sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

José de Souza Martins*: O mar de lama que degrada a República

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Já é hora de pensar nos fatores e nas causas de termos estacionado no estágio histórico da raiva e do ressentimento e não termos conseguido chegar ao estágio civilizado da indignação para demarcar nossa postura política.

Grupos protopolíticos, em décadas recentes, têm cultivado o ressentimento contra a história e o nosso passado, como se viu nas celebrações do quinto centenário da descoberta do Brasil. Reivindicam uma história sem contradições, antidialética. Não sabem que a pátria é sempre muito mais do que o tão somente.

Não são diferentes os grupos que acabam de chegar ao poder, ainda dispersos em orientações ideológicas e excludentes, que satanizam o outro para elaborar suas equívocas certezas. Especialmente os oportunistas que se penduraram na campanha do candidato vencedor. São prisioneiros da extinta Guerra Fria.

Dois acontecimentos destes dias nos dão a medida do purgatório a que essas polarizações nos condenam. Um, a renúncia, antes da posse, do deputado federal reeleito pelo Rio de Janeiro, Jean Wyllys, porque ameaçado de morte já muito próxima de sua pessoa.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, reconheceu que o fato grave fere a democracia. Portanto, nos fere a todos em nossos direitos como cidadãos. A renúncia de Jean Wyllys mostra que a ameaça de morte que lhe é dirigida faz o Brasil bem menor do que temos o direito de querer. Nos bastidores há uma máquina de delinquência política que ameaça a todos, não só alguns. É o mar de lama que degrada a República.

O outro acontecimento é o da tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, a lama dos rejeitos de uma das minas da Vale cobrindo extensa área, matas, plantações, águas. Sobretudo seres humanos, o melhor patrimônio da nação. Em resumidas contas, porque neste país, diferente de outros países autenticamente capitalistas, o lucro está acima de qualquer suspeita, é irresponsável e inimputável a priori.

Nessa perspectiva deplorável, a pátria é o resto, o descartável. A lama do lucro sem compromisso com o destino de todos se sobrepõe à vida e aos valores que nos definem. Talvez devêssemos reler "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", de Max Weber, para rever ali as condições éticas e históricas que viabilizaram o nascimento do capitalismo.

César Felício: No Legislativo, a tradição que se renova

- Valor Econômico

Rodrigo Maia pode virar o negociador central da reforma

O resultado da eleição para o Congresso Nacional no ano passado, com o extermínio de lideranças parlamentares consagradas, prometia uma revolução nos usos e costumes das duas Casas. Nada indica que será assim nas eleições para as presidências das mesas diretoras da Câmara e do Senado, que começam hoje e podem se estender até sábado.

Entre os deputados, Rodrigo Maia caminha para uma reeleição tranquila. No Senado o quadro é mais nebuloso, com algum favoritismo de Renan Calheiros, o que significaria o prolongamento da hegemonia do MDB. Seus adversários a mais curta distância são Tasso Jereissati, Simone Tebet e Davi Alcolumbre. Salvo na hipótese de vitória deste último, a combinação de resultados na Câmara e no Senado indica um Legislativo que pode convergir com o Palácio do Planalto, mas não será dócil a ele. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pode ficar muito fragilizado e perder relevância na negociação da reforma da Previdência.

Um articulador da candidatura de Maia relatou como o deputado resistiu ao vento renovador e construiu sua frente. O atual presidente da Câmara entrou em contato com todos os novos parlamentares, inclusive com os recém-chegados na atividade política, antes mesmo de começar a receber o aval das cúpulas.

O primeiro momento delicado envolveu o PSL. Uma briga interna no partido deixou evidente, em grupo de WhatsApp, que o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, operava contra Maia.

Para que o PSL fosse enquadrado, acionou-se o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem Maia tem antiga relação. O ministro foi à luta, encontrou-se com a bancada do PSL e teria tratado do assunto também com o presidente. A mensagem foi a seguinte: para se aprovar a reforma da Previdência, era preciso reeleger Rodrigo Maia. Se a ideologia prevalecesse na escolha do novo presidente da Câmara, os obstáculos seriam muito mais relevantes.

Eliane Cantanhêde: Com emoção, sem brilho

- O Estado de S.Paulo

Governo estreou sem brilho e entra na fase de ‘tourear’ o Congresso de Renan Calheiros

Governo Bolsonaro completa o primeiro mês com muita emoção e nenhum brilho e começa hoje uma nova etapa em que terá de se relacionar com o Congresso invertendo o jogo: com menos emoção e mais brilho. Bolsonaro ainda não se afirmou, mas isso pode ficar em segundo plano se Paulo Guedes se articular bem com a equipe política, o programa econômico deslanchar e a “nova era” mantiver as expectativas. Se não, complica.

Em janeiro, Bolsonaro desperdiçou a chance de estrear em grande estilo no cenário internacional. Sem Trump, Macron e os principais líderes, o foco estava no novo presidente do Brasil, mas ele não soube aproveitar as condições favoráveis. Com tanto a dizer, a explicar, a oferecer, Bolsonaro limitou-se a um discurso de seis minutos, chocho, óbvio. E, do total de 45 minutos a que teria direito, só usou 15 para vender o Brasil, seu governo e ele próprio. Para piorar, fugiu d a entrevista à imprensa internacional.

No front interno, Bolsonaro consumiu a maior parte do tempo confraternizando com militares em posses e almoços. Aliás, só discursou em uma: a do novo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. Isso é catequizar os já catequizados. O importante seria ampliar o leque político para atrair o centro, onde há ainda setores refratários, ou desconfiados.

A história do agora senador Flávio Bolsonaro e do motorista e amigo da família Fabrício Queiroz pairou como um fantasma inconveniente, insistente, lembrando a cada momento movimentações financeiras atípicas, depósitos picados mal explicados, súbito aumento de patrimônio, funcionários que recebiam dinheiro público enquanto trabalhavam para particulares.

