sexta-feira, 1 de março de 2019

César Felício: A reforma será permanente

- Valor Econômico

Se o cenário se complicar, convém estudar Portugal

Qualquer reforma da Previdência que permita uma economia acima de R$ 500 bilhões em dez anos já será bem vinda para muitos agentes do mercado. Os desenredos de Jair Bolsonaro em sua confusa coordenação política impactam pouco as expectativas porque o nível de exigência foi significativamente rebaixado. A experiência vivida no governo Temer trouxe ensinamentos.

O consenso que se pode obter no Congresso para a aprovação da reforma é limitado, incompatível com a sustentabilidade do sistema a longo prazo. Daí porque é considerado estratégico se conseguir a desconstitucionalização geral que está embutida na proposta do governo, com a remissão de diversos itens para a definição por projetos de lei complementar, com quórum significativamente mais baixo, como observou anteontem Ribamar Oliveira em coluna neste jornal.

A reforma da Previdência estará permanentemente na pauta. Será tema todos os anos, para todos os governos e todos os legisladores. A desconstitucionalização pereniza a aposentadoria como tema de debate, independentemente do nível de incerteza que isso trará para todos os segurados. Do ponto de vista político, seria um extraordinário triunfo do poder Executivo, já que não é necessário demonstrar como é mais fácil se obter maioria absoluta do que o quórum constitucional. Em relação ao Congresso, o Legislativo estaria cedendo em uma prerrogativa: a de ter maior controle sobre a modulação do texto da Carta.

Face a isto, qual a importância de uma reforma do sistema previdenciário que pode ficar comprometida quando for introduzida a norma da capitalização, e os benefícios de quem está dentro da repartição perderem sustentação atuarial? Os problemas vão sendo vividos dia a dia. Como na famosa frase atribuída ao ex-vice-presidente Marco Maciel, as consequências vêm depois. O importante é que Bolsonaro concretize o primeiro passo, e ambiente para isso existe.

A estratégia bolsonarista é diferente do que previa a linha de ação da vertente do mercado representada, por exemplo, pelo grupo reunido pelo ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, que propunha um sistema de repartição mais duro, com menor margem de negociação, bastante centrada em se obter um grande resultado fiscal, convivendo com uma regra de capitalização mitigada, válida para quem nasceu a partir de 2014. Coincidia no propósito de desconstitucionalização do tema, mas estabelecia-se um gradualismo para manter a sustentabilidade.

As dificuldades em relação ao tema começam a tornar divisível o momento em que os brasileiros terão que estudar a fórmula portuguesa. Em janeiro de 2011, ainda no governo do socialista José Sócrates, foi criada uma contribuição extraordinária, incidente em todos os benefícios, que cortava 10% do que excedia € 5 mil mensais, tanto do setor público quanto do setor privado. Não foi suficiente. Cinco meses depois, foi criado um redutor para os pagamentos acima de € 1,5 mil. No ano seguinte, já no governo de Passos Coelho, um conservador, a contribuição extraordinária passou a podar 25% na faixa entre € 5 mil e € 7 mil e 50% acima disso. Em janeiro de 2013 passou a incidir um cobrança para os aposentados que recebiam mais de 1.350, de pelo menos 3,5%. Em agosto, as pensões superiores a € 600 passaram a ser afetadas. De 2014 em diante o torniquete começou a ser afrouxado lentamente, por pressão do Judiciário.

2020
A eleição de 2020 já se desenha no horizonte e a grande dúvida é o tamanho do empuxo da onda de extrema-direita. A magnitude do fenômeno no ano passado estimula candidaturas como a do Delegado Francischini em Curitiba, ou a de Joice Hasselmann em São Paulo. Mesmo no Nordeste o desempenho de Bolsonaro na eleição presidencial mostra que a esquerda se arrisca a perder bastante terreno.

Ele ficou em primeiro lugar no primeiro turno em Natal, Recife, Maceió e Aracaju, por exemplo. Nas capitais da Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas, o resultado se repetiu no segundo turno.

A questão é que a popularidade do presidente inevitavelmente perderá terreno até o fim do próximo ano. Os indicativos neste sentido da pesquisa CNT/MDA divulgada terça são importantes neste sentido. O levantamento apontou um índice de bom/ótimo próximo a 39%, enquanto 29% de pesquisados classificaram a administração como regular. É sugestivo anotar que em uma pesquisa feito pelo Datafolha na virada do ano a expectativa em torno da gestão era boa ou ótimo para 65% dos entrevistados, e de regular para 17%. Em linhas gerais, parece ter havido uma migração do sentimento positivo para uma posição de expectativa neutra, o primeiro estágio para a desaprovação.

Candidatos cujo único capital é a identificação com o presidente tendem a se ressentir, o que não significa que o viés conservador do eleitor se dissipe e que tenhamos em 2020 uma maré vermelha.

Existirá uma avenida para ser percorrida por aqueles que dialogam com este eleitorado assentados em outras bases que não o bolsonarismo explícito. É uma vertente que pode ajudar os atuais prefeitos que podem tentar um novo mandato, mesmo aqueles que sabidamente atravessam um mal momento, como o tucano Bruno Covas ou o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. É cedo para descartá-los.

Um possível freio à perda de substância do bolsonarismo está nas mãos do próprio Congresso. O pacote de Sergio Moro, e todas as iniciativas tocadas pelo ministro, que foi bombardeado nas redes sociais pela extrema-direita e obrigado e recuar da nomeação da desarmamentista Ilona Szabó para a suplência de um conselho consultivo, representa o que há de agenda transversal neste governo, que traduz o sentimento da imensa massa de eleitores que se movimentou em direção à candidatura de Bolsonaro na última eleição, sobretudo no ano em que a Lava-Jato chega ao quinto aniversário.

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