sexta-feira, 27 de setembro de 2019

César Felício - Um voto de desconfiança

- Valor Econômico

Congresso já tinha respondido a Moro; agora foi o STF

O alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que potencialmente pode anular sentenças proferidas no âmbito da Operação Lava-Jato só deve ser conhecido na próxima semana. Há uma primeira vítima clara, contudo, chamada Sergio Moro. Para quem quer ser um integrante da corte suprema na próxima vaga que se abrir, é uma derrota e tanto.

O escândalo provocado pela divulgação dos diálogos de Moro com integrantes da Força-Tarefa, obtidos pelo site “The Intercept” em circunstâncias obscuras, chega plenamente ao estágio das consequências concretas. Se Moro foi contido na troca de mensagens, o mesmo não pode se dizer dos procuradores de Curitiba e quem paga a fatura política é o ministro. A aprovação do projeto de lei do abuso pelo Legislativo e a derrubada dos vetos presidenciais já havia sido uma resposta. Ontem ficou transparente o troco do Supremo. O ministro Gilmar Mendes deixou no ar o que motivava a decisão, em uma menção indireta a integrantes da Força-Tarefa. “Chamam-nos de vagabundos, falam mal do ministro Fachin, ultrapassam todos os limites, mentindo, e nós temos que honrar a Lava-Jato?! Precisamos honrar as calças que vestimos!”

É provável que a decisão do STF seja delimitada de modo a não ter um efeito disruptivo na cena política brasileira. É provável que dias, quando não semanas, ou quem sabe meses, sejam consumidos de forma febril nesta discussão. O fato é que não se tratou ontem, em termos políticos, naturalmente, de um julgamento a favor de alguém. O que houve foi um voto de desconfiança.

MDB
O MDB hoje é uma sombra do que já foi, mas o emedebismo segue saudável e mais vivo do que nunca. Desaparece a sigla como elemento central da política brasileira, mas, sobrevive o princípio, a razão de existir que tornou o partido protagonista do chamado presidencialismo de coalizão.

O que um dia foi o MDB hoje é representado pela soma deste partido com o Centrão, o DEM e o PSDB congressual. É um eixo moderador, ou diluidor, das vontades presidenciais: tudo que sai do Palácio do Planalto de uma forma transforma-se em outra depois de passar no Congresso dominado pelo emedebismo. O conceito formulado pelo filósofo Marcos Nobre para explicar a dinâmica política nos governos FHC, Lula e Dilma no primeiro mandato mostra sua resiliência.

Este eixo moderador tende a apoiar uma reeleição do presidente Jair Bolsonaro, na opinião do cientista político Carlos Pereira, da FGV do Rio, também estudioso do MDB. Analisando tanto casos brasileiros como de outros países, Pereira constatou que partidos sem definição ideológica clara e com grande base congressual tendem a crescer como linha auxiliar. Quando se tornam protagonista, sob a ribalta, encolhem.

Pereira lembra que em 2015 o então PMDB tinha a presidência das duas casas legislativas, a Vice-Presidência, sete governos estaduais, entre eles o do Rio de Janeiro e o do Rio Grande do Sul, 18 senadores, 66 deputados federais e seis ministérios. Ao optar por patrocinar uma ruptura política e disputar nas urnas a eleição presidencial no ano passado, o partido perdeu metade de seu tamanho, aproximadamente. “O PSDB e o PT, quando estiveram no poder, superaram crises de governabilidade nos momentos que estavam em sintonia com o PMDB”, comenta Pereira.

Os partidos que encarnam o emedebismo hoje piscam o olho para Luciano Huck, andam de mãos dadas com João Doria, mas gostariam mesmo de ser o esteio da governabilidade de Bolsonaro. O próprio PSDB, mesmo tendo um presidenciável óbvio como o governador de São Paulo, não foge a esta força centrípeta. Não é produto do acaso tucanos terem tido a relatoria da reforma da Previdência na Câmara e no Senado e terem estado no centro da negociação do lado do Executivo, por intermédio de Rogério Marinho. Doria deverá ser o candidato tucano, mas pode ter dificuldades de unir o partido contra o Planalto. O ar da oposição é rarefeito. A grande aliança com o Planalto, porém, não depende dos que encarnam hoje o emedebismo.

“A grande diferença entre Bolsonaro e antecessores é que ele não aposta em coalizão permanente, quer estabelecer uma aliança conforme a sua agenda no momento. Nada garante que estas coalizões pontuais se reproduzam nas eleições. O presidente se recusa a dar estas garantias”, diz Pereira. Ao demarcar esta distância do eixo moderador, o presidente aumenta o risco que ele próprio corre, segundo o cientista político. “Se escândalos se aproximarem de seu círculo mais íntimo, o presidente passa a estar sujeito a pautas-bomba, por exemplo”, afirma.

Desigualdade
Cinco meses seguidos de saldo líquido positivo na criação de empregos formais e o melhor agosto na geração de vagas desde 2013 são números tão eloquentes que mereceram comemoração presidencial anteontem pelo Twitter.

Há sinais de que já funciona, há algum tempo, a engrenagem que Bolsonaro prometeu acionar, a de que o trabalhador está sujeito a ter menos direitos para ter mais emprego. Isto porque a desigualdade no mercado de trabalho cresce, mesmo depois que a tendência de aumento do desemprego se deteve, conforme indicou o estudo

“Estagnação desigual: desemprego, desalento, informalidade e a distribuição de renda do trabalho no período recente” (2012-2019), de Rogério Jerônimo Barbosa, publicado este mês pelo boletim do Ipea,

O levantamento mostra que desemprego e desalento não são mais os motores para o crescimento da desigualdade. Tanto um como o outro pararam de crescer em 2017, primeiro pela expansão da informalidade e depois porque as perdas no setor formal se estancaram, após a lipoaspiração pela qual a CLT passou. Agora, registra o autor, as disparidades entre os trabalhadores são o principal fator. “ Benefícios e direitos típicos (e sazonais) do setor formal se tornaram mais escassos e concentrados”, indicou.

O crescimento de desigualdade constatado pelo estudo não é banal. Em 2014, os 50% mais pobres ficavam com 5,7% da renda obtida pelo trabalho. No primeiro trimestre de 2019, este percentual desceu para 3,5%. Já os 10% mais ricos tinham 49% e agora estão com 52%.

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