quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

*Eugênio Bucci: A responsabilidade da esquerda

- O Estado de S.Paulo

Em vez de se defender pela negativa, deve partir para a autocrítica pública, aberta e radical

“Ma non vivere di lamento
come un cardellino accecato”
Giuseppe Ungaretti

Está certo que o contexto lá fora não ajuda. Polônia, Hungria, Áustria, Rússia, Turquia, Estados Unidos e outros países mostram a ferocidade de um novo conservadorismo raivoso: nacionalista, xenófobo e autocrático. Quanto às plataformas autointituladas “progressistas” (esse adjetivo meio curinga), descambam em farsas bonapartistas e métodos sangrentos, como na Nicarágua ou na Venezuela. Nesses casos, o bonapartismo é tão farsesco e a sanguinolência tão metódica que os resquícios de “progressismo” já vão longe, como a poeira deixada pelas patas do cavalo de Simón Bolívar. O tal “progressismo” se degrada em ditaduras que não cultivam nenhum valor humanista.

Também no Brasil, o cenário não ajuda. Nas eleições do ano passado, as agremiações de esquerda não foram meramente derrotadas: foram sentenciadas a uma desmoralização prolongada, condenadas ao papel incômodo de motivo de chacota, de ódio ou de desprezo intelectual. Os militantes que ainda não perceberam a tragédia que os engoliu se refugiam num gregarismo messiânico. Põem a consciência para hibernar, em pleno verão, enquanto uma nova direita brucutu, herdeira da ala mais fascista da ditadura militar, vai tomando posse das fantasias tanáticas de milhões de brasileiros. Essa direita hostiliza a imprensa, escarnece da cultura dos direitos humanos e agora dá as cartas.

Definitivamente, o contexto não ajuda. O entorno é adverso. A intuição do militante socialista o impele na direção de um único verbo: resistir. Acontece que, nesta hora, a intuição reativa induz a erro, é má conselheira. A saída é contraintuitiva: a esquerda – e o PT especialmente – precisa demolir os muros dentro dos quais se encolheu. Em lugar de se defender pela negativa, deve partir para a autocrítica – pública, aberta e radical.

William Waack: Quem sabe faz a hora

- O Estado de S.Paulo

Por uma ironia da História, o refrão ‘esperar não é saber’ pode mudar de mãos

Momentos decisivos na história são raros e o Brasil acabou de entrar num deles. A eleição de Bolsonaro foi só a preparação para o que vem agora: um País que, se quiser sair da mediocridade e estagnação, terá de confrontar a si mesmo.

O novo presidente prometeu libertar o Brasil de amarras que levaram gerações para serem confeccionadas. E que podem ser resumidas numa constatação preocupante: a sociedade brasileira falhou na tentativa de construir um Estado de bem-estar social nos moldes de países europeus. Nossa geração de riquezas não comporta um Estado de bem-estar social com o qual sonhamos.

Criamos um marco regulatório e legal que é um verdadeiro compendio de aspirações sociais, e que atribui ao Estado distribuir e garantir essas benesses e direitos codificados em leis. Esse papel garantiu a explosão de custos do setor público que financiamos através de aumentos de impostos nos últimos 30 anos (agora no nível do insuportável) e endividamento (beirando também o insuportável). Tudo junto mais a baixa produtividade são o famoso “custo Brasil”, que torna o País pouco competitivo.

O principal desafio de curto prazo é conhecido: lidar com as contas públicas, o que significa reformar a Previdência. Os principais obstáculos políticos são bem conhecidos também. Bolsonaro tomou posse graças a uma onda transformadora de amplo alcance e raízes profundas (ainda que em parte disfarçadas pelo repúdio ao petismo). O “mandato” conferido por esse fenômeno político para “defender a liberdade”, “acabar com corrupção e privilégios” e “fazer o Brasil crescer” é amplo para funcionar como inspiração, mas precisa ganhar contornos práticos e diretos imediatamente.

A combinação dos dois discursos de Bolsonaro no dia da posse é elucidativa. Ele reconhece que precisa do Congresso para governar e preferiu não esbravejar com o Legislativo – ao contrário, confia em velhas mãos (leia-se Rodrigo Maia como presidente da Câmara). Mas continua tratando de galvanizar o eleitorado como forma de manter a “temperatura” política necessária para, eventualmente, lidar numa posição de força com os senhores legisladores. Não parece que haverá em breve qualquer grande separação entre “palanque” e “governo”.

