sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Ricardo Noblat - Tortura com as digitais do Estado

- Blog do Noblal

E o silêncio conivente de Moro
De Jair Bolsonaro não se espere nenhuma manifestação de horror quanto a torturas de presos. Mais de uma vez ele defendeu e justificou a tortura adotada como política de Estado à época da ditadura militar de 64 que se estendeu por 21 tenebrosos anos.

Mas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, seria natural que se esperasse uma manifestação de inconformismo e de horror. Uma condenação sem reticências à prática que contraria os tratados internacionais sobre Direitos Humanos assinados pelo Brasil.

Quando nada porque Moro não é ministro de uma pasta qualquer – mas da que carrega em seu nome a palavra Justiça, agora acrescida das palavras Segurança Pública. E porque até um dia desses, Moro foi juiz respeitado e defensor do Estado de Direito.

Moro, no entanto, preferiu calar-se ou duvidar do relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sobre o que aconteceu em março último no Ceará.

Como se calou mais recentemente sobre uma ação movida pelo Ministério Público Federal no Pará. Em questão, nos dois casos, o modo reprovável, cruel e desumano de operar de agentes de forças-tarefa de intervenção federal em presídios no país a fora.

No Ceará, para escapar de eventuais agressões, os agentes quebravam os dedos de presos considerados perigosos. No Pará, o variado cardápio de torturas foi usado à farta contra detentos – seja para que admitissem crimes, seja para aterrorizá-los.

A intervenção federal em presídios foi autorizada por Moro no rastro de rebeliões ou de ameaças de futuras rebeliões. Era para restabelecer a ordem e coibir crimes. De fato, serviu para a explosão de novos crimes, dessa vez com as digitais do Estado.

A falsa natureza cordial do brasileiro, somada à insegurança pública que faz do país um dos campeões mundiais em número de homicídios, acaba por avalizar o comportamento de forças policiais que empregam a violência para além do limite fixado em leis.

Nos tristes anos 70 do século passado, o advogado Sobral Pinto, que uma vez já invocara a lei de proteção aos animais para proteger presos políticos torturados, investiu contra autoridades e políticos que falavam cinicamente em “democracia à brasileira”.

Para Sobral Pinto, à brasileira só existia peru durante o Natal. Democracia não comportava adjetivo. Ou era democracia ou democracia não era. Assim como virgindade. Meia virgindade era uma fraude. Estado de Direito com tortura é fraude pura.

A barbárie sente-se estimulada quando o presidente da República a chancela, o ministro da Justiça a ignora e a sociedade a tolera.

Trump engabelou Bolsonaro, que se deixou engabelar

Acuda seu pai, Eduardo!
No dia em que completou seis meses sem dispor de um embaixador em Washington, o governo do presidente Jair Bolsonaro foi surpreendido com a notícia de que os Estados Unidos preferiram deixar para depois a indicação do Brasil a um assento na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apoiarão primeiro a Argentina e a Romênia.

Não teria sido o caso de despachar às pressas para Washington o deputado Eduardo Bolsonaro? Entre seus atributos para ocupar o posto vago não está sua fluência em inglês, o seu gosto por fritar hambúrguer e o seu acesso sem restrições ao presidente Donald Trump, aos filhos dele e aos seus principais auxiliares na Casa Branca? Quem sabe Trump não revogaria a decisão?

Nenhum dos ministros de Bolsonaro ousou lhe dar tal conselho. Poderia soar como deboche. Ultimamente, Bolsonaro anda se queixando de que poucos ministros o defendem nas redes sociais e na imprensa. O deboche poderia custar a degola de mais algum. De mais a mais, Bolsonaro decepcionou-se com Trump. Esperava melhor tratamento depois de tê-lo endeusado tanto.

Bolsonaro é sincero na sua admiração por Trump. E esperto também. Perfilar-se ao seu herói é um prazer para ele. Bajulá-lo e fazer-lhe as vontades, uma maneira de cativá-lo para que o ajude a governar. Trump simpatiza com Bolsonaro porque a imprensa americana o chama de “Trump dos trópicos”. Acha graça de algumas atitudes dele. Mas é só, e não é muita coisa.

A importância do Brasil para os Estados Unidos é pequena. Teve alguma na Segunda Guerra Mundial quando os americanos montaram uma Base Militar em Natal para controlar o Atlântico. E durante a Guerra Fria para barrar a instalação de governos comunistas na América do Sul. Os Estados Unidos esperam que o Brasil os ajude na Venezuela e contenha o avanço chinês por aqui.

Trump engabelou Bolsonaro com a promessa feita em março último de que apoiaria a entrada do Brasil na OCDE. E Bolsonaro, aflito por esgrimar com algum trunfo obtido, deixou-se engabelar. Trump não disse que sua promessa era para breve. Bolsonaro fez um escarcéu para dar a impressão de que a promessa seria cumprida rapidamente. Enganou os brasileiros. Deu-se mal.

Antes dera-se mal ao celebrar com grande alarde a conclusão do acordo entre o Mercosul e a Comunidade Econômica Europeia que se arrastava há mais de 20 anos. Para que entre em vigor, o acordo carece de confirmação pelo parlamento europeu. E com a crise ambiental que ameaça a Amazônia, a França já anunciou que não aprovará o acordo tão cedo. A Alemanha vai pelo mesmo caminho.

A pouca consideração de Trump pelo Brasil não fará Bolsonaro desistir da aprovação pelo Senado do nome de Eduardo para embaixador. A aprovação não é fatura liquidada, como os devotos do capitão insistem em dizer que é. Mas não deixou de ser possível. Tudo dependerá da generosidade de Bolsonaro no atendimento às reinvindicações$ dos $enhores $enadores.

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