Legislativo é com predominância do presidente: o Executivo domina a agenda do Congresso, porque tem instrumentos regimentais para isso, dispõe da caneta para nomear, demitir e liberar recursos do Orçamento. A popularidade presidencial é crucial nesse jogo.

Assim, no modo normal de operação, é fácil construir maiorias porque para os parlamentares há incentivos para a cooperação, e o saldo líquido de custos e benefícios é positivo. A estratégia dominante para os atores é cooperar.

Vinicius Mota: 30 anos à luz do Sol

- Folha de S. Paulo

É profundo o contraste entre o Brasil do AI5, decretado há 50 anos, e o de hoje, em que as liberdades são plenas e a força se submete ao direito

Nesta semana completam-se 50 anos da decretação do quinto ato institucional da ditadura militar brasileira, que inaugurou a fase mais violenta do regime. Relembrar aquele mergulho repressivo revela um quadro de profundo contraste com a situação atual.

Há três décadas os brasileiros são regidos por uma Constituição democrática. As liberdades são plenas, partidos se alternam no poder, a força se submete ao direito, as chagas da ignorância, da pobreza e da desigualdade são combatidas, embora com resultados ainda insatisfatórios.

Ninguém desafia abertamente a ordem constitucional. Ideias tresloucadas de constituintes exclusivas, de intimidação do Judiciário e de cerceamento da imprensa não prosperam. Não há alternativa de fato à democracia, como houve de 1946 a 1964 no Brasil. Na Venezuela, na Turquia e na Hungria, o caminho alternativo nunca foi fechado. Aqui foi.

Populistas de esquerda e de direita eleitos têm de governar conforme as regras. Devem satisfação a diversas instâncias autônomas e respeito às decisões dos outros Poderes. Quem caminha pelas margens flerta com a ingovernabilidade, a impopularidade e a cadeia.

Leandro Colon: O Coaf no mensalão

- Folha de S. Paulo

Futuro ministro questionou papel do órgão no esquema investigado no governo Lula

“A pergunta é: onde é que estava o Coaf no mensalão?”, questionou Onyx Lorenzoni antes de abandonar entrevista na sexta (7) ao se irritar com a insistência dos repórteres para que comentasse as suspeitas sobre a movimentação financeira do motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito.

Falta memória ao futuro ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro. As notas taquigráficas do Congresso podem ajudá-lo a recuperá-la. Às 10h21 do dia 10 de janeiro de 2006, uma terça-feira, foi aberta uma sessão da CPI dos Correios para ouvir o então presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues.

Criada no ano anterior, a comissão parlamentar investigou o esquema do mensalão do governo Lula.

O deputado Onyx era o sub-relator de Normas de Combate à Corrupção e conduziu o depoimento do presidente do Coaf naquele dia, na sala 2 da ala Senador Nilo Coelho, no Senado. Foi o primeiro a indagá-lo sobre a atuação do órgão de controle financeiro do governo federal.

Onyx, aliás, agradeceu Rodrigues, em nome da CPI, pela presença. Depois de uma longa fala, o deputado perguntou sobre normas do Banco Central, eventuais falhas de fiscalização financeira e o alcance do Coaf.

Rodrigues detalhou o modelo de trabalho do órgão e seus limites de ação, sobretudo em relação a investigações em torno de uma transação considerada atípica. “Se você não tem outros elementos que circunstanciem aquela movimentação, diria que é praticamente impossível você chegar a identificar tudo”, disse.

Celso Rocha de Barros: Bolsonaro queima a largada

- Folha de S. Paulo

Depósito de assessor dispara todos os alarmes de quem investiga corrupção

A verdade é que ninguém estava pronto para um escândalo desses já agora.

Acabamos de sair da pior campanha eleitoral de nossa história, e mesmo os derrotados da eleição estavam aproveitando a trégua para respirar e se reorganizar. A maioria dos eleitores brasileiros votou em Bolsonaro, e, como convém a maiorias eleitorais no mês entre a eleição e a posse, ainda se permite ter esperança com o novo governo. Em não se tratando de reeleição, alguma lua de mel sempre é concedida ao recém-eleito.

Até porque, qual a probabilidade de aparecer uma denúncia de corrupção quente, antes da posse, que não tenha aparecido na campanha?

Pois é.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou que Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador recém-eleito Flávio Bolsonaro, movimentou em 2016 e 2017 muito mais dinheiro do que poderia, plausivelmente, ter ganho com suas fontes de renda conhecidas. Entre os vários depósitos suspeitos feitos por Fabrício, R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, nossa nova primeira-dama.

O presidente recém-eleito, aparentemente, achou que ainda não estava suficientemente envolvido no escândalo e resolveu dizer que ele, Jair Bolsonaro, emprestou dinheiro para Fabrício Queiroz e que o depósito para a primeira-dama seria pagamento do empréstimo.

