segunda-feira, 4 de março de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

Não se pode ocultar que se vive tempo sombrio e que a atual corrida armamentista traz maus presságios. Mas há o outro lado da Lua, até mesmo aqui. O atual governo, em sua composição heteróclita, embora contenha em si um componente marcadamente ideológico, de raiz metafísica, exemplar no chanceler Ernesto Araújo, que desafia abertamente as tradições da política externa brasileira em suas concepções de soberania – vide notável artigo de Celso Lafer neste espaço –, admite outras presenças com distinta formatação histórica e diversas concepções do mundo, entre os quais os personagens do mercado e da corporação militar, esta quantitativamente a mais expressiva.

Essa mistura não dá boa química e será testada severamente, entre outras questões, na da Venezuela e das nossas relações com os países do Oriente Médio, clientes privilegiados do agronegócio, quando o mundo bruto dos interesses será confrontado com os da pura ideologia. Os impasses que daí surgirem vão nos defrontar com uma encruzilhada: uma via nos levará a uma ruptura radical com nossa História e nossas tradições de nação soberana, a outra, a retomar o seu leito, em novas circunstâncias, certamente mais complexas. O articulista aposta nesta última.”

*Sociólogo, PUC-Rio. “Impasses da hora presente”, O Estado de S. Paulo, 3/3/2019.

Marcus André Melo*: Bolsonaro e a Previdência dos militares

- Folha de S. Paulo

Credibilidade é crucial para o sucesso das reformas propostas pelo presidente

O governo ainda não apresentou detalhes de sua proposta de reforma da Previdência dos militares. Mas muitos analistas têm sustentado que por ser membro da corporação, Bolsonaro não eliminará as prerrogativas e privilégios da caserna, atuando como garantidor do statu quo. Evidências empíricas, porém, sugerem o contrário ou, no mínimo, um quadro mais complexo.

A reforma mais dura já aprovada para a Previdência dos servidores públicos no país foi capitaneada pelo governo Lula, que desfrutava de enorme apoio entre os sindicatos do setor público. A reforma aprovada no início de seu mandato (PEC 41/2003) foi estrutural e não meramente paramétrica, estipulando que os novos servidores públicos não teriam mais aposentadoria integral.

Para esses, a reforma previa inicialmente o teto do INSS como valor máximo de aposentadoria. Criou-se, assim, um amplo mercado para fundos de previdência complementar (em regime de contribuição definida), que foram instituídos com a criação do Funpresp.

O paradoxo da viabilidade política de “cortes na própria carne” é conhecido na literatura de economia política de reformas como argumento “Nixon na China”. A referência são trabalhos de Dani Rodrik e de A. Cukierman e Mariano Tommasi no famoso artigo “Why it Takes a Nixon to Go to China?” (“Por que é preciso um Nixon para se ir à China?”), publicado no American Economic Review.

A lógica do argumento é que só um anticomunista “durão” (“hawk”) como Richard Nixon (1913- 1994) pode iniciar uma abertura para a China —em visita histórica ao país em 1972— sem ser acusado de estar capitulando ou transigindo com o adversário.

A resistência à iniciativa consequentemente arrefece. Barganhas políticas estão ancoradas em expectativas e reputação que são absolutamente cruciais no caso de reformas impopulares que impõem custos a grupos específicos.

Vinicius Mota: Tutela de presidente não existe

- Folha de S. Paulo

Ninguém vai mandar no lugar de Bolsonaro; cabe só a ele controlar seu poder de fazer estragos

“As armas, não os homens, lutaram.” Assim Jorge Luis Borges começa a encerrar a breve história “O Encontro”. Deduz ter achado explicação para um duelo que tinha testemunhado quando ainda era criança.

Um homem assassinara o outro no fim do combate, e muito tempo depois o narrador fica sabendo que as adagas usadas na refrega, retiradas naquele dia da coleção de armas da casa em que estavam os contendores, tinham uma longa história.

Uma pertencera, no passado distante, a um gaúcho famoso. A outra era do seu arquirrival. Os dois inimigos procuraram um ao outro ao longo da vida para acertar suas diferenças, mas jamais se encontraram.

As adagas cumpriram, pelas mãos de outras pessoas, o seu destino de duelar. “As duas sabiam lutar —não seus instrumentos, os homens— e lutaram bem naquela noite.”

A Presidência da República funciona mais ou menos como as armas no conto de Borges. Exerce seu poder egoísta a despeito de quem seja o indivíduo com a faixa verde-amarela.

Luiz Weber: O general dublador

- Folha de S. Paulo

Mourão tem servido de 'closed caption' quando Bolsonaro fala e a declaração cai mal, mas há o risco da armadilha da tradução


Mourão é o “closed caption” de Bolsonaro. Se o presidente fala e a declaração cai mal no mercado financeiro ou na política, o vice é acionado pela estrutura militar do Planalto para legendar o pensamento presidencial.

Na sexta-feira (1º), assessores palacianos se viram obrigados a teclar o botão CC para traduzir uma fala do presidente considerada desastrosa sobre a reforma da Previdência.

No dia anterior, durante entrevista realizada em ambiente de estufa, Bolsonaro admitiu que a idade mínima de aposentadoria das mulheres poderá ser revista.

Até então, o foco do Congresso estava nos “bodes na sala” —o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que é pago a idosos pobres e a pessoas com deficiência, e a aposentadoria rural. Bolsonaro abriu, de graça, nova frente de batalha.

“O presidente foi mal interpretado”, socorreu o general Mourão. Acontece que mesmo os melhores aparelhos digitais apresentam certo “delay” entre a fala e a transcrição. No lapso entre a declaração e a correção, a bolsa especulou e a miúda base parlamentar desarrumou-se ainda mais.

