quarta-feira, 6 de março de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

Fazer a roda da História girar para trás não é um exercício fácil, mas é esse o movimento tentado aqui e alhures. No cenário europeu com o Brexit do Reino Unido, nos EUA com o trumpismo, que recusa o fenômeno da globalização, dos grandes movimentos migratórios e da agenda ambiental, e em nuestra America, com o Brasil que refuga não só a história de construção da sua soberania como nação para se atrelar à política e aos objetivos do poderoso país do norte do nosso continente, como também conquistas civilizatórias na agenda comportamental, tais como na emergente questão feminina, que afeta tanto o mundo do trabalho como variadas dimensões da vida social, sujeitando-as a um nefasto patriarcalismo, uma das raízes do nosso autoritarismo político.

Esse movimento em marcha à ré, embora sua magnitude atual, não conta com bases sociais capazes de manter sua sustentação, uma vez que ele é mais uma construção de ideólogos e políticos que identificam no estado de coisas no mundo sinais de uma mudança de época que erodem a sua forma de domínio e suas fontes de reprodução. À margem do plano da consciência, contudo, vive-se uma mutação nas camadas mais fundas das estruturas sociais que não tem como ser revertida pelos esforços da política do presidente norte-americano, mesmo com os recursos de que dispõe.

*Sociólogo, PUC-Rio. “Impasses da hora presente”, O Estado de S. Paulo, 3/3/2019.

Roberto DaMatta: A volta da rotina

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Hoje, nessas minhas cinzas, só posso ousar sugerir a criação dos Ladrões Anônimos

Todos voltamos à dura realidade da vida e esta quarta-feira, que há décadas, inexoravelmente, pauta minha crônica, é de cinzas. A partir de hoje, entramos, pelo calendário litúrgico católico romano, nos 40 dias de regeneração e exame de consciência afins à disciplina do corpo e da carne, essa quarentena que precede a Paixão de Cristo, aval da nova aliança de Deus Pai com a nossa pobre e carnavalesca humanidade. Hoje abrimos a esquecida Quaresma das penitências e arrependimentos reveladores de quanto o tal “Brasil laico” como estado nacional é, como sociedade, estruturado pelo Natal, pela Semana Santa e pelo Sábado de Aleluia, quando todos carnavalescamente – e à brasileira – ressuscitavam com Cristo Nosso Senhor.

Parece piedoso demais para o seu gosto moderno e também para o meu, mas esse é um lado esquecido do significado do carnaval que faz demandas financeiras absurdas quando lidas pelo código burguês do equilíbrio fiscal, mas que são parte de uma cosmologia formada pelo catolicismo ibérico que permeia o nosso perfil espiritual e transborda inclusive nos nossos impulsos ideológicos político-revolucionários.

Somos marxistas, mas não somos materialistas. Marx e Engels arregalariam os olhos com essa combinação que, na Europa, trouxe à história humana um progresso material extraordinário e uma visão de mundo que dispensava a transcendência religiosa do (e no) outro mundo.

Mas eis que todo ano celebramos o carnaval no qual todos viram foliões (malucos proto-transgressores) e usam fantasias, abandonando seus uniformes rotineiros. Eu uma vez escrevi sobre desfiles, paradas militares e procissões como três modos de revelação ou leitura esteticamente enquadradas do Brasil por si mesmo.

Nos desfiles, você provavelmente tomou parte fantasiado disso ou daquilo – certamente investindo de uma mensagem contra as classificações rotineiras, preconceituosas e em geral dicotômicas (homem ou mulher, rico ou pobre, sério ou galhofeiro) –, mas inconsciente de seu próprio lado, o qual necessariamente exclui um outro, pois não se pode ser nem a favor nem contra tudo todo o tempo. E pode agora refletir sobre o significado profundo das cinzas.

Sim, porque o seu desfile carnavalesco, misto de irreverência e manifestação, foi apenas um lado da nossa “democracia convulsiva”, como diz Anibal Machado numa brilhante análise do nosso carnaval no seu pouco lido João Ternura. Um livro que tanto me deu certeza de que o carnaval é a celebrização de nossa permanente e latente malandragem – uma ambiguidade ou indecisão histórica de raiz que nos impede de fechar e abrir novas etapas porque tudo se carnavaliza e mistura e, no moinho satânico da política, dos privilégios, dos direitos, das cláusulas pétreas, tudo muda para voltar ao que era antes.

Rosângela Bittar: O pacote do general Mourão

- Valor Econômico

Não adianta querer incendiar o país no mês de janeiro

De palpiteiro a criador de problemas com suas declarações polêmicas sobre tudo e sobre todos, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, transformou-se, em dois meses de governo, em oráculo. Desaguadouro de queixas, instância de recurso ao bom senso, gabinete da salvação para quem precisa resolver problemas com o governo.

Sua imagem virou do avesso. Vê-se que o espalhafato que se tinha impregnado ao seu comportamento, de perto, não se confirmou. O general é ameno, afável, discreto, porém não deixa pergunta sem resposta, por mais arriscada que seja, e parece não temer o quarteto Bolsonaro que governa o país e derruba autoridades. Fala sobre todos os problemas do governo, políticos ou administrativos, com muita segurança, sabe muito bem o que quer e para onde vai.

Diz com toda a ênfase que não é candidato à sucessão do presidente, desejo conspiratório que um integrante da primeira família lhe atribuiu. Seu projeto termina com Bolsonaro. Como o presidente continua com a ideia de não concorrer á reeleição e pretende mesmo acabar com o instituto, Mourão também é contra e não deseja suceder o presidente. "Jamais. O meu pacote foi só para estar aqui com o presidente".

No início do governo, Mourão chegou a mencionar uma tarefa, que lhe seria atribuída, de coordenar as ações de governo, inaugurando uma antiga ideia de dar responsabilidade administrativa ao vice-presidente.

Não ganhou, mas o movimento do seu gabinete, hoje, comprova que tem tarefas especiais e não é vice decorativo, como se autointitulou o ex-presidente Michel Temer quando na Vice-Presidência.

Mourão reúne-se com Bolsonaro duas a três vezes ao dia, e tem agenda repleta de trabalhadores, empresários, grupos que querem sua intermediação com o Executivo e o Congresso. Trata de questões internacionais, denotando que, embora recuse a definição, está sendo uma espécie de moderador nas relações do governo com a sociedade.