Vera Magalhães: Entre novos e velhos políticos, Congresso terá papel central

- O Estado de S.Paulo

A semana em Brasília foi marcada pela despedida de velhas raposas, a chegada de novos rostos e a tentativa dos sobreviventes ao tsunami que virou o Congresso de ponta-cabeça de se adaptar ao novo ecossistema. A dinâmica de como essas forças vão se acomodar deverá ditar o sucesso de parte substancial da agenda do governo Jair Bolsonaro, daí a importância de se olhar para o Legislativo desde hoje, o dia 1.

Paulo Guedes, o ministro da Economia, acabou se transformando, num sinal dos novos tempos, numa espécie de avalista dos que almejam comandar as duas Casas do Parlamento. Rodrigo Maia (DEM) e o “novo” Renan Calheiros (MDB) buscaram antes a interlocução do “posto Ipiranga” que a dos responsáveis pela articulação política do governo, o que é mais do que sintomático de qual será a prioridade daqui em diante.

O bom trânsito com os congressistas é uma prioridade da equipe de Guedes. O convencimento de que a reforma da Previdência corrige distorções, dirime privilégios e, sobretudo, será a garantia de que Estados e municípios voltarão a investir e que os serviços públicos melhorarão começou a ser feito antes mesmo da posse de hoje.

A ordem é que o projeto chegue à Câmara já mastigado, com a narrativa ditada pelo governo, e não apropriada pela oposição, como ocorreu com Michel Temer. “Precisamos dar conforto para que os deputados e senadores votem”, me disse um dos comandantes das negociações.

A dúvida maior do governo recai sobre o Senado. Renan saiu vitorioso na bancada do MDB, mas a divisão ficou explícita ali e também está no plenário. A avaliação é de que, se vencer, ele pode até apoiar as reformas, mas cobrará um preço alto demais – e que certamente irá contra a pregação de Bolsonaro de renovação política.

Bruno Boghossian: Os profissionais

- Folha de S. Paulo

Eleições desta sexta no Congresso sugerem que, para os políticos, renovação foi papo-furado

A tinta branca jogada sobre o Congresso para inaugurar o mandato dos novos parlamentares não engana: a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado continua sendo o velho concurso de popularidade e a disputa de cargos de sempre.

Os acertos partidários deram aos caciques a garantia de que boa parte das balanças do poder continuarão niveladas da mesma maneira.

Os deputados entrarão em plenário nesta sexta (1º) com a fatura fechada. Rodrigo Maia deve se eleger presidente da Câmara pela terceira vez seguida. O político do DEM espetou o broche de parlamentar na lapela há 20 anos e nunca mais tirou.

Se alguém quiser encontrar no comando da Casa algum indício da tal renovação vista nas eleições, vai precisar de boa vontade. O favorito para a primeira vice-presidência é Marcos Pereira. Ele chega à Câmara para seu primeiro mandato, mas chefia o PRB há oito anos e foi ministro do governo Michel Temer.

Reinaldo Azevedo: Flávio Bolsonaro e o homem novo

- Folha de S. Paulo

Não me ocorre o nome de outro senador que já tenha homenageado dois milicianos

“Renan Calheiros como presidente do Senado? Ah, isso não simboliza o novo!” É verdade! Ainda que novidade não deva ser um critério absoluto. Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) chega à Casa com um currículo realmente inédito. Não me ocorre o nome de outro senador que já tenha homenageado dois milicianos, membros de organização criminosa: um está preso, e o outro foragido. Já volto ao ponto.

Escrevo esta coluna no dia anterior às respectivas eleições para as Mesas das duas Casas do Congresso. Na Câmara, a questão já está resolvida, restando aos partidos de oposição, enquanto articulo minhas prosopopeias, atuar para ter ou não um cargo na direção. Rodrigo Maia (DEM-RJ) vai presidi-la pela terceira vez. Dos males, o menor. A situação no Senado só se define nesta sexta.

Dada a composição da nova legislatura, a concha da Câmara é que deveria estar voltada para baixo. Parecer-se-ia mais apropriadamente com um circo. Aguardem para ver. Sem querer ofender os artistas circenses.

Niemeyer, no entanto, resolveu desenhá-la com a boca para cima para simbolizar o acolhimento do povo, o voto dos indivíduos, dos “cidadões”, para lembrar o plural imortalizado por Marcus Vinícius Carvalho Rodrigues, presidente do Inep, que elabora, entre outras, a prova do Enem.

Nota à margem: em entrevista ao Estadão, Carvalho Rodrigues afirmou que a prova pertence a Bolsonaro. “O presidente não é professor de gramática, Reinaldo!” É verdade. Ele se sai melhor em Educação Moral e Cívica, que deixa como herança genética à filharada.

Ricardo Vélez Rodriguez, ministro da Educação, deveria ressuscitar a disciplina em homenagem aos “verdadeiros valores da família brasileira”, que são aqueles que vigoram no clã Bolsonaro, por metonímia. Vélez Rodriguez, diga-se, pediu, e levou, R$ 61.869,40 de auxílio-mudança. Justificou-se dizendo ter dois dependentes. Basta espiar pelo buraco da lona...

Hélio Schwartsman: Papelão

- Folha de S. Paulo

Posição moralmente sustentável no caso Lula teria sido a de autorizar a viagem desde o início

Foi um papelão o que a Justiça fez com Lula por ocasião do enterro de seu irmão Genival Inácio da Silva, morto na terça-feira (29/1). Na primeira e na segunda instâncias, o sistema negou ao ex-presidente a permissão para acompanhar a inumação. A poucos minutos do sepultamento, o STF autorizou-o a viajar a São Paulo para encontrar só a família numa unidade policial. O petista não gostou dos termos e desistiu.

Temos aqui vários problemas.

O primeiro é da Lei de Execuções Penais. Ambiguamente redigida, ela não esclarece se a permissão é simples possibilidade ou direito líquido e certo. Mas isso não importa tanto. A posição moralmente sustentável aqui teria sido a de autorizar a viagem desde o primeiro pedido. Por razões antropológicas, a sociedade confere elevado valor aos rituais ligados à morte e não cabe à Justiça questionar isso quando a própria lei reconhece essa excepcionalidade do luto.

