quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Riscos para a transparência e o combate à corrupção: Editorial | Valor Econômico

Transparência e intransigência quanto à corrupção ocuparam a linha de frente da campanha do candidato vitorioso do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro. Em três semanas de governo, porém, surgiram medidas que objetivamente podem desmentir essas promessas. Pelo menos mais 1.288 pessoas com cargo DAS (Direção e Assessoramento Superior) passarão a ter direito a classificar documentos da administração como ultrassecretos, secretos e reservados. Uma proposta de regulamentação financeira de medidas para coibir a lavagem de dinheiro alterou o montante objeto de comunicação obrigatória ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Não se justifica a urgência para tratar logo nos primeiros dias da nova administração dos dois assuntos.

O aumento do número de pessoas que tem o poder de dizer o que o Estado deve manter em sigilo e o que deve tornar público é um retrocesso claro em relação à Lei de Acesso à Informação, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2012. Ele foi instituído por decreto e assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, quando o presidente Jair Bolsonaro estava em Davos, no Forum Econômico Mundial. A justificativa de Mourão para a medida não tem sentido - o de que diminuirá a burocracia. Na questão de escolher quais informações, documentos, decisões, atas, memorandos etc são sensíveis para o Estado e devem ser sonegados por um período de tempo considerável ao conhecimento da opinião pública, quanto mais pessoas tiverem direito a essa atribuição menos transparência haverá.

Indicações políticas das equipes dos presidentes ocupam os cargos DAS, e muitos deles terão agora a prerrogativa de dizer o que o Estado pode esconder ou revelar. O risco de que ajam em causa de seus chefes em situações pouco republicanas é sancionado pelo passado recente. Há o temor de que usem esse poder para esconder rastros sob o manto do segredo legal de Estado. A enorme rede de corrupção desvendada pela Lava-Jato mostrou que um elo vital da cadeia de malfeitos está na administração pública.

As mudanças propostas pelo Banco Central, que envolvem a comunicação de movimentações suspeitas ao Coaf, têm atrás de si razões técnicas, mas os fatos que ocorreram ao mesmo tempo em que a consulta pública foi deslanchada serviram para mostrar sua inadequação. Com munição do Coaf, descobriu-se que o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e amigo do presidente Jair Bolsonaro, fez movimentações incompatíveis com sua renda, tendo depositado R$ 24 mil na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro. Também via Coaf, foram encontrados 48 depósitos fracionados de R$ 2 mil na conta de Flávio Bolsonaro. Flávio adquiriu dois imóveis em 2012 e 2014 sem aparentemente ter renda compatível com as aquisições.

O BC propôs que não houvesse mais notificação obrigatória de movimentações em espécie acima de R$ 10 mil, mas de R$ 50 mil, e que parentes de políticos deixem de ser pessoas politicamente expostas, a merecer atenção especial dos bancos.

Em nota, o BC indicou que os bancos "terão que adotar controles mais adequados e com base em risco para reportar ao Coaf todas as operações suspeitas. Em outras palavras, as análises não deverão se ater apenas a determinados valores ou pessoas, as instituições terão que monitorar e analisar todas transações financeiras, independentemente de valor ou do tipo de pessoa, e reportar tudo o que for suspeito".

Entretanto, o fato é que o atual esquema funcionou bem até que fossem colocadas suspeições a respeito de pessoas muito próximas ao presidente da República. O BC pretende aprimorar e levar os bancos a um esquema planejado de monitoramento e controle das operações que resultam em lavagem de dinheiro, mas poderia ter feito os aperfeiçoamentos sem mexer no limite e na classificação de pessoas politicamente expostas, até que o esquema a ser implantado pelos bancos demonstrasse na prática sua eficácia, o que levará um bom tempo.

Politicamente, em meio às complicações de Flávio Bolsonaro, agravadas pelo envolvimento de auxiliares seus com as milícias cariocas, a iniciativa de mexer em certas regras que funcionam revelou-se inábil. Possibilitaram o surgimento de suspeitas sobre favorecimento a corruptos quando um deles é ligado aos Bolsonaros. As duas mudanças deveriam ser arquivadas.

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