sábado, 30 de novembro de 2019

Opinião do dia - Giambattista Vico*

O homem é o personagem principal da história porque é originalmente um ser sociável e ao se sociabilizar ele cria a história. Além de ser um animal sociável o homem é livre e por isso a história da humanidade é o resultado das escolhas dos homens de cada época.

*Giambattista Vico (1668-1744), foi um filósofo político, retórico, historiador e jurista italiano, reconhecido como um dos grandes pensadores do período iluminista, apesar de ter sido, em certa medida, um crítico do projeto iluminista. "Princípio de uma Ciência Nova, p.140. Nova Cultura 1988 - Os Pensadores,

Cidadania repudia perseguição de Jair Bolsonaro ao jornal Folha de S. Paulo

-Portal Cidadania 

Boicote sugerido pelo presidente ao jornal “é uma agressão frontal à liberdade de imprensa”, afirma o partido em nota pública

O Cidadania, em nota assinada pelo presidente do partido, Roberto Freire, pela líder no Senado, Eliziane Gama (MA), e pelo líder na Câmara dos Deputados, Daniel Coelho (PE), criticou (veja abaixo) o boicote sugerido pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, contra o jornal Folha de S. Paulo.

No documento, os dirigentes repudiam a agressão e alertam para uma possível marcha ultradireitista deflagrada pelo Palácio do Planalto.

Segundo o presidente do Cidadania, Roberto Freire, o presidente da República “passou dos limites” com a ação e seu ato representa uma clara violação à Constituição.

“Bolsonaro é um desrespeitador contumaz da Constituição. Exerce a Presidência da República sem nenhuma preocupação com o princípio fundamental básico que é o da impessoalidade. É tudo o que ele não faz. Age na Presidência com as suas vendetas, seus desejos e com seus problemas pessoais, que determinam as suas ações. Essa perseguição à imprensa, em especial à Folha de S. Paulo, é claramente um abuso de autoridade. O uso da Presidência da República para perseguir desafetos evidentemente é algo que não condiz com o processo democrático. Infelizmente, temos na Presidência da República alguém que não tem respeito com a Constituição brasileira”, afirmou.

Roberto Freire destacou que a ação de Bolsonaro se assemelha a práticas de uma ditadura e ressaltou que os problemas justificados pelo presidente da República para o boicote devem ser resolvidos na Justiça e não por meio de perseguição.

“Bolsonaro usa do cargo para tentar destruir uma empresa que é proprietária de um órgão de imprensa. Ele praticou duas ações de improbidade em uma só ação: contra a liberdade de empreender e, ainda mais deplorável, contra a liberdade de imprensa. Passou dos limites democráticos. Se ele ou alguém se sentir ofendido pela imprensa que busque a Justiça. Na democracia é assim que funciona e não cabem perseguições e ataques à imprensa ou a jornalistas. Isso é coisa de ditadura tão do agrado de Bolsonaro. O governo Bolsonaro está perto de ser um caso de polícia”, criticou.

Perseguição
A Presidência a República excluiu o jornal das relações de veículos nacionais e internacionais de um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa. Ato contínuo, afirmou que iria boicotar todos os produtos das empresas no periódico.

“Nota de repúdio
O presidente Jair Bolsonaro, eleito com base em ideias políticas e culturais atrasadas e mesmo obscurantistas, vem perdendo a compostura e tentando empurrar o Brasil para o abismo da intolerância. Esse comportamento está muito claro quando do alto do seu cargo republicano conclama uma campanha de boicote à Folha de S. Paulo e a aos produtos anunciados em suas páginas e espaços virtuais.

Carlos Andreazza - O presidente da República contra a imprensa

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro falou ontem, referindo-se à administração pública, que tem dificuldades seríssimas em muitas áreas. Nós sabemos.

Aliás, nesta ocasião, referiu-se ao Tribunal de Contas da União como se parte de sua mesma equipe; como se não fosse o TCU um órgão de controle externo, que opera com autonomia. Não se trata de novidade. Já estendera essa visão privatizadora (para si) do Estado, por exemplo, à Polícia Federal – que enxerga (ou deseja) como uma instituição subordinada a seu governo, e não como um organismo de Estado com autonomia funcional. É assim mesmo. Bolsonaro ainda não entendeu – nunca entenderá – a ideia de República.

Por isso, claro, tem também dificuldades seríssimas em compreender o papel da imprensa e a impessoalidade republicana. Muitos dos atos de flagrante inconstitucionalidade perpetrados pelo presidente derivam de seu inconformismo em não haver sido eleito para imperar, com mandato para moldar o Estado de acordo com suas vontades, afetos e desafetos.

É comum que governantes não gostem de jornalistas e reclamem da atividade jornalística. Em Jair Bolsonaro, no entanto, esta hostilidade escalou. Integra um discurso. Constitui-se mesmo num dos pilares do projeto de poder autoritário bolsonarista. Como a lógica sectária que fundamenta o fenômeno personalista do bolsonarismo exige adesão incondicional, toda e qualquer instituição que exerça algum grau de independência será uma ameaça a ser emparedada.

O bolsonarismo não aceita – não admite – autonomia que não a sua.

Fantasia de imperador- Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro é incapaz de compreender a impessoalidade da administração republicana

Jair Bolsonaro não entende nem nunca entenderá os limites que a República impõe ao exercício da Presidência. Trata-se de uma personalidade que combina leviandade e autoritarismo.

Será preciso então que as regras do Estado democrático de Direito lhe sejam impingidas de fora para dentro, como os limites que se dão a uma criança. Porque ele não se contém, terá de ser contido —pelas instituições da República, pelo sistema de freios e contrapesos que, até agora, tem funcionado na jovem democracia brasileira.

O Palácio do Planalto não é uma extensão da casa na Barra da Tijuca que o presidente mantém no Rio de Janeiro. Nem os seus vizinhos na praça dos Três Poderes são os daquele condomínio.

A sua caneta não pode tudo. Ela não impede que seus filhos sejam investigados por deslavada confusão entre o que é público e o que é privado. Não transforma o filho, arauto da ditadura, em embaixador nos Estados Unidos.

Sua caneta não tem o dom de transmitir aos cidadãos os caprichos da sua vontade e de seus desejos primitivos. O império dos sentidos não preside a vida republicana.

Quando a Constituição afirma que a legalidade, a impessoalidade e a moralidade governam a administração pública, não se trata de palavras lançadas ao vento numa “live” de rede social.

Bolsonaro propõe boicote a anunciantes da ‘Folha de S. Paulo’

Presidente volta a atacar ‘Folha de S.Paulo’, e entidades que representam a imprensa reagem. Subprocurador pede que TCU mantenha veículo em licitação

Daniel Gullino e Suzana Correa | O Globo

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Após excluir o jornal “Folha de S.Paulo” de um edital para renovar as assinaturas de jornais e revistas da administração federal, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que não irá mais comprar produtos de empresas que anunciarem no veículo e recomendou que a população deixe de comprar os exemplares. As declarações foram criticadas por entidades de defesa da imprensa.

—Eu não quero ler a “Folha” mais. E ponto final. E nenhum ministro meu. Recomendo a todos do Brasil que não comprem o jornal “Folha de S.Paulo”. Até eles aprenderem que tem uma passagem bíblica, a João 8:32. A imprensa tem a obrigação de publicar a verdade. Só isso. E os anunciantes que anunciam na “Folha” também. Qualquer anúncio que faz na “Folha” eu não compro aquele produto e ponto final —declarou Bolsonaro.

Ontem, o subprocurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, apresentou uma representação na qual pede que seja adotada medida cautelar para que o governo seja proibido de excluir o jornal do processo de licitação. No documento encaminhado ao presidente do TCU, ministro José Mucio, Furtado pede ainda que “alternativamente, suspenda o certame, até que o TCU apure o mérito da questão”.

