quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

A política não é dispensável – Editorial | O Estado de S. Paulo

Na segunda-feira passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou audiência pública sobre a possibilidade da adoção de candidaturas avulsas, sem filiação partidária. A audiência foi convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma ação questionando a obrigatoriedade da filiação tal como prevista na Constituição de 1988. Ao justificar a medida, o ministro Barroso explicou que a audiência pública seria uma oportunidade para discutir os aspectos positivos e negativos das candidaturas avulsas, as eventuais dificuldades para sua implantação e os efeitos de tal permissão sobre o sistema partidário e o regime democrático.

É absolutamente fora de propósito o STF convocar audiência pública para discutir se a Constituição está certa ou errada. Eventual discussão sobre essa matéria cabe ao Congresso. O Supremo é o guardião da Constituição, que define, com clareza meridiana, a filiação partidária entre as condições de elegibilidade. Ao tratar dos direitos políticos, o art. 14, § 3.º da Carta Magna estabelece que “são condições de elegibilidade, na forma da lei, a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária e a idade mínima”, específica para cada cargo. Assim, seria preciso mudar o texto constitucional para que seja juridicamente viável uma candidatura sem vínculo partidário – e quem discute e vota Proposta de Emenda Constitucional (PEC) é o Poder Legislativo, não o Judiciário.


A falta de competência do STF para modificar a Constituição deveria ser, portanto, motivo suficiente para a rejeição sumária da ação questionando a necessidade de filiação partidária. Isso fica ainda mais claro tendo em vista que o Supremo se encontra assoberbado de trabalho, com muitas ações relevantes à espera de julgamento. É um disparate gastar tempo com processos que afrontam explicitamente a Constituição.

O questionamento sobre a filiação partidária revela mais do que uma indevida transigência com o texto constitucional. Ele manifesta incompreensão a respeito da democracia representativa, cujo bom funcionamento depende necessariamente dos partidos políticos.

Não há democracia representativa sem partidos políticos. E isso é assim porque a política raramente é obra meramente individual. Todo o poder emana do povo e entre as muitas consequências desse princípio fundamental está o fato de que o exercício do poder tem sempre uma dimensão coletiva, envolvendo interlocução, discussão, convencimento, negociação, compartilhamento de ideias, propostas e sonhos. Todas essas etapas da política envolvem diretamente os partidos.

Ao exigir filiação partidária, a Constituição faz depender o exercício do direito de se candidatar de uma aceitação prévia de seus pares. Ou seja, ela afirma a dimensão coletiva desse direito. A exigência de vínculo partidário não é, portanto, mero trâmite burocrático. É o reconhecimento de que os partidos políticos são instituições fundamentais para a organização de um Estado Democrático de Direito. Eles são etapa essencial para o debate, o aprimoramento e a difusão das ideias e propostas políticas.

Reafirmar o papel fundamental dos partidos não significa fechar os olhos à profunda crise do sistema partidário. Infelizmente, as legendas têm sido muitas vezes meras siglas, sem ideário definido e consistência ideológica, cumprindo a inglória tarefa de defender apenas o interesse de seus caciques. Basta ver, por exemplo, a baixíssima renovação das lideranças partidárias.

Gravíssima, a crise dos partidos afeta o funcionamento do regime democrático. Precisamente por isso, desprestigiar ainda mais as legendas, tratando-as como meras estruturas burocráticas, apenas agravaria a crise da representação. A rigor, negar os partidos é negar a política, com todo o caráter autoritário e voluntarista que isso implica. Ainda que tal medida possa agradar a alguns, ela é absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito. Não combina, portanto, com o Supremo tão malfadada iniciativa.

A necessária distensão – Editorial | O Estado de S. Paulo

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de enviar o vice-presidente Hamilton Mourão para representar o Brasil na posse do presidente da Argentina, Alberto Fernández, realizada ontem, pode contribuir para distender a relação entre os dois países, afetada por divergências ideológicas profundas entre os dois chefes de Estado.

Não se deve esperar, é claro, que essas divergências sejam de todo superadas, pois derivam de visões de mundo completamente antagônicas, mas há sinais de que, em nome de décadas de boa convivência e de uma sólida relação comercial, os governos da Argentina e do Brasil decidiram, afinal, optar pelo pragmatismo, e não pelo confronto.