Olha, sinceramente, se era para inventar um negócio desses, era melhor ter pedido ajuda ao Olavo. Ele teria contado que Queiroz era do Foro de São Paulo, que o dinheiro havia sido roubado por George Soros usando a Lei Rouanet, que Bolsonaro nasceu no Quênia, enfim, algo que tampouco nos convenceria, mas, ao menos, nos manteria entretidos.

Assessor de político depositando dinheiro para a família do chefe é o tipo de coisa que dispara todos os alarmes de quem investiga corrupção. Na mesma hora em que as denúncias foram publicadas, por exemplo, o cientista político Sérgio Praça lembrou do caso do esquema de distribuição de dinheiro de PC Farias no governo Fernando Collor.

E, falando em gente que investiga corrupção, o que Sergio Moro pretende fazer? O novo ministro da Justiça não poderá continuar evitando perguntas sobre o assunto, e é bem ruim que as tenha evitado até agora.

Se um acusado da Lava Jato, sentado no banco dos réus, contasse essa história do empréstimo, Moro acreditaria?

Os bolsonaristas sabem que sofreram um golpe duro. Excepcionalmente, a bolsosfera calou-se. 

Fernando Limongi: A política familiar

- Valor Econômico

Um enredo conhecido que já se repetiu vezes sem conta

O dia da família, 8 de dezembro, não foi comemorado pelos Bolsonaro. A efeméride não gerou as esperadas mensagens na rede social, talvez porque os negócios da família, suas amizades e dívidas, tenham ocupado o noticiário. Cheques depositados na conta da futura primeira dama precisaram ser explicados e, como de costume, contabilizados como dívidas pessoais de um velho amigo que se perdeu pelo caminho.

Não é de hoje que os negócios dos amigos e dos familiares são fontes de embaraço para políticos. O enredo é conhecido e se repetiu vezes sem conta.As iniciativas do filho de Lula que ocuparam o noticiário durante a semana estão aí para comprovar. Há sempre um empresário a postos para bancar a aventura em troca das oportunidades que a proximidade com o poder gera.

Magno Malta, o puxador oficial das preces presidenciais, não chegou a ministro porque, para usar a expressão cunhada por Jacques Wagner, começou a se lambuzar com as sinecuras do poder antes mesmo de ocupar o cargo. A generosidade do empresário Eraí Maggi para com Malta, cedendo aeronaves para facilitar deslocamentos do candidato, não foi interpretada como um ato de comprometimento com a defesa da família, da pátria e dos bons costumes. A dupla Malta e Eraí já dava como certo até que emplacariam Adilton Sachetti no Ministério da Agricultura. Malta não resistiu ao escrutínio dos lotados na equipe de transição. Aparentemente, outros tantos aliados de primeira hora não obtiveram o aval da equipe por razões similares. Eraí Maggi, com certeza, não foi o único a investir recursos para usufruir da intimidade do novo núcleo do poder.

Obviamente, políticos e membros da 'entourage' presidencial não se distinguem dos lotados nos demais poderes. Não por acaso, o Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA) se lembrou de incluir os Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio entre os convidados a participar do seminário que promoveu em Búzios, no Ferradura Resort. Entre os palestrantes, destacou-se Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux, que representa a CONAPRA em causa a ser julgada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ao explicar o papel do prático, o Ministro Marco Aurélio evidenciou porque sua presença era imprescindível: "É um verdadeiro comandante. Ele assume o navio para a entrada no porto. Ele que conhece os aspectos alusivos ao porto, inclusive os canais existentes."

Denis Lerrer Rosenfield*: Quebra-cabeça

- O Estado de S.Paulo

Equipe do novo governo parece não se entender quanto à urgência de reformar a Previdência

Ideias que levam um candidato a conquistar a Presidência da República não são necessariamente as que o levam a governar. Conquistar o apoio da população pressupõe ganhar a opinião pública por meios retóricos, que não são os que podem ajudar a resolver os problemas mais urgentes do País. Um candidato deve, muitas vezes, escolher entre dizer a verdade sobre a situação econômica ou ocultá-la, esperando, entrementes, ganhar os corações.

Acontece que a conquista dos corações pode ou não coincidir com escolhas racionais, baseadas em argumentos para transformar o País. É muito mais fácil eleitoralmente prometer empregos, como se fosse possível criá-los por passe de mágica, do que produzir riquezas, pressupondo contas públicas saneadas e assumindo a responsabilidade fiscal. Pouco foi dito, afora generalidades, sobre a necessidade de uma reforma da Previdência como condição para que o Brasil volte a crescer de forma sustentável.