Míriam Leitão: A questão militar no atual governo

- O Globo

Será bom ou ruim para as Forças Armadas emprestarem seu prestígio e terem tamanha simbiose com o governo de Jair Bolsonaro?

Os comandantes militares, principalmente do Exército, viram o crescimento do então candidato Jair Bolsonaro como uma oportunidade de tratar uma velha questão mal resolvida com a sociedade brasileira. O general Villas Bôas soltou suas notas nos momentos certos para deixar claro o seu lado no tempo em que o país ainda estava no processo decisório. Urnas fechadas, o desembarque no novo governo foi natural e coerente. Mas uma nova questão começou: será bom ou ruim para as Forças Armadas tamanha simbiose?

O governo Bolsonaro é resultado de uma mistura eclética. Há o ultraconservadorismo dos costumes, que não tem necessariamente correspondência com os valores da instituição, nem é conveniente estar ligado à imagem das Forças. Até porque é um conservadorismo farisaico, que gosta de proclamar-se, mas não viver sob aqueles ditames. Que relação tem alguém que diz, como Bolsonaro, que usava o auxílio-moradia para “comer gente” com a defesa da família tradicional? A interferência da religião em decisões de Estado também não tem conexão com os valores laicos das Forças Armadas. Nelas, integrantes de várias denominações convivem.

Os militares estão sendo vistos como panaceia para qualquer tipo de impasse. Neste momento, quadros da reserva estão povoando todas as áreas. Generais muito bem qualificados foram nomeados para ministérios e têm tido bom desempenho, a ponto de virarem um dos poucos elos de concordância entre eleitores que estiveram em lados opostos. Foi, por exemplo, com alívio que o país viu os militares liderando as negociações na tensão da fronteira com a Venezuela. Assim, respeitou-se a tradicional posição brasileira de rejeitar o papel de ser linha auxiliar dos Estados Unidos na região.

A guerrilha digital do bolsonarismo continua atacando os que manifestam qualquer divergência em relação ao governo. Seus líderes, inclusive os filhos do presidente, não entenderam o básico sobre o que é governar. Não lançam pontes, aprofundam as divisões. Não diluem desentendimentos, cultivam rancores. Não cedem, querem a eliminação dos que divergem. O episódio do ataque a Lula, protagonizado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, no momento em que o ex-presidente vivia dor profunda, é uma demonstração do problema. Essa cultura do conflito não faz bem à imagem das Forças Armadas, que precisam ser vistas como instituições de todo o país, e não de uma facção política e ideológica.

Vera Magalhães: Bolsonaro e os pobres

- O Estado de S.Paulo

A parcela da esquerda que não está presa à armadilha autoimposta de passar os dias bradando “Lula Livre” nas redes sociais e defendendo a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela vai, aos poucos, detectando um flanco para enfrentar o governo de Jair Bolsonaro: a falta de projetos voltados aos mais pobres. O caminho, diga-se, foi mostrado pelo próprio presidente e seu entorno.

O discurso altamente ideologizado de Bolsonaro tem feito com que categorias como professores, ambientalistas, sindicalistas, ativistas de organizações não governamentais e artistas sejam automaticamente associados ao PT e estigmatizados – quando não xingados de larápios de dinheiro público, canalhas e outros adjetivos – por aliados do presidente, ministros e quando não pelo próprio. O exemplo mais recente foi o entrevero entre Bolsonaro e artistas no carnaval. Na visita de Juan Guaidó a Brasília, Bolsonaro brincou que a esquerda gosta tanto de pobres que acaba por “multiplicá-los”. Mas o que o governo propõe para reduzir a pobreza?

Por ora não se sabe. A agenda liberal do governo tem levado a mudanças como as referentes ao Benefício de Prestação Continuada e à aposentadoria rural na reforma da Previdência, à redução de repasses para as faixas mais populares do Minha Casa Minha Vida e à suspensão da reforma agrária.

Já há setores do governo preocupados com essa balança social desequilibrada. O próprio presidente deu mostras de que pode não bancar a proposta de “focalização” do BPC defendida pela equipe econômica, justamente pelo peso do programa junto aos mais pobres, principalmente nos Estados do Nordeste.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro tinha feito uma inflexão em seu discurso histórico contra o Bolsa Família (sempre associado por ele à compra de votos pelo PT) ao dizer que iria manter e ampliar o programa, instituindo inclusive um 13.º para os beneficiários. Parecia entender que, para ampliar sua base social, precisaria falar aos mais necessitados da pirâmide social. Os primeiros meses não trouxeram um conjunto de iniciativas voltadas a esse público, e a oposição, que mostrou na eleição que não tem um projeto que fale ao conjunto da sociedade, percebe a lacuna e começa a se reorganizar para atuar nela.

Hélio Schwartsman: Dignidade e justiça

- Folha de S. Paulo

Certos termos dão ótimas bandeiras, mas, por serem conceitos abertos, são menos úteis para nortear a tomada de decisões em situações concretas

“Dignidade da pessoa humana” e “justiça social”. Esses termos dão ótimas bandeiras políticas, mas se tornam menos úteis se tentarmos utilizá-los para tomar decisões informadas sobre situações concretas. O problema é que eles são conceitos abertos demais. Como significam qualquer coisa, acabam não significando muita coisa.

Tomemos a “dignidade humana”. Dependendo do freguês, o termo pode ser usado tanto para justificar o desligamento como o não desligamento das máquinas que mantêm vivo um paciente terminal. No caso da “dignidade”, até que a solução não é difícil. Num grande número de casos —mas não todos—, a expressão pode ser substituída, com enorme descomplicação conceitual, por “autonomia individual”.

O paciente que não queria ter sua existência prolongada artificialmente —e manifestou esse desejo enquanto podia— encontrará a sua “dignidade”, da mesma forma que aquele para o qual a vida é sagrada e não pode ser suprimida pela volição humana. Só o que não vale é um tentar impor a sua “dignidade”, que é pessoal e intransferível, ao outro.

