quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Gilvan Cavalcanti*

No Brasil, não foi diferente. Nossa Constituição, cidadã, já é balzaquiana, - do romance, A mulher de trinta anos -, do escritor francês Balzac (1799-1850), É a mais longa da nossa história. Motivo de muita alegria e comemoração. Mas, ao mesmo tempo, desafios e preocupações. Hoje são tempos de ondas: negação da política, dos partidos, afirmação de nacionalismo, contra o cosmopolitismo, da intolerância. Além de avanço de valores e costumes conservadores, na sociedade e nos agentes públicos. São ondas que devemos conhecê-las, estudá-las e, ao mesmo tempo, unir os democratas radicais para bloqueá-las.

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*É membro efetivo do diretório nacional e do Conselho Consultivo da FAP e editor do Blog Democracia Política e novo Reformismo. ‘Mudar é preciso’, Blog, 20/11/2018.

William Waack: STF reforça um vazio

- O Estado de S.Paulo

A ‘surpresa’ temida pelos militares acabou acontecendo depois das eleições

A bagunça criada pelo STF é perigosa, não só pelo que possa significar para os destinos políticos deste ou daquele (no caso, Lula), mas, sim, pela destrutiva força que dali emana de insegurança jurídica. Faz tempo que o STF deixou de ser um colegiado para se transformar num ajuntamento de 11 indivíduos, cada um com suas ideias próprias do que seja a aplicação do texto constitucional. E, sem liderança, papel que seu decano não quer ou não foi capaz de assumir.

Transformado, às vezes, numa espécie de assembleia constituinte, dadas as interpretações capazes de inverter o sentido de preceitos constitucionais, o Supremo é o espelho exato do que se chamava antigamente de judicialização da política (já que o sistema político não resolve, as decisões acabam caindo no colo de juízes, que não são competentes para isso nem foram eleitos). O que existe hoje é a perigosa politização da Justiça, entendida como tomada de decisões que tem como cálculo atuar na política ou reagir ao que integrantes do Supremo possam considerar que seja “clamor popular”.

Com algum atraso – felizmente, depois das eleições – cumpriu-se um dos cenários mais temidos pelos integrantes das Forças Armadas, que pularam para o lado de Jair Bolsonaro. Com uma “canetada”, acaba sendo produzida uma surpresa de imprevisíveis consequências políticas. A de Marco Aurélio só não se tornou pior, pois o processo político já levou à diplomação de um novo presidente. Mesmo assim, a “surpresa” da decisão monocrática é que fará com que alguns desses altos oficiais, sintam agora cheios de razão: era necessário, na visão deles, frear de alguma maneira a bagunça política que, junto do esgarçamento do tecido social, ameaçava criar condições dificilmente controláveis.

Vera Magalhães: Supremo como fonte de instabilidade política e jurídica

- O Estado de S.Paulo

Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública

O factoide produzido nesta quarta-feira, 19, por Marco Aurélio Mello com a breve liminar mandando soltar presos condenados em segunda instância serviu apenas ao propósito de desgastar ainda mais o Supremo Tribunal Federal.

Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública. O fato é que, de garantidor da estabilidade jurídica do País, como reza a Constituição, o Supremo tem sido, cada vez mais, a fonte a partir da qual emana toda a insegurança – não só jurídica e judicial, mas, como consequência, política.

O STF se manifestou em três ocasiões pela possibilidade de execução provisória da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância: duas em habeas corpus, em 2016, e a terceira em julgamento do plenário virtual, que garantiu repercussão geral àquelas decisões.

Neste ano, voltou a se debruçar sobre a questão ao julgar outro HC, do ex-presidente Lula. Já há sessão marcada para abril para tratar da questão, aí sim, de forma definitiva, nas duas ações das quais Marco Aurélio é relator.

Foi a insatisfação com a demora em levar a questão à pauta que fez com que Marco Aurélio se adiantasse e exarasse essa decisão injustificável, à véspera do recesso.

Afrontou o colegiado, o presidente da Corte, a opinião pública e a segurança jurídica, às vésperas do recesso judicial e da posse do novo governo. E forçou Toffoli a, também de forma monocrática, revogar a liminar para evitar consequências mais nefastas.

Bernardo Mello Franco: No país da anarquia jurídica

- O Globo

Em Brasília, o ministro Marco Aurélio editou seu próprio indulto de Natal. Em Curitiba, procuradores da Lava-Jato se sentiram autorizados a peitar o Supremo

Marco Aurélio Mello editou seu próprio indulto de Natal. No último dia de trabalho do ano, o ministro mandou soltar todos os presos com condenação em segunda instância. Alegou que não poderia esperar o Supremo voltar de férias.

O ministro estava contrariado. Há oito meses, ele pede que a Corte volte a discutir se a Constituição autoriza essas prisões. A ministra Cármen Lúcia se recusou a pautar o tema. Seu sucessor na presidência, Dias Toffoli, empurrou o assunto para abril de 2019.