O discurso do candidato Jair Bolsonaro foi, sobretudo, baseado na luta contra a corrupção, o resgate de valores conservadores e o combate ao petismo. Suas tiradas foram muito pertinentes e ele soube fazer excelente uso das redes sociais. No que toca a esses pontos, pode-se dizer que a formação de sua equipe é coerente com o que foi proposto eleitoralmente.

Todavia as ideias de combate à corrupção e os valores morais e religiosos não são de nenhuma valia para a condução da economia de um país, salvo a honestidade no tratamento dos negócios públicos. Nada nos dizem sobre a necessidade, inelutável, de uma reforma da Previdência para o saneamento das contas públicas e a redução da dívida pública. Se nada for feito rapidamente, é o destino do Brasil e do próprio governo que estará em jogo. Aqui, a retórica e a demagogia terão alcance muito limitado. A verdade aparecerá logo ali, dentro de um ano ou, no máximo, dois.

Fernando Gabeira: Um cão no supermercado

- O Globo

Percorrer o Brasil atenua o impacto das más notícias. A imprensa não pode deixar de divulgá-las: são parte da realidade

Florianópolis. De novo na estrada. Glória a Deus. Digo isso porque no período eleitoral entrevistei o Cabo Daciolo. No final da entrevista, me convidou para ser ministro de seu governo. Daciolo esperava vencer, no primeiro turno, com 51%. Aceitei o convite mas lembrei: “Olha, Daciolo, Deus costuma escrever certo por linhas tortas.” Tínhamos que estar preparados para a derrota.

Portanto, glória a Deus: de novo peregrinando pelo Brasil, constato o valor dessa escolha.

No meio da semana, telefonei para casa e soube de uma notícia triste: um cachorro foi morto a golpes de barra de ferro, no supermercado Carrefour. Logo na semana em que o cachorro do velho Bush comoveu o mundo deitado defronte ao caixão de seu dono.

Estava no meio de um trabalho com cachorros. Não podia fugir desse tema. Passei a tarde seguindo um cão-guia e seu dono pelas ruas de Camboriú, Itajaí e Navegantes.

É uma história sobre a escola de cães-guia Helen Keller, em Camboriú. A cadela se chama Alegria e é tão importante para o seu dono que ele tatuou no braço o nome e a pata de sua amiga. Impressionante segui-los, pois ela é muito concentrada, ignora latidos, paqueras e segue no caminho de casa perto do hospital de Navegantes.

Esta semana, conheci também Atobá, um labrador de cara grande. Ele é chamado de Doutor Atobá no Hospital Joana de Gusmão, onde faz um trabalho. Brinca com crianças com câncer e às vezes as acompanha nos seus dias finais.

Além disso, Atobá ajuda na terapia de crianças que sofreram paralisia cerebral ao nascer e ajuda os que têm problema de mobilidade.

Rosiska Darcy de Oliveira: A ministra e as mulheres

- O Globo

Eleito em pleito democrático, o presidente Bolsonaro, no uso de seu direito, escolheu uma pastora da Igreja Quadrangular, Damares Alves, para a pasta que cuidará de Mulheres, Família e Direitos Humanos.

A ministra tem opinião formada sobre o que é ser mulher: “A mulher nasceu para ser mãe e o homem protetor, cuidador e provedor”. De que mulheres e homens está falando?

Será ministra de um país em que mulheres ocupam a metade do mercado de trabalho, a natalidade vem caindo sem nenhum programa de planejamento familiar, por livre escolha das mulheres. O aumento da escolaridade abriu para elas outros horizontes, o que não significa que não criem os filhos que têm com dedicação e amor. O número de lares brasileiros chefiados por mulheres saltou de 23% para 40% em 20 anos segundo os dados do Ipea.

A ministra quer um país sem aborto e diz que não tratará do assunto. No Brasil, os abortos clandestinos são mais de um milhão por ano, refletindo uma política de prevenção precária e um tempo em que as mulheres exercem a liberdade de decidir quando querem ser mães. Um país sem aborto seria o resultado da eficácia mágica de uma politica pública ou da repressão que punisse o aborto como crime, na contramão de um mundo em que a maioria das democracias ocidentais já o descriminalizou?

Cacá Diegues: O sorriso do professor

- O Globo

No antigo curso ginasial de meu colégio de adolescente, havia um professor de Português que nos enjoava sempre com seu ar de tristeza e pessimismo, sobretudo quando saía um pouco do currículo previsto e se punha a dissertar sobre algum acontecimento político que tivesse ocupado recentemente os jornais. Um fracasso qualquer.

Uma manhã, o tal professor chegou à sala de aula parecendo feliz, sorrindo pelos quatro cantos da boca. (Bem, sei que a boca só tem dois cantos, mas vamos exagerar um pouco, para melhor entender o professor). Como sabíamos que ele era um solteiro inveterado, suspeitamos de que se tratasse de alguma conquista amorosa em seu solitário destino. Mas não era.