Vinicius Torres Freire: Cinzas no mundo do trabalho

- Folha de S. Paulo

Além de efeitos da crise, há sintomas de precariedades crônicas no emprego

A discussão do futuro das aposentadorias faz a gente lembrar que existem trabalhadores que dificilmente têm condições de contribuir para o INSS, por exemplo. De costume, a situação do trabalho é um assunto mais raro no debate público mais geral.

No entanto, é o caso de prestar atenção no que se passa, até porque um dos pilarzinhos da quase estagnação econômica, as estacas dessa palafita, é o consumo, que em parte grande depende da recuperação de emprego e salário.

Há cheiro de queimado no mundo do trabalho:

1) Emprego e salário desaceleram desde o terceiro trimestre do ano passado;

2) A precarização aumenta;

3) Setores em que houve grande devastação do trabalho, mal se recuperam (construção civil) ou têm sintomas de resfriado (indústria);

4) Não há decisões de políticas públicas que tratem da grande desgraça do emprego, de um setor ainda em recessão, o da construção civil;

5) O ritmo de criação de emprego formal desacelera e começa a ficar relevante a quantidade de empregados pelo regime de trabalho intermitente, o que suscita pelo menos uma dúvida séria sobre a qualidade do trabalho oferecido com carteira assinada.

Uma das categorias de emprego que crescem de modo mais rápido e relevante é o “por conta própria”, 23,9 milhões das 92,5 milhões de pessoas ocupadas. Destas “por conta”, 19,2 milhões não têm CNPJ. São informais de quase tudo.

Pedro Cafardo: É bom ficar esperto para não andar na contramão

- Valor Econômico

Em todo o mundo, líderes protegem as empresas nacionais

O pensamento econômico liberal tem ibope em todos os setores do governo. As privatizações das últimas estatais que sobraram, até uma parte da Petrobras e, quem sabe, do Banco do Brasil, caminham para se materializar tão logo seja encerrada a recém-iniciada batalha da reforma da Previdência.

A própria Nova Previdência segue o fluxo liberal, com redução do papel do Estado e introdução de um ainda não desenhado sistema de capitalização para sustentar as aposentadorias do futuro, ameaçadas pela mudança demográfica e pelo envelhecimento da população.

Tudo muito bom, tudo muito bem. Não há discussão, o Estado brasileiro está soterrado por obrigações que não consegue atender. As receitas públicas não são suficientes para pagar as despesas, que crescem ainda mais no momento difícil da economia. A Previdência tem déficits bilionários e mantém privilégios inadmissíveis para algumas categorias profissionais, enquanto a grande massa de aposentados pelo chamado regime geral se vira recebendo um ou dois salários mínimos.

Esse olhar liberal, portanto, é bem-vindo. Mas seria interessante observar com mais cuidado o que está acontecendo lá fora, nos EUA, na Europa e na Ásia. De Berlim, vieram notícias surpreendentes no mês passado. O governo alemão anunciou que vai proteger setores importantes de aquisições e concorrência estrangeira. Pela nova política, o governo se dispõe a comprar participações em empresas estratégicas para evitar que elas sejam adquiridas pelo capital estrangeiro.

No dia em que essa informação foi publicada, virando algumas páginas de jornal, lia-se a notícia de que a Boeing esperava aprovação dos acionistas da Embraer para concluir a compra da empresa brasileira, que certamente é um dos maiores sucessos privados da indústria brasileira inovadora. Na semana passada, os acionistas da Embraer, em assembleia, aprovaram a operação.

Monica De Bolle*: Guerras industriais

- O Estado de S.Paulo

O Brasil tem lições a dar ao mundo, com a experiência fracassada da política industrial do governo Dilma

As guerras comerciais, como a travada entre a China e os EUA, sempre suscitam bastante atenção. O protecionismo, ao expor rivalidades, é terreno fértil para especulações a respeito do impacto macroeconômico e dos desdobramentos geopolíticos, sobretudo quando os países envolvidos são as duas maiores economias do planeta. Já as guerras industriais, ou os embates entre políticas industriais, têm recebido muito menos atenção, ainda que os efeitos possam ser tão perigosos para a estabilidade global quanto o das guerras comerciais. O exemplo mais claro disso é o desprezo com que foi tratada a recente política industrial da Alemanha delineada pelo Ministro da Economia Peter Altmaier.

Há um mês, o ministério da econômica alemão publicou documento intitulado “Estratégia Nacional para a Política Industrial 2030”, claramente como uma resposta à política industrial chinesa conhecida como Made in China 2025 de Xi Jinping anunciada em 2015. A proposta chinesa pretende acelerar o crescimento da indústria tecnológica por meio de metas setoriais, subsídios e crédito direcionado que somam centenas de bilhões de dólares, e o apoio intensivo de empresas estatais.

Desde o anúncio, a política industrial chinesa tem suscitado muita preocupação entre países desenvolvidos pelos efeitos que pode vir a ter nos setores de alta tecnologia mundo afora. As ambições da China também são vistas com extrema desconfiança, já que as práticas para produzir os resultados pretendidos são opacas e podem aumentar substancialmente os riscos de roubo de propriedade intelectual. Foi em resposta a esses riscos que a Alemanha anunciou seu próprio plano, espécie de retaliação, ou estratégia defensiva, contra a China.

Antes de pincelar os pontos principais do plano alemão é importante ter em mente que Peter Altmaier não é um nacionalista ferrenho, tampouco membro de algum partido extremista. Ao contrário, ele é filiado ao partido de centro-direita da primeira-ministra Angela Merkel, o CDU. Contudo, o documento elaborado por ele e sua equipe contém altíssimo teor nacionalista.

Zuenir Ventura: O que 2019 nos reserva

- O Globo

Ano estaria começando hoje

Segundo a nossa tradição carnavalesca de que o ano começa de fato na Quarta-Feira de Cinzas, 2019 estaria começando hoje, embora às vezes ele dê a impressão de ser um ano que terminou antes de ter começado.

A astrologia diz que ele será regido por Marte, o que causa apreensão. Se Júpiter, com todo o otimismo que o cerca, como senhor da abundância e da prosperidade, fez de 2018 um ano em que a violência bateu recordes, o que esperar do belicoso “deus da guerra”?

