sábado, 22 de dezembro de 2018

Marco Aurélio Nogueira: Um ano para a oposição mostrar seu valor

- O Estado de S.Paulo

Requerem-se iniciativas que sejam claramente democráticas, abertas, laicas, flexíveis

Depois da derrocada política, ideológica e eleitoral da esquerda democrática, do centro e da esquerda petista, os perdedores terminam 2018 amargando os efeitos de sua desarticulação. Procuram juntar os cacos. O vendaval bolsonarista abalou cálculos e personagens da democracia brasileira. Abriu uma espécie de caminho de volta.

Passadas as festas de fim de ano, terá de haver muita reflexão e ação.

PSB, PDT e PCdoB movimentam-se para organizar um arranjo político que funcione como bloco no Congresso e sirva de plataforma para deslocar o centro gravitacional das esquerdas, afastando-as tanto quanto possível do PT. Os petistas, por sua vez, terão de deixar de girar em círculos, abandonando a narrativa do golpe e da perseguição.

Ao mesmo tempo, o PPS e a Rede abriram conversas para examinar a possibilidade de uma articulação que abrigue os desejos de renovação de ambas as correntes políticas, juntamente com movimentos cívicos surgidos nos últimos anos.

Por entre esses dois mundos flutuam políticos e ativistas originários do PSDB, do MDB, gente da esquerda pragmática, petistas realistas, tucanos incomodados com a guinada direitista do partido, pessoas sem vínculos partidários – todos preocupados em encontrar uma porta por onde passe uma agregação que cumpra funções de ordem prática e ideal.

Haverá quem trabalhe para que as três iniciativas acima mencionadas, ou ao menos duas delas, convirjam no médio prazo em direção a um ponto comum. E haverá quem pense que nenhuma delas tornará viável uma oposição propositiva, consistente e vigorosa ao próximo governo federal.

No fundo, estão todos convencidos de que os partidos existentes já não dão conta da situação e precisarão agir de outra maneira, quem sabe, extraindo de seu interior os germes da própria superação, rumo à formação de um novo movimento político.

João Domingos: A economia acima de tudo

- O Estado de S.Paulo

Uma equipe de articuladores políticos precisa saber dialogar e nunca ser prepotente

Mesmo que Jair Bolsonaro tenha feito uma campanha sem abordar com profundidade os problemas econômicos do País, hoje não restam dúvidas de que a maior expectativa de todo mundo em relação a seu governo mora na economia. Por isso mesmo, indaga-se tanto a respeito do que o governo vai fazer em primeiro lugar, se a reforma da Previdência ou a reforma tributária, ou as duas. Ou nenhuma. Ao mesmo tempo, buscam-se informações sobre o projeto de privatização, se incluirá a Petrobrás ou parte dela, se chegará aos bancos oficiais ou não, se haverá aumento de impostos, desoneração da folha de pagamentos, e assim por diante. Em resumo, a pauta econômica superou outros temas de campanha. E o presidente eleito, de repente, já não é só aquele que encarnou a figura do anti-PT. Seu governo está aí para dar um jeito no País. E dar um jeito no País começa por fazer a economia andar e voltar a gerar empregos.

Nem o tema do combate à corrupção empolga tanto quanto a economia. Bolsonaro nomeou Sérgio Moro para o Ministério da Justiça? Ótimo, é o ministro que o eleitor dele e de outros candidatos pediram. Moro chamou o delegado Y para tal cargo? Também está ótimo. Põe a turma da Lava Jato pra trabalhar. Em reação a críticas do general Hamilton Mourão sobre seu governo Nicolás Maduro fala em pôr os milicianos da Venezuela em estado de guerra contra o Brasil? Nossa, como esse Maduro é chato. Vamos ao que interessa, a economia.

Então, não há como fugir. A expectativa é em relação à economia, ao crescimento do PIB, quando o superávit primário deixará de ser déficit e voltará a ser superávit, etc. Isso aumenta demais a responsabilidade do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele terá de Bolsonaro as condições para tocar sua proposta de economia? Certamente que do presidente ele as receberá. Mas o presidente terá capacidade para criar essas condições, negociando com deputados e senadores a aprovação de medidas, como a reforma da Previdência? Isso será preciso ver.

