sábado, 16 de março de 2019

João Domingos: A força de Maia

- O Estado de S.Paulo

Construção de candidatura começa assim, pavimentada centímetro a centímetro

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é o maior beneficiário da incapacidade demonstrada pelo governo até aqui na construção de uma base de apoio parlamentar. Sem um negociador político do governo capaz de fazer a ponte entre o Congresso e o Palácio do Planalto, Maia acabou por herdar essa função. Dela está tirando todo o proveito político que pode.

Hoje é possível perceber o quanto o governo passou a ser dependente do deputado. Quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, se refere à possibilidade de aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, ele sempre cita “a visão de futuro” de Maia. Essa visão de futuro levou o presidente da Câmara a negociar com o presidente Jair Bolsonaro o adiamento para o segundo semestre da tramitação do pacote de combate ao crime organizado, à corrupção e aos crimes violentos, pacote este feito pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro.

O próprio Moro, ao perceber que suas propostas vão ficar para trás, anunciou que vai procurar Maia para tentar um acordo que leve à tramitação dos projetos. Ele acha que uma coisa não atrapalha a outra. Maia acha que atrapalha. Por enquanto, o pacote anticorrupção e anticrime está parado na Câmara, anexado a outros preparados por uma comissão chefiada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

É costume dizer que em política não existe vácuo. Todos os espaços são preenchidos o mais rapidamente possível. Hoje não se sabe se Bolsonaro tentará a reeleição. Nem dá para dizer que, se disputar, é favorito, tantas são as crises em que se envolveu.

Adriana Fernandes: Corte orçamentário escancara a realidade

- O Estado de S.Paulo

A necessidade de um corte nas despesas do Orçamento da União deve ser anunciada na próxima sexta-feira

O início da tramitação da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, na próxima semana, coincidirá com a definição, pela equipe econômica, do corte nas despesas do Orçamento – o primeiro do governo do presidente Jair Bolsonaro.

A coincidência mostra que os problemas da economia real continuam na mesa e não podem esperar pelas mudanças nas regras da aposentadoria, cuja votação deve ir muito além do primeiro semestre deste ano.

A necessidade de um corte “considerável” nas despesas do Orçamento da União deve ser anunciada na próxima sexta-feira e refletir os efeitos da falta de solução para dois problemas que o governo Bolsonaro prometeu acelerar: a recuperação do crescimento e as privatizações.

Apesar da confiança dos agentes de mercado na política do ministro da Economia, Paulo Guedes, o crescimento continua em marcha lenta.

O impacto nas contas do governo é imediato: a arrecadação de impostos está vindo abaixo do que foi projetada, o que exige compensações no lado das despesas, justamente onde não há muito espaço. Só se veem pressões para expandir os gastos vindo dos novos ministros que querem – com razão – mostrar serviço, entre eles Sérgio Moro, e também de parlamentares aliados que cobram a liberação de emendas para apoiar a reforma da Previdência.

Marcus Pestana*: Por uma previdência sem privilégios

- O Tempo (MG)

O sistema previdenciário tem um papel fundamental para assegurar dignidade à vida do trabalhador que já esgotou sua capacidade laborativa. A previdência não era um problema tão grande no mundo inteiro porque a expectativa de vida era pequena e havia muito mais jovens do que idosos. Isto mudou radicalmente. Não é uma questão ideológica. É uma questão atuarial e econômica. Prova disto é que o todo poderoso líder de direita da Rússia, Vladmir Putin, o centrista recém-eleito na França, Emmanuel Macron, e o líder de esquerda da Nicarágua, Daniel Ortega, propuseram reformas em seus respectivos sistemas previdenciários. Todos encontraram enormes resistências.

No Brasil, além das características universais, acumulamos distorções enormes que tornam o sistema absurdamente injusto e claramente insustentável.

Foi por entender a gravidade da situação que o PSDB e o Instituto Teotônio Villela promoveram, na última quarta-feira, um excepcional debate sobre a reforma da previdência com três grandes especialistas: o ex-ministro e ex-deputado Roberto Brant e os economistas Paulo Tafner, da FIPE, e Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal.

Roberto Brant, do alto de sua experiência e qualidade intelectual, realçou a centralidade da reforma da previdência não só para inevitável ajuste fiscal, mas principalmente para que se abra espaço para a retomada do crescimento e dos investimentos, assim como para a recuperação de outras políticas públicas essenciais como as de educação, saúde e segurança, hoje estranguladas. Colocou enfaticamente que é preciso construir uma narrativa sólida e convincente, esclarecer a população, dialogar com a sociedade e com o Congresso Nacional e agir com coragem. Realçou ainda sua convicção que se o Presidente Jair Bolsonaro não chamar para si a liderança do processo, usufruindo do cacife político conquistado nas urnas, as chances de aprovação são mínimas ou teremos uma reforma tão desidratada, que nem vale a pena fazer. Num caso ou outro, as perspectivas para o país, para o próprio governo federal e para estados e municípios serão sombrias.