Há exemplos recentes assustadores, como o rapaz estrangulado por um segurança num supermercado, e a imagem do rosto desfigurado de uma mulher pelos socos desferidos durante quatro horas por um play-boy covarde.

Por outro lado, temos um governo ambivalente —ou bipolar. O presidente é contra a tirania de Maduro, mas exalta Stroessner, e no seu altar de admirações figuram generais da ditadura militar e um torturador, que é seu herói. Demite um ministro que se indispôs com o filho, e diz que “nenhum filho meu manda no governo, não há nada disso”.

Ricardo Noblat: Um presidente sem decoro

- Blog do Noblat /Veja

Bolsonaro compartilha no Twitter vídeo pornográfico

Pode ter sido efeito da ressaca de um carnaval onde apanhou muito por toda parte e foi alvo de insultos de baixo calão.

Mas ninguém espera que um presidente aparentemente normal reaja como fez o capitão Bolsonaro em sua conta no Twitter.

Ele agrediu a lei, a moral, os bons costumes e até a sensibilidade dos seus próprios devotos ao compartilhar um vídeo pornográfico.

Sim, porque uma coisa é o erotismo, representação explícita da sexualidade. Outra muita diferente é a pornografia.

O vídeo mostrou um homem dançando sobre um ponto de táxi em São Paulo após introduzir um dos dedos no próprio ânus.

Em seguida, aparece outro que abre as calças e urina na cabeça do homem que dançava. Por que Bolsonaro compartilhou o vídeo?

Para “expor a verdade” à população, segundo ele. “É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”, escreveu.

Havia um bloco perto da cena. Mas a cena nada tinha a ver com o enredo do bloco nem com o comportamento dos seus integrantes.

Bolsonaro pediu aos quase 3 milhões e meio de seguidores que tirassem suas próprias conclusões e que debatessem a respeito.

Recebeu como resposta mais de 24 mil comentários, a maioria criticando-o pelo que havia feito.

Em um deles, o jornalista Fabio Pannunzio, apresentador do jornal da Rede Bandeirantes de Televisão, escreveu:

“Bolsonaro, a minha neta de seis anos tomou conhecimento dessa cena no seu Twitter. Ela e outros milhões de crianças cujos pais o seguem. Quero ver como o presidente da República vai explicar o que elas viram. Você precisa de tratamento médico com urgência”.

“Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” é crime, segundo a lei 1.079 da Constituição Federal.

Compartilhar vídeo pornográfico é ou não incompatível “com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” de presidente da República?

Compartilhar vídeo pornográfico para em seguida deplorar seu conteúdo torna o vídeo menos pornográfico?

Presidente da República é o servidor número 1 do país. Todos os olhos se voltam para ele, para o que faz ou deixa de fazer.

Todos os ouvidos estão atentos para escutar o que ele diz. O comportamento de um presidente é escrutinado a cada momento.

Tudo bem que Bolsonaro não contasse com sua eleição até levar a facada em Juiz de Fora que quase lhe custou a vida. Mas, e daí?

Daí que parece nada ter aprendido desde que se elegeu presidente, nem mesmo a proceder com a honra que o cargo exige.

O país que deu a Bolsonaro 58 milhões de votos em outubro último está sendo apresentado aos poucos ao presidente que elegeu.

Não importa se está gostando ou não do que vê. Terá que conviver com ele pelos próximos 4 anos. Ou exatos 3 anos, 9 meses e 25 dias.

Ricardo Noblat: Escreva mais, Bolsonaro!

Ninguém amordaça um presidente
Somente ontem, além de compartilhar um vídeo pornográfico em sua conta no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro atacou indiretamente dois artistas, os baianos Daniela Mercury e Caetano Veloso, e respondeu com desaforos a dois jornalistas.

Elio Gaspari*: Crivella quer o Porto Jogatina

- O Globo /Folha de S. Paulo

Cariocas são obrigados a suportar fantasias e empulhações do prefeito do Rio

Num mesmo dia, o prefeito Marcelo Crivella disse que "o Rio de Janeiro é o epicentro da corrupção" e anunciou um futuro radiante para o projeto do Porto Maravilha. Prometeu R$ 10 bilhões em investimentos com a construção de duas torres de hotéis, um centro de convenções e... um cassino.

O prefeito do "epicentro da corrupção" defende a legalização da jogatina para salvar um projeto megalomaníaco atolado na zona portuária da cidade. Isso num estado que tem dois governadores presos, e foram apanhados em roubalheiras dezenas de deputados, secretários do governo e conselheiros do Tribunal de Contas. Dois cardeais da sacrossanta Arquidiocese de d. Eugênio Salles viram suas atividades tisnadas por malfeitos de pessoas que lhes eram próximas. Tudo isso sem que o jogo seja legalizado.

Um policial militar que trabalhou com a família Bolsonaro e orgulhou-se de "fazer dinheiro" ainda não ofereceu uma versão consistente para explicar suas movimentações financeiras. Um capitão da tropa de elite da PM teve a mãe e a mulher empregadas no gabinete do filho do presidente. Alcunhado "Caveira", o oficial foi expulso da corporação e está foragido. Ele era donatário de uma milícia da cidade.

O Rio de Janeiro elegeu um juiz para o governo do estado. Outro policial, que se apresentava como seu consultor para assuntos de segurança, está na cadeia, acusado de extorsão. Na última eleição esse policial foi candidato a deputado federal pelo partido do governador. O filho do presidente homenageou-o numa sessão da Assembleia Legislativa.

Os desafios dos sindicatos: Editorial / O Estado de S. Paulo

A emergência financeira causada pelo fim do imposto sindical impôs aos sindicatos a busca de meios para sua sobrevivência material, entre os quais a fusão entre eles. A necessidade de reduzir drástica e rapidamente os gastos para se adaptar às novas condições de financiamento de suas atividades é um enorme desafio para os sindicatos, que, ao longo de sua história, se acostumaram a usufruir do dinheiro recolhido compulsoriamente de todos os trabalhadores de suas bases e que era transferido automaticamente pelo Ministério do Trabalho para seus cofres. Ainda que imenso, este é, porém, apenas um dos desafios que as entidades sindicais em todos os níveis estão sendo forçadas a enfrentar.