Não demorou muito e o professor, sem conseguir se controlar, começou a elogiar uma vitória política qualquer, contra uma tirania qualquer, em algum lugar do mundo, talvez até no próprio Brasil. Ele arriscava assim sua pele de mestre, num colégio que nem primava tanto pela liberdade de expressão. Muito menos quando essa liberdade protegia expressão contrária ao pensamento dominante dos padres de plantão e no poder do colégio, considerado o melhor e dos mais selecionados do Rio de Janeiro.

O dia inteiro foi de chacota e comemorações que, naquele tipo de conversa, uma coisa não existia sem a outra. O professor fazia com que seus superiores, os sacerdotes que mandavam nele, não percebessem o que se passava na sala de aula. Aquela era uma vitória particular sua, saída da vitória política conquistada no noticiário do dia, que o fazia tão leve, sorridente e cheio de imaginação. O professor comemorava sozinho a liberdade conquistada em outro continente, por outro povo, enquanto nós, que gostávamos tanto dele (ou, no mínimo, achávamos tanta graça nele), tentávamos compreender o que se passava em sua cabeça ou em seu coração. Por que estava tão alegre o nosso sorumbático adulto exemplar.

Nunca havia visto antes uma pessoa rir tanto para dentro, como se o sorriso só servisse a ele mesmo e a mais ninguém. Nem mesmo a nós, que ele sabia que o amávamos tanto.

Marcus Pestana: Mais saúde, mais médicos

- O Tempo (MG)

A saúde é prioridade absoluta e desafio permanente. A reforma sanitária brasileira inverteu o modelo assistencial, colocando a atenção primária como centro organizador do sistema. Além das ações de prevenção, vigilância em saúde e promoção da saúde, é preciso que as equipes da estratégia de saúde da família tenham resolutividade clínica.

A estratégia da saúde da família conseguiu muitos avanços e êxitos. Mas a expansão do programa não é nada fácil num país continental como o Brasil e de tamanha diversidade.

Na organização das redes assistenciais, tendo com núcleo gravitacional a saúde da família, o maior gargalo é o capital humano, principalmente em relação aos médicos. Há diversos problemas: formação médica, descentralização territorial, fixação dos profissionais para a consolidação de laços permanentes com a população, educação permanente em trabalho, organização do mercado de trabalho, padrões salariais.

Há mais de 400 mil médicos no Brasil. Temos mais de dois médicos atuando no país por cada mil habitantes. Índice próximo aos de países como Estados Unidos, Japão e Canadá. O problema é a distribuição regional. Mais de 55% atuam no Sudeste brasileiro. Mais de 55% dos profissionais estão nas capitais, que representam apenas 24% da população.

Para suprir os vazios assistenciais, o governo federal concebeu o programa Mais Médicos. Sempre opinei no Congresso que seria uma saída paliativa e não sustentável. As relações trabalhistas são precárias, e a qualidade da assistência é questionável.

Cida Damasco: Expectativas ‘fatiadas’

- O Estado de S.Paulo

Vacilos de Bolsonaro expõem insegurança sobre Previdência mais adequada ao País

A semana terminou com uma “nova” reforma da Previdência. Fatiada, inicialmente restrita à fixação da idade mínima e talvez escorada na proposta de Temer. Aquela proposta execrada por Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil e até o momento formalmente responsável pela articulação política do governo Bolsonaro. Mais um capítulo da interminável série “O que fazer com a Previdência”, que tem no mínimo um “spoiler” por semana e um enredo em constante mutação. Sabe-se lá, portanto, qual será a reforma que vai vingar das conversas dos próximos dias.

Não há sombra de dúvida que a reforma da Previdência é o objeto dos desejos dos mercados e do setor produtivo e foco dos planos de ajuste fiscal que circulam há bom tempo nos debates acadêmicos e políticos – e ganharam eco, inclusive, na campanha eleitoral. Mas, pelo número de vezes que o futuro presidente e seus assessores anunciaram os rumos da reforma e pelo número de vezes que eles recuaram nesses rumos, dá para imaginar que, na melhor das hipóteses, não há segurança no grupo de Bolsonaro sobre qual é a reforma mais adequada para as necessidades do País. Por mais adequada, entenda-se a mais eficiente para evitar o colapso das finanças públicas, a mais capacitada para ajudar a reduzir as desigualdades sociais e, por fim, a mais viável para emplacar no Congresso.