Demétrio Magnoli*: Causa mortis

- Folha de S. Paulo

Marielle foi executada pois colocava em risco os negócios e a segurança das milícias

Ela morreu porque era negra, homossexual, feminista e socialista. Um ano atrás, logo após o assassinato de Marielle Franco, incontáveis ativistas de esquerda atribuíram o crime a isso que a lei qualifica como "motivo torpe". No dia da prisão dos suspeitos (12/3), a promotora Simone Sibílio, coordenadora do Gaeco, reproduziu a conclusão prévia: "os autos de investigação nos autorizam a imputar aos dois denunciados a motivação torpe, decorrente de uma repulsa à atuação política de Marielle na defesa de suas causas: minorias, mulheres negras, LGBT". No megafone dos ativistas, o diagnóstico reflete o impulso de direcionar os holofotes para suas convicções militantes. Já no microfone da promotora, denota incompetência —ou, pior, o desejo de encerrar as investigações sem elucidar a autoria intelectual da execução.

O crime foi meticulosamente planejado. Os suspeitos não mantinham relações pessoais com a vítima. Um deles pertenceria a uma milícia de Rio das Pedras; o outro seria responsável por homicídios ligados à contravenção. Tudo indica que eles dispunham de um arsenal de fuzis de assalto M-16. A tese do "crime de ódio" não combina com esse conjunto de circunstâncias. As causas das "minorias, mulheres negras, LGBT" contam com inúmeros destacados porta-vozes. Contudo, não há indícios de que os suspeitos buscavam a eliminação genérica deles. Por que precisamente Marielle, entre tantos?

Num artigo publicado na Folha, Mônica Benício, viúva de Marielle, faz referências ao racismo e à homofobia mas não inclui, em momento nenhum, a palavra "milícias". Talvez sem perceber, seu texto assenta-se sobre a tese do "crime de ódio". Contudo, simultaneamente, em outra declaração, afirma que "não basta prender mercenários" pois é preciso "saber quem mandou articular tudo isso e qual foi a motivação".

Alvaro Costa e Silva: O profissional

- Folha de S. Paulo

Cuidado com seu vizinho: ele pode ser miliciano

Nos últimos anos o Rio tem ampliado o alcance da frase atribuída a Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Aqui, só dá profissional. Pegue o exemplo de um personagem desconhecido mas cujas atuação e trajetória deixariam envergonhado o mais delirante roteirista de Hollywood: o ex-sargento da PM Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.

Até então, aos olhos da sociedade, ele era um cidadão de bem, acima de qualquer suspeita, homenageado na Assembleia Legislativa. Aos 48 anos, tinha a ficha limpa, descontando as 124 multas aplicadas ao seu carro importado. O Infiniti, blindado e avaliado em cerca de 120 mil, ficava na garagem da mansão com cinco suítes onde morava, num condomínio de luxo da Barra da Tijuca, o mesmo onde o presidente Bolsonaro tem uma residência —um imóvel ali pode custar R$ 4 milhões.

Egresso do Exército, exímio atirador, o “caveira” Lessa foi promovido por atos de bravura. Em 2009, já ligado ao jogo do bicho, perdeu a perna num atentado a bomba. Reformado por invalidez, bandeou-se para uma quadrilha de matadores de aluguel, conhecida como Escritório do Crime. Sua conta recebia depósitos de até R$ 100 mil, em dinheiro, na boca do caixa. Em abril de 2018 —mês seguinte aos homicídios de Marielle e Anderson— sofreu novo atentado. Um homem de moto atirou contra ele no Quebra-Mar da Barra, indicando a tentativa de queimar o arquivo vivo.

Julianna Sofia: Biruta de aeroporto

- Folha de S. Paulo

Guedes é neófito nas agruras de Brasília e dispersa energia ao propor desvinculação orçamentária

Exercício de redundância dizer que o governo Bolsonaro tem enfiado os pés pelas mãos, em tranches diárias, nos seus 75 dias de gestão. Até para um calouro no Palácio do Planalto, há excesso nos desacertos, recuos, gafes, omissões e demissões. Torna-se ameaçador, no entanto, quando a bússola desnorteada também serve à área econômica.

Antes do primeiro mês de aniversário da reforma da Previdência, a ser completado na próxima quarta-feira (20),o ministro Paulo Guedes(Economia) apontou para outra direção. O que no seu discurso de posse fora tratado como plano B, no caso de insucesso nas mudanças das regras para aposentadorias, ganhou imediatismo. O economista passou a defender a tramitação simultânea da PEC previdenciária e de uma outra para desvincular o Orçamento.

A estratégia de Guedes mostrou-se equivocada. O "Posto Ipiranga" de Jair Bolsonaro ouviu críticas de governadores, parlamentares e especialistas em contas públicas. Foi obrigado a recuar em seus planos e tentou jogar para as mãos dos políticos a decisão sobre o timing da medida. O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, se antecipou ao ministro (a quem é subordinado) e declarou que a proposta de mexer no Orçamento não seria mais enviada ao Legislativo no curto prazo.

Hélio Schwartsman: O que é direito e o que é certo

- Folha de S. Paulo

Guerra entre procuradores da Lava Jato e ministros do STF oferece mais a perder do que a ganhar aos dois lados

Direito eles têm. Numa sociedade aberta, procuradores podem fazer as campanhas que bem entenderem e criticar, mesmo em termos incivis, políticos e magistrados de cujas visões discordem. Podem até tachar como incompetente um ministro de tribunal superior.