Outro, estruturalmente muito mais complexo, é a necessidade de adaptar-se às transformações do processo de produção e de distribuição de bens e serviços em escala global. As mudanças provocadas pela tecnologia de informação são não apenas rápidas, mas sobretudo extensas, e afetam dramaticamente o mundo do trabalho. Por consequência, exigem novos meios de atuação dos sindicatos.

Não parecem ser muitos os dirigentes que já compreenderam o alcance dessas mudanças na atividade sindical. A maior parte deles só agora está tomando consciência dos problemas materiais imediatos das organizações sindicais, a começar por sua solvência financeira.

Sem desconto: Editorial / Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro acerta na intenção de enfatizar o caráter voluntário das contribuições sindicais, mas erra ao impor regras sem aviso e negociação

Com a edição da medida provisória 873, o governo Jair Bolsonaro (PSL) promoveu mais uma alteração na cobrança das contribuições destinadas a sustentar os sindicatos.

A MP tem como propósito principal reforçar o caráter voluntário dos aportes feitos pelos empregados —acertadamente estabelecido na reforma da CLT em 2017, mas com frequência ignorado em decisões da Justiça Trabalhista.

Nos últimos meses, com efeito, muitos sindicatos vinham obtendo liminares favoráveis ao pagamento obrigatório de taxas referendadas em assembleias ou negociações coletivas, não raro apenas de fachada e pouco representativas.

Como reação ao que o governo entende como ativismo judicial contrário aos princípios da reforma, a MP impõe autorização prévia individual do trabalhador, por escrito, para a cobrança da contribuição. Veda-se ao sindicato o uso de qualquer mecanismo que busque caracterizar a aceitação tácita por parte do associado.

Dinheiro público estimula mercado de partidos: Editorial / O Globo

Legislativo e Judiciário ajudaram a fragmentar de forma excessiva a representação política

A aprovação da reforma da Previdência Social é reconhecida como necessária e urgente, mas vai exigir uma inédita negociação do governo com 30 partidos na Câmara e 21 no Senado.

Os plenários do Legislativo espelham a desagregação. Quatro anos atrás, 27 partidos coabitavam a Câmara, agora são 30. No Senado, contavam-se 15, agora são 21. Números da Justiça Eleitoral; consideram, portanto, a aplicação da cláusula de barreira.

Individualmente, as maiores bancadas não somam 12% dos 513 votos disponíveis na Câmara e 15% dos 81 no Senado. Três deputados e seis senadores são líderes deles mesmos.

Não se pode atribuir ao grande número de partidos a responsabilidade exclusiva por crises. É certo, porém, que esse nível de fragmentação, dos mais elevados do mundo, restringe a eficácia do Executivo e do Legislativo nos processos de decisão e execução de políticas públicas.

O problema se agrava. A cada 40 dias surge um novo partido político no país. A Justiça Eleitoral já reconheceu 35. Desses, três dezenas conseguiram eleger representantes ao Congresso. Há outros 74 “em formação”, ou seja, reivindicando legitimação no Tribunal Superior Eleitoral.

A experiência brasileira nas últimas décadas sugere que a alta dispersão partidária no Congresso não inviabiliza a governabilidade. Porque o Executivo encontrou formas de contorná-la. O governo recorre, até com frequência muito além da real necessidade, a meios institucionais como a edição de Medidas Provisórias e pedidos de urgência na tramitação, além da cooptação de parlamentares. Assim, induz o Legislativo à cooperação. Quanto mais ampla a negociação, maior tende a ser o custo de governabilidade.

Governo não parece ansioso em obter apoio no Congresso: Editorial / Valor Econômico

Um debate histriônico nas redes sociais lança uma cortina de fumaça a respeito de ideologias, enquanto que na prática os ministros apontados como exóticos do governo Bolsonaro tem agido com coerência para piorar o que já existe, em especial nas questões ambientais. Polêmicas, essas ações não angariam mais apoio à fundamental reforma da previdência, em tese a prioridade do novo governo.

Ontem, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou em um encontro com as grandes multinacionais da área no Canadá, que o Brasil pretende permitir atividades de mineração nas áreas indígenas e em zonas de fronteira. Já durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro prometeu não demarcar mais terras para os índios, enquanto defendia que eles pudessem arrendar suas terras para a iniciativa privada. Eleito, Bolsonaro pensou primeiro em fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Alguém deve tê-lo convencido de que era ruim para o prestígio do governo e desnecessário para os fins que pretendia. Controles relacionados ao cadastro rural, essenciais para o controle ambiental, foram transferidos para a Agricultura, que, em poder dos ruralistas, passou a ter poder de decisão sobre o assunto. A ministra Damares Alves, em uma pasta de ajuntamentos, ficou com a Funai, direitos humanos e adjacências.

Ricardo Salles, ministro do Ambiente, tem agido com presteza para desmontar a estrutura de vigilância ambiental. Ex-secretário particular do tucano Geraldo Alckmin, ele que criar por decreto uma comissão de conciliação que decidirá sobre a validade, recursos, destino e montantes das multas ambientais. Para tanto, vai nomear dois secretários concursados para avaliar milhares de multas aplicadas pelas 27 regionais do Ibama em território nacional - em 2018, foram 14,5 mil processos (Folha de S. Paulo, 26 de fevereiro). Um outro objetivo é proibir a conversão indireta de multas, modalidade que, com a participação de organizações não governamentais e entidades públicas, permitiu arrecadar R$ 1,1 bilhão para a recomposição florestal da bacia do São Francisco, mais do que os recursos oficiais destinaram a esse fim desde o início do projeto de revitalização do rio.

Câmara bate recorde de projetos apresentados

No primeiro mês de trabalho, deputados novatos e veteranos sugeriram a maior quantidade de propostas desde 1946.

CÂMARA CRIATIVA

No primeiro mês, deputados apresentam a maior quantidade de projetos desde 1946

Natália Portinari / O Globo

BRASÍLIA - No primeiro mês de trabalho da Câmara dos Deputados, parlamentares apresentaram 1.081 novos projetos de lei. É o maior número mensal da História do Congresso desde o início da série histórica, em 1946, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Para efeito de comparação, em fevereiro de 2011, o mês recordista até então, foram protocolados apenas 612 projetos.