Adriana Fernandes: Disputa sangrenta

- O Estado de S.Paulo

Nenhum governo teria fôlego para ficar votando a reforma da Previdência por dois anos

A aceleração da votação da pauta de projetos econômicos no novo Congresso Nacional é a grande moeda de troca na articulação política para a eleição das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Uma disputa muito sangrenta nas eleições para a presidência, sobretudo da Câmara, vai respingar na tramitação da reforma da Previdência, prioridade número um do plano econômico de Paulo Guedes. A fragmentação partidária não ajuda em nada.

Vem daí a aproximação do futuro ministro da Economia de Jair Bolsonaro com o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Candidato até agora favorito para ganhar a reeleição, Maia tem repetido a todos que sua agenda é a mesma da equipe econômica. O discurso tem sido o de que “ninguém” vai defender mais a agenda econômica da equipe de Bolsonaro do que ele.

Além da reforma da Previdência, essa agenda inclui o projeto de autonomia do Banco Central e a proposta de mudança no marco regulatório do licenciamento ambiental no País para ativar os investimentos.

Guedes sabe que não pode perder a oportunidade de avançar com a reforma da Previdência ainda no primeiro semestre e com as principais propostas de destravamento das amarras que impedem a economia de acelerar. Se demorar muito nesses primeiros meses para acionar os botões da engrenagem, vai ficar cada vez mais difícil.

O resultado das eleições para as mesas diretoras do Congresso, portanto, vai dar o tom do que ele vai enfrentar. O futuro ministro já foi aconselhado por lideranças experientes da Câmara a não fatiar a proposta de reforma e buscar uma projeto único. O diagnóstico é de que nenhum governo tem fôlego para ficar votando a reforma da Previdência por dois anos.

Míriam Leitão: Anúncios vazios minam confiança

- O Globo

Faltam dias para o novo governo assumir e seria bom que começasse a ir além das ideias voluntaristas que marcaram essa conversa inicial

O anúncio de que o governo Bolsonaro pensa em desonerar a folha de salários tem a mesma marca de improviso de todos os outros ditos da nova administração. É excelente a ideia, só não é original nem trivial. Para fazer isso será preciso saber de onde tirar pelo menos os R$ 200 bilhões que vão para a Previdência. Alguém precisa contar para as autoridades entrantes que governar é diferente de ter teses na academia, no mercado financeiro ou em palestras.

Para ir além da ideia é preciso explicar como fazer. Se não houver o caminho dos projetos até a sua realização é apenas balão de ensaio. Até agora, a lista de intenções anunciadas e abandonadas pelo governo Bolsonaro é enorme. A transição está se completando e a grande marca da preparação do novo governo é o anúncio precipitado de medidas que depois são desmentidas, para darem lugar a outras que também acabam indo para o rol das propostas arquivadas.

Para desonerar a folha é preciso saber o que pôr no lugar, porque passa de meio trilhão de reais o que se arrecada hoje. O que o futuro secretário da Receita, Marcos Cintra, propõe é a criação de um imposto sobre transações financeiras. Essa proposta é a recordista das idas e vindas. Foi dita, desdita, desmentida, negada, abjurada, e sempre reaparece. Cintra é conhecido por sua militância de décadas em defesa do imposto único. Uma ideia que tem nele um defensor único. Nunca impressionou os colegas de qualquer corrente na economia porque não fica em pé. Até ele traiu suas próprias crenças e chegou a defender que houvesse duas e não uma CPMF.

Demétrio Magnoli: A folia do Ernesto

- Folha de S. Paulo

O Brasil de Bolsonaro oferece a Maduro um conveniente inimigo externo

Bolsonaro e Ernesto Araújo, o ministro indicado de Relações Exteriores, justificaram os "desconvites" a Díaz-Canel e a Maduro para a posse presidencial sob o argumento de que Cuba e Venezuela não realizam eleições livres.

A lógica empregada exigiria "desconvites" a dezenas de países autoritários com quem o Brasil mantém relações diplomáticas. A política externa bolsonarista começa no registro da pantomima. Nesse caso, a comemoração explícita emana dos grupelhos ideológicos que orbitam em torno do presidente eleito —mas a vitória é do ditador venezuelano.

Maduro mente todos os dias, obsessivamente. Agora, acusa Bolsonaro e o vice, Mourão, de participarem de um "complô preparado na Casa Branca para me assassinar" e "invadir a Venezuela", num plano que se iniciaria com "provocações na fronteira".