Não parece ter sido uma decisão fácil para o presidente Bolsonaro, que até o último minuto parecia firme em sua disposição de não enviar ninguém do primeiro escalão para a posse de Alberto Fernández. Na véspera, Bolsonaro informou que ainda estava analisando a “lista de convidados” do novo presidente argentino para avaliar se mandaria alguém.

A preocupação do presidente brasileiro era com a presença de líderes esquerdistas com os quais não queria nenhum tipo de contato, a começar pelo presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel. A tal lista de convidados que Bolsonaro avaliou incluía o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e os ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff, além dos ex-presidentes Rafael Correa, do Equador; José Pepe Mujica, do Uruguai; Fernando Lugo, do Paraguai; e Evo Morales, da Bolívia. Lula, Dilma, Evo e Maduro não foram, mas era realmente difícil imaginar o presidente Bolsonaro à vontade mesmo entre os demais próceres da esquerda latino-americana que prestigiaram a posse.

Problema maior, contudo, era ter de cruzar olhares ou sair na foto com a vice-presidente eleita, Cristina Kirchner. Durante a campanha eleitoral argentina, Bolsonaro qualificou Fernández e Cristina de “bandidos de esquerda” e disse que, se “a esquerdalha” vencesse, “o povo (argentino) saca, em massa, seu dinheiro dos bancos”, entre outros efeitos catastróficos.

Do lado argentino, o comportamento na campanha não foi muito melhor. O agora presidente Fernández reagiu às provocações de Bolsonaro chamando o presidente brasileiro de “racista, misógino e violento”. Além disso, fez campanha pela libertação de Lula da Silva, qualificando o petista como “preso político” – uma afronta à Justiça brasileira. Não era um bom prenúncio para as relações entre os dois países.

Contudo, os ânimos parecem ter arrefecido. Há alguns dias, Fernández aproveitou uma visita do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para enviar a Bolsonaro uma mensagem de “respeito” pelo Brasil. Do lado brasileiro, houve pressão, dentro do governo e também do Congresso, para que Bolsonaro recuasse de sua determinação de boicotar a posse. Funcionou. “Achamos melhor, para não dar a entender que estamos fechando portas”, explicou Bolsonaro sobre a decisão de enviar o vice-presidente Mourão. “O que interessa para nós interessa para eles”, completou o presidente, referindo-se à relação entre os dois países.

Houve alívio imediato entre os empresários brasileiros. Embora admita que “não ficou uma mensagem positiva” de todo o entrevero entre Bolsonaro e Fernández, o vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz, disse que “prevaleceu o bom senso”, pois “a Argentina é o país que historicamente mais compra manufaturados do Brasil e é importante manter uma boa relação, independentemente da posição ideológica do presidente”.

Do lado argentino, o novo presidente disse, em seu discurso de posse, que “com o Brasil, em particular, temos que construir uma agenda ambiciosa, inovadora e criativa, nas áreas tecnológica, produtiva e estratégica, apoiada pela irmandade histórica de nossos povos e que vá além de qualquer diferença pessoal daqueles que governam”.

Se o Brasil não pode colocar em risco a relação com um parceiro comercial tão estratégico como a Argentina, os argentinos, por sua vez, não podem nem sequer cogitar de brigar com o Brasil no momento em que o novo governo assume já avisando que “tem vontade de pagar (a dívida externa), mas não tem capacidade para fazê-lo”.

Reforma à paulista – Editorial | Folha de S. Paulo

Com atraso, gestão tucana tenta mudar sistema previdenciário que onera o estado

A despeito de manter suas contas em razoável equilíbrio, ou talvez por causa disso, o governo paulista tardou, ao longo de mais de duas décadas de hegemonia do PSDB, em promover uma reforma da Previdência de seus servidores.

A gestão do também tucano João Doria, que hoje tenta levar adiante um projeto de mudança das regras estaduais de aposentadoria, sofre as consequências orçamentárias dessa demora, além da feroz resistência das corporações.

Nos últimos anos, as despesas com o pagamento de inativos, incluindo as de caráter administrativo, superaram o montante destinado ao ensino público —numa gritante inversão de prioridades.

Em 2018, a Previdência consumiu R$ 36,1 bilhões, ou 17% do Orçamento paulista. Em 2010, essa proporção, que cresce continuamente, ficava nos 12%. O resultado é a redução de recursos disponíveis para outras finalidades, em especial obras de infraestrutura.

Nos cálculos do governo estadual, os gastos com os 550 mil aposentados e pensionistas vão superar dentro de três anos a folha salarial do pessoal ativo. O custo do regime —isto é, a parcela não coberta pelas contribuições dos servidores— ronda os R$ 30 bilhões.