Boa parte dos projetos apresentados pelos deputados é focada em endurecimento da Lei Penal para combate à corrupção: “código penal”, “proibição” e “tipicidade penal” estão entre os termos mais usados nos textos dos parlamentares.

As novas proposições estão bem distribuídas entre partidos de todo o espectro ideológico. O Podemos lidera, com 168 projetos, seguido por PSB, PSL e PT. No partido do presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal que mais propôs é Hélio Lopes (RJ), que fez campanha como Hélio Negão ou Hélio Bolsonaro. Ele apresentou proposta que institucionaliza a presença da Polícia Militar em todas as universidades, e outra que muda o tempo máximo de pena no país de 30 para 38 anos.

A empolgação dos recém-chegados é um fator importante. O deputado novato Rodrigo Agostinho (PSB-SP), por exemplo, é quem mais protocolou proposições, com 54 projetos de lei. São inovações na Lei Penal, Direito administrativo e ambiental, além de projeto que dispõe sobre a guarda de animais de estimação após o divórcio. Agostinho também apresentou projeto para criminalização do caixa dois semelhante ao pacote enviado pelo ministro da Justiça Sergio Moro.

— Eu trabalhei bastante no período de recesso para melhorar a redação desses projetos. Eles são fruto de um debate com a sociedade.

PSL cresce pouco após troca-troca no Congresso

Crescimento de sigla de Bolsonaro é frustrado em troca-troca partidário

Após sucesso nas eleições, PSL não conseguiu engordar bancada da forma como previa, mas, com 54 deputados, empata com PT na Câmara

Daniel Carvalho, Angela Boldrini / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Impulsionado nas eleições de 2018 pela popularidade de Jair Bolsonaro, o PSL elegeu uma bancada expressiva no ano passado, mas viu frustrada sua expectativa de crescimento no Congresso durante o troca-troca partidário do início de legislatura.

O partido que em outubro passado elegeu três governadores e emplacou 52 deputados federais e quatro senadores ficou quase do mesmo tamanho desde então.

Se o desgaste do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) —por movimentações financeiras suspeitas de funcionários de seu gabinete na Assembleia do Rio— ainda não atingiu diretamente o partido, o mesmo não se pode dizer do esquema de candidaturas de laranjas revelado pela Folha.

Oficialmente, o PSL tem 54 deputados agora, empatando com o PT como maior bancada da Câmara. Bia Kicis (DF) trocou o PRP pelo PSL. E, com a saída de Onyx Lorenzoni (DEM-RS) para assumir a Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, assumiu o suplente Marcelo Brum (PSL-RS).

Apesar de ainda não constar da listagem oficial da Câmara, integrantes da sigla afirmam que a bancada chegará a 55 deputados —e se tornará a maior— com a mudança do Pastor Gildenemyr (MA), conhecido como Pastor Gil, do PMN para o PSL.

Correligionários do presidente e seus filhos ligados ao partido, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e o senador Flávio Bolsonaro (RJ), esperavam chegar a 60 no processo de engorda da bancada.

O tamanho das bancadas na Câmara é critério para a distribuição de recursos públicos destinados aos partidos.

Com Bolsonaro, Presidência eleva em 16% gasto com cartão corporativo

Despesas nos dois primeiros meses do governo Bolsonaro chegam a R$ 1,1 mi; resultado contraria proposta feita por ministro da Casa Civil

Breno Pires / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Os gastos com cartões corporativos da Presidência da República nos dois primeiros meses do governo Jair Bolsonaro aumentaram 16% em relação à média dos últimos quatro anos, já considerada a inflação no período. Apesar de ter seu fim defendido durante a transição, a nova gestão não só manteve o uso dos cartões como foi responsável por uma fatura de R$ 1,1 milhão.

O cálculo leva em consideração os pagamentos vinculados à Secretaria de Administração da Presidência da República – que incluem as despesas relacionadas ao presidente.

Os valores foram divulgados apenas na semana passada, com atraso, após o Estado questionar a Controladoria-Geral da União (CGU). Mesmo assim, a descrição da maioria dos pagamentos é sigilosa. Nem mesmo a data em que a despesa foi feita é divulgada. O argumento é que informar os gastos do presidente pode colocar em risco a sua segurança.

A extinção dos cartões corporativos foi defendida pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, durante a transição de governo. Na ocasião, o ministro disse que mudanças seriam feitas com “critérios”, baseadas em consultas à Advocacia-Geral da União (AGU) e à CGU. Ao Estado, os dois órgãos disseram que ainda não foram consultados sobre o tema.

Resistência à hegemonia do PT fragmenta oposição

Divisão que se aprofundou depois da eleição presidencial do ano passado emperra formação de bloco único na Câmara para avaliar projetos do governo Bolsonaro

Ricardo Galhardo e Pedro Venceslau / O Estado de S.Paulo

Líderes de partidos de oposição a Jair Bolsonaro estimam ter entre 160 e 180 cadeiras na Câmara. O número seria suficiente para, no limite máximo, barrar a aprovação de emendas à Constituição e inviabilizar reformas. No mínimo, já poderia complicar a vida do governo – que ainda enfrenta dificuldades para montar uma base sólida de apoio na Casa. Isso seria verdade se a oposição estivesse unida, algo que não ocorreu até agora.

Disputas pela hegemonia no campo da esquerda – que nos últimos anos esteve sempre nas mãos do PT–, por espaços e postos no Parlamento e diferenças regionais ou de concepção estratégica estão por trás da falta de coesão das esquerdas. Outra forte razão é a perspectiva de candidaturas opostas nas eleições de 2022.

A divisão repete o segundo turno da campanha presidencial do ano passado, quando Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede) apoiaram Fernando Haddad (PT), enquanto Ciro Gomes (PDT) resistiu a compor uma frente para enfrentar Bolsonaro. Seu partido acabou oferecendo “apoio crítico” ao candidato petista. A distância se aprofundou durante a disputa pelos cargos da mesa diretora da Câmara. Neste caso, os parlamentares se dividiram quanto ao apoio à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“Existe uma diferença de tática sobre como enfrentar Bolsonaro, isso é inegável. No caso de Ciro e do PCdoB, isso se expressou no apoio ao Maia”, disse o presidente do PSOL, Juliano Medeiros. Ele vai insistir na proposta de um fórum de presidentes dos partidos, apresentada no início de 2018 e logo abandonada por falta de adesões.