Obviamente, juízes têm o direito de imprecar contra membros do Ministério Público, sugerindo que sejam venais. O limite da crítica é dado pela legislação penal, em especial as normas que coíbem os crimes contra a honra —e, numa sociedade verdadeiramente aberta, os delitos de injúria e difamação seriam abolidos (são subjetivos demais), ficando só a calúnia.

O fato de terem esse direito não significa que devam exercê-lo. As posições que cada um de nós ocupa na sociedade nos impõem, não obrigações legais, mas certas regras de conduta ou normas de etiqueta das quais não deveríamos nos desviar sem uma excelente razão.

Procuradores, até para vencer mais casos, deveriam evitar indispor-se com juízes, categoria que, se não é hierarquicamente superior à sua, tem a palavra final nas decisões judiciais. Tratá-los com urbanidade é, portanto, algo que interessa aos próprios procuradores. Mesmo quando pretendem pressionar os magistrados, deveriam recorrer ao soft power e jamais a campanhas explícitas. Mobilizar a população contra juízes específicos é um erro estratégico grave.

Merval Pereira: E a luta continua

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar para a Justiça Eleitoral os crimes comuns que tenham conexão com o caixa 2 está provocando reações em diversos níveis, assim como a abertura de inquérito, anunciada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sobre mensagens e publicações que ofendam ou caluniem os membros do Supremo e suas famílias.

Além das reações quanto a essa investigação, há também um movimento no Ministério Público para tentar superar as barreiras impostas pelo Supremo à investigação de corrupção de políticos.

Para o caso específico que originou o julgamento, uma acusação de Caixa 2 e corrupção contra o deputado federal Pedro Paulo e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, é possível que os procuradores refaçam o inquérito, restringindo-o aos crimes comuns, retirando o de caixa 2.

Isso é possível porque o Ministério Público tem a titularidade sobre a formação do crime. O ministro Luis Fux chamou a atenção durante o julgamento de que o Poder Judiciário só pode analisar a competência quando a denúncia for oferecida, e não na fase de inquérito. Considerou que estava havendo uma antecipação em o STF definir agora a competência no inquérito.

É provável também que os procuradores passem a fazer, a partir de agora, as denúncias retirando a acusação de caixa 2 e focando nos crimes comuns como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, e outros, que são julgados pela Justiça Federal.

Míriam Leitão: A educação longe do foco

- O Globo

Foi uma semana difícil, a que termina. Difícil pelo que houve e pelo que não houve. A tragédia de Suzano jogou na cara do país uma emergência para a qual nunca estivemos preparados. O Ministério da Educação passou a semana imerso numa crise entre olavistas e não olavistas, tema totalmente estranho à realidade. A gestão do ministro Vélez Rodriguez esgotou-se nessa briga intestina e na sua incapacidade de olhar os verdadeiros problemas da área.

O que houve em Suzano não é culpa evidentemente do MEC. A relação entre os dois fatos se dá pela total alienação das autoridades federais, em um país onde a educação deveria ser a prioridade absoluta.

Não é a primeira vez que acontece uma tragédia como a de Suzano, mas ela mostrou que não foram estudados os ataques anteriores a escolas como os de Realengo e da creche de Janaúba, Minas, em que morreu heroicamente a professora Heley de Abreu Silva Batista. Sobre esse assunto que repete os macabros e frequentes atentados em escolas nos Estados Unidos, o país precisa se debruçar para compreender o fenômeno em todos os seus aspectos, em vez de simplificar a rota do entendimento das causas.

Foi equivocada e desconcertante a reação do governo. Nos primeiros momentos, governistas como os senadores Major Olímpio e Flávio Bolsonaro tentaram fortalecer as teses favoráveis ao porte de armas, quando, claramente, essa pauta se enfraquece. Olímpio defendeu que professores se armassem como solução, e Flávio culpou o “malfadado estatuto do desarmamento”. O presidente Bolsonaro demorou seis horas para manifestar uma simples solidariedade às famílias das vítimas, e o ministro só se moveu quando já estava ficando constrangedor seu silêncio e sua alienação.

O problema é complexo e tem sido estudado profundamente em outros países. Há pesquisas internacionais que podem ajudar o Brasil a tentar compreender esses eventos que são muito difíceis de prever. A abordagem terá que ser multidisciplinar, pela multiplicidade de fatores que podem ocasionar tragédias assim. É devastadoramente triste ver adolescentes sendo atacados por dois jovens, um deles menor de idade, no momento em que estavam estudando. Uma das alunas do 3º ano do Ensino Médio, que havia passado a manhã em aulas de sociologia e filosofia, falou a frase síntese: “em um momento a gente estava feliz e, no outro, implorando pra viver.”

José Márcio Camargo*: Redefinindo o Orçamento

- O Estado de S.Paulo

O mais provável é que o efeito positivo da PEC do Pacto Federativo domine o negativo no Congresso

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que deverá enviar ao Congresso Nacional, via Senado, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para redefinir o Pacto Federativo. Ainda que não esteja totalmente claro o teor desta nova PEC, o objetivo parece ser desvincular e desindexar as despesas do orçamento público dos diferentes níveis de governo, reduzir ou eliminar as renúncias tributárias e, dessa forma, liberar o Orçamento para ser decidido pelo Congresso Nacional.