Parte do poder presidencial vem de sua caneta. Mas componente tão importante quanto mandar e desmandar é a capacidade de persuasão, de transmitir uma visão de mundo que os destinatários (deputados e senadores) se sintam à vontade em compartilhar.

Celso Rocha de Barros*: O Jair é isso, Moro

- Folha de S. Paulo

Na hora em que abrir vaga no Supremo, a Ilona pode ser o senhor

A cientista política Ilona Szabó é uma especialista respeitada na área de segurança pública. Ao contrário do ministro do Meio Ambiente e da ministra dos Direitos Humanos, seus diplomas são de verdade, ela foi lá na faculdade, estudou, passou na prova, recebeu o título.

Seu currículo justifica sua nomeação para uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Mas suspeito que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, também a tenha nomeado para testar quanta autonomia, de fato, ele tinha.

Se foi isso, descobriu.

O superministro Moro não tem autonomia para nomear, para a suplência de um conselho consultivo, alguém de quem os seguidores do presidente da República no Twitter não gostem.

Szabó durou muito menos no cargo do que Murilo Resende Ferreira, indicado pelo ministro da Educação para organizar o Enem. Ferreira foi acusado de plagiar um texto de extrema-direita sobre “Escola de Frankfurt e feiura”. É até difícil saber o que era pior, ser de extrema-direita, ser plágio, ou ser sobre “Escola de Frankfurt e feiura”.

Mesmo depois das acusações, Ferreira foi realocado em outro cargo, ao contrário do que aconteceu com Szabó.

E contra ele não houve uma insurreição virtual como a da semana passada. Bolsonaro não o demitiu no dia seguinte às acusações, porque, afinal, pelo menos o texto plagiado era de extrema-direita. O trabalho original de Szabó não é.

O Jair é isso, Moro. Não vai mudar.

Suspeito que Sergio Moro, como muita gente que votou em Bolsonaro, tenha comprado a ideia de que o Jair era um político normal, que faria um governo de direita normal. Não é.

Fernando Gabeira: Ouviram do Ipiranga

- O Globo

Orgulho pelo país não nasce necessariamente das aulas de Moral e Cívica; desenvolve-se nas dores e alegrias do cotidiano

Conversa de segunda-feira de carnaval. Antes de vir para o Brasil, passei na velha livraria Bertrand, em Lisboa. Queria comprar um livro, apenas um para a estrada, a longa viagem de volta. Optei pelo de Milan Kundera “Os testamentos traídos”. Dei sorte. É um livro excelente. Num dos ensaios, intitulado “Em busca do presente perdido”, ele fala de Hemingway. Ressalta o esforço do escritor americano em ouvir e anotar diálogos, sua tentativa de capturar na forma e no som a realidade das conversas.

Kundera menciona a novela de Hemingway “Colinas como elefantes brancos”. É um diálogo entre um homem e uma mulher. Cheio de ambiguidades, aberto para a imaginação do leitor. Mas a interpretação de alguns críticos transformou a história numa lição de moral, heroína e vilão, bem contra o mal. As abstrações acabaram engolindo a realidade do momento vivido.

É um tipo de visão do mundo, segundo Kundera, que nos faz morrer sem saber o que vivemos. A realidade se esvai nas abstrações.

Podemos escrever um diário, lembra Kundera, anotar todos os acontecimentos e descobrir que não registramos nenhuma imagem concreta. O presente é um planeta desconhecido. Não conseguimos mais acessá-lo nem pela memória e nem pela imaginação.

Cheguei ao Brasil em meio à polêmica sobre o Hino Nacional nas escolas. O ministro da Educação queria que as crianças o cantassem e recitassem o slogan de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Tudo isso já foi desfeito pelo recuo do governo na proposta. O ministro tinha a intenção de levar Moral e Cívica às escolas. Seus opositores respondem também com uma visão cívica, pois alegaram contra a proposta dispositivos constitucionais e algumas leis ordinárias.

E as crianças nisso tudo foram apenas objeto de um confronto entre diferentes visões cívicas.

Rosiska Darcy de Oliveira: Lições do carnaval

- O Globo

Enquanto o ministro da Educação dá aulas de autoritarismo, manda filmar crianças cantando o Hino Nacional e ordena, para logo voltar atrás, que louvem o novo Brasil, no velho reinado de Momo o carnaval dá lições de irreverência e liberdade.

Tem leis próprias essa festa orgíaca. As multidões respondem aos tambores da bateria, só cumprem ordens do puxador do samba, é um fuzuê anárquico, incompatível com o espírito marcial. Marcha, só rancho ou marchinha de carnaval.

Estes milhões de brasileiros suados e seminus não parecem afeitos à visão de mundo do ministro da Educação nem sensíveis à pregação moralista da ministra das Mulheres. Ambos não entenderam que não se apaga a cultura de um povo, inventando à força um país que não existe.

Difícil sustentar a tese da sociedade conservadora diante dos blocos que trazem, sim, inconvenientes à cidade, mas também um pouco de alegria para uma gente massacrada, desalentada por uma sucessão de decepções e desastres.

Denis Lerrer Rosenfield*: À beira do abismo

- O Estado de S. Paulo

Otimismo com o novo governo é grande, mas a economia marcha muito lentamente

Todos aparentemente estão de acordo. Na verdade, ninguém se entende! A reforma da Previdência é um desses temas em que todos fingem estar afinados, quando a desafinação é a regra. A orquestra não sabe tocar. Acontece com ela o mesmo que a noção de ser em Aristóteles: ela se diz em múltiplas acepções.

E essas múltiplas acepções são disputadas por diferentes grupos sociais, corporativos e políticos, cada um defendendo suas próprias posições, se não privilégios. Nos discursos, todos proclamam que defendem o bem do Brasil, quando, de fato, defendem o seu bem particular, frequentemente em dissintonia com o bem público.