Roberto Dias: Uma imensa vidraça

- Folha de S. Paulo

Parece ser difícil errar o alvo, mas cerimônia de posse de Bolsonaro motivou ataques questionáveis

Jair Bolsonaro há muito representa uma vidraça enorme, fácil de acertar com críticas de todo lado, tantos os motivos que ele deu.

Agora que essa vidraça se tornou importante, parece difícil errar um alvo desse tamanho. Mas não é missão impossível, como se tem visto. A cerimônia de posse motivou ataques bastante questionáveis, quando não factualmente errados.

Exemplo desse último tipo é a comparação de imagens das posses de Lula, Dilma e Bolsonaro que circulou por redes sociais. Mostra rampas diferentes —Lula e Dilma no Planalto, com gente ao fundo, e Bolsonaro na do Congresso, com o gramado fechado. Na verdade, fotos feitas no momento dos discursos registram uma Praça dos Três Poderes mais cheia no evento desta semana.

Outras são de miopia gritante. É o caso da crítica que aponta a ausência do termo mulher no discurso de Michelle Bolsonaro no parlatório. Esse conceito de feminismo deve guardar parentesco com o do socialismo de Bolsonaro, tamanha a falta de sentido dos dois. Michelle, com seu surpreendente ato na posse, coloca-se vários quilômetros à frente de quem a ataca.

É fato que Bolsonaro fez discurso de campanha, e o tom adotado na frente do Planalto não parece mesmo o mais inteligente para governar. Mas cobrar um presidente por falar o que pensa que é bom e o que pensa que é ruim após o estelionato eleitoral desta década soa contraditório.

Bruno Boghossian: Ministério das relações públicas

- Folha de S. Paulo

Chanceler quer pautar ministério por valores sem conexão com política externa

O chanceler Ernesto Araújo quer transformar o Itamaraty em um mero departamento de relações públicas da direita. O ministro mostrou em seu discurso de posse que pretende mover as ligações do Brasil com o mundo a partir de valores conservadores que não têm conexão com a política externa.

Sob a justificativa de reparar uma influência excessiva do globalismo e dos governos de esquerda, o novo chanceler promete atar novos laços a partir de agora. Crítico ferrenho do PT, que já chamou de “Partido Terrorista”, Araújo corre o risco de repetir e exacerbar justamente aquilo que ataca em seus opositores.

O ministro considera inimigos “quem odeia Deus” e “quem diz que não existem homens e mulheres”. Até onde se sabe, discussões teológicas e sobre discriminação sexual não fazem parte das atribuições do Itamaraty e não norteiam sua política.

No discurso, Araújo ainda disse que o ministério deveria se pautar por liberdades. “A principal delas, se me permitem citar uma novela dos anos 60, é o direito de nascer”, disse. Nos EUA, modelo do bolsonarismo, o aborto é um direito constitucional referendado pela Suprema Corte.

Matias Spektor: Estreia no exterior

- Folha de S. Paulo

Resultado da jornada do novo chanceler terá três impactos fundamentais

Está marcada para amanhã a estreia do chanceler Ernesto Araújo, quando ele participa da reunião do Grupo de Lima, o clube de países interessados em coordenar uma resposta à ditadura venezuelana.

Trata-se de encontro importante porque Nicolás Maduro está prestes a assumir um novo mandato presidencial e, pela primeira vez em muito tempo, devido à crise econômica galopante, dissidentes e opositores conseguem oferecer uma perspectiva de mudança.

Em Lima todos os holofotes estarão sobre o chanceler brasileiro. Bolsonaro alimentou a expectativa de que o Brasil jogará seu peso contra o chavismo, e a pergunta que todos farão é se Araújo consegue liderar a costura de um consenso regional ou se ele tropeçará nos obstáculos que, há tempos, inviabilizam um front comum.

Ao pousar em Lima, o ministro terá somente apoio líquido e certo da Colômbia. O México lhe fará oposição. Argentina, Chile e Peru terão alguma simpatia, mas precisarão ser convencidos.
O resultado da jornada terá três impactos fundamentais.

O primeiro é sobre a Venezuela. Se houver consenso em Lima, os opositores do regime em Caracas e no exílio farão novos movimentos. Se a região ficar dividida, tudo fica como está.

Janio de Freitas: Poder e dever na imprensa

- Folha de S. Paulo

As instituições oficiais não estão em condições de defender as conquistas democráticas

Tanto quanto dependerá de Jair Bolsonaro e sua trupe ideológica, o Brasil e seus anos vindouros passam a depender da imprensa. Em vista do que o novo Congresso prenuncia e do visto nas altas instâncias da Justiça, quando seria necessário proteger direitos e a própria Constituição, impõe-se a evidência: as instituições oficiais não estão em condições de defender as conquistas democráticas dos últimos três decênios.