O argumento da PF de que a ida de Lula ao cemitério criaria insuperáveis dificuldades logísticas e representaria risco não convence. Se a PF não é capaz de organizar uma operação de escolta envolvendo preso que não pode ser qualificado como perigoso, então é melhor entregar de vez a gestão do sistema penitenciário ao PCC.

Luiz Carlos Azedo: A força da conciliação

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo

A linha de força da disputa pelo comando da Câmara e do Senado é a velha política de conciliação, uma herança do Segundo Império, que se impôs na política nacional historicamente, como uma forma de resistência das forças políticas que controlam o Estado brasileiro. Mesmo depois da proclamação da República, na qual o positivismo se disseminou como ideologia dominante, a conciliação pautou a hegemonia no parlamento brasileiro. Não será diferente agora, depois do tsunami eleitoral que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder: o novo governo terá de conviver com a política tradicional. O nepotismo, o fisiologismo e o patrimonialismo estão sendo mitigados pela Operação Lava-Jato.

Um velho político conservador do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês de Paraná, foi o pai da criança. A maioria dos políticos ouviu falar dele nos bancos escolares, mas é um sobrenome que até ontem frequentava o nosso parlamento, como outros representantes do velho patronato brasileiro. Renan Calheiros (MDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Senado e na Câmara, favoritos na disputa pela Presidência das duas casas, respectivamente, são legítimos representantes dessa tradição política enraizada no Nordeste brasileiro e no Rio de Janeiro. Seus principais desafiantes, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fabinho Ramalho (MDB-MG), deslocam o eixo de poder para a Região Norte e para Minas Gerais. Os demais candidatos não têm a menor chance na disputa; os dois estão sendo estimulados pelo Palácio do Planalto, no primeiro caso, ostensivamente; no segundo, com mão de gato.

Carneiro Leão era um político do Regresso Conservador, que não conseguiu conter a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul) nem evitar a eclosão da Sabinada (Bahia), da Balaiada (Maranhão) e da Cabanagem (Pará). A consequência foi a antecipação da maioridade de D. Pedro II, um golpe contra a Constituição articulado pelos liberais: “Queremos D. Pedro II / Embora não tenha idade / A nação dispensa a lei / Viva a Maioridade!” Por isso mesmo, não houve imediato retorno à normalidade. Em 1841, o chamado Gabinete da Maioridade foi substituído pelo Gabinete Palaciano, de tendência regressista, que reformou o Código de Processo Criminal e restaurou o Conselho de Estado, símbolo do despotismo monárquico. Em 1º de maio de 1842, a Câmara Legislativa, de maioria liberal, foi dissolvida.

Isso provocou revoltas nas províncias de Minas Gerais e São Paulo contra o Gabinete Palaciano. Houve choques militares em São Paulo; em Minas Gerais, os liberais, denominados de luzias, advogavam que a luta era em prol da “Constituição do Império”e defendiam a descentralização. A última revolta provincial, entretanto, eclodiu em 7 de novembro de 1848, em Pernambuco: a Revolução Praieira, duramente reprimida. A consolidação do Segundo Reinado se deu somente a partir de 1848, graças aos ministros da Justiça, Eusébio de Queiróz; de Estrangeiros, Visconde do Uruguai; e da Fazenda, o Visconde de Itaboraí, que mandaram e desmandaram até 1862, o que possibilitou a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, da Lei de Terras, do Código Comercial e a centralização político-administrativa da Guarda Nacional.

Ricardo Noblat: Governo de quatro

- Blog do Noblat | Veja

Aos cuidados de Renan

Dê no que der, hoje, as eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo do presidente Jair Bolsonaro sairá derrotado. Os candidatos mais fortes para vencer, Rodrigo Maia (DEM) na Câmara, e Renan Calheiros (PMDB) no Senado, não foram escolhas do capitão, nem dos que o cercam no Palácio do Planalto.

Rodrigo e Renan construíram suas prováveis vitórias. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, fez tudo para atrapalhar a vida dos dois. Tentou emplacar nos cargos outros nomes. E só procedeu assim porque Bolsonaro permitiu ou não ligou. Rodrigo conquistou a bancada de Bolsonaro à revelia dele. Renan, também.

O que se viu ontem à noite foi mais uma trapalhada do governo que acabou virando também um vexame. Tão logo soube que Renan havia ganhado a indicação oficial do PMDB para candidato à presidência do Senado, Bolsonaro, do hospital, telefonou para ele, parabenizou-o e pediu para encontrá-lo na próxima semana. Foi um Deus nos acuda no Congresso e no governo.

E os demais candidatos que se dizem dispostos a enfrentar Renan logo mais à tarde? Porque ao telefonar só para Renan, Bolsonaro dava por liquidada a eleição no Senado. O capitão, mesmo impedido de falar muito, começou a telefonar paras os demais candidatos à presidência do Senado e também para todos os candidatos à presidência da Câmara.

Muitos deles jamais haviam falado com Bolsonaro desde que ele assumira a presidência da República. Um deles, o senador Espiridião Amin (PP-SC), espantou-se com a ligação e contou mais tarde que Bolsonaro quis até falar com sua mulher. Sabe-se que Bolsonaro não falou com todos. Mas todos passaram a dizer que falaram com ele.

Bolsonaro cometeu o grave erro, evitado pela maioria dos presidentes que o antecederam, de não cuidar de partida de suas relações com o Congresso. Montou sua base de apoio entre os militares, seus ex-companheiros de farda e de aventura, entre os ultraconservadores que o apoiaram, entre os amigos com quem tinha dívidas, mas entre deputados e senadores, não.

Deve ter imaginado que eles acabariam do seu lado por gravidade. Ou então que poderia dar-se ao luxo de só se preocupar com eles mais adiante, faturando por enquanto imagem de um presidente empenhado em inaugurar uma nova política. Aí foi atropelado pela velha quando foram descobertos os rolos da dupla dinâmica Flávio e Queiroz.

O caso atingiu-o em cheio, tomando-lhe a bandeira da ética que lhe rendera tantos votos. Não se trata apenas de uma nova forma de caixa dois alimentado com dinheiro de funcionários de assembleias legislativas. Trata-se da suspeita de que diretamente ou por meio de Queiroz, os Bolsonaros sempre foram ligados a milicianos no Rio de Janeiro. Miliciano rouba e mata.