Diante de tais números, a reforma proposta por Doria busca elevar a contribuição previdenciária de 11% para 14%, medida já adotada por diversos entes federativos, incluindo a Prefeitura de São Paulo.

Prevê-se ainda idade mínima de 62 anos, para mulheres, e 65, para homens, conforme as diretrizes aprovadas pelo Congresso Nacional para os funcionários civis federais e os trabalhadores da iniciativa privada. No estado, as idades exigidas atualmente são 55 (mulheres) e 60 (homens).

O confronto com as corporações estatais, que governos anteriores adiaram, ocorre com intensidade agora, em sessões conturbadas da Assembleia Legislativa. No lance mais recente, a oposição obteve liminar judicial para suspender a tramitação do projeto.

Os parlamentares poderão, decerto, alterar pontos tidos como mais draconianos do texto. Entretanto dificilmente será possível escapar da tarefa de redesenhar as normas —e não apenas porque a legislação federal já prevê sanções para os governos regionais que não o fizerem até julho de 2020.

As restrições orçamentárias são crescentes e incontornáveis. Não enfrentá-las significará, cedo ou tarde, a derrocada de serviços públicos essenciais em educação, saúde, segurança e transporte.

Ameaça a direitos na rede está na pauta do Supremo – Editorial | O Globo

Julgamento sobre artigo do Marco da Internet envolve questões sobre o poder das plataformas digitais

Como qualquer produto de uma revolução tecnológica, a internet provoca impactos que levam a amplas discussões sobre a adaptação de padrões seguidos pela sociedade. Um deles, normas legais, princípios jurídicos, porque nesses momentos direitos e deveres estão em jogo.

Está na agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) uma dessas controvérsias, sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece a norma aparentemente pacífica de que as empresas do ramo — Facebook, Google e seus diversos serviços como Instagram, YouTube etc. — só estão obrigadas a retirar qualquer conteúdo de suas plataformas digitais se a reclamação feita contra ele for aceita na Justiça.

Mas esta não é uma questão simples, devido ao poder e ao alcance dessas plataformas, com desmesurada capacidade de produzir estragos na imagem de pessoas e instituições, assim como de amealhar incalculáveis receitas sobre o que veiculam, mesmo de forma eticamente deplorável.

Em muitos países vigora o mecanismo do “Notice and Take Down”, em que a empresa da internet passa a ser corresponsável por danos causados pelo conteúdo, a partir do momento em que for notificada da reclamação. Não está obrigada a retirá-lo de circulação, mas fica sabendo dos riscos legais e pecuniários que corre caso a demanda contra o material seja aceita pela Justiça.

Não há, portanto, censura prévia, o que seria inconstitucional. Ao contrário, é pedido ao Supremo que reafirme a validade do artigo 5º da Carta, o das garantias individuais. O mesmo mecanismo do “Notice and Take Down” está no Marco Civil da Internet, em capítulo que aborda a difusão de atos sexuais e de cenas de nudez. Defende-se tão somente a extensão ao mundo da internet da mesma corresponsabilização a que se encontram sujeitos os meios de comunicação na difusão de notícias e opiniões.

O julgamento que será feito pelo STF coincide com a crescente consciência de que redes sociais, como o Facebook, são comprovadamente usadas para interferir em resultados eleitorais, por meio da manipulação do voto de pessoas susceptíveis a determinado tipo de mensagem, identificadas sem que elas saibam, em garimpagens eletrônicas que essas empresas fazem em gigantescos bancos de dados com informações privadas dos internautas.

Os americanos despertaram para o problema a partir da comprovada interferência russa na eleição de Trump em 2016 e na vitória da proposta de retirada da Grã-Bretanha da União Europeia, o Brexit, no mesmo ano, por uma pequena margem. A manipulação digital está documentada.

Este julgamento no Supremo já tem relevância por tratar de direitos individuais estabelecidos na Carta. E no atual contexto mundial que envolve a internet, cresce ainda mais de importância.