Divisões. Os partidos se dividem em dois grupos. De um lado, o bloco liderado por PCdoB e PDT, que afirmam defender uma oposição “responsável” ao governo Bolsonaro, de olho nos votos que essa estratégia pode trazer entre eleitores de centro-esquerda. Eles integram um bloco na Câmara com outros seis partidos que totaliza 83 votos, mas admitem que alguns deles devem compor a base do governo.

De outro lado, estão PT, PSB, PSOL e Rede, com 97 cadeiras, que defendem uma oposição sistemática a Bolsonaro. Eles dizem contar ainda com parlamentares desgarrados de siglas como MDB, PSDB, Solidariedade, PPS, PV, PROS, PP e Podemos, que se dizem insatisfeitos com o governo federal.

A divisão afeta até as mobilizações de rua. Diante da dificuldade para ampliar as adesões para além do campo da esquerda, as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, que reúnem partidos e movimentos de esquerda, desistiram da ideia de criar uma aliança em defesa de bandeiras da democracia que, na avaliação dos dois grupos, estariam sob ameaça com o novo governo. “Não há disposição política para uma frente permanente”, disse Raimundo Bonfim, da Frente Brasil Popular.
Bonfim confirma que os motivos para o distanciamento são a opção de Ciro e do PDT por buscarem setores do eleitorado de centro, o incômodo causado pelo hegemonismo do PT e o afastamento do PCdoB em relação ao PT.

As frentes também não contam com a participação de entidades ligadas ao PCdoB na jornada de manifestações contra a reforma da Previdência, programada para este mês. A União Nacional dos Estudantes (UNE), historicamente ligada à sigla, não compareceu a três reuniões da Frente Brasil Popular.

Filiada ao PCdoB, a presidente da UNE, Marianna Dias, disse que a entidade não participou das reuniões por motivos “operacionais”: a organização da Bienal de Cultura da entidade, que foi realizada em Salvador.

Lula. Segundo os políticos, a oposição deve se unir apenas em torno de temas pontuais, como a reforma da Previdência, mas não vai formar um bloco homogêneo. “Vamos nos rearticular em torno da Previdência. Já estamos mantendo conversas bilaterais”, disse o deputado José Guimarães (PT-CE). O presidente do PDT, Carlos Lupi, vai na mesma linha. “Temos divisões de comportamento, mas não de visão estratégica.”

Já o PSB, com seus 32 deputados e três governadores, vai defender a unidade na luta contra a reforma da Previdência, mas deve manter distância do “Lula Livre”. “A proposta (da reforma) é tão ruim que não tem como ter divisão”, disse o presidente da sigla, Carlos Siqueira. “Achamos lamentável o ex-presidente estar preso, mas o ‘Lula Livre’ é uma campanha mais específica do PT”, disse ele.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da minoria na Câmara, minimiza o racha e elenca uma série de ações conjuntas marcadas para os próximos meses, como uma greve geral em 1.º de maio. “O ‘Lula Livre’ é uma bandeira central da democracia. O que o Ciro acha disso não importa. Estamos todos juntos na oposição ao Bolsonaro.”

Disputa por direção petista opõe Gleisi a governadores
Não bastassem as dificuldades para negociar um acordo com os demais partidos de oposição, o PT – que elegeu a maior bancada da Câmara e teve 47 milhões de votos no segundo turno da eleição presidencial – ainda precisa resolver suas próprias diferenças internas.

Preso, ex-presidente arbitra sobre futuro de Haddad

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - A sala adaptada da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso, há quase um ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido palco de frequentes reuniões políticas que vão definir os rumos do PT nos próximos anos. Mesmo privado da liberdade, Lula consegue manter a influência sobre todos os passos dos petistas e nenhum movimento interno é iniciado sem que ele seja consultado. Nos últimos dois meses, o PT discutiu maneiras de retomar o protagonismo político de Fernando Haddad e mudanças na direção nacional do partido voltaram à agenda.

O ex-prefeito, que disputou o segundo turno com Jair Bolsonaro em 2018 e terminou o pleito com 47 milhões de votos, passou a cogitar a possibilidade de presidir o PT, segundo dirigentes do partido confirmaram ao Valor. Esta tese havia sido rejeitada por Haddad logo após a campanha eleitoral. Para que isto possa ocorrer, no entanto, é preciso convencer o próprio Lula e mudar o formato de organização da presidência da legenda para que Haddad possa se dedicar a grandes temas e ações que projetem a imagem do PT externamente, sem que tenha que cuidar de questões internas e burocráticas do partido, o que ele se recusa a fazer.

O partido vai iniciar, ainda em março, as viagens de Haddad pelo país. Há quem chame os eventos de "Caravanas Petistas", mas os formatos serão totalmente diferentes dos périplos feitos por Lula de 1993 a 1996, com as Caravanas da Cidadania, quando percorreu 26 Estados, e também entre 2016 e o ano passado, após o impeachment de Dilma Rousseff. Haddad fará viagens de quinta a sábado e não quer comprometer sua agenda de trabalhos acadêmicos como professor no Insper e na USP.

"Não serão caravanas, mas debates", respondeu Haddad, lacônico, ao Valor. Questionado sobre o objetivo destas viagens, disse que a intenção é debater a "conjuntura política e projetos".

Até o momento, Lula defende que a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) seja mantida na presidência da legenda. Há setores do PT, no entanto, que consideram a postura de Gleisi sectária e inadequada para as exigências de união da centro-esquerda na atual conjuntura política.

O papel que Gleisi exerceu no PT é reconhecido por diferentes alas petistas, mesmo as pouco simpáticas à parlamentar. Os petistas são unânimes em afirmar que ela assumiu a defesa do partido no momento mais delicado, com o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. A ex-ministra de Dilma é vista, porém, como pouco hábil no diálogo com governadores, parlamentares e outros partidos. Setores petistas a consideram boa interlocutora "para dentro" da militância e com movimentos sociais de esquerda, mas não "para fora".