Sentindo-se atropelado, Marco Aurélio resolveu atropelar. Citou a superlotação dos presídios e sustentou que precisava decidir com urgência. Depois disse estar pronto para submeter a liminar aos colegas, mas só no ano que vem.

A liminar provocou alvoroço, mas durou pouco. No início da noite, Toffoli deu uma contraordem e cassou seus efeitos. Entre uma canetada e outra, o tribunal lançou o país em mais um dia de incerteza. Tem sido rotina. De tempos para cá, as vontades individuais dos 11 juízes passaram a valer mais do que decisões colegiadas.

O clima de anarquia jurídica não se limitou ao Supremo. Em Curitiba, investigadores da Lava-Jato ensaiaram um motim contra a liminar de Marco Aurélio. O procurador Deltan Dallagnol, que andava sumido, acusou o ministro de “contrariar o sentimento da sociedade”.

Míriam Leitão: Os truques do último dia

- O Globo

Usando truque do último dia, Marco Aurélio tentou impor sua vontade aos demais ministros do STF sobre a prisão em 2ª instância

O que houve ontem no Supremo apequena a Justiça. Não faz sentido o ministro Marco Aurélio tomar uma decisão monocrática sobre assunto controverso faltando uma hora para começar o recesso. Felizmente, o ministro Dias Toffoli cassou a liminar. Esse truque do último dia foi usado ontem por dois ministros. Em uma de suas liminares, Marco Aurélio quis impor sua vontade aos demais no caso da prisão em segunda instância, tema que divide a corte e será apreciado em abril. Em outra, interferiu no programa de desinvestimento da Petrobras. O ministro Ricardo Lewandowski usou a mesma artimanha do ano passado para impor o aumento de salário dos servidores. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aproveitou uma viagem do presidente Temer para sancionar uma lei polêmica que a área econômica sugerira vetar. Que fase!

Ninguém no país desconhece que a questão do início do cumprimento da pena é polêmica e sobre ela o STF está dividido. Portanto, uma decisão monocrática não caberia por mais arraigadas que sejam as convicções do ministro. O que está valendo é ainda a última decisão tomada pela corte, que permitiu a prisão após a segunda instância. A data para rediscussão está marcada para 10 de abril. Sendo assim, por que o ministro Marco Aurélio tomou uma decisão de último dia? “Aguardei o crivo do tribunal e nada. Encerrou-se o ano e, então, surgiu campo para a decisão individual”, me disse ele. O presidente do STF no fim do dia restabeleceu a normalidade. Agora é aguardar a decisão do colegiado.

O ministro Ricardo Lewandowski repetiu o mesmo truque de 2017. No último dia do ano jurídico, forçou o reajuste aos servidores públicos. O aumento havia sido dado aos servidores em parcelas anuais até 2019. Não pode ser anulado. Mas pode ser adiado. E foi isso que a área econômica fez. O gasto extra de R$ 6 bi ficaria para 2020. Lewandowski derrubou a decisão do executivo e elevou despesas do Orçamento.

O ministro Marco Aurélio também decidiu suspender os efeitos do decreto do presidente Temer que facilitava a venda de ativos pela Petrobras. Com isso, o plano de desinvestimentos da empresa fica em suspenso. O ministro concordou com a tese do PT de que cabe ao Congresso decidir sobre o assunto. A questão é que o Congresso, há 23 anos, aprovou uma emenda acabando com o monopólio do petróleo, não faz sentido que a empresa tenha que consultar o parlamento em cada compra ou venda.

Roberto Dias: O STF se apequena

- Folha de S. Paulo

Papelão pilotado por Marco Aurélio deixa mais íngreme a ladeira descida pela corte

O STF começou a década em alta. Conduziu a maior ação penal da história do país, a do mensalão. Ocupou um vazio legislativo para resolver buracos legais com implicação bem direta na vida das pessoas. Teve seus 11 ministros transformados em figuras conhecidas.

Em algum momento, o encanto acabou. O papelão desta quarta-feira, pilotado pelo ministro Marco Aurélio Mello, deixa mais íngreme a ladeira descida pelo tribunal.

Pior, a decisão ocorre poucos dias após o balanço róseo do ministro Edson Fachin sobre a atuação do STF na Lava Jato. Ao contrário do sugerido ali, o tribunal tem tido papel pálido, quando não contrário ao processo de combate à corrupção.

Símbolo disso é Eduardo Cunha. O Supremo teve por mais de um ano em mãos o processo contra o ex-presidente da Câmara e não decidiu seu destino. O juiz Sergio Moro precisou de seis dias para mandá-lo à cadeia, onde está até hoje. Difícil olhar para esse caso e achar que o STF esteve do lado certo da história.

Bruno Boghossian: De ministro a carcereiro

- Folha de S. Paulo

Solta-e-prende do STF escancara divisão e coroa ano de desgastes no tribunal

O STF pagará um preço alto pelo solta-e-prende dos condenados em segunda instância. O episódio escancara a divisão entre os ministros e coroa um ano de desgastes.