Nada evitará que ele minta, mas os "desconvites" conferem uma sombra de verossimilhança às suas palavras. O chavismo terminal precisa do espantalho ameaçador do inimigo externo para conservar um mínimo de coesão interna. A folia ideológica brasileira ajuda a prolongar o epílogo do falido regime venezuelano.

Ernesto Araújo é um homem de firmes convicções. Poucos anos atrás, defendia sem corar as políticas econômica e externa de Dilma Rousseff. Nos últimos meses, em pirueta olímpica, passou a repercutir o discurso místico do olavismo e as senhas doutrinárias da Breitbart News.

O folião do Itamaraty pretende operar como peão de Trump na América do Sul. A lógica dos "desconvites" ultrapassa o limite dos gestos simbólicos, apontando para a ruptura de relações diplomáticas com Cuba e Venezuela. Maduro torce por isso, que implicaria a voluntária retirada brasileira do terreno onde se decidirá o futuro da Venezuela.

O chavismo, que nunca foi homogêneo, cinde-se em correntes diversas que encaram o horizonte do abismo. O componente militar do regime, que controla as chaves da repressão, também está dividido.

Julianna Sofia: Intento golpista

- Folha de S. Paulo

Temer e Maia fazem tabelinha para liberar irresponsabilidade fiscal em prefeituras

Não deixa de ser um pequeno golpe a sanção do projeto que flexibiliza a consagrada Lei de Responsabilidade Fiscal, abrindo espaço para prefeituras perdulárias sapatearem em cima da norma-mor das contas públicas. Michel Temer deu um pulinho no Uruguai e passou a caneta presidencial para o deputado Rodrigo Maia fazer a estrepolia.

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento eram contrários à validação do texto aprovado pelo Congresso. Pela nova regra, municípios com queda de mais de 10% na arrecadação ficam livres de punição caso extrapolem o limite de gastos com pessoal. Essa despesa não pode exceder 60% da receita líquida.

Segundo estimativas, um terço das prefeituras seriam contempladas pelo novo critério. Outros estudos mostram que cidades menos eficientes em setores como educação e saúde e que mais contrataram servidores serão beneficiadas.

Nas poucas horas em que comandou o país, Maia assinou e publicou em sessão extra do Diário Oficial da União a nova lei. O dublê de presidente considera a mudança correta, pois se trata de mero ajuste no regramento legal.

Oscar Vilhena Vieira: A função moderadora

- Folha de S. Paulo

A recomposição da autoridade do STF é essencial para a saúde da democracia

Vem de longe a desconfiança das elites políticas brasileiras na democracia liberal. Nossa primeira Constituição, outorgada por Pedro 1º, inspirada na restauração Francesa de Luís 18, conferiu ao imperador um papel de tutela sobre o sistema político. Além da função de chefia do Executivo, ao imperador caberia o exercício do Poder Moderador, que deveria incessantemente velar imparcialmente pela independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes (artigo 98, Constituição de 1824), o que jamais ocorreu.

Com a proclamação da República, a função moderadora, como propunha Rui Barbosa, deveria passar a ser exercida não mais por uma pessoa, mas pelo império do Direito. Ao garantir a supremacia da Constituição, o Supremo Tribunal Federal limitaria os poderes políticos, "contra os excessos do mandonismo em todas as suas violências ou trapaças".

Como sabemos, o transplante do modelo constitucional norte-americano não triunfou. Para Raymundo Faoro, "a missão política que [o Supremo Tribunal Federal] deveria representar estava destinada a outras mãos, alimentadas de forças reais e não de papel". Foram os militares e não o Supremo que, de fato, se ocuparam de dar a última palavra na solução de nossas crises políticas ao longo da República.

Alfred Stepan, emérito estudioso de nossos militares, aponta nada menos do que nove intervenções entre 1889 e 1964. Esse "intervencionismo patológico", nas palavras de Stepan, indicam para a consolidação de um novo "padrão moderador", pelo qual as elites civis, quando incapazes de resolver seus próprios conflitos no marco da institucionalidade constitucional, buscavam apoio de setores militares para desestabilizar adversários ou manter-se no poder. Foi assim em 1889, 1910, 1922, 1930, 1945, 1954, 1955, 1961 e, finalmente, 1964, quando os militares decidiram não mais se limitar a arbitrar disputas e se lançaram ao exercício do poder, sem intermediários.