Logo, no momento de verificarmos com mais atenção a suposta aceitação geral da reforma da Previdência, constatamos que os diferentes agentes e atores estão falando de coisas diferentes, embora utilizem as mesmas palavras. Assim, haveria um aparente consenso quanto à necessidade dessa reforma, vital para salvar o País da insolvência fiscal e do baixo crescimento econômico daí decorrente. Contudo, quando descemos aos detalhes sobre o que cada um entende por reforma da Previdência, profundas divergências irrompem.

Cida Damasco: Depois da dispersão

- O Estado de S.Paulo

Hora de cair na real e negociar para valer a reforma da Previdência

Até agora foi só ensaio. Jogos de cena de cá e de lá, insinuações e desmentidos, ameaças e promessas. Mas é só depois do carnaval que começa para valer a temporada de negociações e/ou concessões para pôr em pé a reforma da Previdência o mais breve possível. Tudo dentro do roteiro. Por enquanto, a equipe econômica cumpre seu papel, ao insistir que não arreda pé de um programa que garanta um ganho fiscal de R$ 1 trilhão, em dez anos. Segundo a retórica oficial, nada abaixo dessa marca é aceitável, diante da grave situação das contas públicas. As declarações do próprio presidente mostram, contudo, que já está em curso um processo de “muda aqui, corta lá”, que certamente vai encolher bastante essa projeção.

Em conversa com jornalistas, Bolsonaro admitiu que, entre os itens que podem ser abrandados em relação ao texto original, estão pelo menos quatro: 1) a idade mínima para a aposentadoria de mulheres pode passar de 62 para 60 anos; 2) o valor dos Benefícios de Prestação Continuada (BPCs), pagos a idosos carentes e portadores de deficiência, pode ser mais elevado do que está na proposta original, de um salário mínimo, para quem tem mais de 70 anos, e R$ 400 para a faixa de 60 a 70 anos; 3) o valor da pensões por morte pode subir de 60% para 70%; 4) as regras para aposentadorias dos trabalhadores rurais, que incluem idade mínima de 60 anos para homens e mulheres e cobrança de contribuição previdenciária, podem ser alteradas.

Ricardo Noblat: Deixem Bolsonaro falar!

- Blog do Noblat / Veja

Ninguém amordaça um presidente

Há poucos dias, líderes de partidos e gente do governo cobrava do presidente Jair Bolsonaro um maior engajamento na defesa da reforma da Previdência, mas não só. Sem o capital político acumulado por ele, sem sua participação direta na negociação com o Congresso, seriam poucas as chances de a reforma ser aprovada.

Agora querem o contrário. A declarações infelizes ou que possam atrapalhar a condução do governo, preferem que Bolsonaro se cale ou que fale bem pouco, e sempre monitorado pelos que entendem dos assuntos. Com frequência, já é isso o que acontece. Bolsonaro está sempre rodeado por pessoas atentas a tudo o que ele fala.

Difícil que dê certo. Ninguém amordaça um presidente. A não ser que ele prefira o silêncio. Esse não parece ser o caso de Bolsonaro. Das vezes que foi hospitalizado, ele não abandonou as redes sociais. Em discurso no Congresso, exaltou a importância da comunicação direta dos governantes com os governados.

Imaginou-se que não daria palpites na Economia e na Segurança Pública onde alocou ministros tidos como insubstituíveis – Paulo Guedes e Sérgio Moro, respectivamente. Que nada! O que disse sobre a reforma da Previdência só serviu para enfraquecê-la. Moro é um ministro ladeira a baixo.

“Ninguém governa governador”, ensinou nos anos 50 do século passado Agamenon Magalhães, governador de Pernambuco. Quanto mais presidente.

A última do pai dos garotos

Carlos com a bola toda
O presidente Jair Bolsonaro, que nos últimos quatro dias havia desaparecido das redes sociais, quebrou o silêncio para fazer mais uma declaração pública de amor pelo filho Carlos Bolsonaro, o 03.

Sem carta branca: Editorial | Folha de S. Paulo

Recuo na nomeação de Ilona Szabó e intervenção de Bolsonaro na Previdência mostram os limites dos poderes de Moro e Guedes, supostos superministros

No episódio em que o governo convidou e desconvidou a especialista em segurança pública Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o que chama a atenção de mais imediato é o grau de estupidez das hordas bolsonaristas mais radicais.

Colunista desta Folha e crítica de teses pró-flexibilização de posse e porte de armas, a pesquisadora foi chamada pelo ministro Sergio Moro, da Justiça, a compor um colegiado de funções meramente consultivas, na condição de suplente.

A escolha suscitou uma corrente de ataques de militantes direitistas nas redes sociais, à qual não ficou alheio, tudo indica, o presidente da República. Após um dia de alarido, Moro voltou atrás.

“Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas”, relatou uma nota oficial.

Convite oportuno e recusa irresponsável: Editorial | O Estado de S. Paulo

Há pouco mais de uma semana, o presidente Jair Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso Nacional levar a proposta de seu governo para a reforma do sistema previdenciário. Foi um gesto digno de nota porque, por meio do simbolismo que ele encerra, sinalizou claramente a importância do tema não apenas para o sucesso do governo de turno, mas sobretudo para o bom destino do País. Não há medida mais urgente a ser tomada para evitar a falência do Brasil de hoje e, assim, manter vivo o sonho de um Brasil desenvolvido no futuro do que a aprovação de uma ampla reforma da Previdência, tal como a proposta pelo Poder Executivo.

Na ocasião, o presidente da República teve a altivez de reavaliar seu passado como deputado federal. É sabido que Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados, votou contra projetos de reforma previdenciária bem menos ousados do que o seu, cerrando fileiras com os defensores dos privilégios das corporações de servidores públicos que, até aqui, têm sido bem-sucedidos em nos manter no atraso.