Depois da reforma da Previdência, esta é, a meu ver, uma das reformas mais importantes para viabilizar o equilíbrio fiscal e a alocação mais eficiente de recursos públicos. As regras orçamentárias atualmente vigentes geram incentivo à indexação e à vinculação de receitas a determinadas despesas e tornam o Orçamento rígido e pouco eficiente.

Pelas regras atuais, a discussão do Orçamento se inicia com o envio da proposta orçamentária, elaborada pelo Executivo, para o Legislativo, definindo a estrutura e o total de gastos e de receitas e o déficit ou superávit primário (que exclui gastos com juros da dívida pública) e nominal. A proposta é negociada entre os partidos do governo e os da oposição, aprovada pelo Congresso e chancelada pelo presidente da República.

Entretanto – e ao contrário do que ocorre em democracias maduras –, a peça orçamentária brasileira é apenas autorizativa, ou seja, a lei não obriga o governo a executar os gastos aprovados. Ela apenas o autoriza a gastar, ficando a critério do Poder Executivo se e quando irá efetivamente executar o que foi aprovado pelo Legislativo. Daí os contingenciamentos no início do ano fiscal.

Roberto Abdenur*: Os interesses de Brasil e EUA

- O Globo

Nossa política externa não pode ser influenciada de fora para dentro por personagens estrangeiros

A viagem a Washington será o primeiro exercício diplomático do presidente Bolsonaro. A visita trará bons resultados para nossas relações com os EUA, com avanços no comércio, no intercâmbio entre as Forças Armadas, na transferência de tecnologia. Um acordo específico viabilizará o uso da Base de Alcântara. O Brasil será proclamado parceiro estratégico extra-OTAN. Os EUA talvez suspendam o veto que impunham à entrada do Brasil na OCDE.

A conversa sobre assuntos políticos internacionais, de outro lado, abordará questões em que há diferenças, por vezes substanciais, entre as posições do Brasil e as dos EUA. Trump procurará cooptar Bolsonaro para o alinhamento com os EUA.

Um tema que possivelmente aflorará será o da transferência de embaixadas em Israel para Jerusalém. Os EUA, que nisso foram seguidos somente pela Guatemala, gostariam de ver o Brasil fazer o mesmo. É importante que o presidente não siga esse caminho, que representaria uma brutal ruptura com 70 anos de posição equilibrada entre Israel e Palestina.

Outro assunto é a China. Os EUA conduzem uma confrontação estratégica com a China. Essa disputa vai além da questão do déficit comercial americano. Inclui disputa pela supremacia tecnológica na introdução da tecnologia 5G na internet. Trump pressiona outros países a impedirem a empresa chinesa Huawei de participar da infraestrutura de 5G em seus territórios. O Brasil não tem motivo para aderir a esse boicote, pois a China , parceira estratégica, é nosso principal sócio em comércio e investimentos, além de nossa companheira no Brics. Não faz sentido adotarmos postura de frieza em face de tão decisiva parceria.

Governo cobra apoio por escrito de deputado

Ideia é que parlamentar assine documento e se ‘responsabilize’ por indicados para cargos

Naira Trindade, Vera Rosa / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo quer que deputados deixem suas digitais nas indicações feitas para preenchimento dos cargos de segundo e terceiro escalões. A ideia é que os parlamentares assinem uma planilha, ao lado dos nomes de seus afilhados políticos, para que possam ser cobrados, caso eles venham a se envolver em alguma irregularidade após assumir o posto. A iniciativa, porém, não tem sido bem recebida pelo Congresso.

Deputados receberam de articuladores políticos do Palácio do Planalto, na última semana, a lista de cargos disponíveis para nomeações nos Estados. O governo vai preencher as vagas em troca do apoio à reforma da Previdência, considerada fundamental para o ajuste das contas públicas. Mas a exigência para que os políticos coloquem suas assinaturas nas indicações não agradou em nada aos congressistas.

Auxiliares do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, argumentam que os aliados também precisam arcar com o ônus de ser governo. Além de assumir a responsabilidade pelo apadrinhado, a assinatura também garante ao governo uma prova de que o deputado participa efetivamente de sua base de apoio e, portanto, poderá ser cobrado em votações de interesse do Executivo.

Coordenadores de bancadas de cinco Estados disseram que os deputados estão preferindo abrir mão das indicações caso tenham que se comprometer com a agenda do presidente Jair Bolsonaro. Há outra motivação menos nobre. A maioria dos cargos oferecidos não tem relevância. Os mais importantes estão fora da lista apresentada por interlocutores da Casa Civil.

Em áudio, deputado do PSL cita troca de cargos por votos na Previdência

Julian Lemos (PSL-PB) sustenta ser alvo de grampo ilegal e diz que pedirá investigação à PF; governo não comenta conteúdo

Bruno Abbud / O Globo

RIO — Em áudio que circula em Brasília, inclusive entre assessores do Palácio do Planalto, um deputado federal do PSL relata que parlamentares têm exigido e negociado cargos em troca de votos favoráveis à reforma da Previdência , principal projeto do primeiro ano do governo Bolsonaro .