A decisão de Marco Aurélio Mello foi produzida como uma afronta aos colegas que empurram com a barriga um julgamento definitivo sobre o cumprimento antecipado de penas.

Em busca de revanche, o ministro repetiu o bordão dos “tempos estranhos” e sugeriu uma solução que só pode produzir o caos: “Que cada qual faça sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas, presente a busca da segurança jurídica”.

Se os 11 togados seguissem a recomendação, o STF se tornaria uma arena de vale-tudo em que cada integrante atropela decisões colegiadas e toma poderes absolutos, de acordo com suas convicções. Talvez as coisas já estejam funcionando assim.

Ao se rebaixar ao papel de carcereiro-voluntarioso, Marco Aurélio conseguiu contrariar até colegas que, como ele, discordam da prisão de condenados em segunda instância.

Janio de Freitas: O fim da espera sem fim

- Folha de S. Paulo

Ações liberadas para plenário do STF estavam fazendo aniversário de joguetes

Em tempos bolsonaros sobrevivem, inextinguíveis, os tempos violentados. A ditadura cassou, prendeu, perseguiu, recorreu ao crime contra quem não se tornou serviçal da nova ordem. O lugar dos retirados jamais ficou vazio. Sempre houve mais de um pronto a ocupá-lo. Assim é, onde quer que a prepotência se imponha, sejam quais forem a sua forma e o seu grau.

É nessa regra que se inscreve a atitude do ministro Marco Aurélio de Mello que suspendeu a validade de prisão quando o réu ainda tem direito de recorrer contra a condenação.

A permanência em liberdade até o julgamento do último recurso é assegurada pela Constituição e explicitada no Código de Processo Penal. Apesar disso, por um voto, seis a cinco no total, a maioria do Supremo Tribunal Federal combinou-se com o ambiente exaltado pelo confronto Moro/Lula, e deu validade ao que a Constituição nega.

Não só militares e policiais são dados à prepotência contra direitos da cidadania. A decisão audaciosa dos seis ministros foi atitude de prepotência gritante. Não foi a reconsideração de um item constitucional, o que só ao Congresso caberia fazer. Foi, sim, subjugação da palavra e da primazia da Constituição à vontade coordenada de seis juízes.

Luiz Carlos Azedo: O barraco no Supremo

- Correio Braziliense

“O papel de poder moderador atribuído ao Supremo pela Constituição de 1988 começa a ser solapado pelo desgaste político de decisões intempestivas e polêmicas de seus ministros”

Às vésperas dos recessos legislativo e judiciário e a 11 dias da posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro, duas decisões monocráticas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello ameaçaram virar o país de pernas para o ar: uma gerou forte reação no Congresso, ao interferir na eleição dos presidentes das duas Casas, acabando com o voto secreto; a outra, revoltou a opinião pública e os integrantes da Operação Lava-Jato, ao revogar as prisões em decorrência de condenações em segunda instância. A liminar abriria as portas dos presídios para 169 mil presos, aproximadamente, entre os quais, condenados por crimes de colarinho branco, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas acabou suspensa pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo.

As decisões de Marco Aurélio desnudaram a fratura que existe no Supremo em relação à Operação Lava-Jato e à execução de penas após a condenação em segunda instância, como é o caso de Lula. Por quatro vezes, nos últimos anos, o Supremo firmou jurisprudência em plenário sobre o tema. Entretanto, houve uma mudança na composição da Corte e o entendimento da nova maioria sobre o chamado “transitado em julgado” é outro. O presidente do Supremo já anunciou que pretende rever essa questão em 2019, mas sinaliza a intenção de encontrar o caminho do meio: uma solução intermediária, que unifique o Supremo, provavelmente restringindo o alcance da aplicação das penas de prisão após condenação em segunda instância.

Ontem, porém, Toffoli foi atropelado por Marco Aurélio, com sua decisão monocrática. O ministro alegou que tentou pautar o tema no plenário do STF durante todo o ano, mas o tribunal não colocou a ação em julgamento. “Achei que não podia encerrar o ano no Judiciário sem tomar uma decisão sobre o assunto”, disse. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu contra a decisão e o presidente do Supremo suspendeu a liminar, antes que o caso virasse uma crise mais grave. Advogados dos presos da Lava-Jato já estavam peticionando a soltura de seus clientes.

Foi uma espécie de batalha de Itararé, mas quem saiu mais desgastado do processo foi o Supremo, onde cada ministro se acha no direito de fazer o que quer e bem entende em termos de interpretação da Constituição. Não há um consenso básico do tribunal sobre temas que exigem um posicionamento claro e unificado de seus integrantes pela repercussão que têm na opinião pública e no processo político. Toffoli tem manifestado a intenção de conciliar as partes no tribunal e preservar o papel de poder moderador atribuído ao Supremo pela Constituição de 1988, mas que começa a ser solapado pelo desgaste político de decisões intempestivas e polêmicas de seus ministros.