Rodrigo, Renan ou os que se elegerem se no lugar deles ajudarão o governo a aprovar suas principais medidas econômicas porque concordam com elas, não por deferência ou apoio incondicional ao governo. Mas discordarão de medidas para outras áreas que são igualmente tão caras aos sonhos do capitão. Aí só negociando, só cedendo, só dando algo em troca.

O mandato de Bolsonaro é de quatro anos. O de Renan, por exemplo, é de oito. Renan poderá salvar o mandato de Flávio, como já se ofereceu para fazer. Mas o filho de Renan precisa que não lhe falte dinheiro para governar Alagoas nos próximos quatro anos. Trocar a salvação de um filho pela salvação do outro até que sairia barato para Bolsonaro. Mas Renan costuma cobrar caro.

Olavo x Mourão

Quem fala pelo clã dos Bolsonaro

Nos primeiros 30 dias de um governo, nunca antes na história deste país um vice-presidente da República conseguiu tanto eclipsar o titular do cargo como está fazendo o general Antônio Hamilton Martins Mourão, de codinome “Morzão” entre jornalistas do eixo Rio-São Paulo-Brasília

Daí a revolta velada contra ele de parte da família Bolsonaro. Daí Mourão ter se tornando alvo de ataques furiosos no Facebook disparados pelo ex-astrólogo Olavo de Carvalho, mentor intelectual de Jair e, dos seus filhos, guru de hordas de bolsonaristas. Daí o incômodo do capitão recolhido a um hospital.

Bernardo Mello Franco: Renan, o sobrevivente

- O Globo

Veterano em escândalos, Renan se agarrou à cadeira e engavetou uma dezena de inquéritos. Agora tenta presidir o Senado pela quinta vez

Ontem à tarde, Renan Calheiros ouviu os últimos apelos para desistir de sua ideia fixa. “Você está jogando perigosamente”, alertou um colega, em mensagem de celular. “Vai bater de frente com um trem em alta velocidade”, disse outro, pessoalmente.

O alagoano ignorou todos os avisos. Hoje será candidato a presidir o Senado pela quinta vez. Concorrerá contra a vontade do Planalto e pressão da opinião pública, que o vê como símbolo da velha política. Mesmo assim, é tido como favorito se a votação não for aberta.

Renan é um sobrevivente. Em 2007, escapou da cassação por seis votos. Em 2016, rebelou-se contra uma decisão do Supremo quede terminavas eu afastamento. Amarrou-se à cadeira e fez o tribunal engolir o motim.

No ano passado, o alagoano resistiu à onda de renovação que varreu congressistas enrolados coma Justiça. Enquanto figuras como Eunício Oliveira, Romero Jucá e Edison Lobão foram derrotados nas urnas, ele conseguiu renovar o mandato e o foro privilegiado.

O senador também tem vencido a guerra contra a Lava-Jato. De 18 inquéritos abertos no Supremo, dez já foram arquivados. Ao desafiar o Ministério Público, ele reforçou a popularidade entre os colegas. Virou presidente do sindicato dos investigados.

Dora Kramer: Surfistas de ondas fáceis

- Revista Veja

O fato interessa menos que o drama ou a comédia que se faça dele

Uma catástrofe aconteceu em Brumadinho porque a empresa dona da barragem que se rompeu e as instâncias do poder público responsáveis por regular a operação foram e são criminosamente negligentes. Esse é o fato. Já as versões que nos dias seguintes se reproduziram a respeito, principalmente na internet, tiveram menos a ver com o fato e mais com o drama ou a comédia (sim, houve disso) que as pessoas se dispuseram a fazer dele com base nas respectivas posições ditas políticas.

Atitudes usuais em se tratando das redes, esses ambientes permeáveis aos surfistas de ondas fáceis. Desconforta, no entanto, constatar que uma tragédia das proporções da ocorrida em Minas Gerais seja utilizada para esse tipo de atividade. E aqui se incluem todas as correntes delirantes: a daqueles que culparam a privatização da Vale nos anos 1990, a dos que responsabilizaram a insensibilidade de Jair Bolsonaro e companhia ao tema do meio ambiente e a turma que resolveu tripudiar sobre a população de Brumadinho porque Bolsonaro ganhou a eleição na cidade.

O traço comum entre esses grupos é o exercício da manifestação sem compromisso algum com a realidade e com os efeitos que possam causar aos outros. Repetiu-se a situação quando da morte do irmão mais velho de Lula, em razão do pedido do ex-presi¬dente para comparecer ao velório. De um lado, falou-se que a autorização dada pelo ministro Dias Toffoli a Lula para ir a uma unidade militar encontrar-se com parentes, com proibição de fotos e uso de celular, significava um “sequestro” dos direitos do ex-presidente, e, de outro, fizeram-se inúmeras piadas com a entrevista da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, no cemitério. Houve até quem aventasse a hipótese de uma armação para permitir a saída temporária de Lula da prisão em Curitiba.

Guilherme Amado: Os bolsonaros e os generais

- Época

Em meados de 2017, o general Augusto Heleno, hoje à frente do Gabinete de Segurança Institucional do Planalto, reuniu-se mais uma vez com um grupo de generais, da reserva e da ativa, em Brasília, com quem debatia havia já alguns anos os rumos da crise política sem fim em que o Brasil se meteu. Daquela vez, comentavam os últimos lances do “tem de manter isso, viu”, e faziam projeções para as eleições de 2018. Lula seria candidato? A direita teria chance? Geraldo Alckmin? João Doria? Luciano Huck? Jair Bolsonaro? Dos que estavam naquele encontro, ninguém se lembra com exatidão em que parte da conversa Heleno levantou-se e encarou os demais, mas todos têm fresca na memória o que ele disse: “Bolsonaro? Só se ele parar de falar m...”.

