sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Dora Kramer - Sem rumo nem prumo

- Revista Veja

Os moderados ainda precisam fazer muita força para seduzir o eleitor de 2022

Dizem por aí que a polarização é um mal que assola o país. Donde o aconchego moderado proporcionado pela união das forças de “centro” deveria ser o objetivo a ser alcançado para o bem de todos e a felicidade geral da nação. Enunciado desse modo, o problema do Brasil soa como resolvido de antemão. Na prática, porém, não é bem assim.

Os moderados realmente precisam unir esforços e se organizar para fazer frente à radicalização que não tem levado a lugar algum. Beleza, não fosse a ausência de plano para a execução da proposta. Seus defensores se apresentam como liberais na economia e progressistas no tocante aos costumes, coisa que atende aos ditames da obviedade mas não produz um passo concreto na direção do avanço.

Em nome da sempre desejada transparência, assumo desde logo minha adesão ao chamado centro. Gosto que por ora qualifico como utopia em busca de um rumo e, sobretudo, de um prumo para se transformar numa realidade capaz de seduzir maiorias que se identifiquem com ela a ponto de compreender seus autores e se comprometer com votos dados à pessoa que venha a representar esse campo ainda infértil de liderança, discurso e mobilização. Votei em Geraldo Alckmin no primeiro turno, em ninguém no segundo. Transparência, leitores.

Não se trata aqui de crítica meramente teórica aos meios e modos dos que buscam uma saída para o beco em que nos encontramos. É, antes, um apelo ao pragmatismo, sem o qual tendemos a chegar a 2022 no mesmo patamar de confusão cívica que em 2018 levou à escolha de Sofia entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro por falta de melhor opção.

Com todo o imenso e merecido respeito devido ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seus argumentos em prol da necessidade de “união do centro” têm sido insuficientes, por inconsistentes. FHC fala, mas aqueles a quem se dirige não fazem coisa alguma. Ele tenta, ainda sem sucesso, emular o dístico lançado por Franco Montoro e incorporado ao discurso de Tancredo Neves depois da derrota da emenda Dante de Oliveira (por eleições diretas para presidente) no Congresso. “Não vamos nos dispersar”, apelou Montoro em 1984 e repetiu Tancredo logo depois, levando milhões às ruas em defesa do fim do regime militar, mesmo que pela via indireta da eleição no colégio eleitoral do Congresso.

O que havia ali que diferenciava a situação da condição vivida nos dias de hoje? Entre outros fatores, confiabilidade nos autores dos discursos, objetividade e clareza de propósitos. Lá, o motivo era pôr fim ao ciclo militar e autoritário. Aqui, a ideia é confrontar um governo de princípios retrógrados com proposituras referidas num passado sem volta.

Para isso é necessário mais que palavras bacanas. É preciso ir muito além da indignação dos que, do sofá e com uma taça de vinho na mão, externam as respectivas posições reproduzindo opiniões de outrem nas ditas redes sociais.

É fundamental acrescentar ao debate nacional algo mais que as ideias tortas que podem ser tortas quando ditas por Bolsonaro mas que, reconheçamos, são claras para boa parte da população. Sejamos diretos: não adianta ter as ideias certas se você não consegue fazer com que sejam compreendidas de forma correta.

É preciso ter proposição, precisão, conteúdo e capacidade de convencimento para combater ideias tortas externadas de maneira errada. Isso se faz com argumentos e, principalmente, com um plano de ação hoje ainda inexistente para qualificar eleitoralmente as forças de centro que, antes de se posicionarem, precisam comer muito arroz com feijão no embornal da história do Brasil.

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Aguardemos. O julgamento da questão sobre a prisão de réus condenados em segunda instância pode não ser o fim da Lava-Jato que se espera. O ministro Gilmar Mendes, tido como algoz da operação, já admite modulação na decisão de maneira a aplicar a regra de forma diferente de acordo com os casos.

Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656

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