Ricardo Noblat: Cinco horas que abalaram o país

- Blog do Noblat | Veja

Uma assombração chamada Lula

Entre o início da tarde de ontem quando o ministro Marco Aurélio Mello mandou soltar Lula e outros presos condenados em segunda instância, e o início da noite quando o ministro José Dias Toffoli revogou a decisão do seu colega de toga, a República ficou com a respiração suspensa.

Entre fardados e paisanos, a pergunta mais comum era: “O que pode acontecer?” Temeu-se uma reação das ruas, e houve quem se apressasse a provocá-la nas redes sociais. Ou uma reação dos quartéis – e a notícia de que o Alto Comando do Exército estava reunido deu razão para tal.

A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, e Tofoli, presidente do Supremo Tribunal Federal agiram de comum acordo para o rápido desfecho da crise. Enquanto Dodge redigia o recurso contra a decisão de Marco Aurélio, Toffoli redigia o despacho de acolhimento do recurso.

Por que Marco Aurélio fez o que fez? Porque ele não seria quem é se não tivesse feito. É essa a resposta unânime da maioria dos seus pares, e de advogados com livre trânsito em tribunais superiores. Marco Aurélio não receia ser voto vencido. Parece até ter certo gosto por isso.

O que não quer dizer que suas decisões careçam de sólidos fundamentos jurídicos. A que sacudiu o país durante horas amparou-se no entendimento de que um condenado em segunda instância da justiça só pode ser preso depois que a sentença transite em julgado.

Em abril, como previsto, o plenário do Supremo se debruçará mais uma vez sobre o poder concedido à segunda instância de prender quem ela condenou. E aí se verá que Marco Aurélio não está sozinho.

Vinicius Torres Freire: Ódio e revoltas, coleção de verão

- Folha de S. Paulo

Novo vexame do Supremo se soma a outros motivos de fúria contra 'tudo isso aí'

Depois de dois meses de relativa calmaria deprimida ou de exaustão amarga, o país volta ao transe de ódio.

Como se fosse possível, o establishment se desmoraliza ainda mais, dando novos motivos à revolta que levou Jair Bolsonaro ao Planalto.

A política doente do Brasil produz dejetos tais como a ideia de que bastam um cabo e um soldado para fechar o Supremo.

Essa obra do novo pensamento político nacional, de autoria de um Bolsonaro júnior, serviu de mote para os protestos contra a liminar de Marco Aurélio Mello. O ministro do Supremo mandara soltar presos condenados em segunda instância, o que em tese beneficiaria Lula da Silva.

Na tarde desta quarta-feira (19), a expressão ("hashtag") #umcaboeumsoldado estava entre as mais populares do Twitter. Não vem ao caso que a liminar logo viesse a cair. O vexame continuava de pé.

O lixo tóxico escorria pelas redes insociáveis e desaguava no valão da democracia brasileira, outra vez em época de cheia graças também aos Poderes da República.

Não se trata aqui apenas dessa decisão à matroca de libertar talvez uns 169 mil presidiários de periculosidade incerta e não sabida, um resultado possível da liminar aureliana, afora a baderna jurídica.

Além disso, há muitas notícias de que a roubança continua, inclusive no entorno dos recém-eleitos.

O Congresso explode pautas-bomba, que em geral passam despercebidas pelo povo comum, que não entende de contas públicas, mas estoura de raiva e desprezo por graças como o reajuste dos ministros do Supremo e de altos servidores.

Essa autodestruição contínua, alienada ou mesmo lunática legitima tanto o protesto quanto os instintos mais primitivos de quem votou contra o establishment, contra as instituições apodrecidas, contra "o sistema" e "tudo isso aí". Talvez agregue mais revoltosos.

Para piorar, motivos outros de revolta não vão faltar em 2019. A julgar pelos planos econômicos de Bolsonaro, haverá reformas para todos os desgostos.

Virá uma impopular reforma da Previdência (se não vier, a economia permanecerá estagnada ou regredirá, o que também será revoltante). Não haverá aumento de carga tributária, mas pode bem ser que pequenos e médios empresários e a classe média altíssima paguem mais impostos.

Haverá medidas contra servidores, o Sistema S, empresas industriais, estatais, leis trabalhistas, talvez contra o salário mínimo. Etc.

Por vezes, mesmo passando por maus bocados, sociedades permanecem estranhamente bestificadas, do mesmo modo que explodem de modo surpreendente (junho de 2013).

Maria Cristina Fernandes: A arbitragem, de Lula a Bolsonaro

- Valor Econômico

Presidente eleito avança sobre o apito do Supremo

A julgar pela estreia de sua 'live' semanal, o presidente eleito pretende manter acesa a chama do antilulismo. Se imagina ser um recurso contra resultados de seu governo, não tardará a se convencer do contrário, seja qual for a decisão final sobre a prisão em segunda instância. A contribuição do ex-presidente para Jair Bolsonaro termina com sua eleição, mas deixa lições para um antagonista que terá de compensar o déficit na arbitragem de conflitos.