Na gravação, um telefonema de 12 minutos, a que O GLOBO teve acesso, o deputado Gulliem Lemos (PSL-PB), conhecido como Julian Lemos, relata ao secretário-geral do PSL na Paraíba e assessor do Ministério do Turismo, Fabio Nobrega Lopes, que conseguiu junto à Casa Civil garantir para si a prerrogativa de indicar nomes para cargos de direção na Fundação Nacional da Saúde (Funasa) da Paraíba e na sede regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Lemos também relata que outros parlamentares buscam ou buscarão acordos semelhantes, com o objetivo de obter cargos na administração federal em troca de votos.

Na conversa, Lemos conta que vai conseguir, "logo de cara", as indicações para a Funasa e o Incra e diz que ainda tentará "pegar um terceiro negócio". O interlocutor concorda e afirma que a Funasa "é forte demais". Procurado, o deputado disse que pedirá à Polícia Federal que investigue a origem da gravação, que chamou de “grampo ilegal”.

— O áudio é crime. É uma violação gravíssima, uma agressão, um fato grave. Isso aí vai rolar Polícia Federal. É extremamente absurdo isso. Não tem nada que desabone, única coisa que vejo criminosa é a gravação ilegal. Sou um deputado federal, imagine se os deputados agora têm seu sigilo telefônico quebrado — disse.

Feita sem o conhecimento dos dois interlocutores, a gravação de fato surgiu a partir de um grampo telefônico, segundo informou uma fonte ao GLOBO. Sem citar nomes, Julian Lemos atribuiu o grampo a adversários políticos.

– Descobri a fonte, descobri tudo, foi uma armaçãozinha que fizeram. Estou pegando mais informação para chegar aonde quero. É coisa minha — disse Lemos.

As indicações políticas apontadas por Lemos no telefonema ainda não foram oficializadas. Nesta semana, depois de O GLOBO procurar o deputado para comentar o teor do diálogo, Lemos anunciou em suas redes sociais que “abre mão” de indicar pessoas para ocupar cargos federais.

Na conversa, ocorrida em fevereiro, o secretário do PSL paraibano menciona uma reunião na Casa Civil na qual, segundo ele, ficou acertado que os cargos “a nível estadual” seriam distribuídos depois do carnaval. Ainda de acordo com Fábio Nobrega Lopes, o ministro-chefe da pasta, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), participou de um dos encontros nos quais eram discutidas as trocas de indicações a cargos na máquina federal por votos favoráveis à reforma da Previdência. O GLOBO procurou Onyx, por meio de sua assessoria, mas ele não comentou o diálogo.

Distribuição para todos
Lemos relata que, na reunião, Carlos Manato, secretário-geral para a Câmara do governo, diz que haverá cargos para todos os deputados, menos para os que são do PT e de outros partidos de esquerda.

Na conversa, Lemos e Nobrega discutem o preenchimento de um cargo na Funasa com salário líquido de R$ 7 mil, que consideram baixo, mas que controlaria uma alta gestão de recursos liberados pela Casa Civil.

Toffoli vê movimento para ‘assassinar reputações’ no País

STF. Após abrir inquérito para investigar ameaças à Corte, ministro diz ao ‘Estado’ que ação nas redes sociais atinge ‘todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia’

Vera Rosa / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia após anunciar a abertura de inquérito para investigar fake news, ofensas e ameaças dirigidas a integrantes do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte, Dias Toffoli, disse que a tecnologia voltada para destruir a honra será combatida a todo custo. Nos últimos dias, o Supremo foi alvo de novos ataques nas redes sociais e recebeu críticas até de procuradores da Lava Jato.

“Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou Toffoli ao Estado. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”

O tema também fará parte do cardápio do almoço de hoje entre os chefes dos três Poderes. A ideia foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que convidou para o encontro o presidente Jair Bolsonaro, Toffoli e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de ministros.

O presidente do Supremo pretende reforçar ali sua proposta de um “pacto entre os poderes” para votar reformas consideradas fundamentais, como a da Previdência e a tributária. A escalada de agressões enviadas principalmente em correntes de WhatsApp e postagens no Twitter e Facebook preocupa a Corte em um momento de crescente tensão política. No Senado, um grupo articula a criação da “CPI da Lava Toga”, a fim de investigar possíveis excessos cometidos por tribunais superiores.

“Os ataques às instituições que vitimizam todos, incluindo a imprensa séria, são verdadeiros atentados ao estado democrático de direito”, insistiu Toffoli. “Judiciário independente e imprensa livre são as bases da democracia. Foi assim que os Estados Unidos foram construídos.” Para o ministro do Supremo Gilmar Mendes, as “milícias digitais” não são amadoras. “Precisamos melhorar o sistema de defesa a esses ataques industrializados”, comentou ele.

Partidários de Bolsonaro inflam reação ao Supremo

Parlamentares do PSL comandam ofensiva nas redes sociais contra ministros da Corte após resultado do julgamento sobre caixa 2

Renato Onofre /O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Parlamentares do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, têm inflado as manifestações contrárias ao Supremo Tribunal Federal nas redes sociais e capitaneado ofensivas contra magistrados no Congresso. A reação foi intensificada após a Corte decidir, anteontem, encaminhar casos de caixa 2 associados à corrupção para a Justiça Eleitoral, medida criticada por procuradores e considerada uma derrota para a Lava Jato.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, é um dos que criticaram a decisão. Ele disse ontem que “há uma revolta muito grande” nas redes sociais com o resultado do julgamento. “Como representante da população, essa mensagem tem que ser dada: a população não gostou e realmente está pegando mal. Isso aí acaba desgastando um pouco a imagem do Supremo, sim”, afirmou ontem durante evento em São Paulo.