Bolsonaro declarou na semana passada que a reforma começaria pela fixação de uma idade mínima “dois anos acima”, sem especificar de que base esse cálculo partiria – hoje não há idade mínima e, na proposta formatada no governo Temer e estacionada no Congresso, foram estabelecidos pisos de 65 e 62 anos, respectivamente para homens e mulheres. Essa parte, segundo Bolsonaro, teria condições de ser votada ainda no primeiro semestre de 2019. O restante ficaria para depois. O futuro presidente também não disse mais nada sobre o que está incluído nesse restante, mas é possível concluir que se refere, por exemplo, a mudanças importantes para equiparar os sistemas de aposentadoria dos servidores públicos com os dos trabalhadores do setor privado, outro ponto fundamental da reforma.

Fabio Graner: Previdência: reforma, mitos e virtudes

- Valor Econômico

Previdência retira 31 milhões de brasileiros da pobreza

A discussão sobre reforma da Previdência ganhou do Ministério da Fazenda na semana passada uma prova sobre como esse debate ainda está mal colocado na sociedade brasileira.

No balanço da gestão econômica do governo Michel Temer e nas perspectivas para o próximo mandato, o sistema de aposentadorias e pensões é tratado simplesmente como uma fonte de rombos fiscais e desigualdade social. O texto se apoia em cálculos mostrando que apenas 3% dos benefícios iriam para os 20% mais pobres do país, enquanto 41% iriam para os 20% dos brasileiros mais ricos.

Sem entrar no mérito do que mostram os números (o material não explicita como se chegou a eles), é possível dizer que esse é um tipo de meia-verdade que dificulta o processo de convencimento da população, representada pelos parlamentares no Congresso, sobre a necessidade de reforma.

Para quem olha com algum cuidado os números da Previdência, não há muitas dúvidas de que há algo errado e de que o sistema precisa ser ajustado. Os que contestam essa necessidade parecem defender algum tipo de teoria econômica exótica que ignora a realidade.

O Brasil é, por exemplo, um dos raros países onde não há idade mínima para se requerer aposentadoria. Definir uma regra alinhada com a elevada e crescente expectativa de vida, bem como critérios para transição são necessidades urgentes para garantir a sustentabilidade do sistema.

Além disso, há outros problemas a serem corrigidos, como a disparidade entre os regimes público e privado, em que está a grande injustiça do sistema. É claro que se deve caminhar para uma unificação de regras que não só traga melhores resultados fiscais, mas também estimule maior poupança da bem remunerada casta dos funcionários do governo, incluindo os militares.

Ainda assim, não é saudável tratar a Previdência como se fosse apenas um manancial de problemas para o Brasil. Documento periódico produzido pela Secretaria de Previdência aponta que os benefícios pagos "produzem impactos significativos sobre o nível de pobreza da população", retirando dessa condição cerca de 31 milhões de pessoas.

Pelas contas apresentadas no "Informe de Previdência" de junho, sem o pagamento de aposentadorias e pensões pelo INSS, quase 93 milhões de brasileiros estariam na pobreza (ante os 62 milhões efetivamente verificados em 2017). Isso foi ignorado no material da semana passada, bem como nos discursos econômicos realizados nos últimos dois anos.

Em grande medida, é por esse impacto gigantesco sobre a vida real de dezenas de milhões de brasileiros que esse tema é alvo de tanta resistência e temor dos políticos - sem ignorar a ação dos poderosos lobbies de servidores contrários à perda de privilégios.

Ao enfatizar que apenas 3% da Previdência beneficia os 20% mais pobres, a Fazenda, talvez sem perceber, contribui também para a desconfiança em torno da ideia de reforma. A renda média do brasileiro é muito baixa, pouco acima de um salário mínimo, e a vasta maioria da população (mais de 80%) tem renda inferior a R$ 3 mil. Para economistas do governo, isso pode até ser considerado rico, mas certamente não é como se percebe a maioria das pessoas que, com suas aposentadorias e pensões, fecha com muito custo suas contas do mês.

A falta dessa sensibilidade ajuda a entender por que, além do fator Joesley Batista, o atual governo fracassou em aprovar seu projeto no Congresso, que na versão saída da Comissão Especial da Câmara já estava com um formato bastante razoável.

Nesse sentido, é preciso que a equipe econômica e a articulação política do futuro governo, que ainda patina na definição de uma reforma a ser encampada no próximo ano, tenham clareza da importância dos benefícios previdenciários para o cotidiano das pessoas mais necessitadas do país.

Não basta dizer que é preciso reformar para que o país não quebre e se possa pagar aposentadorias no futuro. Tampouco é suficiente dizer que o sistema tem injustiças graves, ignorando que ele representa a sobrevivência de muitas pessoas.

Com seu jeito peculiar, coube ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, fazer na semana passada a declaração mais sensata sobre o assunto. Ao defender um processo fatiado de mudança nas regras para aposentadorias e pensões, ele aponta na direção que tem mais chance de a reforma ser bem-sucedida. Um processo gradual ajudaria na conquista da confiança da sociedade, sobretudo dos mais pobres.