Ainda que Luiz Inácio Lula da Silva tenha se investido das esperanças dos que acreditavam ter chegado ao poder pela primeira vez e Jair Bolsonaro o faça em nome daqueles que se sentiram desalojados ou traídos pelo lulismo, a posse de ambos é marcada pela expectativa de que seriam capazes de por fim às negociatas de Estado.

Lula afrontou o PT ao colocar uma trinca do mundo empresarial/financeiro no governo e se firmar como árbitro de uma Esplanada que abrigava Meirelles e Mantega, Marina e Rodrigues, Furlan e Lessa. Levou mais de ano para ver eclodir o primeiro escândalo com a queda do subchefe de assuntos parlamentares da Casa Civil.

Bolsonaro não afronta seu partido, por inexistente, e respondeu, com seu ministério, à plataforma de campanha. Mas ao se deparar com os primeiros furos na blindagem anticorrupção que o elegeu, antes mesmo da posse, Bolsonaro se revela uma liderança popular sem a mesma capacidade de arbitragem sobre interesses, mais do que antagônicos, fagocitários de seu entorno.

Ascânio Seleme: Uma chance à direita

- O Globo

Muitos ficaram preocupados, outros assustados, alguns horrorizados com a eleição de Jair Bolsonaro. Quase todos tinham bons argumentos para explicar seu sentimento de pânico. Afinal, o presidente eleito já havia muitas vezes manifestado seu desprezo pelas instituições da democracia. Da própria democracia ele fez pouco caso. Seu modo de ver a vida cotidiana também deixou muitos brasileiros de cabelo em pé. O deputado que disputava a Presidência mostrou que temas do comportamento já consolidados na sociedade poderiam sofrer retrocessos.

Os que o elegeram conheceram muito bem sua agenda ao longo da campanha. Seu discurso de direita, conservador nos costumes e liberal na economia, foi amplamente divulgado pela mídia e expressado pelo próprio Bolsonaro e seu grupo. Não havia dúvida alguma sobre quem se estava elegendo. Mesmo assim, ou por isso mesmo, o futuro presidente foi chancelado pela maioria dos eleitores. Não há, portanto, como lhe negar o direito de governar de acordo com o programa pelo qual foi eleito. É legítimo. E aos brasileiros que discordam dele resta fazer crítica e oposição.

Discordar e criticar não significa desprezar. Bolsonaro não deve ser desprezado. Seus modos não agradam? Tem que se acostumar a eles. Seu discurso parece pequeno? Melhor aprender a conviver com ele (lembre-se da Dilma). Sua agenda incomoda? Incomoda a muitos mas não à maioria. Os que se opõem ao presidente eleito devem combatê-lo, mas de maneira legal, institucional e democrática. Pode reconfortar a estes o fato ao qual já me referi aqui antes, um presidente sozinho nada pode.

Para aprovar qualquer pauta, como a da redução da reserva indígena Raposa-Serra do Sol (da qual recuou ao perceber a dificuldade em aprová-la), e outras tão polêmicas quanto esta, terá de negociar com o Legislativo e com o Judiciário. Em última instância, terá de discutir também com a sociedade, que já provou que tem meios e sabe se exprimir e se fazer ouvir. O Brasil também será ouvido através do Congresso e dos tribunais. E o brasileiro poderá sempre recorrer aos seus maiores aliados, as instituições da nossa já sólida democracia, que não permitem aventuras.

Toffoli derruba decisão de Marco Aurélio que soltaria Lula

Medida beneficiaria ao menos 21 dos 35 presos da Lava-Jato Bolsonaro dá parabéns ao presidente da Corte pelo gesto Plenário do STF julgará prisão após 2ª instância em abril

Seis horas depois que o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, concedeu liminar que livraria da prisão condenados em segunda instância ainda com recursos pendentes, o presidente da instituição, Dias Toffoli, revogou a decisão, a pedido da Procuradoria-Geral da República. A medida teria o efeito de libertar ao menos 21 dos 35 detidos da Lava-Jato, inclusive o ex-presidente Lula. Outras 169 mil pessoas estão presas nessa condição no país. Toffoli alegou que derrubou a liminar para “evitar grave lesão à ordem e à segurança públicas”. Sua decisão foi tomada já durante o recesso do STF, que começou às 15h. Ficou mantido para 10 de abril o julgamento das prisões em segunda instância no plenário do STF. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, deu parabéns a Toffoli.

Carolina Brígido e Mateus Coutinho | O Globo

BRASÍLIA - Durante seis horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) esteve ontem no centro das atenções do país por causa de uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello. Assinado nas últimas horas de trabalho da Corte antes do recesso de fim de ano, o despacho libertaria condenados em segunda instância com recurso pendente de julgamento. O efeito da medida poderia atingir milhares de presos do país, inclusive do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na LavaJato pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região.