Ricardo Noblat - Bolsonaro confessa seu despreparo para o cargo

- Blog do Noblat | Veja

Presidente acidental
Enquanto o PT, demais partidos e a maioria das figuras públicas se negam a admitir erros, o presidente Jair Bolsonaro vem a público e confessa candidamente seu despreparo para o cargo que ocupa. Aconteceu na última quinta-feira no Tribunal de Contas da União e não causou maior espanto, o que é verdadeiramente espantoso.

Ao abrir o 3º Fórum Nacional de Controle, ele disse que enfrenta “dificuldades seríssimas” em algumas áreas do governo, e explicou por quê. Atribuiu-as à complexidade da administração pública e à sua falta de formação para lidar com ela.

– Minha formação foi outra e mesmo quando é da formação, tem dificuldade. Todo dia são dezenas de novas normas, novas recomendações, é praticamente impossível a gente tomar pé de tudo e poder governar dessa maneira. Precisamos dessa equipe e eu considero o tribunal como um das peças mais importantes nessa equipe de governança e integridade.

O tribunal não faz parte de nenhuma equipe de governança. É um órgão de controle externo do governo federal. Sua independência é comparada à do Ministério Público. Não é subordinado a nenhum dos poderes da República, embora seja tido como um órgão auxiliar do Congresso. Mas seria exigir demais que Bolsonaro fosse capaz de entender isso. Como disse no seu estilo confuso:

– Sou o chefe do Executivo. Confesso que tenho muita preocupação e esse evento visa exatamente nos tranquilizar, acho que todos nós, até dentro de casa, queremos e devemos nos antecipar a problemas.

Demétrio Magnoli* - Um só governo?

- Folha de S. Paulo

Os liberais brasileiros estão dispostos a seguir a trilha de Bolsonaro?

“O governo é um só. Essa divisão que se faz de que o Bolsonaro é um louco e o Paulo Guedes toca uma agenda racional não existe.”

A frase do deputado Rui Falcão, ex-presidente do PT, foi cunhada para a disputa política, mas concentra uma tese. Ele está dizendo que o programa econômico liberal é inseparável do autoritarismo político. Guedes, que tirou o AI-5 para dançar, confere verossimilhança à acusação. O governo é, realmente, um só?

Marilena Chauí inscreve a tese de Falcão numa narrativa histórica. Dirigindo-se, em agosto, à plateia de um debate preparatório ao 7º Congresso do PT, estabeleceu um nexo ousado: “O neoliberalismo não é apenas uma mutação histórica do capitalismo. Ele é a nova forma do totalitarismo. Nós estamos acostumados a encarar o totalitarismo na figura de um líder de massas, o autocrata. Eles desapareceram.

O discurso do ódio agora está sob controle do próprio sistema que rege esses governos. A eficácia desse novo totalitarismo é a sua invisibilidade”.

Revisitadas hoje, depois da adesão de Guedes às invocações autoritárias do núcleo bolsonarista, suas palavras fazem sentido?

Julianna Sofia - Luzes artificiais

- Folha de S. Paulo

Tabelamento de juros do especial vem a calhar para governo que teme povo nas ruas

Paira artificialismo na decisão do governo liberal de Jair Bolsonaro de tabelar os juros cobrados no cheque especial. O Banco Central esforça-se em demonstrar que o assunto vinha sendo discutido há meses na esfera técnica e que se trata de deliberação do Conselho Monetário Nacional (CMN). Dos três assentos do órgão, um é ocupado pelo BC. Os outros dois, pelo Ministério da Economia --e, por lá, sabe-se que a medida era rechaçada por seu caráter intervencionista e radical.

Há empenho em deixar claro que o Palácio do Planalto só tomou conhecimento da iniciativa após a reunião do conselho na quarta-feira (27). "Foi bom o anúncio dos juros do cheque especial. Pedido do Banco Central. (...) Não é um canetaço, foi decidido pelo CMN", justifica o próprio presidente da República ao celebrar o feito nesta sexta (29).

João Domingos - A banalidade autoritária

- O Estado de S.Paulo

‘Sem liberdade de imprensa, além de acuados, estaremos perdidos’

Ninguém que defenda a democracia pode considerar normal a banalidade com que se tem invocado a edição de um novo AI-5. Com o AI-5, o Congresso foi fechado, o presidente da República foi autorizado a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens e intervir nos Estados e municípios. A liberdade de imprensa e de expressão foi extinta. Essa é a verdade dos fatos. Escondê-la é distorcer a realidade, é fabricar fake news.

Autor do recém-lançado Existe democracia sem verdade factual? (Estação da Letra e Cores Editora), no qual dialoga sobre o impacto da desinformação no debate público com o pensamento da filósofa Hannah Arendt, criadora da teoria da “banalidade do mal”, Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, faz uma analogia entre a tentativa de negar a verdade dos fatos e a ameaça ao estado democrático de direito.

À coluna, Bucci lembrou que a democracia é uma construção histórica, um engenho social, um projeto humano. “Sem cuidados, ela pode perder vigor e desaparecer. A democracia existe porque existiram e existem seres humanos que cuidam dela, com muito trabalho. Sem eles, nada feito.”

Para existir a democracia, é preciso haver liberdade de expressão e de imprensa. Mas até quando a liberdade de imprensa e de expressão sobreviverá à ameaça de soluções autoritárias, como a da volta do AI-5, ou à tentativa de banalização do uso das Forças Armadas em conflitos urbanos e rurais, que podem esconder intervenções nos Estados e quebra do princípio federativo?

Adriana Fernandes - Trocando o encanamento

- O Estado de S.Paulo

É sintomático que o número de CEOs de bancos que se reúnem no BC tenha subido

Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central, lançou um petardo regulatório na direção dos bancos para aumentar a competição bancária e baratear o crédito no País. Elas não se resumiram à fixação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de um teto de juros de 8% ao mês para o cheque especial.

Em uma semana, ele disparou uma artilharia maior do que foi feito em anos pelos seus antecessores no cargo. Foi uma sequência de medidas de uma agenda bem maior, completamente disruptiva, sustentada na inovação tecnológica e capaz de provocar uma ruptura muito rápida na forma de fazer crédito do País.

É claro que o avanço dessa agenda já era esperado. Desde antes da transição de governo, ela estava sendo construída pelo grupo de economistas que assessoram o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, e que tinha Campos Neto como um dos seus principais participantes.

O que tem espantado muitos segmentos do mercado (sobretudo os grandes bancos detentores de 84% do mercado) é a velocidade com que Campos Neto e sua equipe estão promovendo as medidas. Mesmo diante de resistências na área técnica, o BC conseguiu o apoio de um receoso Guedes, preocupado com o risco de a medida ser interpretada como antiliberal.

Merval Pereira - Não é só o Lula

- O Globo

Deputados que eventualmente poderiam resistir à antecipação da prisão têm atualmente processos no Supremo

A desconfiança de que o acordo fechado entre Câmara e Senado para aprovar uma emenda constitucional que permita a prisão em segunda instância não passa de uma manobra protelatória para não aprovar coisa nenhuma tem sido uma dor de cabeça para o presidente da Câmara.

Ele passou a sexta-feira ao telefone ligando para os líderes de partidos políticos que não indicaram os membros da Comissão Especial que analisará a proposta. Isso porque apenas 16 dos 34 deputados que a comporão haviam sido indicados. Maia dá sinais de que pretende instalar já na próxima semana a Comissão com a maioria de 18 participantes, para forçar os demais partidos resistentes a indicarem seus representantes.

Entre esses partidos estavam até mesmo o DEM, partido de Maia e Alcolumbre, PP, MDB, Republicano, PTB, PSC, PMN, Solidariedade, PCdoB, Patriota, PT, PSB e PSOL. Os partidos de esquerda tentarão obstruir os trabalhos, e, sendo a Comissão Especial instalada, eles terão que fazê-lo nas reuniões plenárias, não adiantando ficar de fora dos debates.