A responsabilidade pode ser excessiva para uma imprensa que não supera a vacilação, põe-se como terreno desnivelado de embates entre o interesse público e o interesse privado e, como novidade, já está ameaçada por Bolsonaro.

A rigor, a missão nada excederia, porque já integra a concepção de jornalismo consagrada no século passado. O problema é que essa concepção encontra dificuldades aqui. Tanto no poder econômico, que abomina a liberdade de imprensa, como em vícios remanescentes em parte da própria imprensa. Entre eles, o conflito vivido entre ética e conveniência por inúmeros jornalistas.

A complacência da imprensa com o governo Collor não foi posta em questão, mas foi muito grande a sua responsabilidade pelo desastre.

O plano econômico então imposto foi essencialmente inconstitucional, além de sua violência, e a corrupção regida por PC Farias era o tema do dia e da noite no poder econômico. Mas a imprensa, em geral, calou o quanto pôde.

Vinicius Torres Freire: Guedes reafirma desmanche do Estado

- Folha de S. Paulo

Ministro toma posse com plano de desfazer 40 anos de estatismo em 4 de Bolsonaro

Paulo Guedes tomou posse com um discurso de combate, no estilo bolsonarista, embora tenha elogiado imprensa e Congresso.

Reafirmou na íntegra a promessa de desmanche do Estado, uma reviravolta histórica que pretende desfazer pelo menos 40 anos de fracassos de uma economia dirigida, disse.

No futuro, que trouxe de modo afobado a valor presente, a carga tributária nacional baixaria em um terço, uma enormidade. O início das reformas neste 2019 bastaria para o país crescer por uma década.

Descontadas as animações futuristas, o ministro da Economia explicou seu programa inicial. Esse plano ainda ambicioso, mas mais pragmático, pareceu mais plausível com a informação de que o bolsonarismo, o centrão e talvez parte da esquerda devem reeleger Rodrigo Maia (DEM) presidente da Câmara, que estava ao lado de Guedes no palco da posse. É uma primeira e crucial aliança política de Bolsonaro.

O mercado se animou com esse caminho luminoso. Com a ajuda do preço do petróleo e da possibilidade de privatização da Eletrobras, a Bovespa decolou, juros e dólar caíram bem.

Guedes indicou que quer reformar a Previdência em dois grandes tempos. Primeiro, a mudança do atual sistema, remendando e aprovando no menor tempo possível o projeto de Michel Temer. A mudança para o sistema de contas individuais de poupança previdenciária (capitalização) ficaria para depois.

Logo de início, o governo tocaria privatizações rápidas e a redução de gastos previdenciários e assistenciais que não depende de mudança constitucional ou mesmo de lei. Em breve, começaria o processo de unificação de impostos federais e a extinção paulatina da CLT.

Luiz Carlos Azedo: Ruptura sem diplomacia

- Correio Braziliense

“O alinhamento proposto por Bolsonaro é o eixo político representado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu”

O traço mais marcante da posse dos novos ministros ontem foi a cordial e diplomática transmissão de cargo entre os ministros que assumiram suas funções e a equipe do ex-presidente Michel Temer, mesmo em setores onde mudanças estruturais acabaram com ministérios importantes. O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann foi tratado com toda a deferência pelo novo ministro da Justiça, Sérgio Moro, assim como o ex-ministro Torquato Jardim. A exceção foi a sucessão no Itamaraty, onde o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira fez um longo discurso em defesa das melhores tradições da diplomacia brasileira e foi calorosa e longamente aplaudido pelos diplomatas presentes, muito mais do que o novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

É muito raro o ministro que sai ser muito mais aplaudido do que o ministro que entra, ainda mais num ambiente cujo cerimonial é dos mais rigorosos e as disputas ocorrem com punhos de renda. Araújo, porém, foi corajoso. Num discurso no qual não conseguia esconder a tensão, misturou São João Batista com Renato Russo e pregou uma política externa missionária, anti-iluminista e antiglobalista, nacionalista e assumidamente de cunho religioso. “Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a ordem global”. Segundo ele, o Itamaraty “existe para o Brasil e não para a ordem global”. O alinhamento proposto por Bolsonaro é o eixo político representado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Mesmo diante de uma plateia que aproveitou a solenidade para mandar um recado malcriado ao novo chanceler, Araújo não deixou nenhuma dúvida de que vai realmente chacoalhar o Itamaraty.