Se conseguir aprovar pelo menos parte do que foi desenhado na Comissão Especial, como a idade mínima, uma regra de transição (mesmo que suave) e a convergência de regimes, o futuro governo já terá dado uma contribuição e tanto para a sustentabilidade fiscal do país no longo prazo. E é possível fazer isso sem que se anuncie o caos ou se fabrique mitos.

Declaração dos Direitos Humanos faz 70 anos

Confira a íntegra dos 30 artigos da declaração, documento mais traduzido do mundo e que foi elaborado por dois anos

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Assinada há exatos 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa o reconhecimento de que os direitos básicos e as liberdades fundamentais são inerentes a todo ser humano e foi responsável por avanços na defesa desses direitos em diversas partes do mundo.

Elaborada durante dois anos, numa época em que o mundo sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial e estava dividido entre países capitalistas e comunistas, foi pontuada por desacordos entre nações dos dois blocos até ser aprovada, em Paris, às 23h56 de 10 de dezembro de 1948.

Com 30 artigos, a declaração é considerada o documento mais traduzido do mundo —para mais de 500 idiomas— e inspirou as constituições de vários Estados e democracias recentes.

O texto condena a escravidão e a tortura, defende o asilo para indivíduos perseguidos e o direito à educação gratuita, à liberdade de reunião e à propriedade privada e proclama que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

Foi aprovado na 3ª Sessão da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que na época reunia 58 países. Entre os que 48 que votaram, houve unanimidade.

União Soviética, Belarus, Ucrânia, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul se abstiveram. Honduras e Iêmen não estavam presentes.

A pedido do delegado polonês Julius Kitzsoctly, foram lidos todos os artigos. Silêncio significava consentimento da audiência. A leitura durou quatro horas.

A ex-primeira-dama dos EUA e então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Anna Eleanor Roosevelt (1884-1962), atingiu o cargo de coordenadora da Declaração por votação direta, no começo dos trabalhos, em 1946, e teve papel decisivo na aprovação do documento.

Confira abaixo a íntegra do texto de introdução e os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Ultradireita na América Latina aposta em "efeito contágio" de Bolsonaro

Fabio Murakawa | Valor Econômico

FOZ DO IGUAÇU (PR) - "A eleição de Jair Bolsonaro é a notícia mais importante que aconteceu nos últimos anos. Desde que Álvaro Uribe foi presidente da Colômbia, não houve outra notícia tão importante quanto a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil".

A frase do advogado José Antonio Kast, político chileno à direita do presidente direitista Sebastián Piñera, resume o sentimento dos convidados internacionais da Cúpula Conservadora das Américas. O evento, que aconteceu no sábado em Foz do Iguaçu, teve como anfitrião um dos filhos do presidente eleito, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com a intenção de se firmar como uma espécie de Foro de São Paulo do conservadorismo latino-americano. O sucesso de Bolsonaro é visto pelos conservadores regionais como crucial para o próprio sucesso dentro de seus países e também para que as pautas da direita na região sejam levadas adiante.

Na cúpula, ouviram-se pedidos para que o Brasil, sob a liderança do ex-capitão do Exército, atue para a derrubada do governo de Nicolás Maduro na Venezuela e do regime cubano, além estimular investigações sobre partidos de esquerda nos países vizinhos.

"Aqui nasceu o Foro de São Paulo, em 1990, dirigido pelo ex-presidente Lula, que está preso hoje e que reflete muito bem o que é a esquerda. A esquerda usa a dor dos mais pobres, diz que vai sacá-los da pobreza e só os empobrece mais. O ex-presidente Lula está preso, e foi o presidente do Partido dos Trabalhadores. E os únicos com quem ele não se preocupou em seu governo foram os trabalhadores", diz Kast.

Kast foi candidato à Presidência do Chile em 2017. Ficou em quarto lugar com 7,93% e, no segundo turno, apoiou Piñera contra o senador esquerdista Alejandro Guillier. Ele hoje critica o presidente chileno por fazer inflexões à "ideologia de gênero" e não cumprir com o prometido corte de impostos. Admirador do ditador Augusto Pinochet (1915-2006), Kast quer tentar novamente chegar Palácio La Moneda e acredita que o sucesso do governo Jair Bolsonaro o ajudará nesse intento

"Claramente, [o governo Bolsonaro] vai ter uma influência importante. Se o Brasil for bem, há muitos países vizinhos ou latino-americanos que vão atrás. Aqui se abre uma nova esperança para os países latino-americanos", afirma Kast.

Ricardo Noblat: Todo cuidado é pouco

- Blog do Noblat | Veja

Bom dia, presidente!