O próprio presidente já havia se manifestado contra a medida em café com jornalistas na quarta-feira, antes da decisão final dos ministros.

Expoentes do PSL na Câmara, porém, têm adotado um tom mais agressivo. No dia do julgamento, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) foi para a frente do prédio do Supremo ameaçar os ministros que votassem contra o que defendia a Lava Jato. “Não vamos aceitar que vocês acabem com a Lava Jato. 

Se precisar, os deputados do povo vão entrar com pedidos de impeachment de cada um de vocês. Não brinque com o povo brasileiro. O povo, unido, já derrubou um presidente. E, unidos também, vamos derrubar cada um dos ministros que rasgarem a Constituição”, afirmou a deputada ao microfone na Praça dos Três Poderes.

Outros parlamentares eleitos impulsionados na onda virtual que alavancou Bolsonaro, como o deputado Alexandre Frota (PSL-SP), estão convocando Eduardo Bolsonaro os seguidores nas redes para ir ao ato contra o Supremo marcado para o domingo.

Para aliados, Davi Alcolumbre vê em CPI da Lava Toga uma janela para ‘crise entre Poderes’

Painel / Folha de S. Paulo

Algodão entre cristais Pessoas próximas ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), têm dito que ele vê com reservas as tentativas reiteradas de uma ala da Casa de instalar uma CPI para investigar o Supremo. Em conversas nos últimos dias, o democrata reafirmou que não acha oportuno instar um “atrito entre os Poderes” e que “ninguém quer criar uma crise”. Há um trabalho para que, pela segunda vez, parlamentares que assinaram o requerimento pela criação da comissão retirem seus nomes da lista.

Modo avião Há uma preocupação da cúpula do DEM com a pressão sobre Alcolumbre. Um dirigente do partido próximo ao presidente do Senado diz que ele deveria mudar o número de telefone. Motivo: a quantidade de mensagens enviadas por grupos que pedem impeachment de ministros do STF é enorme.

Baixar armas Alcolumbre encontra Dias Toffoli, presidente do STF, neste sábado (16), em almoço promovido pelo comandante da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Como mostrou o Painel na quinta (14), Jair Bolsonaro também irá. Interlocutores veem a reunião como oportunidade ímpar para um armistício.

Mãos dadas Para Toffoli, o encontro deste sábado indica que os três Poderes estão “unidos no mesmo propósito: destravar o Brasil de suas amarras, permitindo as retomadas do desenvolvimento econômico e da geração de emprego”.

Em meio à crise interna no Ministério Público, dois procuradores pedem demissão

Saída foi recebida pela categoria como um protesto após Raquel se insurgir contra acordo firmado entre Petrobrás e força-tarefa da Lava Jato no Paraná

Breno Pires / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As críticas internas no Ministério Público Federal à atuação da procuradora-geral, Raquel Dodge, se intensificaram nesta semana, após a chefe da instituição ter solicitado ao Supremo Tribunal Federal que suspendesse o acordo firmado pela Lava Jato com a Petrobrás, que criava um fundo de R$ 2,5 bilhões. Dois procuradores da República que atuavam em uma secretaria vinculada ao gabinete de Raquel pediram demissão, o que foi recebido pela categoria como um protesto.

Os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha eram chefes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA), que realiza um trabalho de investigação criminal. Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral da República disse que os procuradores informaram que saíram por motivos pessoais e que o órgão não faria comentários.

Em diversos grupos de comunicação entre procuradores, houve críticas a Raquel por ter acionado o Supremo diretamente — o que representou, segundo eles, um embate com a força-tarefa, em vez do diálogo. A leitura é de que havia meios de revisão do acordo dentro do próprio Ministério Público Federal, sem um pedido de liminar no STF. Nesta sexta-feira, 15, o ministro Alexandre de Moraes atendeu ao pedido de Raquel e suspendeu o acordo bilionário com valores recuperados pela Lava Jato.

Para procuradores ouvidos reservadamente, existe um cenário de desgaste na instituição. Não estão descartados novos pedidos de demissão. Alguns integrantes ouvidos sob condição de anonimato entenderam que, ao apresentar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Raquel abriu um flanco para ataques do Supremo à categoria.

Durante a semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, anunciou uma representação contra um membro da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, o procurador da Diogo Castor, e a abertura de um inquérito no qual serão investigados supostos crimes e infrações de membros do Ministério Público em ataques à corte.

Raquel foi indicada ao cargo em 2017, pelo então presidente da República, Michel Temer. Assumiu o posto em setembro, para um mandato de dois anos. Na ocasião, ela ficou em segundo lugar na lista tríplice elaborada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), com votos de procuradores. A sucessão será discutida ao longo do ano e a decisão caberá ao presidente Jair Bolsonaro.

Supremo é chamado de inimigo da Lava Jato, mas sua função é seguir a lei

Parte dos ataques é culpa do próprio STF, mas tentativa de domesticar tribunal implica desequilibrar Poderes

Rubens Glezer* / Folha de S. Paulo

Perante uma parte da opinião pública e de agentes políticos, o Supremo Tribunal Federal teria se tornado um inimigo da Operação Lava Jato e, por consequência, do combate à corrupção.