O problema da nova política externa, porém, não é a sintonia com o discurso de Bolsonaro, mas a necessidade de se posicionar estrategicamente em relação ao comércio exterior, à política nacional de defesa e ao contato com os vizinhos, num mundo no qual o eixo do comércio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O Brasil não pode entrar de cabeça na guerra comercial dos Estados Unidos contra a China, que se transformou no nosso maior parceiro comercial, ainda mais sem ganhar nada em troca.

A propósito, a medida provisória do presidente Jair Bolsonaro publicada ontem no Diário Oficial respalda Araújo na guinada à direita na política externa brasileira. Mudar não somente o estilo, mas o eixo de atuação da nossa diplomacia. A MP altera trecho da lei que define o regime jurídico dos servidores do Serviço Exterior Brasileiro. Abriu espaço para que não diplomatas possam exercer chefia. A Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006, determinava que “o Serviço Exterior Brasileiro, essencial à execução da política exterior do Brasil, constitui-se do corpo de servidores, ocupantes de cargos de provimento efetivo, capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das Relações Exteriores, no Brasil e no exterior, organizados em carreiras definidas e hierarquizadas”. O novo texto ressalva nomeações para “cargos em comissão e funções de chefia, incluídas as atribuições correspondentes, nos termos do disposto em ato do Poder Executivo.”

Ricardo Noblat: Pela direita, como quis a maioria

- Blog do Noblat | Veja

Falso assombro

A esquerda começou a estrilar com as primeiras medidas anunciadas pelo governo do capitão Jair Bolsonaro. Como se elas pudessem ser diferentes. Como se fosse possível ao presidente eleito pela direita com larga maioria de votos, governar pela esquerda ou apenas pelo centro.

Em 2002, Lula elegeu-se pela esquerda, e até a queda do ministro Antônio Palocci, da Fazenda, governou pela direita, como o próprio PT, contrariado, reconheceu à época. Dilma reelegeu-se em 2014 pela esquerda e tentou governar pela direita. Caiu, mas não por causa disso.

Lula no primeiro mandato e Dilma no segundo cometeram um estelionato eleitoral, crime comum a governantes por aqui e em vários lugares. José Sarney já o havia cometido com o Plano Cruzado em 1986, e Fernando Henrique Cardoso com o Real ao se reeleger em 1998.

O capitão não dá nenhum sinal de que poderá ser mais um a se eleger prometendo uma coisa para depois fazer o inverso. Ponto para ele. O choro e o assombro dos derrotados não são sinceros. Eles não esperavam nada de original. Reagem assim para manter sua tropa unida.

Quando o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anuncia que irá retirar “de perto da administração pública federal todos aqueles que têm marca ideológica clara”, repete o que fez PT ao chegar ao poder pela primeira vez, com a diferença de que o PT não anunciou o expurgo, executou-o.

Governa-se com os seus à direita ou à esquerda. Isso se chama alternância no poder, um dos princípios do regime democrático. Caberá ao eleitor, na data marcada, confirmar a escolha que fez ou revê-la.

Vera Magalhães: De um lado, diagnóstico e prioridades; de outro, retórica ideológica

- O Estado de S.Paulo

No primeiro time se destacaram Sérgio Moro e Paulo Guedes, cujas falas iniciais, densas, técnicas e bem centradas, confirmam a análise de que serão os pilares e os esteios do governo

Os discursos dos ministros de Jair Bolsonaro nas cerimônias de transmissão de cargos ontem em Brasília evidenciaram a existência de dois grupos na Esplanada. De um lado aqueles dotados de superestruturas, equipes afiadas, metas ousadas e prioridades para alcançá-las. De outro, o grupo escolhido por afinidade ideológica com a agenda conservadora com toques de religião, cujas falas primaram pela retórica sem conteúdo prático.

No primeiro time se destacaram Sérgio Moro e Paulo Guedes, cujas falas iniciais, densas, técnicas e bem centradas, confirmam a análise de que serão os pilares e os esteios de um governo que tem na economia seu maior desafio e na segurança e combate à corrupção suas mais poderosas bandeiras.

Moro começou explicando por que trocou a estável carreira de juiz por uma aposta na política (sim, a missão é em última instância política, por menos que ele goste). Avaliou que poderá avançar em sua agenda primordial, a do combate à corrupção, com a estrutura que terá em mãos.