Por mais que não pareça, o presidente eleito Jair Bolsonaro, a ser diplomado logo mais em Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral, está sob freios e assim deverá governar a partir de 1º de janeiro.

Nada de mal há nisso, pelo contrário. Presidente da República concentra tantos poderes que é grande a tentação de usá-los no limite ou de ir além. Daí os freios naturais.

Freio dos que votaram nele e cobram resultados para ontem. Freio dos que não votaram por discordar de suas ideias. Freio do Congresso do qual dependerá para qualquer coisa. Freio da Justiça que zela pela lei.

Tais freios e outros mais estão previstos na Constituição que todos juram respeitar, mas Bolsonaro é um caso especial. Ninguém antes dele se elegeu com a promessa de “quebrar o sistema”.

A valer o que disse durante a campanha, Bolsonaro quer restaurar um país carente de freios como o que existiu há 50 anos. O capitão cerca-se de generais e afins para governar em tributo ao passado.

Difícil que consiga, mas tentará. Todo cuidado é pouco.

PPS poderá mudar de nome para "Cidadania"

Por César Felício | Valor Econômico

SÃO PAULO - O PPS deve mudar de nome no próximo mês, quando irá realizar seu congresso nacional e adaptar-se para tentar abrigar filiados do Rede Sustentabilidade, partido da ex-senadora Marina Silva (AC), e de movimentos de renovação política, como o Agora!. De acordo com o presidente nacional da sigla, deputado federal Roberto Freire (SP), não reeleito, o partido poderá passar a se chamar "Cidadania", ainda que a escolha não esteja fechada.

Há uma discussão se o novo nome da legenda terá uma ou duas palavras. O que está cedido é que as expressões "partido" e "socialista" deverão ser eliminadas. " É necessário mudança porque o mundo mudou. Não podemos ficar presos a certos paradigmas", disse o deputado.

O apresentador de TV e empresário Luciano Huck, que participa de dois movimentos de renovação, o RenovaBR e o Agora!, deverá ser convidado, ainda que tenha descartado filiar-se a alguma sigla. Em entrevista ao jornal "Estado de S.Paulo" publicada ontem, Huck disse que uma reorganização partidária será necessária e converge para um novo partido, ideologicamente situado no centro, já que a cláusula de barreira incentivará os partidos pequenos a se unirem para sobreviver.

"Huck já está fazendo política, mas não vai fazê-la dentro de partidos, há tempo para isso", afirmou Freire, que identificou uma divergência entre o PPS e o apresentador. Huck evita se colocar como oposição, ao passo que a sigla, já reformulada, deve se colocar nessa posição.

O Congresso do PPS começa no dia 25 de janeiro, seis dias depois do Rede Sustentabilidade, realizar seu congresso extraordinário para discutir o próprio destino. Marina concorreu este ano à presidência e terminou em oitavo lugar, com 1%. O partido elegeu apenas uma deputada federal e não cumpriu a cláusula de barreira, ao contrário do PPS. Na eleição municipal de 2020, não poderá fazer coligações. Por ter sido criado há menos de cinco anos, o Rede não pode se fundir ou ser incorporado por outra sigla.

A legenda de Marina criou dois grupos de trabalho, um para avaliar a possibilidade de sobreviver mesmo sem fundo partidário e sem horário gratuito no rádio e televisão, e outro para estudar como poderia ser feita uma integração com outro partido.

Bom cenário na inflação: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com novas boas notícias no front da inflação, pode-se reforçar a aposta de juros mantidos em 6,50% até o fim de 2018 e provavelmente nos primeiros meses do próximo ano. Se os fatos confirmarem as expectativas quanto aos preços e ao crédito, o ambiente nos mercados será favorável ao novo governo. O presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica poderão concentrar-se nas medidas de ajuste das contas públicas, as mais urgentes na pauta da nova administração. A próxima decisão sobre juros deve ser anunciada na próxima quarta-feira pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), depois da última reunião prevista para o ano. A primeira de 2019 está marcada para os dias 5 e 6 de fevereiro.

Economistas do setor financeiro e das principais consultorias baixaram recentemente suas previsões de juros básicos para o próximo ano. Há cerca de um mês a mediana das projeções indicava 8% para o final de 2019. Há duas semanas essa mediana foi baixada para 7,75%, numa reação aos dados mais favoráveis sobre a evolução dos preços. Nas mesmas quatro semanas a expectativa de inflação em 2018 caiu de 4,40% para 3,89%. Nesse período a projeção para 2019 passou de 4,22% para 4,11%.

Limites abaixo do céu: Editorial | Folha de S. Paulo

Sob Bolsonaro, política externa brasileira ensaia maior alinhamento aos EUA

No final de novembro, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, visitou integrantes do governo Donald Trump em Washington e se deixou fotografar usando um boné com o slogan do republicano, “Faça os EUA grandiosos de novo”.