Ascânio Seleme - Presidente desestimulado

- O Globo

Ao declarar que as pessoas estão sendo cada vez mais desestimuladas para concorrera cargos públicos em razão dos aborrecimentos coma Justiça que podem ter ao final de seus mandatos, Jair Bolsonaro defendeu uma tese que se ouve repetidamente em Brasília. Sobretudo por políticos que preferem operar no escuro que à luz do sol. O presidente falou em uma cerimônia no Tribunal de Contas da União. O que pareceria uma crítica, era mesmo uma crítica. O chefe da Nação se queixava do excesso de rigor dos órgãos de fiscalização da gestão pública.

É verdade que ao longo dos anos o Estado brasileiro foi criando mecanismos extrafortes para conter avanços privados sobre os cofres públicos. Mas a montanha de leis, regras e normas que cercam e protegem o Erário nacional tem pelo menos uma boa razão para existir: o Brasil ocupa a 105º posição no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, que investigou 180 países no ano passado. Estamos mal, mas já estivemos pior.

O presidente fez a queixa no discurso de abertura do 3º Fórum Nacional de Controle, realizado na sede do TCU em Brasília. Ele disse que tem visto políticos, especialmente em cargos executivos, que acabam tendo de prestar contas à Justiça depois de cumprida a sua gestão. Segundo Bolsonaro, são “colegas que de boa-fé exerceram o seu mandato, mas não com muito zelo e muitas vezes por desconhecimento se veem enrolados coma Justiça e muitos levam 10,15,20 anos para voltar a ter paz, isto não é fácil ”.

Daniel Aarão Reis - As armas do inimigo

- O Globo

Evo desgastou-se, inclusive nos meios populares. Não satisfeito, quis um quarto mandato. Um golpe claro contra a democracia

Silenciem as críticas, não façam o jogo do inimigo. Nos tempos da Guerra Fria, assim se dizia, entre as esquerdas, de comentários que tinham como alvo as arbitrariedades do socialismo soviético, a repressão na China ou a ditadura de Fidel Castro. Por mais que fossem fundamentadas, não deveriam ser publicadas. Para não dar “armas” ao inimigo.

A advertência reatualizou-se nos últimos anos. Já não se trata da oposição entre capitalismo e socialismo, mas dos embates entre uma extrema direita virulenta e as propostas nacional-estatistas, vigentes nas últimas décadas em nosso continente. A recente crise boliviana evidenciou o fenômeno.

A fúria das elites brancas, o ódio aos pobres e às nações indígenas e o profundo desgosto de conviver com gentes historicamente desprezadas manifestaram-se de forma cruel. Os partidários de “Macho-Camacho”, líder da extrema direita, perpetraram covardias abomináveis, sempre sob a invocação de Deus, da família e da pátria. Acionaram milícias privadas, humilharam pessoas indefesas, cometeram linchamentos.

Míriam Leitão - Clima de incerteza na Argentina

- O Globo

Setor privado brasileiro acompanha com preocupação a incerteza na Argentina e o estranhamento entre os dois governos

As empresas brasileiras que têm negócios na Argentina acompanham com expectativa as informações sobre a política econômica do novo governo. Por enquanto, os investimentos estão congelados, disse uma dessas companhias, porque o governo Alberto Fernández ainda é uma incógnita. Fala-se que o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna poderia voltar ao governo para um posto influente na área. Quem tem falado com o mercado é Guillermo Nielsen, visto como pragmático.

O setor privado brasileiro acompanha preocupado a incerteza na Argentina e o estranhamento entre o governo Bolsonaro e o que tomará posse na Casa Rosada em 10 de dezembro. Ontem, no entanto, houve sinalizações dos dois lados de haverá pragmatismo nas relações. Faltando dez dias para a posse, o presidente eleito ainda não decidiu a sua equipe econômica. Disse que anunciará tudo entre os dias cinco ou seis de dezembro. —Tem notícia para todos os lados. Tem notícia de que voltará a ter política voltada para estimular exportação, para assim atrair dólares, mas há também rumores de que haverá um fechamento da economia.

Circulam informações de que pode dar um choque heterodoxo, ou que ele é mais moderado em questões econômicas e busca um modelo como o de Lula do primeiro mandato — afirma um executivo de uma empresa lá instalada e que acaba de voltar de uma semana na Argentina tentando saber o que vai acontecer.

Guilherme Amado - Eduardo Bolsonaro anuncia que será herdeiro 'do brasil do pai': 'vou rodar o país'

Revista Época

Em conversa com a coluna, o zero três revela que vai percorrer o Brasil na defesa do governo do pai, ‘fazendo trabalho de formiguinha e pregando o conservadorismo’

Nenhum Bolsonaro terá tantos motivos para comemorar o fim de ano como Eduardo. O mais jovem dos três filhos políticos do capitão e último a entrar na política encerra 2019 em êxtase.
Enquanto fantasmas pairam sobre seus irmãos, Eduardo é só festa. Flávio é investigado, sob a suspeita de ter ficado com parte dos salários de seus assessores durante anos, e Carlos é acusado por diferentes ex-aliados da família de comandar uma milícia digital, destruidora de reputações.

Eduardo não conseguiu os votos no Senado para ser embaixador, ok, mas a campanha para chegar lá o fez ser paparicado pela direita populista mundial ao longo do ano — posou com o americano Donald Trump, o italiano Matteo Salvini e o húngaro Viktor Orbán. Lidera o PSL e, tão logo decole o Aliança pelo Brasil, será o único dono em São Paulo do partido que sua família está montando. No Rio de Janeiro, há uma antiga rivalidade entre Carlos e Flávio. Mas, mais importante que tudo isso, Eduardo deu início neste ano à trajetória para ser o principal herdeiro do bolsonarismo. Agora, sabe, é hora de arregaçar as mangas.

Na quarta-feira 27, revelou à coluna quais são os próximos passos: em 2020, o zero três coloca o pé na estrada e, no melhor estilo candidato presidencial, “vai rodar o Brasil”. Visitará estado a estado, “fazendo um trabalho de formiguinha, pregando o conservadorismo e defendendo” o governo da família. Com 35 anos, Eduardo mira lá na frente: “Não sou candidato a nada, eu só poderia me candidatar a presidente em 2030. Aqui não é terra de Evo Morales. Não vou herdar o governo. Vou herdar o Brasil de meu pai”, disse, com ar decidido.

Monica de Bolle* - Cincuum

- Revista Época

Paulo Guedes é um homem antiquado, preso às ideias de uma Escola de Chicago que não existe mais

Não entendo nada de futebol apesar de ser flamenguista. Portanto, este não é um artigo sobre o Flamengo, o Mengão campeão, viva o Flamengo! Mas há algo de novo no Flamengo que toca outros temas, em particular a falta do novo na condução econômica e no debate nacional sobre os rumos do país. O novo no Flamengo é, evidentemente, a abertura para ideias diferentes representada pela escolha do técnico, tão criticado no início da trajetória para os dois títulos conquistados no último fim de semana. Arejar as ideias é fundamental em qualquer área, do futebol à economia.

Na economia, estamos bem mal. Não é exagero, ainda que alguns possam querer insistir em relatar melhorias pontuais, a aprovação da reforma da Previdência e outros feitos. Não os desmereço, que fique claro. O problema é outro. Nesta semana esteve no Peterson Institute for International Economics (PIIE) o ministro Paulo Guedes. 