Marco Aurélio concedeu a liminar às 14h. Pouco antes das 20h, o presidente da Corte, Dias Toffoli, já no regime de plantão, revogou a decisão, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

A notícia logo repercutiu no meio político. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, exaltou a postura de Toffoli. “Parabéns ao presidente do Supremo por derrubar a liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já sofre diariamente com o caos da violência generalizada”, escreveu Bolsonaro no Twitter.

Segundo Toffoli, o plenário autorizou, em outubro de 2016, o início do cumprimento da pena de condenados por tribunais em segunda instância. A liminar de Marco Aurélio, portanto, contrariou o colegiado.

“A decisão já tomada pela maioria dos membros da Corte deve ser prestigiada pela presidência. E é por essas razões, ou seja, zeloso quanto à possibilidade desta nova medida liminar contrariar decisão soberana já tomada pela maioria do tribunal pleno, que a presidência vem a exercer o poder geral de cautela atribuído ao Estado-Juiz”, escreveu Toffoli.

O presidente do STF explicou que derrubou a liminar para “evitar grave lesão à
ordem e à segurança públicas”, pois, segundo a procuradora-geral, “seria permitida a soltura, talvez irreversível, de milhares de presos com condenação proferida por tribunal”. Se Toffoli não suspendesse a liminar do colega, disse Dodge, o Judiciário “perderia em estabilidade e teria sua seriedade posta em xeque”.

Marco Aurélio queria que o impasse sobre a prisão em segunda instância fosse julgado no plenário, com os 11 ministros, em 1º de fevereiro, data da primeira sessão de 2019. Com a revogação da liminar, ficou marcado para 10 de abril. A tendência da Corte é manter o entendimento atual, de que a pena pode começar a ser cumprida depois que a condenação for confirmada pela segunda instância.

A liminar de Marco Aurélio não era de cumprimento automático. Caberia a cada juiz responsável pela execução penal libertar os presos sob sua tutela. No texto, Marco Aurélio esclarece que, como exceção, deveriam continuar atrás das grades os detentos com prisão preventiva decretada.

Ele enfatizou que a Constituição garante o princípio da não culpabilidade, segundo o qual uma pessoa só pode ser presa depois de condenação transitada em julgado. E que “a regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória”.

‘Não posso conviver com manipulação da pauta da Corte’, diz Marco Aurélio

Ministro Marco Aurélio reclama que julgamento de ações sobre prisão em 2ª instância não foram colocadas para votação do STF

Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello afirmou que a liminar que concedeu ontem para que sejam soltos os presos após condenação em segunda instância não é uma reação, e sim uma “ação”. “Depois de 40 anos de toga não posso conviver com manipulação da pauta”, disse Marco Aurélio à colunista Vera Magalhães antes de o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, derrubar sua liminar, às 19h39. A decisão de Marco Aurélio é das 14h.

Marco Aurélio afirmou que, “antigamente”, quando um ministro liberava uma ação para julgamento do mérito, ela era imediatamente incluída na pauta do plenário. Agora, disse ele, o julgamento das ações que tratam da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância estão desde abril liberadas por ele, sem que sejam pautadas pelos presidentes (antes Cármen Lúcia, agora Toffoli).

Ao Estadão/Broadcast, Marco Aurélio disse que não informou previamente a Toffoli sobre a decisão que suspendeu a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A liminar concedida abria caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso e condenado no âmbito da Operação Lava Jato.

“Eu tenho de avisar alguém? O que é isso? Vamos respeitar as instituições pátrias, as decisões são autoexplicativas”, afirmou o ministro à reportagem. Indagado sobre a tendência de Toffoli de derrubar a sua decisão, o que acabou ocorrendo, Marco Aurélio desconversou: “Não sei, vamos aguardar. Que as instituições funcionem”.

Quarta-feira que não acabou

Entenda como o Supremo sacudiu o Brasil em um intervalo de seis horas

Decisão tomada individualmente pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, quase resultou na soltura do ex-presidente Lula e de milhares de outros presos provisórios. Presidente da Corte derrubou a ordem e escancarou tensão entre magistrados

Hamilton Ferrari / Renato Souza | Correio Braziliense

Em um ato inesperado, realizado no último dia antes do recesso do Judiciário, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), causou um verdadeiro alvoroço na Justiça de todo o país. Após a última sessão do ano na Corte, o magistrado decidiu agir sozinho para liberar todos os presos que estão encarcerados em decorrência de condenação em 2ª instância de Justiça. Entre os beneficiados com a decisão, estava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A situação de instabilidade durou seis horas, até o começo da noite de ontem, quando o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, suspendeu a validade da medida. A quarta-feira cheia de suspense não acabou ontem: o assunto voltará a ser discutido em outro meio de semana, no dia 10 de abril de 2019.

Marco Aurélio atendeu a um pedido do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e enfrentou a decisão da maioria dos colegas de Tribunal, que, em 2016, entenderam que é constitucional a execução antecipada da pena. Dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que um total de 169.324 presosestavam encarcerados por conta da execução provisória de suas ações criminais e poderiam ser soltos em todos os estados. Esse dado se refere aos presos em 1ª e 2ª instâncias. O número de presos provisórios representa 23,9% do total de 706 mil detentos do sistema penitenciário nacional. Quem estivesse preso por força de prisão preventiva, ou representasse grave risco à ordem pública, continuaria encarcerado.