Com a debacle do regime militar, marcado por uma forte crise econômica, hiperinflação, escândalos e descontrole na administração das estatais, além da mácula dos crimes contra a humanidade, o país se reconstitucionalizou. A eterna desconfiança entre as elites políticas levou, no entanto, à adoção de uma Constituição extensa e detalhista. Ao estamento jurídico e especialmente ao Supremo Tribunal Federal foram transferidos enormes poderes para zelar pela integridade da Constituição e pela estabilidade do regime.

Ruy Fabiano: Um Poder sem moderação alguma

- Blog do Noblat | Veja

São incontáveis as decisões inusitadas

As cortes supremas, nas democracias, garantem, em regra, um insumo indispensável à ordem institucional: a segurança jurídica.

Como intérpretes da Constituição, firmam a jurisprudência e funcionam como poder moderador – mais ou menos o contrário do que tem feito, já há alguns anos, o STF, fator de instabilidade não apenas jurídica, mas sobretudo política e institucional.

São incontáveis as decisões inusitadas, como a desta semana, em que o ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, quis atropelar o próprio plenário da Corte, mandando libertar todos os presos condenados em segunda instância.

Seriam mais de 100 mil, contabilizados, além dos condenados na Lava Jato, criminosos de sangue, perigosos líderes de facções.

Foi uma espécie de Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado de Assis, que chegou a prender e, em seguida, soltar toda uma cidade, para no fim internar-se a si mesmo como o único louco das redondezas. Essa sensatez de Simão faltou a Marco Aurélio, que considerou seu ato normal e necessário e estaria pronto a repeti-lo.

O ato insano não se consumou graças ao presidente da Corte, Dias Toffoli, que revogou a liminar. Mas isso não o poupou da suspeita de ter participado de um ato teatral.

Na semana anterior, Toffoli adiou para abril a sessão do plenário que examinaria pela quinta vez (isso mesmo: quinta vez), em dois anos, a jurisprudência a respeito da prisão em segundo grau.

Não houve um motivo objetivo para o adiamento. Diante disso, a canetada de Marco Aurélio pode ter sido – e não falta quem disso suspeite – um balão de ensaio para avaliar a reação social à soltura de Lula. Absurdo? A tanto chegou o conceito do STF.

*Eliane Brum: A esquerda que não sabe quem é

- El País, 19/12/2018

Como deixar de apenas reagir, submetendo-se ao ritmo imposto pela extrema direita no poder, e passar a se mover com consistência, estratégia e propósito?

A violência dos últimos anos, que culminou nas eleições de 2018, tampou os ouvidos para o que poderia ser considerado o outro lado. Os gritos acusavam a impossibilidade de votar em Jair Bolsonaro (PSL) depois de ouvir o discurso de ódio que ele pregava. Gritou-se até quase acabar a voz. O fato é que a maioria dos eleitores que escolheu um dos candidatos escolheu Bolsonaro, e ele está eleito e já começou a governar desde o dia seguinte ao segundo turno, embora só assuma oficialmente em janeiro. Desde então, ou mesmo muito antes disso, os grupos que se opõem a Bolsonaro se limitam a reagir. A cada declaração, a cada ministro, a cada indício de corrupção amontoam-se mais gritos. É necessário reagir. Mas só reagir é exaustivo. Como o espaço público está saturado de gritos, a reação se esgota em si mesma. Numa época em que se vive de espasmo em espasmo, cada vez mais rápidos, o que parece movimento com frequência é paralisia. A paralisia do tempo da velocidade cria a ilusão de movimento exatamente porque é feita de espasmos. Como parar de apenas reagir e se mover com consistência, estratégia e propósito?

Quero propor uma conversa. Ou talvez duas. A esquerda foi demonizada pela turma do Bolsonaro, do MBL (Movimento Brasil Livre), do Olavo de Carvalho e outras. Para uma parte da população, virou tudo o que não presta, seja lá o que for. Às vezes esquerda e comunismo e marxismo viram uma coisa só no discurso repetitivo e feito para a repetição. E essa coisa que viram pode ser qualquer coisa que alguém diz que é ruim. A reação daqueles que se identificam com a esquerda é acusar os que estimulam esse desentendimento, aqui no sentido de não entender mesmo do que tratam os conceitos, de manipuladores e de desonestos. E com frequência é isso mesmo que são. Mas se fosse só isso seria mais fácil.