Na quinta-feira (6), após raro voto do Brasil a favor de Israel na ONU, em moção que condenava a facção radical Hamas, o deputado elogiou o Itamaraty e a embaixadora americana, Nikki Haley. Na véspera, em evento em São Paulo, o futuro chanceler, Ernesto Araújo, afirmara que“o céu é o limite” para a relação com Washington.

Os episódios insinuam prontidão em se alinhar ao governo Trump. Estando obscuro o que o Brasil ganhará com tal dedicação, torna-se difícil ver nesses passos mais do que simpatia ideológica, algo que Jair Bolsonaro (PSL) prometera expurgar da política externa.

Historicamente, Brasil e EUA mantêm relação engrenada sob todos os presidentes, exceto pelo breve mal-estar de Dilma Rousseff (PT) ao se ver espionada, em 2013.

Disputas políticas engoliram o debate da cessão onerosa: Editorial | Valor Econômico

Após mais de um mês de expectativas, a semana que passou serviu para enterrar as chances de aprovação, este ano, do projeto de lei que regula a exploração dos campos de petróleo do pré-sal referentes à área da cessão onerosa. Discutida durante anos na seara técnica, a questão empacou de vez quando os políticos assumiram o protagonismo dos debates sobre o tema.

O projeto de lei foi a solução encontrada para definir parâmetros em torno dos quais não houve consenso na longa negociação entre a Petrobras e o Tesouro Nacional. As duas partes assinaram um contrato em 2010, quando a estatal recebeu da União o direito de explorar exclusivamente 5 bilhões de barris na área que passou a ser conhecida como cessão onerosa.

Os valores pagos por esses direitos, cerca de R$ 75 bilhões, deveriam ser revisados no futuro, considerando, entre outras coisas, a cotação do barril. Depende dessa revisão a exploração da área da cessão onerosa e também dos volumes excedentes, ou seja, que ultrapassam os 5 bilhões de barris.

Equipes técnicas da Petrobras, da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e do Tesouro vêm debatendo exaustivamente o tema, mas ainda não há um acordo. Alguns parâmetros sobre os quais havia divergência foram incluídos no projeto de lei, bem como uma autorização para a Petrobras abrir mão da exclusividade na área da cessão onerosa.

Indefinição deixa Brasil em risco na guerra comercial: Editorial | O Globo

Governo Bolsonaro precisa ter um projeto com cenários sobre o que fazer no embate entre China e EUA

Em três décadas de experiência parlamentar, Jair Bolsonaro testemunhou várias batalhas políticas cujo êxito dependeu da prudência no planejamento, com previsão de uma linha de retirada.

O presidente eleito assume dentro de três semanas e vai precisar ter à mão um plano com linha de retirada para conduzir o país na travessia em meio ao conflito entre os Estados Unidos e a China. Por enquanto, está circunscrito a ameaças de retaliações de até US$ 250 bilhões.

São visíveis os sinais de uma disputa real de poder entre os EUA e a China. É tranquilizadora a trégua acertada há dez dias num jantar em Buenos Aires, durante a reunião do G-20, entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping. Embora indefinições sobre o entendimento preocupem os mercados, tensão agravada pela prisão no Canadá, a pedido dos americanos, de Meng Wanzhou, diretora e herdeira da gigante tecnológica chinesa Huawei.

Os dois governos indicaram a negociação de um acordo, que começaria pela agricultura e as indústrias de energia e de automóveis. A ver.

No melhor dos cenários, o entendimento avançaria até março. Em seguida, Washington e Pequim estabeleceriam um cronograma e um caminho para resolver temas de propriedade intelectual, tecnologia e equilíbrio comercial. A hipótese oposta, a de uma guerra comercial, sugere anarquia nos mercados globais.

É o panorama que o governo Bolsonaro vai encontrar. Nele, o Brasil pode ter muito a ganhar — ou a perder. Depende da definição do interesse nacional e, infelizmente, até aqui os planos do futuro governo para o comércio são uma incógnita.

Fernando Pessoa: Ah, já está tudo lido

Ah, já está tudo lido,
Mesmo o que falta ler!
Sonho, e ao meu ouvido
Que música vem ter?

Se escuto, nenhuma.
Se não ouço ao luar
Uma voz que é bruma
Entra em meu sonhar

E esta é a voz que canta
Se não sei ouvir...
Tudo em mim se encanta
E esquece sentir.

O que a voz canta
Para sempre agora
Na alma me fica
Se a alma me ignora.

Sinto, quero, sei que
Só há ter perdido -
E o eco de onde sonhei-me
Esquece do meu ouvido.