Defesa rápida
A decisão atingiria pessoas condenadas por diversos crimes, como roubo, estupro, homicídio e corrupção. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro — e que ainda recorre aos tribunais superiores — poderia deixar a cadeia. A defesa dele ingressou com um pedido de soltura 43 minutos após a liminar ser deferida por Marco Aurélio. No entanto, a juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela execução da sentença do petista, afirmou que a soltura não ocorreria de forma imediata. Então, solicitou manifestação do Ministério Público.

No recurso — enviado para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli —, solicitando que a validade da liminar fosse suspensa, a procuradora Raquel Dodge classificou a medida como “temerária” e destacou que “desrespeita o princípio da colegialidade, uma vez que o plenário do STF já se manifestou, por diversas vezes, pela constitucionalidade da chamada execução provisória da pena”. Além de Lula, os advogados do ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, solicitaram que o cliente fosse colocado em liberdade.

Ao suspender a medida, Toffoli destacou, no despacho, que o assunto já está na agenda do plenário para o próximo semestre. “Defiro a suspensão de liminar para suspender os efeitos da decisão proferida nesta data, nos autos da ADC nº 54, até que o colegiado maior aprecie a matéria de forma definitiva, já pautada para o dia 10 de abril do próximo ano judiciário, consoante calendário de julgamento”, escreveu.

Reações
Não faltaram críticas contra a decisão do ministro Marco Aurélio no meio jurídico. Rogério Sanches Cunha, promotor de Justiça e professor penal do Cers, classificou a liminar como irresponsável. Ele destacou que a publicação foi tomada no apagar das luzes, na véspera do recesso forense, surpreendendo a todos, inclusive ao próprio Supremo. “O STF não é uma Casa de um juiz e, sim, de um colegiado. A decisão fere de morte o princípio da colegialidade, ainda mais um tema caro como esse, de grande repercussão nacional”, disse. “Independentemente da orientação e da decisão política, nós não podemos negar que o próprio povo deu o recado em 2018 e quer um endurecimento das punições. Essa decisão contrariou o bom senso, o princípio da cordialidade com os colegas e a própria soberania popular”, completou.

Os especialistas citam que a falta de responsabilidade em decisões democráticas tem gerado grande instabilidade na legislação. Hanna Gomes, especialista em direito criminal do escritório Kolbe Advogados, avaliou que a decisão é acertada, mas, pelo contexto, o magistrado colocou o STF em “contradições” e contribuiu para o aumento da insegurança jurídica. “Os textos têm várias interpretações. Acredito que foi uma decisão política a fim de que a Corte se posicione de forma definitiva sobre o tema, mas que afeta todas as camadas da sociedade. A cara do Judiciário fica mais uma vez no chão, numa decisão polêmica, parecendo que caminhou sorrateiramente debaixo do tapete”, disse.

Exército e FHC repercutem
A tensão foi tão elevada em Brasília que o Alto Comando do Exército se reuniu para decidir medidas que poderiam ser tomadas após eventuais manifestações, em razão da soltura do ex-presidente Lula e de outros beneficiados. O encontro, convocado em caráter de emergência, teve como finalidade traçar um plano para o caso de a Força ser acionada por um dos Três Poderes. Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) criticou o ministro Marco Aurélio. “A decisão de juiz do STF é como a de líder político: mede-se pelas consequências; liberar condenados em 2ª instância, mesmo em nome da Constituição, tem resultado negativo: aumenta a insegurança e a descrença na Justiça. Que o plenário resolva logo a questão”, disse.

Presepada suprema: Editorial | Folha de S. Paulo

Ordem, logo depois suspensa, de ministro do STF aumenta desgaste da corte num momento crítico

Do integrante de órgãos do Estado que têm pretensões perpétuas, como o Supremo Tribunal Federal, espera-se capacidade de tirar lições dos erros do passado a fim de evitar repeti-los. Desse processo, afinal, depende o amadurecimento institucional de toda a nação.

O ministro Marco Aurélio Mello, ao mandar soltar todos os condenados no Brasil em regime de cumprimento provisório de pena, manifestou clamoroso déficit de aprendizado. Reincidiu num conjunto de desacertos que tem favorecido o desgaste da corte.

A justeza de uma decisão individual, sob a forma precária da liminar, deveria ser sempre avaliada em contraste com o impacto imediato que irá causar. Para afastar do cargo o presidente de um Poder, como resolveu fazer Marco Aurélio com Renan Calheiros em dezembro de 2016, um rabiscar solitário de caneta nunca é o meio recomendável.

Tampouco a vontade provisória de 1/11 do plenário do STF deveria sersuficiente para libertar dezenas de milhares de pessoas —entre elas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT)— que cumprem pena de prisão após condenação em segunda instância, mas antes do trânsito em julgado de seus processos.