A crítica passou de determinados ministros e alcançou o tribunal como um todo. Nessa perspectiva, cada decisão judicial que tenha o potencial de contrariar a operação é vista como um golpe ou tentativa de golpe, independentemente do que diz o direito.

Esse tipo de percepção não surge repentinamente nem se mantém facilmente. A defesa mais simples para o STF seria a de que somente aplica a Constituição e as normas jurídicas.

Se, por exemplo, investigações de condutas que envolvem crimes eleitorais, nos termos do Código de Processo Penal e da Constituição, devem ser remetidos para a Justiça Eleitoral, o Supremo faz bem de assim determinar.

Com isso, se a decisão viesse a atrapalhar a Operação Lava Jato, bastaria dizer que, felizmente ou infelizmente, aquela é a lei e que precisaria ser aplicada. Porém essa não é uma defesa atualmente à disposição do Supremo Tribunal Federal.

Ao longo dos últimos quatro anos, o Supremo se engajou ativamente em interpretações inovadoras e inusitadas. Foi assim ao criar a figura da suspensão do mandato parlamentar de Eduardo Cunha, da prisão em flagrante de Delcídio do Amaral e da retomada da tese de prisão em segunda instância.

Todas essas decisões foram pautadas na bandeira de combate à corrupção, mas fugindo à literalidade da lei e às convenções do que se considerava ser possível de realizar de acordo com a Constituição.

Dividido, STF atende políticos sobre caixa 2: Editorial / O Globo

Resta à sociedade continuar a acompanhar de perto a luta contra a corrupção, que se mantém

A decisão do Supremo, por apenas um voto (6 a 5), em favor da tese de que mesmo denúncias de corrupção praticada no financiamento de campanhas e de partidos devem ser encaminhadas à Justiça Eleitoral é mais um round no enfrentamento entre organismos de Estado e esquemas que desviam dinheiro público.

O tema dividiu a Corte, sinal da profundidade das divergências jurídicas. Há, portanto, bons argumentos de lado a lado. Talvez seja uma indicação de que no futuro o assunto volte a ser enfrentado na Corte. Seria um alento para os que temem grave retrocesso no combate à corrupção que vem sendo travado, com êxitos importantes, desde a segunda metade dos anos 2000, quando foi denunciado o mensalão do PT.

Era esperado que políticos reagissem no Congresso e tentassem aprovar barreiras ao avanço de investigações conduzidas pelo Ministério Público, Polícia Federal e outros organismos do Estado, reunidos em forças-tarefa. A mais importante delas é a Lava-Jato, de Curitiba, que conseguiu desbaratar uma organização criminosa montada pela cúpula do PT, partidos aliados e grandes empreiteiras, para desviar bilhões de grandes obras públicas, muitas concentradas na Petrobras.

Desde o mensalão, a defesa de acusados procura transferir processos dos clientes para a Justiça Eleitoral. Na quinta-feira, eles obtiveram esta importante vitória no Supremo.

Cardápio incompleto: Editorial/ Folha de S. Paulo

Concessão de aeroportos é bem-sucedida, mas governo Bolsonaro precisa detalhar planos para outras áreas

O leilão de privatização de aeroportos desta sexta (15) foi um êxito, em todos os seus aspectos.

Houve concorrência, com lances de empresas relevantes no mercado mundial e a entrada de novas firmas brasileiras no setor, até agora administradoras de rodoviárias. O interesse ficou evidenciado no ágio sobre o valor mínimo, superior às previsões mais otimistas.

O modelo de venda por pacotes, que combinavam aeroportos mais e menos rentáveis, mostrou-se bem-sucedido —em suma, percebe-se que há interesse em investir a longo prazo no Brasil. O certame deve inspirar tanto ânimo quanto cuidados no planejamento das próximas concessões e vendas de estatais, tarefas mais árduas.

No caso das concessões de infraestrutura, existem planos ainda totalmente vagos de passar à iniciativa privada ou reorganizar setores como os de ferrovias, saneamento, estradas e portos, além de criar um mercado para o gás.

É possível dizer, sem nenhum exagero, que a situação das ferrovias é um desastre —quadro decorrente de privatizações mal reguladas e intervenções estatais entre corruptas e incompetentes.

Em relação às estradas federais, os resultados são mistos, com bons exemplos mesclados a concessões fracassadas, assumidas por empresas que não cumpriram obrigações contratuais.

O sigilo do STF: Editorial / O Estado de S. Paulo

Na quinta-feira passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito criminal para apurar fake news e ameaças veiculadas na internet que envolvem aquela Corte. Tem havido “notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimo caluniante, difamante e injuriante que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo, de seus membros e de familiares”, explicou o ministro Dias Toffoli.

A primeira das atribuições do presidente do Supremo é “velar pelas prerrogativas do Tribunal”, como dispõe o Regimento Interno do STF. E não há dúvida de que ameaças aos ministros e a seus familiares são uma tentativa de subjugar a independência do STF. Do mesmo modo, notícias mentirosas sobre a atuação da Suprema Corte também representam um atentado ao Poder Judiciário.