Ascânio Seleme: Bolsonaro e Pantaleão

- O Globo

Tratar a atividade civil com a lógica militar é caminho aberto para sérios transtornos que podem resultar em fracasso

Um governo quadrado, balizado por regras, princípios e ordenamentos militares, cercado por cones e arrumado na forma, com as limitações decorrentes, não será necessariamente um bom governo. É garantido que seja um governo chato e careta, mas isso não lhe garante êxito. Ao contrário, excesso de regras pode gerar sombra e perturbar a visão do todo. Se Jair Bolsonaro deixar-se engolfar pelo controle militar na forma de governar, pode se sentir à vontade e em casa, mas com certeza não estará nem um milímetro mais perto de quem o elegeu nem terá assegurado sucesso para sua administração.

O presidente tem que exercer de maneira civil o controle do governo e o comando das Forças Armadas. Bolsonaro foi eleito para o mais importante cargo brasileiro, cem vezes mais importante do que o de chefe do Exército, por exemplo, que é cargo do segundo escalão. As contenções militares das atividades civis conferem somente tranquilidade para quem as organiza. Vejam a posse do presidente na terça-feira passada. Foi um espetáculo bem organizado, mas diante da ênfase que se deu à segurança, o público de Bolsonaro foi retido a uma distância profilática do seu mito, o que acabou retirando um pouco de calor e emoção da solenidade. Mas os militares que organizaram a festa ficaram tranquilos.

O pensamento linear dos militares, sua disciplina, o inquestionável respeito que dão à hierarquia produzem ordem, nenhuma dúvida. Não haverá gente melhor para organizar uma marcha, um bom desfile, uma ordem-unida. Sua competência tampouco pode ser questionada nos quesitos de gestão e comando. Os militares são treinados para obedecer, e alguns a mandar. Seu êxito nos quartéis é claro como o dia. Tudo funciona num quartel militar. Nada se encontra fora do lugar. De um modo geral, seus orçamentos são cumpridos com rigor. O que é bom.

Merval Pereira: Dois projetos

- O Globo

Moro e Guedes fizeram questão de destacar a importância das equipes que montaram, recusando rótulo de superministros

Nas posses dos dois superministros do novo governo, ficou claro que o Congresso será chamado a colaborar com questões fundamentais da economia e segurança pública, setores básicos para o sucesso do programa de Jair Bolsonaro.

Os dois fizeram questão de destacar a importância das equipes que montaram, recusando, cada um a seu momento, o rótulo de superministros. Além de acenar com “10 anos de crescimento sustentável pela frente”, o ministro da Economia Paulo Guedes aprofundou a tese já abordada no discurso de posse do próprio Bolsonaro: o caminho da reabilitação da classe política é ajudar nas reformas, sobretudo a da Previdência, que classificou de uma “fábrica de desigualdades”.

Sinalizando qual será a postura do governo para a aprovação das reformas, Guedes criticou os privilégios: “Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias e a população, as menores”. Ajudando a acabar com as injustiças, o Congresso estará não apenas se reabilitando diante da opinião pública, mas se habilitando a assumir o papel de definir as escolhas do Orçamento.

O ministro Paulo Guedes reafirmou que “vamos na direção da liberal democracia, abrir a economia, simplificar impostos, privatizar, descentralizar recursos para Estados e municípios”. Classificou o descontrole dos gastos públicos de “o mal maior”, e reforçou que o teto de gastos é fundamental, mas é necessário fazer as reformas para que se sustente.

"O teto, sem parede de sustentação, cai. Temos que aprofundar as reformas que são as paredes". Para Guedes, a melhor forma de enfrentar a desigualdade social é com o fortalecimento da economia de mercado. “Implementar reformas causa ciclo virtuoso de emprego e renda e arrecadação”, diagnosticou, para afirmar: “Podemos contar com futuro brilhante”.

Já o discurso do outro superministro, Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, foi direto e com propostas objetivas. Destaque para a colocação da prisão em segunda instância na legislação, o projeto de lei anticrime e a cooperação internacional para combate aos refúgios físicos e financeiros de criminosos. A promessa do desmantelamento econômico das organizações criminosas preconiza uma nova etapa no combate ao crime organizado.

Bernardo Mello Franco: Uma nova era de culto à personalidade

- O Globo

Em solenidades de posse, ministros chamaram Bolsonaro de ‘verdadeiro mito’ e ‘nosso comandante’. Está aberto o campeonato de bajulação do presidente

As palavras e os gestos não deixam dúvida: Brasília embarcou numa nova era de culto à personalidade do presidente. No primeiro dia útil do governo, ministros e assessores pareciam disputar um campeonato de bajulação. “O mito brasileiro tem nome: Jair Messias Bolsonaro”, desmanchou-se Onyx Lorenzoni, novo titular da Casa Civil.