Não, não foi aqui que ele deu a declaração sobre o AI-5, mas nem por isso sua fala foi menos espantosa. O PIIE é um dos mais prestigiados institutos de pesquisa do mundo, vencedor há 4 anos seguidos do prêmio Prospect de Melhor Think Tank de Economia. A plateia que participa dos eventos públicos e privados que organizamos é altamente qualificada: embora ela seja composta majoritariamente por economistas, sempre há cientistas políticos, advogados, além de diversos acadêmicos de outras áreas e gestores de políticas públicas. Esperava-se que o ministro fizesse uma apresentação técnica sobre os avanços conquistados e os riscos do ambiente de turbulência política ao redor do país e dentro dele próprio para a economia brasileira. 

Marcus Pestana - O desafio do emprego no Brasil atual

Nosso desafio central continua sendo a retomada vigorosa do crescimento e a geração de empregos. A taxa de desemprego no Brasil fechou o terceiro trimestre em 11,8%, atingindo doze milhões e meio de brasileiros. O número de pessoas ocupadas cresceu, porém, novo recorde de informalidade foi verificado, são atividades de baixa qualificação e conteúdo tecnológico, salário médio menor e sem cobertura previdenciária. E há também a informalidade high tech quando milhões de brasileiros procuram seu sustento na UBER ou no IFood.

Por um lado, o avanço tecnológico gera empregos, como nos casos da UBER e do iFood. Entretanto, a Amazon, as fintechs e os bancos digitais, entre outros, têm efeito líquido negativo sobre o nível de emprego, embora mobilizando mão de obra qualificada com salários maiores.

A crise das duas maiores redes de livrarias brasileiras, a Saraiva e a Cultura, que fecharam lojas e demitiram funcionários, certamente tem a ver com a facilidade de se comprar livros sem sair de casa. Já os bancos virtuais e as fintechs finalmente ameaçam afetar a concentração no setor financeiro, podendo, caso consolidados, baratear o crédito e desonerar as empresas e as pessoas das taxas sobre serviços financeiros. Mas é evidente que os cinco grandes bancos brasileiros, que concentram 85% do crédito, se ajustam e fecham agências e demitem funcionários.

O que a mídia pensa – Editoriais

Fantasia de imperador – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro é incapaz de compreender a impessoalidade da administração republicana

Jair Bolsonaro não entende nem nunca entenderá os limites que a República impõe ao exercício da Presidência. Trata-se de uma personalidade que combina leviandade e autoritarismo.

Será preciso então que as regras do Estado democrático de Direito lhe sejam impingidas de fora para dentro, como os limites que se dão a uma criança. Porque ele não se contém, terá de ser contido —pelas instituições da República, pelo sistema de freios e contrapesos que, até agora, tem funcionado na jovem democracia brasileira.

O Palácio do Planalto não é uma extensão da casa na Barra da Tijuca que o presidente mantém no Rio de Janeiro. Nem os seus vizinhos na praça dos Três Poderes são os daquele condomínio.

A sua caneta não pode tudo. Ela não impede que seus filhos sejam investigados por deslavada confusão entre o que é público e o que é privado. Não transforma o filho, arauto da ditadura, em embaixador nos Estados Unidos.

Sua caneta não tem o dom de transmitir aos cidadãos os caprichos da sua vontade e de seus desejos primitivos. O império dos sentidos não preside a vida republicana.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O amor bate na aorta

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Políticas diversionistas

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Vendeu-se um terreno na Lua para a opinião pública, com a reforma da Previdência, que era necessária e foi aprovada, mas não garantiu a retomada automática do crescimento, como se dizia”

Qualquer cidadão razoavelmente informado é capaz de identificar os três principais problemas da vida banal: emprego, saúde e educação. Se for acrescentar mais dois: moradia e mobilidade urbana. Dependendo da região, a violência atropela até a primeira lista, como nos morros e “complexos” do Rio de Janeiro. São temas que inevitavelmente estarão no centro do debate eleitoral do próximo ano e que dependem das políticas públicas federais, sob o peso da crise fiscal. Entretanto, quando abrimos os jornais (ou melhor, as redes sociais), as prioridades do governo Bolsonaro não são exatamente essas, são as pautas identitárias que supostamente levaram à derrota a oposição, em 2018.

Ao insistir numa agenda que confronta os movimentos identitários, o governo executa uma tática diversionista, para distrair a oposição e deslocar o eixo dos debates das verdadeiras prioridades do país. Essa política pode ser um tremendo tiro no pé, como foi a tentativa da esquerda de se refugiar nessa pauta para evitar a autocrítica de seus erros e o debate sobre sua própria crise ética, o que resultou na sua derrota eleitoral. A mais recente jogada para confrontar a pauta identitária foi a nomeação do novo presidente da Fundação Palmares, Sergio Nascimento de Camargo, adversário declarado do movimento negro e da política de cotas, que afrontou de tal forma as lideranças negras que foi chamado de “capitão do mato” pelo próprio irmão, o músico e produtor cultural Wadico Camargo.

Dora Kramer - Majestade perdida

- Revista Veja

Conduta errática preocupa e leva o Supremo a cair na boca do povo

O Brasil abandonou a cerimônia em relação ao Supremo Tribunal Federal. É um fato que está nas ruas, nas mentes, nas bocas, em toda parte. Não aconteceu de graça ou de repente. A nossa Corte maior de Justiça vem abdicando de sua majestade há tempos, desde que começou a se dar ao desfrute de engajamentos e comportamentos outros para além dos restritos à interpretação fria, coerente e consistente da Constituição.

A ausência de reverência tem duas mãos. Se de um lado se derrubou na prática o lema de que decisão judicial não se discute para se estabelecer país afora um ambiente de amplo debate em relação a sentenças proferidas no âmbito do STF, de outro os ministros (salvo uma ou duas exceções) abriram espaço para contestações ao optar por exercer protagonismo na vida nacional nem sempre de modo educado e/ou apropriado.

Embora os magistrados se considerem intocáveis, não são mais invioláveis no crivo da opinião pública. Não falo aqui só dos questionamentos de especialistas publicados na imprensa. Basta sintonizar estações de rádio no dia seguinte a um julgamento polêmico no Supremo para ouvir, mesmo nos programas populares, críticas pesadas ou defesas apaixonadas da conduta dos magistrados.

Murillo de Aragão - Novo arranjo institucional

- Revista Veja

O Legislativo assume o controle da agenda do país

A Presidência da República sempre foi, historicamente, o ponto focal da política brasileira. Os demais poderes atua¬vam, salvo momentos de exceção, como coadjuvantes. Uma soma extraordinária de poderes dava ao presidente uma situação hegemônica.

Além de poder editar medidas provisórias, cuja validade como lei é imediata, o presidente controla não apenas mais de 50% do sistema bancário, como também algumas das maiores empresas do país. Ainda pode nomear mais de 25 000 cargos de confiança e, até há pouco tempo, possuía um elevado poder discricionário sobre o Orçamento da União.

Para assegurar tal hegemonia, afora os instrumentos existentes, as relações políticas eram formatadas por meio do conhecido “presidencialismo de coalizão”, com indicações políticas para cargos, distribuição de verbas e acesso à formulação de políticas públicas.

Quando funcionava bem, o presidente conseguia uma maioria para aprovar parte expressiva de sua agenda e ficar protegido de tentativas de desestabilização. Quando não funcionava, terminava em impasses ou em impeachment.

Ricardo Noblat - Democracias sob estresse

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro retalia jornal
Onde ficam os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência que devem nortear a administração pública como manda a Constituição quando o governo, por ordem do presidente da República, exclui do edital para renovação de assinaturas de jornais o que tem o maior número de leitores?

Foi o que aconteceu com a Folha de S. Paulo. Bolsonaro não gosta da imprensa que o critica, e ao seu governo. Não gosta especialmente da Folha que já chamou de “desonesta”. Chamou de coisas piores a TV Globo, mas dado à sua grande audiência sente-se obrigado a aturá-la. Decidiu então retaliar a Folha.