Dali a algumas semanas, Heleno cobraria Bolsonaro e ouviria dele a mesma explicação que o então deputado sempre dava a quem lhe perguntava o porquê de seu jeitão enfurecido, meio amalucado, na Câmara e nas redes sociais: “Senão, ninguém me notaria”. Foi naquela conversa, após Bolsonaro prometer que, eleito, seria mais moderado, que o general topou trabalhar pelo capitão.

Mas, no meio do caminho, tinha um filho. Três filhos, para ser preciso. Nenhum daqueles generais reunidos em 2017 imaginava que, em janeiro de 2019, estariam todos na Esplanada tendo de tocar a nona maior economia do mundo e tendo Flávio, Carlos e Eduardo como as principais ameaças ao governo.

“Sabe qual foi a última do Carlos?” A pergunta volta e meia atravessa os despachos entre generais do governo Bolsonaro, em referência ao zero dois, vereador no Rio de Janeiro e tuiteiro voraz e virulento, que, sabe-se lá por que, rifou uma candidatura praticamente ganha de deputado pelo Rio de Janeiro.

O fato é que Carlos não quis. Tampouco recebeu um cargo no Planalto, diante do temor de Bolsonaro de ser acusado de nepotismo ao nomear o filho. Preferiu a trincheira da briga, com ataques explícitos ao hoje secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno, presidente do PSL durante a campanha, e a outros aliados. No mais grave tuíte, entretanto, Carlos não teve coragem de dar nome aos bois. Acusou pessoas que estão “muito perto” de terem interesse na “morte de Jair Bolsonaro”. E mais não disse. Os fãs da teoria da conspiração enlouqueceram.

Eduardo Bolsonaro, o zero três, ora é alvo de piada, pelas brigas virtuais rocambolescas em que se meteu com uma ex-namorada, ora é visto com preocupação, por buscar um protagonismo nas relações internacionais que, na visão dos generais, caberia ao Itamaraty. Mas é Flávio Bolsonaro, o zero um, o filho que realmente tem tirado o sono da caserna.

Monica De Bolle*: Em nome do quê?

- Época

Contudo, o presidente jamais disse em nome de que faria política econômica.

A democracia brasileira está em risco? Para responder a essa pergunta, a Companhia das Letras reuniu cientistas políticos, sociólogos, historiadores, economistas e especialistas em Direito e publicou 22 ensaios em livro, já disponível sob o título Democracia em risco?. Contribuí para o livro com um texto sobre minhas primeiras impressões a respeito do bolsonarismo. Mais especificamente, o intuito era tentar entender em nome de que se fará a política econômica no Brasil. Afinal, em muitos aspectos o bolsonarismo é, sim, uma ruptura com nosso passado, ao menos desde a redemocratização.

A política econômica sempre foi feita em nome de alguma coisa. Durante a primeira metade dos anos 90, ela foi feita em nome da inflação, ou melhor, em torno da necessidade de reduzir a inusitada inflação brasileira, que por mais de 20 anos ficou acima dos 500% anuais. O Brasil é dos raríssimos casos no mundo em que a hiperinflação virou um modo de vida por quase duas décadas. Depois que o Plano Real deu fim à enorme mazela, a política econômica passou a ser formulada para lidar com os tropeços da segunda metade dos anos 90 — nessa época, vimos crises financeiras em série nos mercados emergentes. Essas crises trouxeram grande instabilidade para a economia brasileira em momento delicado, quando os ganhos e avanços do Plano Real ainda não estavam plenamente consolidados. Foi uma época complicada, com ramificações políticas que conosco permaneceriam até os dias de hoje. Ainda há quem fale na herança maldita de FHC, embora tenha sido em seu governo que foram plantadas algumas das sementes mais importantes da estabilidade econômica.

No início dos anos 2000, a política econômica mudou sutilmente de norte. Embora a estabilidade macroeconômica continuasse a ser o principal objetivo, o Brasil havia avançado o suficiente para que outros objetivos pudessem ser contemplados. Foi a época em que a política econômica foi feita, também, em nome da redução das desigualdades de renda, da formalização do mercado de trabalho, da diminuição da pobreza. Ou seja, o governo FHC e os governos petistas — por mais manchados que estejam estes últimos pela corrupção — fizeram política econômica em nome da melhoria de vida das pessoas. E, por mais que se queira demonizar Lula, o fato é que ele — como FHC — deixou um legado além da corrupção.

Elena Landau*: Boletos de janeiro

- O Estado de S.Paulo

O que mais me tira do sério é o boleto do Conselho Regional de Economia

Dizem os poetas que abril é o mês mais cruel e as águas são de março. E eu acrescento: janeiro é o mês dos boletos. É nessa época do ano que as contas resolvem chegar todas de uma vez. Não sou daquelas que acham que imposto é roubo, nem que a sonegação se justifica porque o Estado falha na prestação de serviços. Mas não consigo evitar a irritação ao pagar IPTU e IPVA. Como contribuinte só me resta pagar e exigir uma melhor atuação do poder público.

Não vejo nenhum sinal de contrapartida desses impostos, pelo menos não na cidade onde moro – a Maravilhosa. A cidade do Rio nunca esteve tão abandonada, suja e insegura. Da língua negra na praia de Ipanema ao esgoto a céu aberto na periferia, o retrato é de abandono. Como diria o saudoso Bussunda, “se na zona sul está assim, imagina na Jamaica”.

A vida dos donos de veículos não é fácil. As ruas esburacadas e mal sinalizadas são um perigo constante para os motoristas, pedestres e para os carros, que às vezes são engolidos pelas crateras no meio das pistas de Cordovil. O número de consertos de buracos caiu pela metade desde 2015, enquanto as reclamações em aberto triplicaram.

O caso da taxa do Detran, cobrada com o IPVA, é surreal. O governador Witzel acabou com a exigência de vistorias anuais, mas manteve a cobrança. Óbvio que iria parar na Justiça.

É verdade que sem a reforma da Previdência, sobra pouco do Orçamento para investimentos públicos, mas o descuido que se vê pelo Rio vai muito além da falta de recursos. Parece um caso de desamor mesmo.

Agora, o boleto que realmente me tira do sério é o do Conselho Regional de Economia (Corecon). Não há nada que justifique a sua existência quanto mais a dupla contribuição obrigatória: na pessoa física e na pessoa jurídica, mesmo quando os sócios já pagam a taxa.