O problema é que está muito difícil saber o que a esquerda é. E o que a esquerda propõe que seja claramente diferente da direita. O PT se corrompeu no poder. É um fato. Pode se discutir bastante se o PT é um partido de esquerda. Eu, pessoalmente, acho que foi de esquerda só até a Carta ao Povo Brasileiro, durante a campanha de 2002. Outros encontram marcos anteriores de rompimento com um ideário de esquerda.

• Negar que o PT se corrompeu no poder é quase tão delirante quanto negar o aquecimento global provocado por ação humana

Para o senso comum, porém, o PT é um partido de esquerda. Não só é como foi a principal experiência de um partido de esquerda no poder da história da democracia brasileira. Logo, não se corromper no poder, fazer diferente da velha política conservadora, já não é uma diferença da esquerda para a população. Negar que o PT se corrompeu no poder é quase tão delirante — ou mau caráter — quanto negar o aquecimento global provocado por ação humana.

Garantir o emprego e os direitos trabalhistas poderia ser uma outra diferença visível, mas o desemprego voltou a crescer e os direitos do trabalhador começaram a ser cortados já no governo de Dilma Rousseff, a última experiência que a população teve de um governo de esquerda. A reforma agrária poderia ser outra diferença, mas ela não avançou de forma significativa no governo de esquerda. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que hoje está sendo criminalizado pelo governo de extrema direita, se domesticou quando o PT estava no poder. O mesmo aconteceu com grande parte dos movimentos sociais, que viraram governo em vez de continuar sendo movimentos sociais, o que teria sido importante para garantir a vocação de esquerda do partido no poder. Esta, aliás, é uma história que precisa ser melhor contada.

Também nos governos do PT foram fortalecidos os laços com a bancada ruralista, que foi ganhando cada vez mais influência no cotidiano do poder, e se iniciou um claro projeto de desmantelamento da Funai (Fundação Nacional do Índio). Não é permitido esquecer nenhuma palavra de Gleisi Hoffmann atacando a Funai, quando era ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, assim como não é permitido esquecer nenhuma palavra da ruralista Kátia Abreu, ministra da Agricultura de Dilma, sobre as terras indígenas.

Não custa lembrar que, segundo a Constituição de 1988, as terras indígenas são públicas, de domínio da União, mas de usufruto exclusivo dos indígenas. Toda a articulação para enfraquecer a Funai, até hoje, entre outras várias ações, tem por objetivo mudar a Constituição e abrir as terras indígenas para exploração e lucros privados.

Lula chegou a dizer, em 2006, que os ambientalistas, os indígenas, os quilombolas e o Ministério Público eram entraves para o crescimento do país. Dilma foi a presidente que menos demarcou terras indígenas. A lei antiterrorista, que pode ser piorada e usada para criminalizar ativistas e movimentos sociais no governo de Bolsonaro, foi sancionada por ela.

Nenhuma dessas ações e omissões podem ser relacionadas com um ideário de esquerda, pelo menos de uma esquerda que mereça esse nome.

No gasto, o Brasil parece rico: Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo brasileiro gasta como se o País fosse rico, mas a enorme despesa pouco beneficia a maior parte da população. Pior que isso: esse descompasso aumentará muito nos próximos anos, se o novo presidente for incapaz de arrumar as contas públicas e de promover, como condição essencial para esse ajuste, a reforma da Previdência. Esses fatos – e o contraste com a gestão pública de outros países – foram evidenciados mais uma vez em um novo relatório do Tesouro sobre as despesas do governo central. Esse conjunto é formado pelas contas do Tesouro, do Banco Central e da Previdência. O documento ressalta o grande peso dos juros, consequência do alto endividamento e da fragilidade das finanças públicas, e o crescente desarranjo do sistema de aposentadorias e pensões, um dos principais desafios diante do nova administração federal.

O Brasil só ficou atrás dos países nórdicos, em 2016, na comparação das despesas governamentais. O governo central brasileiro gastou naquele ano o equivalente a 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB). A despesa correspondente ficou em 34,4% nos países nórdicos – Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. Os quatro são econômica e socialmente muito mais avançados que o Brasil, têm tributação maior que a brasileira e suas populações têm acesso a educação, saúde e outros serviços públicos de altíssima qualidade.