Em solenidade no Planalto, o ministro interrompeu o próprio discurso para pedir uma salva de palmas ao chefe. Sem constrangimento, descreveu o capitão reformado como “o homem que trouxe de volta a esperança verde e amarela”. “Bolsonaro foi chamado por Deus e escolhido pelo povo”, exaltou.

O ministro Gustavo Bebianno, novo secretário-geral da Presidência, referiu-se ao presidente como “nosso comandante”. Ele é civil, mas fez questão de prestar continência diante das câmeras. Onyx e Bebianno imitaram Bolsonaro ao ouvir o hino nacional com a mão no peito, à moda americana. Os generais Augusto Heleno e Santos Cruz, que também assumiram pastas na cerimônia, dispensaram a patriotada.

Míriam Leitão: Inimigos concretos e imaginários

- O Globo

Um ministro da Economia não pode dizer que sabe o que fazer se a reforma da Previdência não for aprovada. Não deve considerar essa possibilidade

O dia de ontem foi de comemoração na economia. O pensamento do ministro Paulo Guedes é conhecido no mercado, mas agora ele o repete como tomador de decisões e avisa que a reforma da Previdência é o primeiro e o maior desafio. O ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, falou em retomar o processo de privatização da Eletrobras, e Wilson Ferreira foi confirmado na presidência da estatal de energia. Era o que o mercado queria ouvir e isso fez disparar uma onda de otimismo. A bolsa bateu recorde e a ação da Eletrobras decolou.

Ao falar na sua posse no comando do novo e fortalecido Ministério da Economia, Paulo Guedes desfilou por quase uma hora com suas explicações para a história do mundo e do Brasil. O país, disse, vive sufocado pelo excesso de gastos públicos e esse é o centro do problema e por causa dele a economia respira “a falsa tranquilidade da estagnação econômica”.

Na hora de explicar como resolver, Guedes cometeu um deslize político. Disse que a reforma da Previdência será enviada, mas se não for aprovada será mandado o projeto de desindexação de despesas. Na verdade, as duas reformas são importantes, a previdenciária e a orçamentária. Um ministro da Economia não pode dizer que sabe o que fazer se a reforma da Previdência não for aprovada. Simplesmente não pode considerar essa possibilidade de derrota, porque ela seria desastrosa demais. Há a razão fiscal que a torna inexorável, mas há também o outro motivo que o ministro tratou com clareza meridiana:

Maria Cristina Fernandes: Bolsonaro já recua da ofensiva na selva

- Valor Econômico

Base do governo caminha para fusão com a de Temer

O fulgor do parlatório não completou 24 horas. O primeiro recuo do novo presidente é a convergência em torno da candidatura Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a reeleição na Presidência da Câmara dos Deputados. É o que precisa fazer se não quiser inviabilizar seu governo na Câmara dos Deputados, ainda que o deputado seja um legítimo representante dos costumes políticos que o presidente eleito rechaçou ontem em seu discurso de posse. A bandeira não voltará a ser vermelha, mas o Congresso manterá as cores do Centrão.

A manutenção do cargo do ex-ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, nomeado na reta final pelo ex-presidente Michel Temer para o Conselho de Itaipu é outro freio no ímpeto com o qual Bolsonaro subiu ao parlatório. Não apenas porque sua nomeação fere o veto da lei das estatais à ocupação de cargos por dirigentes partidários, mas porque, ao manter Marun e Maia, o novo presidente caminha a passos largos para manter resguardado o legado político do ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba.

Ao transmitir o cargo para o sucessor, Onyx Lorenzoni, o ministro da Casa Civil do governo Temer, Eliseu Padilha, disse que a sintonia era tamanha na equipe de transição que havia momentos em que não se sabia quem era de um governo e quem era do outro. As primeiras indicações são de que suas bases caminham, de fato, para uma fusão.

Mal subiu a rampa, o presidente da República já começou a recuar da anunciada ofensiva selva adentro porque precisa asfaltar a retomada da economia. Tem a expectativa de fazer andar as reformas econômicas no Congresso e está disposto a terceirizar para a 'pressão da sociedade' a pressão pela agenda dos costumes. O conflito anunciado é o da pauta do ministro Sérgio Moro. O acordo do PSL, partido do presidente, com Rodrigo Maia passa pelo controle da CCJ, a poderosa comissão que serviu de velório ao pacote anticorrupção dos procuradores da Lava-Jato.

Ribamar Oliveira: O projeto liberal democrata de Guedes

- Valor Econômico

"O capitão não está preocupado com as próximas eleições"

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que "agora é a hora de otimizar o crescimento de novo" e que, para isso, o governo vai executar uma política "liberal democrata", que permita a retomada da economia, paralisada pela repetição, nas últimas décadas, de políticas sociais democratas, de intensa intervenção do Estado na economia do país.

