segunda-feira, 29 de julho de 2019

Bruno Carazza*: Partidos clandestinos

- Valor Econômico

Movimentos de renovação não podem ser criminalizados

Barack Obama ganhou seus primeiros 15 minutos de fama ao subir ao palco e proferir um discurso arrebatador na Convenção do Partido Democrata em 27 de julho de 2004. Há exatos 15 anos, Obama era um parlamentar de Illinois em campanha por uma vaga no Senado. Naquela noite "o rapaz de cor de nome engraçado" ganhou atenção nacional ao atribuir à força da democracia americana o fato improvável de ele estar ali. Quatro anos depois, ele seria eleito presidente.

A trajetória de Barack Obama, desde seus tempos como líder comunitário em Chicago, é muito bem retratada no podcast "Making Obama". Os seis episódios são uma excelente introdução ao modo de funcionamento da política americana.

Depois de uma derrota acachapante em 2000, Obama vislumbrou a possibilidade de chegar ao Congresso em 2004. Para isso, foi fundamental sua articulação com membros da elite americana. Com sua história de vida e propostas, Obama começou a impressionar magnatas de Manhattan e empreendedores do Vale do Silício.

"Se você me ajudar a levantar US$ 5 milhões, eu terei 50% de chance de ganhar; se eu conseguir US$ 7,5 milhões, minha probabilidade sobe para 70%. Mas se arrecadarmos US$ 10 milhões, eu garanto que vamos vencer", dizia o candidato para seu comitê de campanha. Ao final, recebeu US$ 15 milhões em doações e, claro, foi eleito.

A história da ascensão do primeiro presidente negro dos Estados Unidos mostra quão elevadas são as barreiras à entrada na política. E não se trata apenas de dinheiro para fazer campanha. Existem também as estruturas partidárias - Barack Obama teve que conquistar a confiança de caciques democratas em Chicago e depois em Washington - e a necessidade de construir uma base fiel de apoiadores.

Aqui no Brasil temos observado, recentemente, a eclosão de uma série de movimentos e entidades criados para facilitar o acesso de novos quadros na política nacional. Nascidos da combinação entre a crise do sistema de representação partidária e as manifestações populares pós-junho de 2013, organizações com diferentes estruturas e propósitos apoiaram centenas de novos candidatos em 2018.

Há importantes diferenças entre esses grupos. Alguns se organizam de forma mais horizontal e fluida (Bancada Ativista, MBL, Vem pra Rua, Nós) enquanto outros têm estruturas que se assemelham a grandes organizações - a Raps, por exemplo, possui assembleia geral, diretoria executiva e conselhos diretor, fiscal e de ética. Há movimentos mais identificados com a direita (Livres, MBL, Vem pra Rua), outros com a esquerda (Ocupa Política, Nós) e outros que apoiaram candidatos de uma ampla gama de partidos (Acredito, Agora!, Raps, Renova BR, Vote Nelas).

Sua atuação também é distinta, envolvendo capacitação e formação política, ou apenas mobilização nas redes sociais. Alguns desses movimentos, como o Agora!, têm plataformas políticas claras, com propostas detalhadas de políticas públicas. Outros são coletivos comprometidos com a ampliação da diversidade no Legislativo (Vote Nelas, Bancada Ativista, Muitas).


Um levantamento realizado com 339 candidatos apoiados por esses movimentos nas últimas eleições mostra um perfil mais jovem (média de idade de 38,9 anos, contra 47,6 do total de candidatos) e com maior participação feminina (36,9%, contra 31,5% no geral). Esse grupo é, porém, menos diversos em termos raciais (entre os candidatos dos movimentos, 63% declaram-se brancos, contra 54% do total de candidatos) e tem maior patrimônio declarado (R$ 1,04 milhão, contra R$ 697,8 mil da média geral). A ampla maioria dos candidatos apoiados por essas organizações é novata na política: dos 339 candidatos pesquisados, apenas 20 tentavam a reeleição.

Durante a campanha, os candidatos apoiados por esses movimentos conseguiram maior diversificação de doadores (média de 35,3 por candidato, contra 13,3 no geral) e dependeram menos dos partidos: 46% desses candidatos tiveram menos de um terço de sua arrecadação custeada pelos fundos partidários e eleitoral. Como resultado, conseguiram mobilizar quase duas vezes e meia mais recursos que a média (R$ 335,8 mil, versus R$ 138,7 mil).

O desempenho desses movimentos em 2018 foi bastante auspicioso: com o seu apoio foram eleitos 29 deputados estaduais, 27 federais, 4 senadores e um governador. E esse sucesso começa a incomodar os grandes partidos.

Na polêmica sobre a "traição" da deputada Tabata Amaral à orientação do seu partido na reforma da Previdência, Ciro Gomes, um dos mandachuvas do PDT, direcionou sua metralhadora giratória contra as organizações que apoiaram a novata (Acredito, Renova BR e Raps). Para Ciro, essas entidades seriam "partidos clandestinos, [criados] para burlar a legislação que proíbe o financiamento empresarial".

Ciro Gomes está equivocado ao associar esses movimentos às doações de empresas. O fato de muitos deles serem bancados por grandes empresários não caracteriza, em termos legais, financiamento corporativo. Se fosse assim, a maioria dos partidos poderia ser alvo da mesma acusação de Ciro; afinal, o seu próprio PDT recebeu R$ 1 milhão dos irmãos Grendene nas últimas eleições.

O ex-candidato à Presidência também erra ao insinuar que os egressos desses movimentos formariam um "partido paralelo" no Congresso. Os dados de votações nominais indicam que não há uniformidade de votos entre eles, até porque têm posições ideológicas muito díspares, com um núcleo à direita (a maioria abrigada no Novo) e outros mais à esquerda (Psol, Rede, PDT e PSB).

Nem tudo, porém, é digno de aplauso entre esses movimentos. Muitos padecem da falta de transparência e governança tão criticada nos velhos partidos tradicionais, pecando por não divulgar estatutos sociais, estrutura diretiva e dados sobre doações e despesas.

Em vez de demonizar essa novidade, devemos exigir, tanto dos velhos partidos como dos novos movimentos de renovação política, mecanismos para que ambos cumpram seu papel de oxigenar o ambiente político brasileiro.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro"

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