Celso Ming: Segue devagar, mas em rápidas transformações

- O Estado de S.Paulo

O emprego melhorou alguma coisa em 2018, atestam os números da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), na medida em que a média do ano foi de desocupação de 12,3%, algo mais baixa do que os 12,7% do ano anterior. Mas o último trimestre do ano já acusa desocupação (desemprego) de 11,6% da força de trabalho que fechou o ano com 104,7 milhões. Ou seja, 12,2 milhões de pessoas não tinham como se sustentar com seu trabalho.

Vistas as coisas, a percepção é de que a economia continua avançando muito aquém da velocidade de cruzeiro que garanta criação sustentável de postos de trabalho. A tendência é a de que as condições continuem melhorando na medida em que a atividade econômica (evolução do PIB) deslanche. Mas há outras considerações a fazer sobre as condições do mercado de trabalho.

Uma delas tem a ver com a informalidade. Para a Pnad, há 11,5 milhões trabalhando no setor privado sem registro em carteira. E a ocupação por conta própria (autônomos) alcança 23,8 milhões. Esses dois segmentos se misturam. Muita gente que trabalha na informalidade também trabalha por conta própria, na base dos bicos, nas “virações” e nas tarefas aleatórias. A Pnad identifica 27 milhões como trabalhadores subutilizados. Pelos critérios da consultoria Tendências, a informalidade, principal via de acesso ao mercado de trabalho alcança 41,1% da população ocupada.

Claudia Safatle: Para "desencantar" obras inacabadas

- Valor Econômico

Obras estratégicas vão depender do investimento privado

Adalberto Santos de Vasconcelos recebeu, no dia 1º de janeiro, uma missão hercúlea: desencantar e concluir grandes obras públicas inacabadas que já enterraram bilhões de reais e nada entregaram à população. À frente da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), subordinada ao ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e com seus poucos mais de 50 funcionários, ele terá que apresentar, neste mês, uma lista de projetos estratégicos para serem concluídos.

A decisão final sobre quais serão levados adiante, nessa primeira leva, será do conselho do PPI, que reúne-se em fevereiro.

Das mais de 13 mil obras inacabadas sob o patrocínio do governo federal em todo o país, o conselho vai selecionar no máximo oito com potencial para entrar na carteira do PPI.

Serão as mesmas de sempre, aquelas que entra governo, sai governo, criam-se grupos de trabalho interministerial e nada acontece. Parece que estão sob quebranto, mas é mais complicado do que isso.

Segundo Adalberto, a lista abarca, dentre outras, a Transnordestina, Angra 3, a BR-163 (Mato Grosso), a duplicação da Rodovia da Morte (BR-381 em Minas Gerais), a Transposição do Rio São Francisco, e por aí vai.

Uma vez no PPI, os técnicos terão que "apresentar um diagnóstico e uma solução", disse Adalberto. "As rodovias poderão ser qualificadas como obra pública ou como concessão", acrescentou. Diante da penúria do setor público, o mais apropriado é encontrar sócios privados para completar essa empreitada.

"O Brasil tem uma grande carteira de obras, mas não tem projetos. Desde 1990, quando acabou o Geipot, perdemos a massa crítica de ver o Brasil do futuro." O Geipot foi criado em 1965 como Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, mais tarde foi convertido em Empresa de Planejamento na Área de Transportes (rodoviário, ferroviário, aquaviário etc.) e entrou em processo de liquidação em 2001.

Dilma Rousseff, quando presidente da República, tentou recriar uma estrutura semelhante. Inicialmente, porém, ela optou por criar a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A. (Etav), para administrar o trem-bala. Como a ideia não deu certo, ela transformou a Etav na EPL, Empresa de Planejamento e Logística.

Armando Castelar Pinheiro*: Bolsonaro e Guedes em Davos

- Valor Econômico

Com a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, a equação política das reformas ficará mais clara

E assim se passou o primeiro mês do governo Bolsonaro. Muita coisa aconteceu nesses 31 dias, mas pouco em relação à economia, a não ser o fantástico desempenho dos ativos brasileiros, com destaque para a bolsa, que, em dólares, subiu 15% no último mês.

A falta de notícias sobre economia parece ser o resultado de uma estratégia da equipe econômica calcada em três pilares principais. Primeiro, demonstrando uma notável disciplina, quase ninguém falou com a imprensa, e, quem falou, disse pouco sobre as medidas que se pretende adotar. Segundo, no pouco que se falou, houve um discurso muito enfático em defesa de metas ambiciosas de ajuste fiscal e, principalmente, de liberalização econômica, com abertura comercial, privatização, reforma tributária e, em geral, uma melhora do ambiente de negócios no país. Terceiro, quase nada foi dito sobre como se pretende atingir essas metas, assim como não se citaram metas intermediárias, mas apenas para o conjunto dos quatro anos de mandato.

Não por outra razão, portanto, a participação semana passada do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, gerou tanto interesse. Se esperava que os dois detalhassem como vão viabilizar as ambiciosas metas de liberalização e ajuste. Mas essa expectativa se mostrou infundada. O que se viu foi a repetição da estratégia descrita acima.

Bolsonaro fez um discurso especialmente curto, em que, sobre economia, basicamente repetiu a promessa de equilibrar as contas públicas, diminuir a carga tributária, abrir a economia, privatizar e melhorar o ambiente de negócios. A meta neste último quesito é ambiciosa: colocar o Brasil "no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios". No Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil ocupa hoje a 109ª posição, sendo o Chile (56ª) e o México (54ª) os países latino americanos mais bem colocados. Há, portanto, um longo caminho a percorrer.