Não imagina que com isso o jornal mudará sua linha editorial, amenizando as críticas. Não. Segue apenas o exemplo do seu ídolo, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. No mês passado, Trump cancelou as assinaturas dos jornais The New York Times e Washington Post, os que mais lhe fazem oposição.

O dever número um dos jornalistas é com a verdade, mesmo que ela não seja algo facilmente identificável. O dever número dois é com a independência do seu ofício. O número três é com os cidadãos. Não se deve ter vergonha de tomar partido deles. O quarto dever é com sua própria consciência.

Bolsonaro e Trump são governantes autoritários. Se pudessem, se eternizariam no poder como tentou Evo Morales, o presidente da Bolívia que acabou fugindo para o México. Por mais antiga e testada, a democracia americana é mais resiliente do que a brasileira. Mas ambas têm sofrido o diabo nas mãos dos dois.

E assim será até que Trump e Bolsonaro não passem de uma triste memória na história dos seus povos. Enquanto isso não acontecer, uma vez que foram eleitos de acordo com as leis, só resta suportá-los, vigiando seus passos e combatendo todos os seus excessos. Uma das vantagens da democracia é a alternância no poder.

José de Souza Martins* – Muito aquém do jardim

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O problema do PT é o excesso de partido e a escassez de política. A longa crise do partido foi configurada com a Carta ao Povo Brasileiro de 2002

Um influente senador do PT declarou há poucos dias que seu partido precisa falar para além do terço que é o de seus eleitores fiéis. Ainda que, fiéis mesmo, menos de um terço. Já é alguma coisa num partido em profunda crise e historicamente fechado na armadilha de falar apenas para si mesmo.

Sobretudo, falar apenas aquilo que seus militantes estão acostumados a ouvir e sabem ouvir o que pode ser uma interpretação pobre e até deformada da situação e das ocorrências políticas do país.

O problema do PT, porém, é o excesso de partido e a escassez de política. A longa crise do petismo foi configurada com a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, feita basicamente para ganhar a eleição daquele ano a qualquer preço.

Uma proposta de aliança incondicional com o grande capital sem qualquer indicação de quais eram e seriam as ressalvas próprias de um partido de trabalhadores para semelhante entrega. Sem qualquer afirmação explícita de que com a carta o partido abria mão, num eventual governo seu, de uma potencial postura de esquerda e se deslocava para o centro-direita oligárquico e clientelista. Até para práticas de direita, nas formas anômalas de obter fundos para ficar no poder.

Isso está basicamente na alarmante redução da carta a considerações de ordem econômica e de política econômica e de crítica à política econômica do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Partido de trabalhadores e, portanto, partido da precedência dos temas sociais, o PT nada tinha a dizer quanto aos avanços de política social no governo que contestara durante anos. Tinha apenas objeções. Embora tivesse adotado como seu o Bolsa Família e o programa de combate à escravidão.

Fernando Abrucio* - Bolsonaro optou pela instabilidade

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Por causa das confusões criadas pelo bolsonarismo, este é o momento mais perigoso desde o início do seu governo

Após quase um ano de muitas confusões, conflitos e frases bombásticas, muitos se perguntam aonde vai parar o barco conduzido pelo governo Bolsonaro. Não há semana que o presidente ou um de seus ministros diletos não cometa uma gafe ou provoque uma crise. Qual é o sentido de tudo isso?

Há mais de um final possível nesta história, pois embora haja um forte pendão autoritário entre os bolsonaristas, muitas outras variáveis e atores estão no jogo, tornando o seu resultado incerto. Mas uma coisa é certa: a estratégia política presidencial aposta na instabilidade permanente para construir seu projeto de poder.

Ninguém pode dizer que ele não avisou. Desde a campanha presidencial, Bolsonaro anunciou várias ideias hoje consideradas muito controversas ou (em alguns casos) absurdas, porém, muita gente ignorou esses avisos. Para não ficar só no presidente, a família presidencial (mais uma inovação) e seus principais aliados procuram constantemente a polêmica. Pode ser na ONU, no Twitter, no Congresso Nacional, em suma, em qualquer lugar que seja possível espalhar para milhares de pessoas a proposta de que é preciso lutar contra alguém ou contra algo.

Há alguns temas preferidos para iniciar cada guerra comunicacional: luta contra a ideologia de gênero, o Foro de São Paulo, os petistas, os defensores dos direitos humanos, a imprensa, os artistas, o STF, a classe política tradicional e até a República! E quando é preciso acrescentar mais adrenalina nesta cruzada, brigas são criadas até contra os aliados.

Manter-se nesta lógica de guerra, como já escrevi aqui no Valor (17/05), é um dos mantras do bolsonarismo. Mas a estratégia vai além disso: é preciso criar um clima de instabilidade permanente para, num primeiro momento, chocar os interlocutores, e, num segundo momento, mostrar que o governo é perseguido e está do lado certo.

Reinaldo Azevedo - Lula é alvo de excludente de ilicitude

- Folha de S. Paulo

Juízes do TRF-4 e representante do Ministério Público Federal deram a entender que tudo é permitido a quem acusa e julga

O julgamento do recurso de Lula pela 8ª Turma do TRF-4 na última quarta (27) nada teve a ver com direito, leis, Constituição e outros substantivos que afastam a barbárie em benefício do pacto civilizatório.

O que se viu no tribunal foi um concerto de vontades em favor de uma forma especial de excludente de ilicitude. Também nesse particular, o procurador-regional da República Maurício Gotardo Gerum e os três desembargadores se mostraram bastante afinados com o governo de turno.

Excludente de ilicitude? Os magistrados e o representante do Ministério Público Federal deram a entender que tudo é permitido a quem acusa e julga: do plágio descarado na sentença, praticado pela juíza Gabriela Hardt —só 1%, destacou João Pedro Gebran Neto, o relator—, aos pitos e lições de moral dirigidos ao réu. Wesley Safadão não sabia, mas estava rebolando um clássico do direito contemporâneo ao cantar: “99% anjo, perfeito/ Mas aquele 1% é vagabundo”.

Bruno Boghossian – Lição paraguaia

- Folha de S. Paulo

Caso mostra que não se deve tratar com leniência políticos que usam marketing do ódio

Quando senadores paraguaios abriram o primeiro processo contra Payo Cubas, em abril, um parlamentar fez um alerta. Ele disse que o colega tinha as características do fascismo, do autoritarismo e da intolerância. Acrescentou que, se nenhuma medida fosse tomada, aquele “monstrinho” cresceria.

Cubas foi suspenso do Senado por dois meses. Ele recebeu a punição por ter xingado outros legisladores e por ter atirado copos d’água no chefe da Polícia Nacional e no ministro do Interior durante uma reunião.

Depois das férias forçadas, sem receber salário, a criatura voltou ainda mais abominável. Nesta quinta (28), ele foi cassado por ter defendido o assassinato de “pelo menos 100 mil brasileiros” que vivem no país e por ter dado um tapa num policial.

Hélio Schwartsman - Não mudar para mudar

- Folha de S. Paulo

Apesar de os recentes governos terem sido bem avaliados, uruguaios decidiram que é hora de mudar

Num momento em que países latino-americanos passam por turbulências relacionadas à polarização política, chama a atenção a tranquilidade com que o Uruguai enfrentou um pleito disputadíssimo.

O candidato conservador Luis Lacalle Pou derrotou no segundo turno, por margem estreitíssima, Daniel Martínez, da Frente Ampla, uma coalizão de partidos de centro-esquerda. Mesmo assim, a campanha transcorreu sem radicalização. Os postulantes até discutiram seriamente questões importantes, como o aumento da violência. Qual é o segredo do Uruguai?

Peço aqui licença para voltar a citar o livro “Why Bother with Elections?”, do cientista político Adam Przeworski, de que falei há pouco. Przeworski é um minimalista. Define a democracia como a possibilidade de o eleitorado remover pacificamente um governante. Foi isso que os uruguaios fizeram ao pôr fim a 15 anos de governos da Frente Ampla.