Nós erramos no passado, eu errei no passado, e agora temos uma oportunidade ímpar de garantir às futuras gerações uma Previdência em que todos possam receber (suas pensões e aposentadorias)”, disse Bolsonaro, ao lado dos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Jair Bolsonaro mostrou ainda humildade ao deixar claro aos presidentes das Casas Legislativas que o projeto que entregava seria “aperfeiçoado” pelo debate no Poder Legislativo.

A mesma contrição haveria de ser feita pelos partidos que se opõem não ao governo, mas à reforma. Mas não foi o que ocorreu. Na terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro convidou o PDT e o PSB para uma reunião entre ele e as lideranças partidárias no Palácio do Planalto. Foi mais um oportuno gesto do chefe do Poder Executivo para engajar todas as forças políticas que se pretendam genuinamente preocupadas com o bom termo de um projeto vital para o País, como é o caso da reforma da Previdência.

Data fatal se aproxima, e cresce suspense no impasse do Brexit: Editorial | O Globo

Enquanto não chega dia 29, britânicos continuam sem acordo sobre saída da UE, e ganha força novo plebiscito

Um assunto obscuro e intrincado, principalmente para quem não é europeu do continente e nem britânico, o Brexit, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, ganha ares de suspense, à medida que se aproxima o 29 de março, data fixada para o desenlace, haja ou não acordo entre as partes.

Na verdade, acordo há, em torno dos termos do Brexit negociados entre a primeira-ministra Theresa May e a UE, mas rejeitados pelo Parlamento britânico. Pontos de discórdia há vários, o mais importante é sobre o futuro da fronteira entre a Irlanda do Norte, parte da Grã-Bretanha — portanto, acompanhará o Brexit, se houver — e a República da Irlanda, independente, contrária à separação com a UE.

A questão é o que fazer com a fronteira entre as duas Irlandas, aberta, livre, no espírito do histórico acordo de paz selado em 1998 entre protestantes e católicos, cujo confronto produziu muita violência.

Governo Bolsonaro paralisa e esvazia conselhos e comissões

Colegiados de participação da sociedade civil no Executivo estão imobilizados, tiveram regras alteradas ou foram extintos; pastas reavaliam nomeações e funcionamento

Tulio Kruse e Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo

Ao menos 11 conselhos, comissões e outros colegiados de participação da sociedade civil no Executivo federal estão paralisados, tiveram regras alteradas ou foram extintos no governo Jair Bolsonaro.

Os casos estão vinculados aos ministérios da Agricultura, Cidadania, e
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. As pastas afirmam que estão analisando a nomeação e recondução de integrantes ou reavaliando o funcionamento dos colegiados. Em ao menos seis conselhos e comitês ligados ao ministério comandado por Damares Alves há atrasos em nomeações e posse de representantes.

Na semana passada, a indicação da especialista em segurança pública Ilona Szabó para uma vaga de suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária chamou atenção para o tema e gerou desgaste para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

O ministro precisou recuar da nomeação após pressão de seguidores bolsonaristas nas redes sociais. Ao Estado, Ilona afirmou que Moro se desculpou e disse a ela que “o presidente Bolsonaro não sustentava a escolha na base dele”.

O governo tratou dos colegiados já na publicação da primeira medida provisória do ano, que excluiu da sua estrutura o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional(Consea) e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão.
Atualmente existem na esfera federal cerca de 40 conselhos e outros mecanismos de participação. A maioria foi criada na década de 1990, depois da promulgação da Constituição de 1988. Os mais antigos, como o da Saúde, existem desde a década de 1930.

Os colegiados permitem que representantes da sociedade civil possam monitorar e deliberar políticas públicas em áreas como segurança alimentar, produção de alimentos orgânicos, combate à tortura, pessoas idosas ou com deficiência, diversidade religiosa e política indigenista, entre outros temas.

Alguns têm poder de editar normas com força de lei, a exemplo do Conselho Nacional de Meio Ambiente. Outros colegiados são instâncias consultivas.

As ações recentes do governo motivaram pedidos de explicação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, e recomendações para que conselhos sejam reincorporados.

Integrantes do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura foram eleitos no final do ano passado, mas os representantes ainda não foram formalmente nomeados pelo governo – procedimento indispensável para a retomada dos trabalhos.

No primeiro mês, negociação com bancadas fracassa

O primeiro mês de funcionamento do Congresso mostrou que não deu resultado a estratégia do governo Bolsonaro de negociar com bancadas temáticas, como a evangélica e a do agronegócio. Agora, articuladores buscam novos caminhos para formar uma base parlamentar.

ESTRATÉGIA FRUSTRADA

Governo previu negociar com bancadas, mas derrotas deixam modelo em xeque

Eduardo Bresciani | O Globo

BRASÍLIA - O primeiro mês de trabalho do Congresso expôs o revés da principal estratégia anunciada pelo governo Bolsonaro para a formação de uma maioria parlamentar. O apoio das bancadas temáticas mostrou-se frágil diante de orientações partidárias para derrotar o Planalto, como no caso do decreto que fragilizava a Lei de Acesso à Informação.

Na ocasião, o governo teve a seu lado apenas 57 dos 513 deputados, sendo 50 do PSL. Integrantes dessas bancadas dizem ter avisado o Planalto desde o início de que esse tipo de articulação não poderia substituir uma negociação tradicional com partidos.

—No Congresso, a estrutura, inclusive regimental, é partidária. Não pode ficar com discurso de querer fazer antagonismo de velha e nova política, tem que ter uma política só e usar os instrumentos que o governo dispõe para aprovar — afirmou ao GLOBO o deputado Alceu Moreira (MDBRS), presidente da bancada ruralista.