Bolsonaro terá base parlamentar modesta

Por Fernando Exman, Marcelo Ribeiro e Fabio Murakawa | Valor Econômico

Para analista do Diap, dificuldades maiores devem aparecer no Senado, onde a renovação foi maior

BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro inicia hoje o ano legislativo com uma base parlamentar modesta, condição que deve obrigar os seus articuladores políticos a negociar com partidos independentes a aprovação até mesmo projetos de lei ordinária e medidas provisórias. Apesar do otimismo observado no Palácio do Planalto com a formação de uma ala governista robusta capaz de levar adiante propostas que exijam quorum qualificado, como a emenda constitucional da reforma da Previdência Social, parlamentares experientes e analistas políticos alertam para as dificuldades que o presidente da República e a equipe econômica devem enfrentar.

A situação de Bolsonaro é distinta, em relação à enfrentada por seus antecessores neste início de mandato. Embora tenha obtido uma ampla vitória nas eleições de outubro, concorreu com uma chapa composta somente por seu próprio partido e a sigla de seu vice. O PSL terá nesta nova legislatura 52 deputados e quatro senadores, enquanto o PRTB do vice Hamilton Mourão não elegeu parlamentar algum e ainda negocia adesões.

No entanto, um levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) demonstra o poder de atração que o Palácio do Planalto já exerceu sobre parte dos partidos com representação no Congresso Nacional. Segundo a entidade, o apoio consistente ao governo, aquele formado por partidos incondicionalmente fiéis ao Executivo, será de 257 deputados federais e de 37 senadores. Já o apoio condicionado às propostas do governo, aquele negociado caso a caso e que pode mudar de acordo com a conjuntura, será de até 117 deputados e 27 senadores. Bolsonaro enfrentará, portanto, uma oposição de 139 parlamentares na Câmara e de 17 no Senado.

"O governo não terá vida fácil, não tem uma base logo de cara. No Senado, será ainda mais difícil porque o governo nem tem um líder ainda e a renovação foi maior", afirmou ao Valor o analista político do Diap e assessor parlamentar Marcos Verlaine. Para ele, Bolsonaro enfrentará dificuldades para reformar a Previdência, uma vez que a sua proposta não está ainda totalmente definida, deve incorporar uma novidade em relação ao projeto que já tramita na Câmara dos Deputados - o sistema de capitalização - e é mais profunda do que a apresentada pelo ex-presidente Michel Temer.

A reforma da Previdência demandará o apoio de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação em ambas as Casas. Já a aprovação de projetos de lei ordinária e medidas provisórias, por exemplo, exigem maioria simples: os votos favoráveis da maioria dos presentes. Projetos de lei complementar também passam por dois turnos de votação, mas precisam de 257 votos favoráveis na Câmara e 41 no Senado.

Produção industrial avança 1,1% em 2018, aponta IBGE

Por Juliana Schincariol | Valor Econômico

RIO - A produção industrial brasileira fechou o ano de 2018 com crescimento de 1,1%. Um ano antes, contudo, havia avançado 2,5%, quando interrompeu três anos seguidos de taxas negativas, apontou pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta sexta-feira.

"No índice acumulado em 2018, frente ao ano anterior, a indústria cresceu 1,1%, com resultados positivos em três das quatro grandes categorias econômicas, 13 dos 26 ramos, 42 dos 79 grupos e 50,9% dos 805 produtos pesquisados. Entre as atividades, a de veículos automotores, reboques e carrocerias (12,6%) exerceu a maior influência positiva", destacou o instituto em nota.

Entre novembro e dezembro de 2018, produção industrial registrou expansão de 0,2%, na série com ajuste sazonal. O resultado do último mês de 2018 é diametralmente oposto à média das expectativas, de queda de 0,2%, segundo 30 consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data.

Segmentos
Na passagem do penúltimo para o último mês de 2018, a produção de bens de capital recuou 5,7%. No ano fechado, o segmento cresceu 0,4%.

Já a produção de bens duráveis encolheu 2,1% em dezembro e avançou 7,6% no calendário completo.

Por fim, a produção de bens semi e não duráveis registrou elevação de 0,2% em dezembro, na mesma comparação com novembro, na série com ajuste sazonal. Em 2018 como um todo, houve queda de 0,3%.

País ainda tem 12,2 milhões de desempregados

A retomada do crescimento econômico não fez ceder o desemprego no país, que atinge12,2 milhões de pessoas. O índice do IBGE ficou em 11,6% em dezembro. A leve recuperação do mercado de trabalho em 2018 se deve ao maior número de pessoas em vagas sem carteira assinada ou com negócio sem registro.

Em busca de uma chance

Desemprego cai em 2018, mas 12,2 milhões ainda não têm trabalho

Daiane Costa / O Globo

A taxa de desemprego cedeu em 2018, mas o país ainda tem 12,2 milhões de pessoas em busca de trabalho. Enquanto outros indicadores já deram sinais de reação com a retomada da atividade econômica, a leve melhora registrada no mercado de trabalho se deveu à criação de vagas de menor qualidade: sem registro e com salários mais baixos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, a informalidade bateu recorde no ano passado. Uma em cada quatro pessoas ocupadas trabalhava por conta própria. E a renda média real do trabalhador fechou o segundo ano sem subir.

Segundo economistas, a taxa de desemprego, que no trimestre encerrado em dezembro foi de 11,6%, só deve voltar à casa de um dígito em 2022. As previsões para este ano são de melhora na oferta de vagas formais, que pagam mais, na esteira da recuperação.

— Em 2018, tivemos mais população empregada, mas com muita informalidade e taxas de subutilização recordes, o que coloca o mercado de trabalho em 2018 ainda numa condição desfavorável — analisou Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Renda do IBGE, observando que trabalhadores por conta própria já são 25% dos brasileiros ocupados. — O número de trabalhadores com carteira de trabalho deixa a desejar. O número de empregadores cresce, mas é um empregador de porte pequeno e na informalidade.

PERDA PARA A PREVIDÊNCIA
Na média do ano de 2018, o desemprego ficou em 12,3%, abaixo dos 12,7% do ano anterior. Um dos efeitos mais agressivos da crise, destacou o técnico do IBGE, é o aumento do número de trabalhadores domésticos acompanhado de alta desse tipo de vaga sem carteira assinada.

Desde 2014, são mais seis milhões sem emprego

Número de desocupados no país seguiu aumentando mesmo depois de a economia voltar a crescer, indica a pesquisa do IBGE

- O Globo

Desde o início da crise econômica brasileira, em 2014, o contingente de desempregados no Brasil teve um incremento de 6 milhões de pessoas.