Na mesma comparação, a zona do euro aparece com 27,3% de despesa governamental; a América Latina emergente, com 28,5%; a Ásia emergente, com 17,9%; e a média das economias avançadas, com 28,5%.

Em 2017, a despesa do governo central brasileiro ficou em 32,7% do PIB, proporção pouco menor que a do ano anterior, mas ainda bem maior que a observada na maior parte do mundo avançado e emergente.

Além de excessivo, pela condição de país emergente, o gasto do governo central brasileiro é mal distribuído e incompatível com as necessidades do crescimento econômico e de uma população carente de educação, saúde, saneamento, segurança, serviços essenciais de infraestrutura e oportunidades de emprego.

Recaída no vício: Editorial | Folha de S. Paulo

Mudança para beneficiar município que estoura limite de gastos evoca paternalismo perigoso

Desde sua aprovação, em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal sofreu poucas alterações relevantes, a maior parte delas nos últimos dois anos. A mais recente, promovida na terça (18), foi para pior.

Com a LRF buscou-se romper uma tradição de permissividade no manejo das finanças públicas nacionais, em especial nos estados e municípios. Até então, governadores e prefeitos cultivavam o hábito de estourar seus Orçamentos e, periodicamente, valerem-se de seu poder político para obter um socorro de Brasília.

Para interromper tais ciclos, estabeleceram-se limites para os gastos com pessoal e o endividamento, além de ficarem vedados empréstimos e refinanciamentos da União aos entes federativos.

Em dezembro de 2016 foi aberta uma exceção importante, com a criação de um programa de auxílio a estados em situação falimentar. Ali, pelo menos, houve ampla e transparente negociação, além de exigências de ajustes para os governos que se credenciassem ao plano.

Agora, Legislativo e Executivo mexeram na lei de modo bem mais sorrateiro. Deputados em final de mandato aprovaram às pressas um projeto oriundo do Senado, e o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sancionou o texto durante uma interinidade no Palácio do Planalto.

A recepção de corporações ao governo Bolsonaro: Editorial | O Globo

Antes de assumir, presidente eleito acompanha demonstrações de resistência à austeridade fiscal

Faz tempo que passou a fase de comemoração pela vitória eleitoral que, pela primeira vez nas três décadas seguintes ao fim da ditadura militar, colocará no poder um governo assumidamente de direita. Algo benéfico ao país, dentro do princípio do rodízio no poder inscrito nos estatutos de uma democracia representativa.

Jair Bolsonaro e equipe avançam no que se espera seja a formulação de propostas eficazes para enfrentar dois conjuntos de problemas graves: econômicos, em que se destaca a propensão estrutural ao déficit nas contas públicas, e na segurança pública, em que se inclui a corrupção, sendo que é sério o estágio a que a criminalidade chegou no Brasil, convertido em importante rota de exportação de drogas, tendo quadrilhas já enraizadas em países vizinhos.

O enfrentamento da violência requer não apenas a integração nacional do aparato de segurança, como agora também internacional. São duas frentes de uma guerra vital. No campo econômico, o governo que ainda não assumiu já recebe pancadas nada sutis e pode observar exemplos concretos de dificuldades que enfrentará no choque com fortes grupos de interesses que vivem do desregramento das contas públicas. Mais ainda depois do segundo governo Lula e do período Dilma, quando a conhecida cultura brasileira de se agarrar às tetas do Tesouro (leia-se, do contribuinte) ficou mais forte.

Bolsonaro apoia projeto que anistia dívida com Funrural

Cristiano Zaia | Valor Econômico

BRASÍLIA - Pressionado pela bancada ruralista, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, decidiu apoiar a aprovação, no próximo ano, do projeto de lei que perdoa toda a dívida de produtores rurais e das agroindústrias com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Se virar lei, o impacto nas contas do governo federal será de R$ 17 bilhões, segundo estimativa da Receita Federal.

O Funrural é a contribuição dos produtores rurais para a aposentadoria dos trabalhadores do setor. Incidente sobre o faturamento dos produtores, a contribuição foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, mas a União recorreu e, em 2017, o tributo voltou a ser cobrado. Os ruralistas alegam que a Receita Federal quer cobrar o Funrural de forma retroativa. Por essa razão é que um deputado da bancada ruralista apresentou projeto de lei para anular a dívida.