Para essas causas de vastas consequências, recorrer à autoridade coletiva e mais estável da maioria dos ministros tarda a se tornar uma norma não escrita no Supremo.

Mas Marco Aurélio foi mais longe.

Como a decisão foi tomada depois da última sessão colegiada do tribunal antes do recesso do Judiciário, não havia como o STF reunir-se com celeridade para decidir sobre caso tão impactante.

O lance de esperteza é típico do Congresso, onde pode ser considerado arma legítima das minorias. Na mais alta casa da Justiça, reveste-se de irresponsabilidade pueril.

Rompantes: Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente eleito Jair Bolsonaro tem dado a preocupante impressão de que possui insuficiente domínio sobre alguns assuntos relevantes que pretende tratar assim que começar seu governo. O caso mais recente foi sua declaração em que disse ter a “intenção” de rever a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. “É a área mais rica do mundo. Você tem como explorar de forma racional, e no lado dos índios dando royalties e integrando o índio à sociedade”, disse Bolsonaro, aparentemente desconhecendo o fato de que a demarcação dessa área foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, em processo já transitado em julgado – portanto, sem possibilidade de recurso.

Bolsonaro e sua equipe de transição não podem alegar ignorância a respeito desse rumoroso caso, que mobilizou a opinião pública na época. A reserva Raposa Serra do Sol, onde vivem 19 mil indígenas de 5 etnias, foi demarcada em 1998 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e homologada em 2005 por decreto do presidente Lula da Silva. Com esse decreto, ordenou-se a retirada dos não índios da área, de cerca de 1,7 milhão de hectares de terra contínua. Desde a demarcação havia conflitos entre os índios e agricultores do Sul do País que haviam se instalado na região para plantar arroz naquelas terras públicas, sob incentivo do governo de Roraima.

Funcionalismo também é parte da crise fiscal: Editorial | O Globo

Segundo maior item de gasto, depois da Previdência, servidores requerem uma reforma específica

Faz sentido que a lista das reformas essenciais para o país superar a crise fiscal e sair da armadilha do baixo crescimento traga no topo das prioridades mudanças estruturais na Previdência. A conjugação de regras desatualizadas com uma dinâmica demográfica que envelhece a população de forma veloz gera rombos crescentes nas contas públicas, degradando as expectativas dos agentes econômicos diante do futuro. O resultado são baixos investimentos, menor geração de renda e a instalação de um círculo vicioso de mediocridade no sistema produtivo.

Mas não se deve menosprezar o peso da folha do funcionalismo, o segundo maior item no Orçamento da União e muito relevante também entre os demais entes federativos. Um gasto que, da mesma forma, apresenta aspectos perversos: é engessado por uma legislação que na prática garante estabilidade plena ao funcionário público e assim contribui para sua baixa produtividade em geral. O servidor tem, portanto, absoluta blindagem salarial, além de receber uma remuneração geralmente bem acima da praticada no setor privado para a mesma função.

Após 40 anos de reformas, China enfrenta grandes desafios: Editorial| Valor Econômico

A China enfrenta seu maior desafio econômico desde que, há 40 anos, Deng Xiao Ping abriu a era das reformas. O país se tornou a segunda maior economia do mundo e agora enfrenta uma guerra comercial com os Estados Unidos e um período de desaceleração, depois de deixar para trás o padrão acelerado de dois dígitos de crescimento, que assombrou o mundo. A comoção econômica vem acompanhada de descontentamentos políticos na cúpula do governo, discretos e cifrados como costumam ser em uma ditadura comunista que em um par de anos se tornará a mais longeva da história.

Não apenas a economia terá de se acomodar em uma velocidade diferente desde quando Deng lançou seu programa reformista, como o equilíbrio político terá de estabilizar-se em outra órbita. Xi Jinping quebrou a norma de Deng da direção colegiada e reeditou o culto da personalidade, sedimentado pela aprovação do fim do mandato fixo para presidente. Na conferência econômica que se desenrola em Pequim, Xi fez um discurso sem acenar com novas reformas e reafirmou que a concentração de poder em torno de si tornou-se um dogma. Depois de dizer que o que tem de ser reformado será resolutamente reformado e o que não tem de ser, não será, Xi afirmou: "O que não será reformado é a posição dominante do partido e o núcleo dessa posição de liderança de Xi".

Murilo Mendes: O filho do século

Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Adeus valsa "Danúbio Azul"
Adeus tardes preguiçosas
Adeus cheiros do mundo sambas
Adeus puro amor
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Não tenho forças para gritar um grande grito
Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
As multidões famintas justiceiras
Sujeitos com gases venenosos
É a hora das barricadas
É a hora da fuzilamento, da raiva maior
Os vivos pedem vingança
Os mortos minerais vegetais pedem vingança
É a hora do protesto geral
É a hora dos vôos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
Misérias de todos os países uni-vos
Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.