Vinicius Torres Freire - Bife à moda de AI-5

- Folha de S. Paulo

Desde a Previdência, governo parece não ter rumo além de fazer propaganda autoritária

Alguém aí ainda se lembra do pacotão das medidas fiscais de emergência? Foi visto pela última vez faz três semanas, quando chegou ao Congresso, mas seu paradeiro é ignorado, assim como anda desaparecida a arenga reformista.

Entende-se. O governo andou ocupado promovendo a Aliança pelo AI-5, a licença para matar manifestantes de rua e gente sem luz e lustro para postos de relevo na Cultura.

Além do Flamengo, os assuntos são o dólar caro, o preço do bife e um novo surto de ameaças de morte do governo contra cidadãos oposicionistas e instituições da democracia.

O pacotão era um calhamaço de reformas constitucionais para cortar salário de servidor etc., início de uma campanha urgente a fim de evitar que as contas do governo mergulhem no vinagre na virada de 2020 para 2021. Era o começo da segunda onda de reformas, que contaria também com um pacote de emprego, que praticamente foi abortado.

Desde então, o governo e o governismo parecem ter mudado de estação, parece mais surtado com o transe nas ruas sul-americanas, caído depois do relativo vexame do leilão do petróleo e ainda mais desorientado na política partidária.

O governo não parece se abalar com a sequência de derrotas no Congresso —vetos que caem, projetos que caducam. Parece, sim, ainda mais disparatado, como na política e declarações sobre câmbio ou com essa atitude de tabela juros bancários por decreto.

Fernando Gabeira - Os fantasmas atacam de novo

- O Estado de S.Paulo

Paulo Guedes sobressalta a economia com sua miopia política ao reviver o AI-5

D repente o fantasma do AI-5 volta a assombrar. É como se tivéssemos entrado na máquina do tempo e ela nos levasse, célere, para 13 de dezembro de 1968. Zuenir Ventura escreveu um livro chamado 1968, o Ano que Não Acabou. O título pode ter sido mal interpretado, pois não fala em momento algum que o tempo correria para trás.

Estamos em 2019, que, por sinal, está quase acabando. Muita coisa mudou nestas seis décadas. Hoje, na sombra do AI-5, há outro mais assustador: as demonstrações no Chile. Ele estava embutido nas ameaças de Eduardo Bolsonaro, parcialmente apoiadas pelo general Heleno, e ressurge agora na entrevista de Paulo Guedes. É sempre o mesmo fantasma arrastando correntes nas névoas de uma miopia histórica.

Tanto o governo como Lula partem de um pressuposto equivocado: o de que um movimento como o chileno é provocado por exortações nos palanques ou inibido por ameaças de virar a mesa democrática. Tivemos grandes movimentos populares em 2013 e ninguém falou no AI-5. Mesmo no Chile, o que se vê é o horizonte de um novo acordo social.

O Financial Times disse que os acontecimentos no Chile foram uma ducha de água fria no governo Bolsonaro. Afinal, os mesmos objetivos econômicos fazem parte de sua agenda liberal. E o mesmo Paulo Guedes trabalhou no Chile sob Pinochet e reaparece agora conduzindo o processo no Brasil. Iria um pouco mais longe. Os acontecimentos no Chile abalaram a confiança do governo Bolsonaro e o que vemos desde então não passa de sinais de insegurança sobre os rumos da agenda liberal.

Marcelo Moraes - STF libera uso de dados sigilosos

- O Estado de S. Paulo

Por ampla maioria dos votos, o Supremo Tribunal Federal aprovou o compartilhamento de informações da Receita e Coaf com o Ministério Público

Flávio na mira. A decisão da Corte libera a retomada das investigações criminais de mais 900 casos, que tinham sido suspensas pela liminar dada pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Entre esses casos, está o que envolve o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Dados do Coaf apontam movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, seu assessor. O Ministério Público investiga se foram cometidas irregularidades e se esses recursos foram repassamos para o senador.

Dor de cabeça. A derrubada da liminar que paralisou as investigações traz de volta a pressão política sobre o governo, já que as investigações com Queiroz e Flávio Bolsonaro serão retomadas. Desde o início do governo Bolsonaro, o caso se tornou um dos maiores pontos de desgaste político do presidente. Com a decisão de Toffoli de suspender as investigações enquanto o Supremo analisava a questão, o problema acabou ficando de lado. Agora, a tendência é que a pressão por esclarecimento aumente ainda mais.

Desgaste. Para Toffoli, o resultado do julgamento acabou representando uma derrota dentro do tribunal. Ao todo, oito ministros votaram a favor do compartilhamento irrestrito dos dados, enquanto três fizeram restrições, defendendo que houvesse aval judicial. O ministro tinha bancado a suspensão das investigações e enfrentou forte desgaste na sua imagem por isso. O problema é que esse novo desgaste acontece justamente num momento em que o Supremo enfrenta críticas pesadas pela decisão que mudou a interpretação sobre a prisão depois de condenação em segunda instância.

Eliane Cantanhêde - Um espanto!

- O Estado de S.Paulo

Negros contra negros, índios contra índios, aparelhamento da cultura, Funai e Ambiente

Um negro que nega o racismo, uma índia contrária aos movimentos indígenas, um diretor da Funai aliado aos ruralistas, a estrutura de Meio Ambiente descolada do Meio Ambiente, um secretário de Cultura que xinga Fernanda Montenegro, uma secretária de Audiovisual distante do cinema e da televisão. Sem falar em ministros.

O que que é isso, minha gente? O presidente Jair Bolsonaro vive criticando os antecessores pelo “excesso de ideologia” e rejeita indicações de políticos eleitos tão democraticamente quanto ele próprio, mas não faz outra coisa senão nomear pessoas que simplesmente se classificam “de direita”, mesmo que não tenham nada a ver com os cargos. Boa governança?

O que dizer de Sérgio Camargo, que foi nomeado para a Fundação Palmares, apesar de negar o racismo, atacar a “negrada militante” e reduzir a injustiça e as humilhações contra os negros a um “racismo nutella?” Até o próprio irmão desse senhor, o músico e produtor cultural Oswaldo Camargo Júnior, abriu um abaixo-assinado contra a nomeação. Para Oswaldo, Sérgio é um “capitão do mato”. Um capitão do mato na Fundação Palmares...

Assim como pinçou um negro para desqualificar os movimentos negros, Bolsonaro levou para a abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, a youtuber índia Ysani Kalapalo, que vive entre São Paulo e sua aldeia no Xingu (MT). Isso tem nome: “Lugar de fala”. Brancos não podem atacar os movimentos, mas um negro contra negros e uma índia contra índios faz toda a diferença.

Merval Pereira - Goleada

- O Globo

Foi uma derrota do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Dias Toffoli. Subsidiariamente, foram derrotados os que pretendiam limitar a atuação dos órgãos de fiscalização no combate à corrupção.

A maioria de oito votos em onze definiu que não há limitações à atuação da Receita Federal e da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), podendo transmitir informações ao Ministério Público e à Polícia mesmo sem autorização judicial.

O presidente do STF, que já havia votado contra sua própria liminar anterior liberando a atuação da UIF, viu também diversos ministros criticarem sua decisão de juntar a um processo contra a Receita a atuação da UIF, pedida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro.

No final do julgamento, ontem, os ministros Rosa Weber, Cármem Lúcia, Marco Aurelio Mello e Celso de Mello pediram que ficasse registrada a discordância deles sobre essa junção indevida. O ministro Marco Aurélio Mello nem sequer analisou em seu voto a atuação da UIF, pois considerou que ela não fazia parte do processo em julgamento.

