sexta-feira, 1 de março de 2019

Claudia Safatle: Sem reformas, recessão volta em 2020

- Valor Econômico

Microeconomia só terá vez após aprovar Previdência

A profunda anemia do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu somente 1,1% no ano passado, é reflexo das incertezas que se acumulam em relação ao novo governo. Sem a aprovação da reforma da Previdência, o país entrará em uma nova recessão no segundo semestre de 2020, segundo previsões de técnicos do Ministério da Economia.

Nenhum investidor, portanto, vai expandir os seus negócios no país sem ter a garantia de que uma relevante reforma será votada e aprovada pelo Congresso. Isso é que dará a ele a certeza de que haverá um equilíbrio das contas públicas no horizonte visível e que a trajetória da dívida pública será cadente a partir de 2021, com o retorno da geração de superávits primários, conforme os prognósticos do Ministério da Economia. Nesse ambiente, a taxa de juros poderá ser menor que a de hoje e o país retomará o crescimento econômico.

"Há um claro problema de expectativa", disse o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, à coluna.

A economia hoje está marcada por um quadro binário: "Ou se aprova a reforma da Previdência ou não haverá crescimento e teremos mais uma década perdida", alertou ele.

Há coisas a fazer na área microeconômica para melhorar a política de crédito, para incentivar o mercado de capitais e para desanuviar o ambiente de negócios em geral no Brasil. Técnicos da área econômica avaliam a real situação das pequenas e médias empresas para entender o que ocorreu com o patrimônio, com a formação de estoques e com a capacidade de produção depois de cinco anos seguidos de grandes dificuldades. Desemprego, queda nas vendas, quebra do faturamento e crédito caro, com certeza, deixaram cicatrizes em quem conseguiu sobreviver.

O governo vai esperar a aprovação, pelo Congresso, da reforma da Previdência para encaminhar um conjunto de medidas microeconômicas que possam dar algumas condições do setor privado se reerguer, depois de tantos anos de recessão (de 2014 a 2016) e a posterior estagnação da economia (1,1% de crescimento em 2017 e também em 2018).

A recuperação da atividade tem sido fraca por um leque de incertezas de naturezas diversas. Primeiro, havia a preocupação sobre quem seria eleito para a Presidência da República. Agora há dúvidas sobre como o governo, eleito e empossado, vai funcionar.

Os principais cargos da administração federal foram ocupados por pessoas com pouca experiência de governo e isso reduz o ritmo da tomada de decisões. A própria dinâmica de funcionamento do grupo de poder não se mostra ainda bem estabelecida, assim como não há a menor clareza de qual será a base de sustentação política do governo.

Aliás, não é seguro sequer se o presidente da República apoia a proposta de reforma da Previdência que ele próprio foi ao Congresso entregá-la.

Essas são algumas das questões em aberto que induzem os investidores estrangeiros a uma maior cautela. Já os investidores domésticos querem ser mais otimistas com o desempenho desse governo e, por enquanto, animam os mercados de ativos. "Está tudo pronto para a festa, mas se os convidados de fora não aparecerem será uma grande frustração", disse uma fonte.

Aliada às incertezas citadas há, também, um componente estrutural: os investimentos na expansão da infraestrutura, que devem comandar a retomada do crescimento, são por definição mais lentos.

A reforma da Previdência é, portanto, condição necessária, embora não suficiente, para a retomada do crescimento. É preciso mais mudanças, a começar pelo caótico e oneroso sistema tributário, Mas, sem ela, o aumento do gasto com o pagamentos de aposentadoria e benefícios será descontrolado.

Estimativas oficiais indicam um gasto a mais de R$ 1,1 trilhão nos próximos dez anos. Esse acréscimo terá que ser financiado pelo aumento de impostos ou corroído pelo recrudescimento da inflação.

Estudo feito pela equipe de Sachsida aponta um quadro dramático se a reforma da Previdência não for aprovada pelo Congresso.

O desemprego, atualmente de 12%, crescerá para a casa dos 15%, o brasileiro ficará mais pobre, a taxa de juros básica (Selic) subirá para a faixa de 18,5% ao ano e o país perderá, em média, 2,9% de PIB nos próximos cinco anos. A dívida bruta do governo geral aumentará sistematicamente até atingir 102% do PIB em 2023.

O cenário com a reforma parece róseo: o país poderá gerar 8 milhões de novos empregos até 2023, a taxa de juros básica poderá cair para 5,6%, a dívida do governo diminuirá para 76,1% do PIB e cada brasileiro terá R$ 5,8 mil a mais no bolso.

Para que a proposta de emen da constitucional (PEC) da Previdência não saia magrinha do Congresso, é importante que o governo a apoie. Ela não pode ser conhecida como a reforma do liberal Paulo Guedes, ministro da Economia, sob pena de ser totalmente desfigurada durante sua tramitação na Câmara e no Senado.

Nesse sentido, foi péssima a declaração de Jair Bolsonaro, que, em entrevista ontem, já admitiu rever para baixo a idade mínima de 62 anos para mulheres se aposentarem, conforme consta do projeto do governo.

Se nem o presidente da República concorda com a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens se aposentarem, que consta da proposta que ele entregou em mãos, no dia 20, ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), não será o Congresso que apoiará tal iniciativa.

Como disse Maia em entrevista ao jornal "O Globo", ontem: "Paulo Guedes tem uma agenda liberal, eu tenho uma agenda liberal. Mas você não tem 308 deputados que chegaram ao Parlamento com uma agenda liberal". Para aprovar emenda constitucional, é preciso maioria qualificada de 308 votos na Câmara, em dois turnos.

Uma dúvida para a qual não há uma resposta clara é sobre se Jair Bolsonaro tem, de fato, compromisso com uma agenda liberal para o seu governo.

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