A maior parte desse acréscimo se deu no período da recessão — 2014 a 2016 —, quando o crescimento do grupo de desempregados foi de 4 milhões de pessoas. Mas, mesmo após a economia brasileira voltar a crescer, o número de desocupados no país seguiu aumentando.

MAIS DESALENTADOS
Também aumentou a quantidade de brasileiros que desistiu de procurar emprego, os chamados desalentados. Na média do ano de 2018, esse grupo somou 4,7 milhões de pessoas, alta de 13,4% em relação a 2017.

A menor estimativa para esse segmento foi em 2014, quando incluía 1,5 milhão de pessoas. Dessa forma, em quatro anos, outros 3,2 milhões de pessoas com 14 anos ou mais se tornaram desalentadas e se juntaram ao conjunto de brasileiros que não entregam à economia tudo o que poderiam produzir.

27 MILHÕES SUBUTILIZADOS
Em 2018, a população subutilizada ficou em pouco mais de 27 milhões nos últimos três meses de 2018 e apresentou estabilidade em relação ao terceiro trimestre, destacou a Pnad Contínua, do IBGE.

Reforma para todos: Editorial | O Estado de S. Paulo

Depois de muitas idas e vindas, aparentemente formou-se um consenso no governo em torno da necessidade de incluir os militares na reforma da Previdência. A informação de que os militares vão “entrar no processo”, por determinação do presidente Jair Bolsonaro, foi dada pelo secretário da Previdência, Rogério Marinho, em encontro com alguns dos novos parlamentares, que tomam posse hoje no Congresso. A prefeitos com quem se reuniu em Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também declarou que as mudanças incluirão todos os sistemas previdenciários. Ainda não se sabe se as propostas serão enviadas em conjunto ou separadamente, mas, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, tudo será encaminhado no primeiro semestre.

Os números não deixam margem a dúvidas sobre o imperativo de reformar também a Previdência dos militares, cujo déficit chegou a quase R$ 44 bilhões no ano passado, cerca de 13% superior ao rombo registrado em 2017. A expansão do déficit da Previdência dos funcionários públicos civis foi de 3,8% no mesmo período, enquanto no sistema do setor privado a alta foi de 6,7%.

Diferença e repetição: Editorial | Folha de S. Paulo

Congresso volta aos trabalhos com eleição para presidências da Câmara e do Senado

O Congresso retoma os trabalhos nesta sexta (1º) cercado de expectativas favoráveis. Em meio à onda de rejeição a padrões do sistema político que levou Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência, pesquisa Datafolha de dezembro mostrou que 56% dos eleitores acreditam em desempenho ótimo ou bom de senadores e deputados.

Trata-se de inversão digna de nota em relação a levantamento feita apenas um ano antes, quando 60% dos entrevistados reprovaram a atuação dos parlamentares.

Em que pese a renovação de nomes no Legislativo (dos deputados eleitos, por exemplo, 18% nunca haviam se candidatado), a experiência recomenda cautela diante de tal predisposição ao otimismo.

Basta lembrar que a imagem de regeneração ética alardeada em campanha pelo presidente e seus correligionários já foi golpeada pelas recentes revelações acerca de atividades financeiras suspeitas e relacionamentos perigosos de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Bolsonaro faz o certo ao optar pela reforma ampla: Editorial | O Globo

Mudanças na Previdência têm de abranger todo o sistema, devido à gravidade da situação fiscal

Entre os inúmeros benefícios de uma inflação baixa como a atual —inclusive o de atenuar o custo de vida das famílias de baixa renda, muito condicionado pelo preço dos alimentos —, surge outro de forma clara: mostrar a governadores e prefeitos o peso real e crescente em seus orçamentos dos gastos com aposentadorias e pensões. Sem ter a inflação para mascarar os efeitos deste garrote financeiro que não para de estrangular suas contas, políticos de estados e cidades percebem que não há alternativa a não ser que a proposta de reforma da Previdência, a ser encaminhada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, seja ampla e irrestrita.

E esta é a boa notícia dada na quarta-feira pelo secretário da Previdência, Rogério Marinho: o presidente determinou que todas as categorias sejam incluídas no projeto, inclusive os militares, que vinham sinalizando desconforto com esta possibilidade. Mas não havia mesmo alternativa. Trata-se de uma carreira com características muito especiais, de fato. Além disso, eles contribuem para sua previdência, e algumas regalias foram perdidas, como o tratamento especial a pensões de filhas órfãs.

Fed muda de posição e pode encerrar ciclo de alta de juros: Editorial | Valor Econômico

Em pouco mais de um mês o Federal Reserve americano mudou tanto sua orientação a ponto de deixar em aberto que o aperto monetário iniciado em 2015 pode ter chegado ao fim. Em sua reunião de dezembro, o comunicado do banco havia repetido o mantra sobre a necessidade de "alguns aumentos graduais adicionais", que agora deram lugar à "paciência" na determinações dos futuros ajustes e à dependência exclusiva da marcha dos indicadores econômicos futuros.

Fugindo da praxe habitual, o Fed deixou de indicar o balanço de riscos para o cenário que ainda considera principal, de expansão econômica sustentável, mercado de trabalho vigoroso e inflação perto da meta de 2%. O comunicado após a reunião apenas indica que o Fed continua acreditando que esse é o cenário "mais provável".

A consumação da guinada do Federal Reserve foi mais longe do que os mercados esperavam, à luz da orientação passada recente. Mais intrigante ainda foi o fato de que ela tenha sido feita sem que haja evidências sólidas de que a economia americana está se retraindo e que essa é uma tendência inelutável. Ao contrário, o início do comunicado relaciona o crescimento "sólido" da economia, ganhos fortes no mercado de trabalho e no consumo, além de moderação dos investimentos das empresas diante de seu ritmo forte do começo de 2018. Mais importante, aponta que as expectativas de inflação de longo prazo não se moveram, embora tenham arrefecido no curto prazo.

João Cabral de Melo Neto: A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.