A mudança, na avaliação de Guedes, será possível por causa "do aperfeiçoamento das instituições democráticas", ocorridas com a última eleição presidencial. "Depois de 30 anos de aliança política de centro esquerda, há agora uma aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia", argumentou. "É importante que haja isso. A nossa democracia estava capenga. O Brasil merece ter essas duas vertentes", acrescentou.

A aliança de centro-direita permitirá a execução de um "projeto liberal democrata". Quais sãos as peças principais do programa? Guedes vai abrir a economia, privatizar de forma acelerada as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para Estados e municípios. No caso do controle dos gastos, a prioridade será a reforma da Previdência Social.

Haverá também ênfase no social. "Vamos apoiar a área social porque os Chicagos Oldies nunca tiveram só essa face da estabilização, dos regimes monetário e fiscal. Eles sempre tiveram a face do capital humano, do investimento em saúde, educação, o foco (nas crianças de 0 a 9 anos)", enfatizou. "A ideia de investimento maciço em capital humano é transformadora, é libertadora".

Guedes disse que foi o projeto liberal democrata que permitiu a Alemanha se reerguer depois da Segunda Guerra Mundial. O mesmo, segundo ele, ocorreu no Japão. E também no Chile, na década de 1970, durante o governo de Augusto Pinochet. Neste caso, o projeto foi executado pelos chamados "Chicagos Boys" - os garotos formados pela Universidade de Chicago, considerada na época o templo do pensamento liberal. "Este (projeto) eu vi e trouxe algumas ideias para cá", disse.

Poderes harmônicos: Editorial | O Estado de S. Paulo

O regime presidencialista dá especial destaque ao chefe do Poder Executivo como o fiel depositário da esperança dos brasileiros por uma vida melhor. Preferencialmente, em um país seguro e que garanta as condições necessárias para o desenvolvimento econômico, político e social.

O presidente da República, de fato, tem enorme poder para formular a agenda nacional. Qualquer dúvida em relação a isso pode ser dissipada comparando-se o peso diferenciado que os eleitores, em geral, atribuem à eleição presidencial e às eleições para os cargos do Poder Legislativo. No entanto, o papel do presidente na materialização desse conjunto de intenções não é mais importante do que o que é desempenhado pelo Congresso Nacional.

A bem da verdade, quando um Poder não atua em harmonia com os demais, como manda a Constituição, abre-se uma fissura nos pilares do Estado Democrático de Direito, cujas consequências, invariavelmente nefastas, podem ter desdobramentos imprevisíveis.

Em boa hora, no discurso de posse no plenário do Congresso Nacional, local que frequentou nos últimos 28 anos como deputado federal, Jair Bolsonaro afirmou que, agora como presidente da República, governará “com vocês”, referindo-se diretamente aos congressistas. “Aproveito este momento solene e convoco cada um dos congressistas para me ajudar na missão de restaurar e de reerguer nosso país”, disse Bolsonaro, sem cuidar de que não cabe ao chefe do Executivo convocar o Congresso em tempos normais. Ele convida, sugere, pede – mas não convoca, pois, sendo chefe de um Poder, não manda nos demais.

O plano B de Guedes: Editorial | Folha de S. Paulo

Ministro da Economia diz que, sem a reforma da Previdência, proporá desvincular gastos

A franqueza demonstrada pelo recém-empossado ministro da Economia, Paulo Guedes, é pouco usual em Brasília, onde declarações inábeis não raro criam dificuldades políticas desnecessárias. Ao assumir o posto nesta quarta (2), ele expôs diagnósticos e prioridades corretas, mas ainda assim deu motivo para certa inquietação.

De melhor, exibiu entendimento amplo das distorções da Previdência, que não se limitam ao gasto excessivo —a diferença entre os regimes dos servidores públicos e dos demais trabalhadores se mostra, sobretudo, “uma fábrica de desigualdades”, como descreveu.

Reforçou, assim, a primazia da reforma das aposentadorias, em nome da qual havia recomendado em novembro uma “prensa” no Congresso e provocado mal-estar no meio político. Agora, a estranheza vem de Guedes anunciar desde já um plano para o caso de derrota legislativa do projeto.

Este seria, disse, uma proposta de emenda constitucional destinada a eliminar, de forma drástica, as regras que determinam aplicações mínimas das receitas em determinadas áreas, notadamente educação e saúde. Desvincular o Orçamento, conforme o jargão técnico.