Alçado a um dos cargos de vice-líder do governo, o coordenador da frente parlamentar da segurança pública, Capitão Augusto (PRSP), vai na mesma linha:

—A gente já tinha cantado a bola sobre as bancadas temáticas. Os partidos se fortaleceram demais com a fidelidade partidária e o modelo de financiamento de campanhas.

Convocação de Vélez na Câmara pode ser o novo desgaste político

Eduardo Bresciani | O Globo

As sinalizações de possíveis mudanças na articulação política do governo ainda estão longe de amenizar o clima na Câmara. Para demonstrar que o descontentamento continua, líderes do centrão já cogitam impor um novo desgaste ao governo após o carnaval.

A ideia é aprovar um requerimento do líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), para a convocação do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, depor no plenário. O ministro entrou na mira após ter dito em entrevista que os brasileiros agem como “canibais” e furtam objetos quando estão em viagens no exterior. A situação piorou após ele usar um slogan de campanha em carta a escolas e pedir o envio de vídeos de alunos cantando o Hino Nacional.

Não há ainda decisão se a estratégia será colocada em prática a partir de 12 de março, quando os trabalhos serão retomados no Congresso, mas as conversas de bastidores já começaram.

Deputados que têm ajudado na articulação afirmam que o Palácio do Planalto não tem ainda nem maioria na Câmara, quem dirá os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência. Vice-líder do governo, o deputado Capitão Augusto (PRSP) estima que hoje o tamanho da base não chega nem a 200 votos.

Apoiados por Huck, grupos de renovação política buscam reinvenção e miram 2020

Agora com representantes no poder, organizações tentam redefinir prioridades e adaptar rotas

Joelmir Tavares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ano é de renovação na renovação. Passado o frenesi das urnas, grupos independentes que contribuíram para a eleição de novas caras em 2018 vivem uma fase de redefinir prioridades e adaptar rotas.

A principal mudança para organizações como o Agora!, o RenovaBR e o Acredito é o fato de que elas passaram a ter braços no poder —não só nos Legislativos, principal foco no ano passado, mas também no Poder Executivo.

Renova e Agora!, as entidades mais conhecidas desse ecossistema (não por coincidência, ambas apoiadas pelo apresentador e empresário Luciano Huck), elegeram juntas 17 parlamentares e tiveram ao menos 21 integrantes nomeados para outros cargos.

Com apoio do Renova, que ofereceu curso por seis meses e bolsa que variou de R$ 5.000 a R$ 12 mil, saíram vitoriosos das urnas —entre outros, os federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Marcelo Calero (PPS-RJ), os estaduais Daniel José (Novo-SP) e Renan Ferreirinha (PSB-RJ) e o senador Alessandro Vieira (PPS-SE).

Todos são novatos em cargos eletivos e adotam no mandato um discurso de novas práticas, ancorado em valores como ética e transparência.

Integrantes que não tiveram a mesma sorte acabaram sendo chamados para outros postos na administração pública, em secretarias e assessorias de governos estaduais.

Para citar dois: Paulo Mathias (Novo-SP) virou secretário-executivo da pasta de Desenvolvimento Social do governo João Doria (PSDB-SP) e Mayra Pinheiro (PSDB-CE) assumiu uma secretaria do Ministério da Saúde na gestão Jair Bolsonaro (PSL).

"Na nossa avaliação, todas as pessoas que participaram do programa poderão dar uma contribuição nesses espaços a partir da formação a que tiveram acesso", diz o empresário Eduardo Mufarej, que fundou o Renova em 2017.

Bolsonaro diz que seguirá ouvindo sugestões de seu filho Carlos

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) saiu em defesa de seu filho Carlos na noite deste domingo (3) de Carnaval, afirmando que há pessoas que querem afastá-los, mas “não conseguirão”.

Junto com a mensagem, o presidente publicou uma foto em que Carloso ampara em um corredor de hospital.

“Algumas pessoas foram muito importantes em minha campanha. Porém, uma se destacou à frente das mídias sociais, com sugestões e conteúdos: Carlos Bolsonaro, meu filho. Não por acaso muitos, que nada ou nunca fizeram para o Brasil, querem afastá-lo de mim”, escreveu o presidente.

“Não conseguirão: estando ou não em Brasília continuarei ouvindo suas sugestões, não por ser um filho que criei, mas por ser também alguém que aprendi a admirar e respeitar pelo seu trabalho e dedicação”, concluiu.

Em resposta, Carlos comentou pouco depois, na mesma rede social: “Acho que grande parte da parcial imunda mídia e meia dúzia de goelas grandes não gostaram da notícia! Obrigado pela consideração de sempre, Pai!”.

‘Direito de intervenção’

Assessor de Trump evoca Doutrina Monroe contra presença de Cuba e Rússia na Venezuela

- O Globo

WASHINGTON - Em entrevista ao programa State of The Union, da rede CNN, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, citou ontem a Doutrina Monroe, uma política do século XIX que tinha como objetivo anular a influência e a intervenção de países europeus nas novas repúblicas do continente americano, para justificar a política dos EUA para a Venezuela.

Questionado por que o governo de Donald Trump decidiu combater o governo de Nicolás Maduro de maneira agressiva, enquanto tem uma política mais branda em relação a outros regimes autoritários, como os da Arábia Saudita e do Egito, Bolton destacou que a Casa Branca está dando prioridade a esforços para se envolver nas questões de seu continente.