Fundo eleitoral generoso e gastos sem transparência – Editorial | Valor Econômico

Não há a menor necessidade de ampliar filiados e debater ideias se a sobrevivência está assegurada com dinheiro público. Por isso maioria deles nada representa

Os partidos deram passos mais ambiciosos para usar uma quantia muito maior de recursos públicos nas eleições de 2020, com baixa transparência e pífios controles. Decisões recentes da Justiça e do Congresso formam uma teia em que as máquinas partidárias sairão beneficiadas com mais dinheiro e, possivelmente, menores responsabilidades. O ato mais recente foi a ação da Câmara dos Deputados para mais que dobrar o fundo eleitoral para os pleitos do ano que vem, dos atuais R$ 1,8 bilhão para R$ 3,8 bilhões. Outro fundo, o partidário carreou R$ 928 milhões para as legendas em 2019.

Com o fim do financiamento eleitoral por empresas, os partidos tentam substituir sem perdas contribuições do passado, em dinheiro, em grande parte embaladas no caixa dois, por recursos do contribuinte. Diz muito sob o sistema partidário que os principais atores para obter mais verbas com menos incômodos provenham tanto da direita, como o PSL (e sua “nova política”), quanto da esquerda (PT, PCdoB) passando pelos arraiais do centrão e pelo liberalismo do PSDB.

Como não há amadores no jogo eleitoral, o Congresso fez previamente mudanças na regras para partidos e eleições para abreviar vários controles. O presidente Jair Bolsonaro vetou 45 dispositivos da lei aprovada pelos parlamentares, que já derrubaram sete desses vetos. A ideia inicial de alguns deputados era de sequer apresentar a prestação de gastos da forma padronizada exigida pelo TSE, mas a critério de cada partido. Não prosperou, mas houve outras “conquistas” adiante. O dinheiro do fundo eleitoral foi jogado para o Orçamento, já conhecidos o intuito e a conta (R$ 3,8 bilhões). O fundo de 2018 foi integrado com parte do dinheiro das emendas parlamentares, o de 2020 prescinde dessa contribuição.

Os partidos estenderam também os limites para o uso do dinheiro. Ele poderá ser gasto na compra de imóveis, aviões e outros bens. O Congresso decidirá ainda se derruba o veto que impede que verbas do fundo possam servir para pagamento de multas causadas por desrespeito à legislação - dinheiro público para pagar contravenções feitas por candidatos que desrespeitaram regras que, em tese, protegem o dinheiro público.

Outro ponto a ser decidido é se cai o veto à regra de inelegibilidade. Com a Lei Ficha Limpa, os candidatos condenados em decisões colegiadas na Justiça estão impedidos de concorrer, com a impugnação ocorrendo no registro da candidatura. O Congresso aprovou dispositivo no qual o momento para impugnação seria, na prática, posterior à eleição, permitindo a disputa de fichas-sujas.

Em outra manobra eleitoral, o Senado vai aprovar a PEC 48, que permitirá que parte das emendas parlamentares individuais possam ser transferidas diretamente a Estados e municípios, sem necessidade, como é hoje, de celebração de convênio. A iniciativa conta com a chancela do PT. Os parlamentares poderão enviar dinheiro a seus currais eleitorais sem fiscalização. A intenção era retirar a vigilância do Tribunal de Contas da União e deixá-la para os tribunais de contas estaduais e municipais, muito mais flexíveis diante dos poderes locais. O relator, senador Antonio Anastasia, viu risco legal neste subterfúgio e o trecho foi suprimido. A exigência é que 70% do dinheiro seja aplicado em investimentos - à discrição do beneficiário - e 30% no custeio, isto é, pagamento de funcionários e gastos correntes.

Na semana passada, o STF derrubou resoluções do Tribunal Superior Eleitoral que suspendiam o registro de diretórios estaduais e municipais dos partidos que não prestassem nenhuma conta de seus gastos eleitorais. O Supremo, por maioria, entendeu que isso só pode acontecer com o “trânsito em julgado” e que o TSE não poderia criar sanções diversas das previstas em lei, abrindo outra porta para o uso liberal da verba eleitoral.

O caixa dois, por seu lado, não deixou de existir. Os itens do projeto de lei do ministro Sergio Moro, que tipificavam o crime, hoje mal e indiretamente contemplado em um artigo do Código Eleitoral, foram retirados do projeto e tramitarão individualmente - seu destino é dormir em um escaninho do Congresso. O reforço de punições por caixa dois está no limbo na Comissão de Finanças da Câmara.

Os partidos brasileiros são repartições públicas, e não, como em países de democracia vigorosa, entidades privadas custeadas por seus apoiadores e por atividades próprias. Não há a menor necessidade de ampliar filiados e debater ideias se a sobrevivência está assegurada com dinheiro público. Por isso maioria deles nada representa.

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