Proposta coerente de um modelo liberal para o país: Editorial | O Globo

Paulo Guedes aproveita solenidade de posse, faz diagnóstico da crise e expõe a nova política econômica

É parte da rotina da troca de governos a série de solenidades da passagem de comando nos ministérios, após a posse do presidente da República. Como de praxe, trata-se de eventos formais, burocráticos. Os pronunciamentos são protocolares, de quem sai e quem entra. Trocam-se cumprimentos, são tiradas fotos, nada muito diferente disso. Mas não foi assim ontem, na posse de Paulo Guedes e sua equipe no novo ministério robustecido da Economia. Fugindo ao padrão, o economista falou de improviso, de forma encadeada, sobre as causas da crise e foi também claro e direto ao expor reformas que virão.

Paulo Guedes, economista liberal, formado na tradicional Universidade de Chicago, um dos ícones mundiais do liberalismo, discorreu sobre seu diagnóstico de como o desregramento fiscal desde, inclusive, a ditadura militar, levou à virtual quebra do Estado.

“Combatemos sintomas”, disse. Como nos congelamentos de preços. E no momento o país está numa “falsa tranquilidade à sombra da estagnação”. Ou seja, ao menor sinal de um crescimento mais forte, volta a inflação. Guedes, que também não deixou de relacionar a corrupção a este enorme Estado que draga as rendas da sociedade, expôs que a situação será enfrentada por três caminhos: o da reforma da Previdência, o de privatizações aceleradas, e o da simplificação e redução de impostos.

Fazenda propõe reformas liberais para fazer economia deslanchar: Editorial | Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, fez ontem, ao tomar posse, a até agora mais ampla e séria exposição de para aonde o governo de Jair Bolsonaro pretende conduzir a economia nos próximos 4 anos. É uma mudança radical em relação às políticas econômicas executadas desde a redemocratização e tem inspiração liberal. O plano de Guedes parte de um diagnóstico forte e possui um leque coerente de medidas para atacar o que ele julga ser o "mal maior", o desequilíbrio dos gastos públicos, que atravessou todas as tentativas de estabilização ocorridas no país.

Será preciso uma ampla reforma de Estado para atacar a ruína fiscal do país em várias frentes. O teto de gastos é fundamental, para o ministro, e permitirá romper a tradição "monotônica e ininterrupta" de aumento dos gastos públicos, que partiram de 18% do PIB há três décadas e chegam a 36% do PIB, excluída a conta dos juros. O ideal, para o ministro, é diminuir a carga de impostos em algo ao redor de 20% do PIB. Sem minimizar o desafio, Guedes disse que "não será preciso cortar os gastos dramaticamente, apenas não deixar que subam da forma como subiam".

Se a reforma da Previdência for aprovada, ele calcula que um par de anos com despesas reais sem variação serão suficientes para reduzir substancialmente sua proporção no PIB - ele considerou que um crescimento de 3% por dois ou três anos com o teto de gastos operante fariam o serviço.

Uma política externa de alto risco, por ir contra tradições do Itamaraty: Editorial | O Globo

Chanceler toma posse com citações em latim, grego e tupi, e de autores ecléticos, como Anchieta e roqueiros

Um caso até irônico de decisão equivocada do presidente Jair Bolsonaro, numa repetição de erro cometido pelo antecessor e oposto ideológico Luiz Inácio Lula da Silva, é ceder o Itamaraty e a diplomacia a bolsões radicais de seu grupo político. Com Lula, a experiência dos diplomatas Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães foi posta a serviço do bolivarianismo, com o suporte de Marco Aurélio Garcia, colocado no Planalto como assessor especial de Lula e Dilma. A troika foi responsável pelo tratamento privilegiado a Chávez/Maduro e a ditadores africanos, em nome do terceiro-mundismo. Política que levou empreiteiras brasileiras a fazerem a festa, e também a exportarem para países latino-americanos escândalos de corrupção, no modelo do petrolão, desbaratado pela Lava-Jato.

No governo Bolsonaro, assume o Itamaraty o relativamente jovem embaixador Ernesto Araújo, mas de pensamento antigo, muito conservador. Incensa o presidente americano Donald Trump, que seria, na sua visão, o paladino do Ocidente, responsável pelo resgate da civilização ocidental, da fé cristã e de outras tradições nacionais, por meio da “cruz e da espada”. Qualquer semelhança com as Cruzadas não parece coincidência. Passa-se a respirar ares dos primeiros séculos da Era Cristã no Palácio dos Arcos, sede do Ministério das Relações Exteriores.

João Cabral de Melo Neto: Morte e Vida Severina

(trecho)

“…E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.”