Para sindicato, mexer em contribuição é inconstitucional

Por Fabio Graner e Carla Araújo | Valor Econômico

BRASÍLIA - A Medida Provisória 873, que altera as regras para recolhimento da contribuição sindical, estaria alterando o princípio estabelecido na reforma trabalhista de que o negociado prevalece sobre o legislado. Esta é a interpretação do movimento sindical sobre o texto que estabelece que a contribuição sindical só pode ser feita por boleto bancário (sem desconto em folha) e que foi publicado na entrada do feriado prolongado de Carnaval e no mês marcado pelo recolhimento da contribuição sindical anual.

"A medida é inconstitucional e é uma contradição com a reforma trabalhista, que dá prevalência do negociado sobre o legislado. Trata-se de uma alucinação que visa destruir o sistema de relações de trabalho, sindicato e negociação", disse o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. "Agora uma lei quer limitar o poder das negociações na essência básica que é a constituição do sujeito coletivo de representação - o sindicato, a relação deste com o trabalhador, e a relação com o empregador", completou.

A interpretação é rebatida pelo governo. O secretário especial de Previdência e Trabalho do ministério da Economia, Rogério Marinho, destacou ao Valor que o artigo 611b da nova legislação trabalhista destaca que a contribuição sindical só pode ser cobrada mediante autorização prévia, expressa e individual do trabalhador. "Esse é o espírito da lei que estava sendo relativizado em algumas decisões judiciais", disse Marinho, ironizando a contestação sindical sobre a prevalência do legislado sobre o negociado. "Feliz que o pessoal da área sindical esteja defendendo a lei que atacaram", completou.

Um ano após derrota histórica, esquerda italiana elege líder para tentar voltar à essência

Atual governador do Lazio, Nicola Zingaretti arrasa nas primárias do PD e tentará criar um novo esquema de alianças para mudar o rumo da esquerda no país

Daniel Verdú / El País

ROMA - O Partido Democrático (PD) da Itália enterrou o renzismo e iniciou um novo capítulo político em que pretende recuperar o espaço ideológico perdido nos últimos anos. Nicola Zingaretti, atual governador da região do Lázio, será o novo secretário-geral da formação socialdemocrata italiana. Cerca de 1,7 milhão de pessoas o elegeram em primárias abertas que superaram em muito as previsões de participação, que eram pessimistas.

Antes da contagem final, Zingaretti tinha o apoio de mais de 65% dos votantes, número que permite evitar uma assembleia fratricida e impor um programa estratégico e ideológico que virará definitivamente a página de uma etapa catastrófica nas urnas. “Hoje é o começo de um caminho difícil. Vamos abrir um processo constituinte para um novo PD”, afirmou o novo secretário-geral, anunciando uma mudança de rumo total no partido.

Faz exatamente um ano que a formação de centro-esquerda enfrentou uma enorme crise política com o pior resultado eleitoral desde sua fundação, em 2007 (perdeu sete pontos em relação a 2013). As eleições de 4 março do ano passado mostraram uma desconexão com o eleitorado de esquerda e a profunda aversão de grande parte da base social do partido contra o então secretário-geral, Matteo Renzi. Houve decepção com a virada ideológica, a falta de respostas aos problemas reais dos cidadãos. Muitos de seus eleitores ficaram em casa naquele dia. Outros optaram por uma resposta mais simples e direta, como aquela proposta pelo Movimento 5 Estrelas (M5S).

O ultimato que lançaram neste domingo, 3, esses mesmos eleitores, considerando o perfil de seu novo secretário-geral, é claro: voltar à essência de esquerda, abandonar a vertente mais populista e tentar cicatrizar as feridas com todas as facções às quais Renzi declarou guerra. Ontem, no entanto, o toscano, cujo candidato ficou em terceiro lugar, foi o primeiro a dizer que é hora de acabar com o “fogo amigo”.

Zingaretti (de 53 anos), muito mais próximo das correntes do antigo Partido Democrático Socialista (PDS) e aberto à exploração de novas estratégias, tem um caráter aberto e de diálogo. A ideia do irmão do comissário Montalbano –o ator principal da série de maior audiência, Luca Zingaretti– é construir uma nova grande aliança que percorra todo o espectro de esquerda e chegue até o +Europa, o partido de Emma Bonino. Ele mesmo se encarregou de lembrar disso em suas primeiras palavras enquanto a contagem continuava: “Um partido fundado em duas palavras: unidade e mudança”.

Uma série de movimentos de cidadãos que se opõem ao Governo e ao autoritarismo crescente que atravessa a Itália tomaram as ruas há semanas.

A revolução prometida pelo M5S há um ano não veio e o país caminha para uma recessão. No sábado, além disso, cerca de 200.000 pessoas se manifestaram em Milão contra Salvini. A esquerda agora se vê capaz de cavalgar esse mal-estar com um perfil como o de Zingaretti, que não tem inconvenientes em voltar aos velhos esquemas ideológicos, abraçar o ecologismo, admitir que o PD decepcionou profundamente seus eleitores e agir para criar uma nova comunidade. “Foram primárias para a Itália. E isso reativa uma esperança para o futuro. Centenas de milhares de pessoas confiaram em nós hoje e seremos dignos dessa confiança. Eu penso nos desiludidos. Naqueles que não foram votar um ano atrás e hoje estavam nas urnas. Naqueles que nos criticaram; naqueles que, não confiando em nós, votaram em outras forças políticas que expuseram melhor suas ideias. Penso neles porque vejo neste resultado um primeiro sinal. Construiremos um novo PD e uma nova aliança”, disse.

Um dos grandes debates que enfrentará o novo secretário-geral, que recebeu o apoio explícito do ex-primeiro-ministro Paolo Gentiloni, é a possibilidade de chegar a um pacto com o M5S. Uma parte importante do partido considera que essa opção deveria ser explorada quando os atritos no Executivo, que os grilinosformam com a Liga, provocarem uma possível crise de Governo. Outros acreditam que, precisamente, é o momento de recuperar todos os votos roubados em sua própria casa por Luigi Di Maio. Por enquanto, Zingaretti já começou a enviar uma mensagem dirigida aos mais desfavorecidos e aos milhões de pobres que o M5S conquistou nas últimas eleições. “Dedicamos eles a vitória nessas primárias.”

Vinicius de Moraes: Soneto de quarta-feira de cinzas

Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada

Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada

Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura

Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.