segunda-feira, 18 de março de 2019

*Celso Rocha de Barros: Marielle e o bolsonarismo

- Folha de S. Paulo

Reação dos bolsonaristas diante do assassinato da vereadora é inédita no Brasil

É bem fácil ser gentil quando morre um adversário político. O sujeito já morreu, não está mais disputando nada com você. O procedimento padrão é desejar condolências, dizer algo como “apesar de nossas divergências, sempre respeitei a firmeza com que lutou por seus ideais”, e ainda sair com cara de bom esportista.

A reação dos bolsonaristas diante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) foi o oposto disso. É um negócio muito esquisito, inédito no Brasil e raríssimo no mundo.

No dia do assassinato, o presidente disse que não se manifestaria porque sua opinião seria muito polêmica. Os bolsonaristas entenderam a dica e foram para a internet espalhar mentiras sobre Marielle, como o de que ela teria sido namorada do traficante Marcinho VP. Ninguém que fez isso, até agora, foi preso. Têm que ser.

Dois bolsonaristas, Rodrigo Amorim e Daniel Silveira rasgaram uma placa com o nome de Marielle em um ato político na última campanha eleitoral —e se elegeram, respectivamente, deputado estadual e deputado federal.

Amorim guarda uma das metades da placa rasgada enquadrada em seu gabinete. Silveira participou de um ato, na última quinta-feira, que procurou atrapalhar uma homenagem a Marielle no Salão Verde da Câmara tocando uma gravação de latidos em alto volume. Os bolsonaristas mentiram que se tratava de um ato em defesa de animais maltratados.

O ato só não causou mais escândalo porque os passantes acharam que os bolsonaristas estavam reunidos assistindo a aula do Olavo.

Na verdade, a histeria é compreensível. Os bolsonaristas não querem que você discuta o assassinato de Marielle Franco porque não querem que você discuta milícias.

Lembre-se: o bolsonarismo é tão próximo das milícias que, quando o Vélez tentou fazer a garotada cantar o hino, temi que mudassem a letra para “Ouviram do Das Pedras as margens plácidas”.

O líder da milícia “Escritório do Crime”, Adriano Nóbrega, tinha mãe e esposa trabalhando no gabinete de Flávio Bolsonaro (e assinando cheques em nome do senador). Adriano Nóbrega, lembremos, recebeu a medalha Tiradentes na cadeia por iniciativa de Flávio, e foi homenageado no plenário da Câmara pelo atual presidente da República.

Há fortíssimos sinais de que o organizador de mutreta e bode expiatório da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, é enrolado com milícias. Flávio Bolsonaro, afinal, foi quem disse que a mãe e a mulher de Nóbrega lhe foram indicadas por Queiroz.

E recentemente descobrimos que nosso amigo Rodrigo Amorim, um dos que rasgou a placa de Marielle, tem foto no Instagram com Queiroz, a quem chamava de “irmãozão”.

Não, não há indícios de que a família Bolsonaro, Rodrigo Amorim ou Daniel Silveira estejam envolvidos no assassinato de Marielle Franco. Mas quanto mais as investigações prosseguirem, mas as milícias serão notícia; e, quanto mais aparecer milícia, mais vai aparecer bolsonarista em situação constrangedora.

Sim, pensei a mesma coisa que você: é incrível que um sujeito que alimentava a pretensão de ser presidente da República tenha se metido com essa gente. Mas aí é que está: quando se enfiou nessas histórias, nem Jair Bolsonaro era maluco o suficiente para acreditar que os brasileiros um dia votariam nele para presidente da República.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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