Ele reclamou da paralisação de “um sem número de procedimentos criminais, prejudicando-se a jurisdição na área sensível, na área da persecução penal, na área criminal”, referindo-se à liminar de Toffoli que suspendeu mais de 900 investigações abertas com base em dados do órgão. “A legitimidade das decisões do Supremo são hoje muito questionadas”, ressaltou Marco Aurélio.

Bernardo Mello Franco - Um misto de tristeza e revolta

- O Globo

O primeiro presidente da Fundação Palmares se diz triste e revoltado com os rumos do órgão federal. Em 1988, o advogado Carlos Alves Moura ajudou a organizar as comemorações do centenário da Abolição. Aos 79 anos, ele acusa o governo Bolsonaro de tentar destruir as conquistas do movimento negro.

"Estou sentindo um misto de tristeza e revolta. Tristeza porque não foi brincadeira criar a Fundação Palmares. Revolta em ver que o racismo continua implacável", diz o advogado.

A Palmares foi fundada no governo José Sarney, quando o movimento negro se mobilizava para reivindicar espaço na política e na nova Constituição.

"Foi uma luta muito grande. Muitos dos que participaram dela, como Abdias do Nascimento e Caó, já não estão mais entre nós", lembra Moura, que voltaria a presidir a fundação no governo Fernando Henrique Cardoso.

Ontem o advogado se surpreendeu ao ler as declarações do novo presidente da fundação, Sérgio Nascimento de Camargo. Nas redes sociais, o ativista de direita disse que no Brasil não há "racismo real" e que o movimento negro deveria ser "extinto".

Rogério Furquim Werneck - Constatação desalentadora

- O Globo | O Estado de S. Paulo

O que interessa é a estreiteza de visão e o personalismo tacanho do projeto político explicitado pelo Planalto

À medida que se aproxima o fim do primeiro ano do governo Bolsonaro, cresce a apreensão com a desproporção entre a enormidade do desafio de repor o país na rota da prosperidade e a estreiteza do projeto político que vem sendo acalentado pelo Planalto.

Ao decidir abandonar o PSL e fundar novo partido em que seus correligionários mais fiéis possam estar congregados e claramente apartados, o presidente deflagrou um rearranjo do quadro político-partidário brasileiro que, em tese, poderia até deixá-lo um pouco menos caótico.

Se Bolsonaro conseguisse, de fato, criar o Aliança pelo Brasil (APB) e, aos poucos, nele congregar bolsonaristas incontestes hoje abrigados em várias outras agremiações — do PSL ao DEM, do PP ao Novo —, a distribuição de forças políticas entre partidos de maior relevância do país ficaria bem mais clara.

Tal separação ajudaria inclusive a dirimir as infindáveis controvérsias acerca das reais proporções do que vem sendo rotulado de bolsonarismo de raiz. E da importância que poderá vir a ter na evolução do quadro político brasileiro. Sobretudo quando se leva em conta que as linhas divisórias que distinguem a nova agremiação não deixam margem a dúvidas sobre a sua caracterização.

Míriam Leitão - Várias pressões sobre o dólar

- O Globo

O déficit comercial do setor de manufaturas subiu em três anos de zero para US$ 30 bilhões. E isso sem o Brasil crescer. Com capacidade ociosa e desvalorização cambial, a indústria não consegue exportar. É o que alerta o economista Samuel Pessoa, do Ibre, ao falar da atual pressão cambial. O economista Manoel Pires, também do Ibre, lembra que o aumento do déficit em transações correntes para 3% do PIB também é preocupante. São sinais de que o dólar continuará pressionado. Os dois fizeram fortes críticas à fala de Paulo Guedes sobre o AI-5.

Os ruídos criados pelo governo pioram a situação, mas há fatores concretos, diz Samuel:

— Em janeiro do ano passado, o dólar estava a R$ 3,10. Com toda essa desvalorização, a indústria não se mexe. Nas outras recessões, o setor exportador ajudou a tirar a economia do buraco.

Manoel Pires diz que o pano de fundo — o contexto da guerra comercial, as frustrações dos leilões de petróleo, a queda das taxas de juros — tem levado o dólar a outro patamar:

— O câmbio de equilíbrio, aquele que estabiliza o déficit, é muito mais alto.

Sobre o limite à taxa de juros do cheque especial, os dois economistas, que entrevistei ontem no meu programa na Globonews, têm visões diferentes. Manoel Pires acha que o Banco Central acabou ampliando a base de arrecadação dos bancos e, ao permitir a tarifa mesmo de quem não entra no cheque especial, está reduzindo a transparência. Samuel Pessoa diz que há experiência internacional de limites máximos para os juros do cheque especial. Diz que “não é muito ortodoxo”, mas outros países fazem.

Maria Cristina Fernandes - Um ministro agarrado à sua cadeira

- Valor Econômico (28/11/2019)

Se a ebulição do continente invadir o país, o presidente só terá duas alternativas, reprimir ou tirar Guedes

Se as labaredas do continente avançarem sobre o Brasil, o presidente da República terá duas alternativas: recorrer à repressão ou tirar Paulo Guedes do cargo. Ao enviar o projeto de excludente de ilicitude dos militares para o Congresso, Jair Bolsonaro mostra as fichas que depositou na primeira opção. Não dá, porém, para ignorar os sinais emitidos por um comandante do Exército que exalta a recusa da arma ao papel de capitão-do-mato. Daí porque o ministro da Economia, em barricada contra a segunda alternativa, mencionou a volta do AI-5 como desfecho de um país tomado por manifestações.

Desconhecer a insegurança de Guedes no cargo é incorrer no mesmo erro cometido por porta-vozes bem postos do mercado quando a dupla Alberto Fernández/Cristina Kirchner começou a fazer sombra sobre Mauricio Macri. A interpretação corrente foi a de que a Argentina afundara por não ter feito a lição de casa. Quando o Chile explodiu, porém, os bedéis do liberalismo emudeceram. Se o primeiro da classe entrou em combustão, a lição é outra.

Não é de hoje que o ministro custa a aceitar o custo da democracia. Ainda na campanha presidencial, Paulo Guedes revelou ao Valor sua ambição de implantar a fidelidade programática no Congresso. Quando se deu conta de que não poderia fazê-lo por decreto, passou a acalentar a ideia de transformar Sergio Moro num instrumento de persuasão parlamentar. O Congresso enquadraria o ministro da Justiça e logo frustraria Guedes.

William Waack - Dólar e os nervos do Jair

- O Estado de S.Paulo

Fatores estruturais explicam a subida do dólar, mas o raciocínio político do presidente também

Investidores tentam agir de cabeça fria. Portanto, é pouco útil associar a subida do dólar ao nervosismo de operadores de mercado diante de frases inapropriadas, confusas, indignantes, desconexas e que apenas geram barulho, bem ao gosto das frenéticas redes sociais, uma marca já estabelecida por integrantes do atual governo em seu repetitivo empenho em criar dificuldades políticas para si mesmo. Na superfície, os recentes recordes nominais do dólar contra o real são um “paradoxo”. Afinal, nos atuais 121 a pontuação do risco Brasil é a mais baixa desde 2012, quando começou a subir e beirou os 500 no auge da recessão e derrubada do PT em 2016. Da saída de Dilma em diante, o risco caiu, oscilou para cima na incerteza pré-eleitoral e, desde a vitória de Bolsonaro, só desceu – enquanto o dólar, nesse período de 12 meses, só subiu.

As raposas de mercado adiantam uma explicação para esse “paradoxo”. Olhando friamente a trajetória da dívida bruta brasileira, os investidores concluem que ela encostou nos 80% do PIB e que, mesmo com a relevante reforma da Previdência, ali continuará pelos próximos dez anos pelo menos. E conferem nos números do Banco Central que o desempenho das contas públicas entre 2018 e 2019 não está brilhante como se poderia pensar, para não falar da deterioração da balança comercial e das contas externas.