— Neste governo não temos medo de usar a expressão “Doutrina Monroe”. Trata-se de um país no nosso hemisfério. Manter um hemisfério completamente democrático sempre foi o objetivo de presidentes americanos desde Ronald Reagan — afirmou Bolton. — Eu disse, no fim do ano passado, que estávamos buscando o fim da "troica da tirania", incluindo Cuba, Nicarágua e também Maduro. Parte do problema na Venezuela é a ampla presença de cubanos. São entre 20 mil e 25 mil agentes de segurança segundo os relatórios publicados. E esse é o tipo da coisa que consideramos inaceitável.

Apesar de ter citado a Doutrina Monroe, pela qual originalmente Washington interveio sozinha em países vizinhos, Bolton disse que os EUA estão formando “a mais ampla coalizão possível” para derrubar o presidente venezuelano.

ZONAS DE INFLUÊNCIA
A alusão de Bolton à Doutrina Monroe foi criticada por acadêmicos: “O autodestrutivo e perigoso John Bolton: ‘Neste governo não temos medo de usar a expressão Doutrina Monroe’. Ele diz isso logo depois de afirmar que quer uma ampla coalizão para derrubar Maduro. Ressuscitar a Doutrina Monroe não fará isso”, escreveu no Twitter Ryan Goodman, professor de Direito na Universidade de Nova York e ex-conselheiro do Departamento de Defesa dos EUA.

“Ao invocar a Doutrina Monroe, Bolton justifica um mundo multipolar caótico, no qual cada potência tem zonas de influência. Os EUA reivindicam decisões sobre a Venezuela, a Rússia faz o mesmo em relação à Ucrânia, a China sobre o mar territorial de seus vizinhos, a França sobre o Saara etc”, escreveu o sociólogo peruano Eduardo González, que participou da Comissão Verdade e Reconciliação criada em seu país após 20 anos de conflito com o grupo maoista Sendero Luminoso. “Bolton sabe que o mundo unipolar dos EUA está desaparecendo, e acredita que a alternativa é o equilíbrio multipolar de potências com zonas de influência... como em 1914.”

Rússia pede reunião com EUA sobre Venezuela, mas Washington volta a subir o tom contra Maduro

Moscou afirma que fará todo o possível para impedir uma intervenção militar americana e reforça apoio ao líder Nicolás Maduro

Redação, O Estado de S.Paulo

MOSCOU - A Rússia garantiu neste domingo, 3, que fará todo o possível para evitar uma intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela e disse estar pronta para realizar negociações bilaterais com Washington sobre a questão. Neste domingo, a presidente da Câmara Alta do Parlamento russo, Valentina Matviyenko, se reuniu com a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, e reafirmou o apoio de Moscou ao país sul-americano.
“Nos preocupa muito que os EUA possam realizar provocações para que seja derramado sangue (na Venezuela), encontrando assim uma desculpa para intervir”, afirmou Valentina.

No sábado 2, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, havia dito ao colega americano, Mike Pompeo, em uma conversa telefônica, que Moscou estava disposta a um dialogo com Washington.

“Em conexão com a proposta de Washington de realizar consultas bilaterais sobre o assunto, ficou posto que a Rússia está pronta para participar disso. É vital (esta discussão) ser estritamente guiada pelos princípios da Carta das Nações Unidas, uma vez que apenas o povo venezuelano tem o direito de determinar seu futuro”, disse o comunicado da chancelaria russa após a ligação – iniciada pelo governo americano.

Neste domingo, no entanto, o assessor de Segurança da Casa Branca, John Bolton, voltou a subir o tom contra o governo de Nicolás Maduro e disse que os EUA tentam formar uma “ampla coalizão” internacional para substituí-lo.

“Gostaria de ver uma coalizão tão ampla quanto for possível juntar para substituir Maduro, para substituir todo o regime corrupto. Isso é o que estamos tentando fazer”, afirmou Bolton em entrevista à rede de televisão americano CNN.

A Rússia e os EUA têm estado em desacordo sobre a campanha liderada pelos americanos, com apoio de países da América Latina, pelo reconhecimento internacional de Juan Guaidó, líder da oposição venezuelana que se declarou presidente interino e pediu eleições antecipadas em seu país.

Retórica.
Para a congressista russa Valentina, a atitude da Casa Branca com relação à Venezuela é “especialmente cínica para um país que se posiciona no mundo como partidário da democracia”.

Perguntado pela CNN se o endosso americano no passado a “ditadores brutais” em todo o mundo não prejudica a credibilidade dos seus argumentos sobre a Venezuela, Bolton disse taxativamente: “Não, não acho”.

Fareed Zakaria: A credibilidade americana sob suspeita

- The Washington Post, O Estado de S.Paulo

Possivelmente, Pyongyang não cumpriria seus acordos, mas os EUA não têm um histórico bom de respeitar pactos internacionais

Ao que parece, o presidente Donald Trump decidiu que um mau acordo com a Coreia do Norte seria pior do que nenhum acerto. Uma conclusão sensata, sugerindo que ele e sua equipe estão abordando este assunto tão importante com a seriedade que ele merece. Um dos desafios no caso é tentar chegar a um acordo com a Coreia do Norte que já no início detenha concessões, pois a história nos diz que Pyongyang não cumprirá seus compromissos. Mas na verdade os EUA também não têm um histórico muito bom de respeitar os compromissos internacionais.

Em uma negociação é sempre útil se colocar na posição do outro. Se você fosse um estadista norte-coreano, certamente analisaria o último acordo internacional importante negociado e assinado por um presidente americano: o acordo nuclear com o Irã. Em troca da eliminação de 98% do material físsil iraniano, da paralisação das milhares de centrífugas e do seu reator nuclear de Arak, como também as instalações de câmeras e inspetores em todas as áreas, os EUA concordaram com a suspensão das sanções contra o Irã e autorizaram as empresas ocidentais a manter negócios com o país.