"Conversei com Bolsonaro na Granja do Torto e ele garantiu que vai cumprir sua promessa de campanha de que faria tudo para resolver o problema do Funrural. Resolver está muito claro o que é: aprovar a lei que isenta o pagamento retroativo", disse ao Valor Luiz Antônio Nabhan, um dos principais conselheiros do presidente eleito e que assumirá o comando da Secretaria de Assuntos Fundiários no Ministério da Agricultura no novo governo. "Ninguém aqui quer acabar com o Funrural, que continua sendo cobrado. Agora, o retroativo é impagável."

O Congresso aprovou lei que criou um Refis (refinanciamento de dívida tributária) para o Funrural. A regra permite que o débito seja pago em 15 anos, prorrogáveis por mais cinco. A adesão ao programa, porém, tem sido muito baixa, uma indicação de que o setor acredita que haverá anistia. Em pouco mais de um ano do Funrural, o prazo de adesão foi adiado cinco vezes e a arrecadação foi de apenas R$ 325 milhões, ante R$ 1,5 bilhão projetado pela Receita Federal.

Bolsonaro quer perdoar dívida rural; rombo é de R$ 17 bi
Sob grande pressão de setores do agronegócio desde a campanha, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já sinalizou a interlocutores que apoia a aprovação, no próximo ano, de projeto de lei (9.252/2017) no Congresso que concede perdão total das dívidas acumuladas por produtores rurais e agroindústrias com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) - um impacto da ordem de R$ 17 bilhões aos cofres públicos, pelas contas da Receita Federal.

'Blocão' parlamentar fecha acordo para comandar comissões na Câmara

Por Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA - Os oito maiores partidos que negociam a formação de um "blocão parlamentar" para ocupar as principais comissões e cargos de comando da Câmara dos Deputados encaminharam um acordo para superar um dos maiores entraves a concretização desse grupo. Pelo acordo, essas siglas se revezarão durante quatro anos nas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e Mista de Orçamento (CMO), duas das mais importantes do Legislativo.

O bloco visa ocupar os espaços que pertenceriam ao PSL do presidente eleito Jair Bolsonaro e ao PT. A regra na Câmara é que a prioridade para escolha dos cargos ocorre de acordo com o tamanho de cada partido. O PT, que é o maior, teria a preferência do maior cargo da Mesa Diretora (a vice-presidência) e a primeira escolha de comissão. O PSL, que trabalha para ser a maior sigla na data da posse, a segunda escolha.

Para evitar que os dois maiores partidos ocupem os principais cargos, 15 siglas têm negociado a formação do bloco, que, se concretizado, reuniria mais de 300 deputados e teria a prioridade para decidir sobre a presidência de 17 comissões antes que PSL ou PT pudessem opinar.

Um dos entraves a esse acordo, segundo parlamentares que estavam à frente das negociações, era a pequena diferença de tamanho entre os maiores partidos do grupo. Do maior, que é o PP, para os menores, DEM e PSDB, a diferença é de oito deputados federais. Ainda há decisões da Justiça Eleitoral e filiações de parlamentares de siglas que não atingiram a cláusula de barreira que devem mudar isso até fevereiro.

Segundo o líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento (BA), o acordo de rodízio foi visto como positivo por todos porque, do contrário, nenhum desses partidos teria direito a esses espaços. "É melhor ficar com a presidência da CCJ por um ano do que ficar os quatro anos com o PSL ou PT", afirmou.

PP, MDB, PSD, PR, PSB, PRB, PSDB e PDT dividiriam oito dos dez cargos da Mesa Diretora. O DEM, que também está no grupo, ficaria de fora dessa distribuição caso o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) seja o escolhido como candidato do blocão para comandar a Casa, negociação que até agora não ocorreu porque outros deputados dessas legendas pretendem concorrer.

Bertolt Brecht: O primeiro olhar pela janela de manhã

O primeiro olhar pela janela de manhã.
O velho livro redescoberto.
Rostos entusiasmados.
Neve, o câmbio das estações.
O jornal.
O cão.
A dialética.
Duchas, nadar.
Música antiga.
Sapatos cômodos.
Compreender.
Música nova.
Escrever, plantar.
Viajar, cantar.
Ser cordial.