domingo, 23 de junho de 2019

Bolsonaro diz que Congresso quer transformá-lo em uma rainha da Inglaterra

Presidente diz que Legislativo passa a ter superpoderes e que pacto entre Poderes deveria vir 'do coração'

Ricardo Della Coletta, Daniel Carvalho / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Envolto em uma turbulenta relação com o Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse neste sábado (22) que o Legislativo passa a ter cada vez mais "superpoderes" e que quer deixá-lo como "rainha da Inglaterra", que reina, mas não governa.

"Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?", indagou Bolsonaro.

O presidente fez o questionamento ao dizer que tomou conhecimento de um projeto na Câmara que transferiria a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras.

"Se isso aí se transformar em lei, todas as agências serão indicadas por parlamentares. Imagina qual o critério que vão adotar. Acho que eu não preciso complementar", afirmou Bolsonaro.

O presidente disse que "o Legislativo, cada vez mais, passa a ter superpoderes" e disse que o pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário deveria ser algo vindo "do coração".

"Com todo respeito, nem precisava ter um pacto. Isso precisava ser do coração, do teu sentimento, da tua alma", disse o presidente, na saída do centro médico do Palácio do Planalto, onde foi nesta manhã para fazer exames antes de embarcar para o Japão, na terça-feira (25) para participar da reunião do G-20.

Após os exames, o Planalto emitiu nota em que afirma que o presidente apresenta "ótimas condições de saúde".

O último projeto aprovado no Congresso sobre o assunto saiu do Senado em 6 de junho e está sobre a mesa de Bolsonaro para sanção ou veto.

O texto não passa para o Legislativo a atribuição de indicar conselheiros, diretores, presidentes, diretores-presidentes e diretores-gerais de agências reguladoras. Segundo a projeto aprovado, a escolha continua sendo do presidente da República, mas agora ele teria que selecionar um nome de uma lista tríplice que será elaborada por uma comissão de seleção.

A composição e os procedimentos deste colegiado serão estabelecidos em regulamento, que deve ser feito por decreto do próprio presidente da República.

O Senado também retirou trechos polêmicos que foram incluídos na proposta alterando a Lei Geral das Estatais. Com isso, foram derrubados pontos que, na prática, possibilitariam a nomeação de políticos e seus parentes para cargos de direção em empresas estatais.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse à Folha que não comentaria as declarações de Bolsonaro. "Não vou responder pois acho que ele não compreendeu o projeto", afirmou Maia.

O atual secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, defendeu o projeto das agências reguladoras quando integrava a Casa Civil do governo Michel Temer.

Em uma apresentação de 42 slides exibida em um workshop de infraestrutura na Fiesp, em agosto de 2018, o então subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil afirmou que o "pilar do projeto é o equilíbrio entre a efetivação da autonomia das agências e o fortalecimento da governança e do controle social".

Ele disse também que a "ideia subjacente é garantir a autonomia das agências, mas, em contrapartida, deixar claramente estabelecidos padrões elevados de transparência, controle social e de qualidade técnica da regulação".

PREVIDÊNCIA
Na mesma entrevista deste sábado, Bolsonaro falou da reforma da Previdência e disse que o tema se tornou "algo mágico", que vai voltar a criar empregos, algo que o presidente diz não depender dele.

"O pessoal cobra de mim emprego. Quem emprega não sou eu. Eu emprego quando crio cargo em comissão ou quando faço concurso. E Paulo Guedes [ministro da Economia] decidiu, basicamente, que poucas áreas terão concurso porque não tem como pagar mais", afirmou o presidente, dizendo que as Polícias Federal e Rodoviária Federal são as exceções.

"Fora isso, dificilmente teremos concurso no Brasil nos próximos poucos anos."

Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada por volta de 9h20 deste sábado. Fez exames no departamento médico do Planalto e seguiu para um supermercado no setor Sudoeste de Brasília.

Lá, cumprimentou clientes e comprou xampus. Em seguida, Bolsonaro foi ao setor militar. Primeiro fez uma rápida parada em um clube de quadras de futebol society e, depois, foi ao Clube do Exército, na mesma região da cidade.

No final da manhã, Bolsonaro fez ainda uma última visita, desta vez ao Clube de Associados da Aeronáutica de Brasília.

MUDANÇAS
Nesta sexta-feira (21), ao anunciar mudanças em sua equipe ministerial, Bolsonaro reconheceu que seu governo tinha problemas na articulação política.

Por meio de medida provisória publicada na quarta-feira (19), ele transferiu a articulação política de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) para o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

O diálogo do governo com o Congresso é alvo de constantes reclamações de parlamentares nesses quase seis meses de gestão Bolsonaro e já impôs uma série de derrotas ao Planalto.

Exemplo mais recente é a aprovação de um texto pelo Senado esta semana que tira a validade de dois decretos presidenciais sobre porte e posse de armas.

"Ora recebo crítica do Parlamento que não mando projeto para lá, ora, se mandar um outro [projeto] agora atrapalha a Previdência. Eu levo pancada o tempo todo", reclamou Bolsonaro neste sábado.

As queixas dos parlamentares eram direcionadas, sobretudo, a Onyx, a quem cabia a tarefa de atender as demandas do Legislativo.

Reportagem da Folha deste sábado (22) mostrou que, na véspera de completar seis meses no cargo, Bolsonaro dá sinais de que busca uma nova maneira de governar e deixar para trás a difícil relação com o Congresso até aqui.

Na última semana, demitiu dois ministros, modificou as funções de 3 das 4 pastas que ficam no Palácio do Planalto e anunciou pessoalmente troca de comando em duas estatais: o BNDES e os Correios.

No primeiro semestre como presidente, Bolsonaro adotou um modo oscilante na maneira de governar. Agora, tem demonstrado maior descontração nas aparições públicas.

A mudança de humor, na avaliação de aliados, foi influenciada pelas manifestações pró-governo no fim de maio.

Desde então, o presidente tem parado com frequência para cumprimentar e conversar com apoiadores ao entrar e sair da residência oficial, o Palácio da Alvorada. Aproveita a ocasião para dar entrevistas aos repórteres que fazem plantão no local.

Apesar de uma melhora de clima, assessores presidenciais não acreditam que ele vá adotar de forma constante uma versão “paz e amor”, mantendo o método de “fritura pública” de seus auxiliares antes de demiti-los.

SINAIS DA NOVA FASE

Amigos ao redor
Presidente fez trocas em ministérios para colocar poder na mão de militares com quem tem intimidade. Na Secretaria de Governo, colocou o general Luiz Eduardo Ramos, velho amigo do Exército; na Secretaria-Geral, escolheu Jorge de Oliveira Francisco, filho de um ex-assessor seu

Discurso mais duro
Passou a relativizar o peso dos superministros. Embora defenda Moro em crise das mensagens, disse que não existe “confiança 100%”. Também adaptou o discurso sobre Guedes e afirmou que "é um direito dele" sair se a reforma da Previdência não for aprovada

Drible no Congresso
Presidente editou uma medida provisória que reverte decisão anterior do Legislativo sobre terras indígenas. “Quem manda sou eu”, disse na quinta (20)

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