Mas mesmo à época do governo Obama, o Irã nunca teve muito acesso ao sistema econômico internacional. E quando Trump assumiu a presidência, passou a infringir o acordo e a fazer pressão sobre os países europeus para boicotarem o Irã, usando também o poder do dólar para paralisar negócios com aquele país. Assim, sem nenhuma surpresa, o apoio ao acordo com o Irã, que era muito forte naquele país, sofreu um severo abalo.

Ou analise quando a Líbia aceitou, em 2013, “desmantelar” todas suas armas de destruição em massa, promessa que basicamente cumpriu. Em troca, o governo de George W. Bush se comprometeu a ajudar o país “a reconquistar um lugar seguro e respeitado entre as nações” e prometeu “relações muito melhores entre EUA e Líbia”. Praticamente nada disso ocorreu e anos depois o governo Obama ajudou a derrubar o regime de Muamar Kadafi. Não estou discutindo os méritos da intervenção na Líbia. Mas se você se colocar na posição do negociador norte-coreano e as garantias de segurança que Washington está prometendo, vai achar esta parte da história relevante e preocupante.

‘Direita assumida’ tenta cavar espaço em Portugal

Enquanto partidos conservadores tradicionais evitam associação com bandeiras ultradireitistas, siglas ainda nanicas procuram explorar avanço da tendência em vizinhos da Europa e no Brasil

- Gian Amato Especial para O Globo

LISBOA - A direita perdeu a timidez em Portugal. Enquanto a geringonça, a coligação informal de governo entre forças de esquerda, é invejada em quase todo mundo, a tentativa de fazer oposição ao primeiro-ministro socialista António Costa ganhou as ruas e as redes sociais. Neste ano de eleições europeias e legislativas, e que também marca os 45 anos do fim da ditadura de Salazar, novos partidos ainda sem representação parlamentar assumem posições mais à direita para disputar votos e militantes.

O ex-premier Pedro Santana Lopes (2004-2005) fundou o partido Aliança em outubro de 2018. Com campanha publicitária, cobertura dos meios de comunicação e explorando o espaço deixado pela inclinação ao centro do principal partido conservador — o Social Democrata (PSD), cujos dirigentes evitam se declarar publicamente de direita —, Lopes atraiu políticos da sigla como Virgílio Costa, que tinha mais de 40 anos na legenda.

CHANCE NA ELEIÇÃO EUROPEIA
Lopes convidou para vice-presidentes da agremiação a advogada da Madonna, Ana Pedrosa-Augusto, e um professor de ciência política, Bruno Ferreira Costa, ambos jovens e bem-sucedidos. Ao lado do experiente político, os novatos têm suas fotos estampadas em outdoors nas ruas das principais cidades com o slogan do Aliança: “Um país às direitas.” —Percebemos que as novas gerações já assimilam uma direita moderna, que não é reacionária ou retrógrada, mas capaz de acreditar na liberdade econômica. Assumimos publicamente que estamos à direita, sim, mas longe dos extremos — declarou Lopes, que salpica as frases com expressões em inglês.

O Aliança se apresenta como “low-cost, high profile e paper free” (de baixo custo, alto perfil na mídia e sem burocracia). Entre os pilares do seu estatuto estão a “liberdade de educação e o papel da família enquanto célula estruturante, liberdade econômica e iniciativa privada”. A sigla tem recrutado com campanhas no Facebook e no Instagram e usa fotos de modelos para atrair militantes, que podem contribuir com até €10,4 mil ao ano e devem ajudar na divulgação da captação de recursos via crowdfunding.

— Somos um partido do século XXI com aderência de bons quadros junto aos segmentos high tech ede startups —disse Lopes. 

Nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio, o partido tem a chance de eleger um deputado. Paulo de Almeida Sande, ex-assessor do presidente Marcelo Rebelo (PSD), tem 4% das intenções, segundo o Eurosondagem. O outro objetivo é disputar as eleições para a Assembleia da República, em outubro, e, caso obtenham sucesso, negociar coligação de oposição com o PSD e o CSD-Partido Popular (PP). 

Candidato a estrela do partido, Bruno Ferreira Costa acredita na falência da geringonça no segundo mandato, para o qual António Costa deverá se reeleger, como indicam as pesquisas. —Vivem de aparência, por que são vários os problemas no país. Na União Europeia, Portugal tem que ter uma posição de exigência e não de obediência —disse o professor.

Para o cientista político José Adelino Maltez, Portugal entrou na fase de arrumação do tabuleiro pré-eleitoral para a ocupação do vazio à direita. O interessante será observar se haverá fragmentação nas Legislativas ou se a polarização PS versus PSD será mantida. Com o crescente avanço dos partidos de direita e extrema direita pela Europa, ele faz um alerta.

— Um populismo equivalente ao francês ou espanhol ainda não surgiu porque o fascismo português é covarde e não se recompôs desde o fim da ditadura. Mas já há um ou outro com discurso contra os imigrantes, os ciganos. Por enquanto, não parecem ter força intelectual ou financeira, mas cedo ou tarde isso vai acontecer. Quando o PSD diz que não é de direita, retoma posição ao centro para tirar votos do PS. E há um arranjo do cenário e disputa para obter aqueles votos à direita —disse Maltez.

Virada à esquerda limita democratas em eleição americana de 2020

Políticos e eleitores jovens fazem partido adotar agenda mais radical, afastando moderados e reduzindo chances de vitória sobre Trump

Beatriz Bulla / O Estado de S.Paulo

WASHINGTON - O Partido Democrata obteve a maioria na Câmara dos Deputados, em novembro, elegendo um grupo diverso e rejuvenescido, o que confirma uma tendência. Nos últimos anos, principalmente após a eleição de Donald Trump, o partido vem se tornando menos moderado e caminhando mais para a esquerda, o que pode ser um obstáculo na corrida presidencial de 2020.