Há outro fator também levado em conta, este mais subjetivo: o índice de incerteza compilado pela FGV. Alguns podem alegar que se trata de uma falsa correlação, mas comparando-se os últimos 18 anos desse indicador de incertezas ao desempenho anual do PIB, salta aos olhos que, quanto maior a incerteza, pior é o desempenho da economia. A incerteza atual “calculada” pela FGV está nos mesmos patamares de 2015 – a mais alta dos últimos 10 anos – e o PIB ainda cresce pouco.

José Serra* - Fogo na casa para assar o leitão

- O Estado de S.Paulo (28/11/2019)

O ajuste fiscal é necessário e precisa ser endereçado, mas não a qualquer preço

O governo apresentou propostas de emenda à Constituição (PECs) para atacar o desequilíbrio das contas públicas. Uma delas prevê a extinção dos chamados fundos públicos, que geralmente contam com receita carimbada para financiar determinados gastos. Há algumas ineficiências nessa matéria, mas virar a mesa não parece ser o caminho mais sensato. Em meio à estagnação da economia brasileira, o papel do Estado é central e decisivo.

Seguramente, há fundos desnecessários. Alguns deles se transformaram em feudos controlados por grupos que se acham donos de fatias do orçamento público. Contudo existem fundos importantes para a sociedade e para a economia, que muitas vezes não estão associados a vinculações orçamentárias. Na verdade, são instrumentos para canalizar recursos para parcerias público-privadas (PPPs), exportações e agronegócio, dentre outras áreas.

É preciso avaliar caso a caso antes de sacar recursos desses fundos, como pretende o governo. Alega-se que o saldo acumulado seria utilizado para pagar dívida pública. No entanto, esses pagamentos representariam, em última instância, aumento do dinheiro em circulação na economia. O Banco Central (BC), por sua vez, teria de enxugar esse possível excesso de liquidez com títulos – as tais operações compromissadas. No fim das contas, a queda inicial da dívida seria neutralizada por esse aumento das operações do BC. Elas por elas.

Zeina Latif* - Presidente, a balança encolheu

- O Estado de S.Paulo (28/11/2019)

As importações têm crescido mais do que o sugerido pela recuperação da economia

Não é novidade o encolhimento da balança comercial. Ocorre que o tema entrou no radar dos mercados.

As exportações não estão crescendo, com poucas exceções, como as beneficiadas pela guerra comercial entre EUA e China. A razão principal é o comércio mundial estagnado. A demanda externa pelos produtos brasileiros é variável-chave para determinar a performance das exportações.

A cotação do dólar tem influência modesta, afetando mais a rentabilidade do exportador, e menos o volume exportado. Para começar, quando o real entra em ciclo de depreciação é porque o dólar está se fortalecendo nos mercados globais, o que significa que as moedas dos nossos concorrentes também estão se enfraquecendo.

Outra consideração é que nossos produtos são caros, refletindo a carga tributária elevada e cumulativa e a infraestrutura deficiente, entre outros. Não haveria cotação do dólar alta o suficiente para compensar tantas distorções internas sem causar riscos à dinâmica inflacionária. E, nesse caso, a depreciação cambial seria, ao final, ineficaz, pela corrosão inflacionária da taxa de câmbio.

As importações estão em alta. Sem surpresas aqui, afinal, a economia ganha tração. Mas há algo extra, já discutido neste espaço.

O que a mídia pensa – Editoriais

Populismo com cheque especial – Editorial | O Estado de S. Paulo

Tabelar juros do cheque especial é medida populista indisfarçável, incompatível com o discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Pode ser politicamente útil ao presidente Jair Bolsonaro, mas do ponto de vista econômico é injustificável e até perigosa. “Se fosse tabelamento, não tinha tarifa”, disse o presidente do BC, Campos Neto, respondendo às primeiras críticas. É um argumento pobre e ineficiente. Os bancos poderão cobrar a tarifa de quem pedir cheque especial com limite superior a R$ 500. A cobrança será de até 0,25% sobre o valor acima daquele limite. Com isso haverá um ganho adicional para as instituições financeiras e muitos de seus clientes terão um custo a mais, mesmo sem fazer um saque ou pagamento além do saldo normal.

O teto de juros, decidido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), pode parecer perfeitamente razoável diante do custo até agora imposto a quem se endivida no cheque especial. Em outubro, a taxa média para esse tipo de cobrança ficou em 305,9% ao ano, segundo o BC. Se os juros de 8% ao mês forem aplicados, o custo anual será de 151,8%. Ainda será enorme, mas a redução será considerável. A medida entrará em vigor em 6 de janeiro, segundo a resolução do CMN. Que ocorrerá a partir daí?

Poesia | Fernando Pessoa - Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Opinião do dia - Paulo Cesar Nascimento*

- Uma importante contribuição - Paulo Cesar Nascimento

A Coletânea As Esquerdas e a democracia, organizada por José Antônio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos, é uma importante contribuição para um debate do pensamento de esquerda que tem sido imprescindível para a reconstituição do pensamento de esquerda no Brasil e no mundo: como avançar agendas de reformas sociais e econômicas, e, ao mesmo expandir as instituições democráticas?

Fazem parte desta Coletânea temas cruciais para esta reconstrução. Basta pensarmos na questão da modernização do Estado brasileiro, que envolve a superação de nossa tradicional cultura patrimonialista, a definição de fronteiras mais visíveis entre o público e o privado, e o próprio Estado enquanto estimulador do desenvolvimento econômico e social. Se antes qualquer questionamento do Estado , de seu “tamanho” ou funções, era tido como anátema, atualmente tal discussão tornou-se quase mais que imprescindível nas esquerdas brasileiras. 

O futuro político dos partidos político das esquerda brasileira é outro tema central abordado nesta coletânea.
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*Paulo Cesar Nascimento é professor associado do Instituto de Política da UNB.

Luiz Carlos Azedo - O resgate da Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A libertação de Lula teve um efeito catalisador das mobilizações para restabelecer a condenação em segunda instância por mudança constitucional”

Está havendo um resgate da Operação Lava-Jato, que parecia com os dias contados depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu restabelecer plenamente o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado e sustou as investigações com dados do Coaf fornecidos sem autorização judicial. O Legislativo e o Judiciário estão se reposicionando em sintonia com a opinião pública, amplamente favorável a que os réus dos chamados crimes de “colarinho-branco” sejam presos após condenação em segunda instância, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recentemente foi posto em liberdade.

Ontem, por unanimidade, os três desembargadores da oitava turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) votaram por manter a condenação e ampliar a pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia. O relator da Lava-Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto; o revisor, João Leandro Paulsen, e o presidente da turma, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, foram além: aumentaram a sentença para 17 anos, um mês e 10 dias. A defesa de Lula havia recorrido da condenação em primeira instância a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, pela juíza substituta Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Maria Hermínia Tavares - Sopro de ar fresco

-Folha de S. Paulo

É mais que bem-vinda a proposta de agenda social feita por parlamentares da Câmara

Entre 2014 e 2017, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua do IBGE, 8,5 milhões de brasileiros se somaram aos 14 milhões que já viviam abaixo da linha da pobreza. No mesmo período, o contingente daqueles que sobreviviam em situação de pobreza extrema passou de 5,2 milhões para 11,8 milhões.

Isso quer dizer que se perdeu quase todo o ganho obtido anteriormente em termos de redução das disparidades de renda. Apesar da catástrofe social que esses números revelam, pobreza e desigualdade são assuntos fora do avariado radar do governo Bolsonaro. 

Enquanto o ministro Paulo Guedes tangencia a obscenidade com o seu programa de emprego para jovens —a ser financiado por aqueles que recebem o caraminguá do seguro-desemprego—, não se vislumbra uma única iniciativa capaz de amortecer o sofrimento dos mais atingidos pela degringolada econômica dos últimos anos.