Em entrevista ao Estado, Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, disse que a radicalização dos democratas, que ele chama de “socialistas”, é uma reação à eleição de 2016. A guinada se dá não só nos novos membros, mas também nas bandeiras do partido, o que pode ser um desafio para os candidatos no ano que vem.

Pela primeira vez, a maioria (51%) dos democratas consultados pelo instituto Gallup se define como esquerdista. Em 1994, metade se dizia moderada, enquanto a outra metade se dividia entre esquerdistas e conservadores.

Novo rosto
Alexandria Ocasio-Cortez é a mais jovem deputada eleita para a Câmara e parte da ala mais à esquerda do partido. Rapidamente, AOC, como é chamada, se tornou uma das principais vozes democratas, usando com maestria as redes sociais.

Ocasio-Cortez é o rosto por trás do projeto apelidado de “Green New Deal”, um ambicioso plano ambiental, apresentado em fevereiro, que propõe um novo modelo que elimine a poluição, enfrente a mudança climática e transforme a economia por meio da adoção de energias limpas e renováveis até 2050.

“Os democratas estão cada vez mais à esquerda e, provavelmente, AOC seja a face mais visível deste movimento”, diz Gary Nordlinger, especialista em estratégia política e professor da Universidade George Washington.

Segundo ele, a guinada é um teste para os democratas. Ocasio-Cortez foi eleita por um distrito do Estado de Nova York predominantemente democrata. Em tese, isso lhe dá mais liberdade para defender pautas radicais sem correr o risco de perder o mandato.

No entanto, há congressistas democratas que foram eleitores por distritos tradicionalmente republicanos, de centro-direita e mais conservadores. Este cenário torna mais difícil uma reeleição caso o deputado adote uma agenda muito à esquerda. “A radicalização pode prejudicar os democratas”, afirma Nordlinger. “No entanto, muitos deles dizem que não. Eles acreditam que são essas ideias mais radicais que estão levando as pessoas às urnas.”

A análise de Nordlinger refere-se ao fato de o voto nos EUA não ser obrigatório. Por isso, em temporada de eleição, democratas e republicanos precisam adotar bandeiras que empolguem suas bases, para que seus eleitores saiam de casa para votar.

Até agora, mais de 20 candidatos democratas já se lançaram na disputa pela vaga do partido na eleição presidencial de 2020. Pesquisas sugerem que há uma tendência de maior apoio a nomes moderados, como Joe Biden, que foi vice-presidente de Barack Obama, entre 2009 e 2017.

Agenda
A posição média dos democratas no espectro político também mudou nos últimos anos. Hoje, os eleitores do partido defendem pautas consideradas mais progressistas e concordam, por exemplo, que os sindicatos devem ter maior influência. Por isso, muitos temas oferecem o risco de rachar o partido entre moderados e radicais.

“A redução da desigualdade e as mudanças climáticas têm um apelo geral entre os membros do partido. Mas, ao mesmo tempo, os democratas podem alienar elementos de centro-direita em questões sociais, em temas ligados ao sistema de saúde e gastos com Defesa”, diz a pesquisa do instituto Gallup.

Fernando Pessoa: Carnaval

A vida é uma tremenda bebedeira.
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira…

A cada hora tenho a dolorosa
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
Duma plebe farsante e copiosa…

Cada momento é um carnaval imenso
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisto maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso

De mais… Balbúrdia que entra pela cabeça
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça…

Automóveis, veículos, (…)
As ruas cheias, (…)
Fitas de cinema correndo sempre
E nunca tendo um sentido preciso.

Julgo-me bêbado, sinto-me confuso,
Cambaleio nas minhas sensações,
Sinto uma súbita falta de corrimões
No pleno dia da cidade (…)

Uma pândega esta existência toda…
Que embrulhada se mete por mim dentro
E sempre em mim desloca o crente centro
Do meu psiquismo, que anda sempre à roda…

E contudo eu estou como ninguém
De amoroso acordo com isto tudo…
Não encontro em mim, quando me estudo,
Diferença entre mim e isto que tem

Esta balbúrdia de carnaval tolo,
Esta mistura de europeu e zulu
Este batuque tremendo e chulo
E elegantemente em desconsolo…

Que tipos! Que agradáveis e antipáticos!
Como eu sou deles com um nojo a eles!
O mesmo tom europeu em nossas peles
E o mesmo ar conjuga-nos

Tenho às vezes o tédio de ser eu
Com esta forma de hoje e estas maneiras…
Gasto inúteis horas inteiras
A descobrir quem sou; e nunca deu

Resultado a pesquisa… Se há um plano
Que eu forme, na vida que talho para mim
Antes que eu chegue desse plano ao fim
Já estou como antes fora dele. É engano

A gente ter confiança em quem tem ser…
(…)

Olho p’ró tipo como eu que ai vem…
(…)

Como se veste (…) bem
Porque é uma necessidade que ele tem
Sem que ele tenha essa necessidade.

Ah, tudo isto é para dizer apenas
Que não estou bem na vida, e quero ir
Para um lugar mais sossegado, ouvir
Correr os rios e não ter mais penas.

Sim, estou farto do corpo e da alma
Que esse corpo contém, ou é, ou faz-se…
Cada momento é um corpo no que nasce…
Mas o que importa é que não tenho calma.

Não tenciono escrever outro poema
Tenciono só dizer que me aborreço.
A hora a hora minha vida meço
E acho-a um lamentável estratagema

De Deus para com o bocado de matéria
Que resolveu tomar para meu corpo…
Todo o conteúdo de mim é porco
E de uma chatíssima miséria.

Só é decente ser outra pessoa
Mas isso é porque a gente a vê por fora…
Qualquer coisa em mim parece agora