O ministro Dias Toffoli fez bem, portanto, ao determinar a abertura de inquérito policial a respeito de fake news e de ameaças envolvendo a Suprema Corte. “Não existe Estado Democrático de Direito nem democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre”, lembrou o presidente do STF. O ambiente de liberdade assegurado pela Constituição não pode ser entendido como respaldo para ataques pessoais, ameaças ou difusão de notícias mentirosas.

Só existe liberdade se há respeito à lei. Por isso, as ações criminosas de calúnia, difamação e injúria não podem ficar impunes. Crimes contra honra agridem importantes bens jurídicos. No caso dos ataques mencionados pelo presidente do STF, eles envolvem não apenas os ministros e familiares, como afetam diretamente o Estado Democrático de Direito, que tem na independência do Poder Judiciário um de seus pilares fundamentais.

Ignácio de Loyola Brandão: Aquele apartamento em Lisboa

- O Estado de S. Paulo

Para Pilar del Río e José Carlos de Vasconcelos

Póvoa de Varzim, Portugal - Encontrei-me com Pilar del Río pela primeira vez no restaurante do hotel Axis no final de um pequeno almoço, como se diz aqui. Ela se aproximou e deu-me um abraço reconfortante com um sorriso cálido. Então essa é a Pilar, pensei. E ela: “Me lembre de contar como te conheci”. Assombrado, fiquei me perguntando quando e como isso teria ocorrido, eu jamais estivera frente a frente com a mulher de José Saramago. Eu a conhecia por fotos, filmes, notícias, reportagens, documentários. Retruquei: “E eu preciso te dizer da dívida que tenho com José”.

Depois nos desencontramos por alguns dias. Porque na 20.ª edição das Correntes d’Escritas circularam nada menos do que 140 escritores de nomeada da língua portuguesa e espanhola, vindos do mundo inteiro. É o mais importante acontecimento desse gênero na Europa. Enquanto Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, e Jorge Carlos Fonseca, presidente da República de Cabo Verde e também da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nos deliciaram com falas articuladas, cultas, me envergonhava na poltrona ao lembrar dos tuítes insensatos e rasteiros de nosso presidente.

Por uma semana seguida o que se viu? Uma azáfama sem cessar entre o hotel, o Teatro Garret, as escolas do município, as Galerias Euracini, a longa avenida da praia e alguns deliciosos restaurantes. E se observava aqui dois prêmios Camões a conversar e ali três prêmios Cervantes dialogando com um prêmio Casino da Póvoa. (Casino aqui é com um S só, mesmo!) E prêmios de poesia, de prosa, da Fundação Dr. Luís Rainha, prêmio Papelaria Locus. Luis Diamantino, vereador da cultura da cidade, e uma das molas mestras das Correntes, cargo que equivale aos nossos secretários de Cultura, disse: “Aqui não há estrelas. Todos são igualmente importantes nesse evento que tem como objetivo promover o livro e a leitura”.

Víamos o tempo inteiro a onipresente – ou onisciente – Manuela Ribeiro, a pessoa mais procurada, requisitada, quebra-galhos, administradora, psicanalista, cuidadora, conselheira, salva-vidas, confidente, consolatrix aflitorum, que, à frente de uma equipa (gostei do equipa) de 60 assessores, coadjuvantes, parceiros, coligados, acólitos, braço direito, esquerdo, quantos braços ela possa necessitar (a cada instante ela cria um novo) passa o ano, e vem passando há muitos, a estruturar tudo nessas Correntes que são consideradas uma “família”, com centenas de pessoas lotando as plateias, sentadas no chão, nas escadas, em cima de cadeiras, banquinhos nas costas de alguém, amontoadas onde houver um centímetro, a ouvir falar de literatura, criação, livros, imaginação, política, ficção e realidade.

Brasileiros éramos quatro, Nélida Piñon, a homenageada deste ano, Milton Hatoum, Alexandre Marques Rodrigues (que lançou seu livro Parafilias ao meu lado) e eu. Mal nos víamos, os horários das falas às vezes eram simultâneos. Uma tarde, estávamos no palco principal, Valter Hugo Mãe, como mediador, doce figura quando necessário, incisivo e severo, quando não sarcástico; Pilar del Río e eu e nosso tema era o verso de Sophia de Mello Breyner “Porque os outros se calam mas tu não”. Falamos, não nos calamos, mesmo porque Pilar é jornalista, escritora, tradutora, presidente da Fundação José Saramago em defesa e difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos problemas do meio ambiente

Quase a terminar estourado nosso tempo, Pilar confessou: “Eu via um canto da estante de Saramago lá em casa, onde havia muitos livros de um mesmo autor, e volta e meia chegava ou ele trazia um novo. Quem é esse?, perguntei um dia. Assim fiquei sabendo quem você era e como ele te estimava”.

Poderia ter me levantado e feito uma reverência, como aquelas que Leilane Neubarth faz ao iniciar seu GloboNews. Só respondi: “E saiba que eu estava encalacrado no final de meu romance Desta Terra Nada Vai Sobrar... (*) quando me lembrei de A Jangada de Pedra, que sempre me impressionou demais! Que início de livro! Foi uma iluminação. Usando o mesmo artifício – e admitindo – escrevi a cena final do meu livro, quando o Brasil se esfacela, explode. Quando pensar em Saramago, momento desses, por favor, Pilar, diga obrigado, é grande a minha dívida”. Saibam leitores que não estraguei o final para quem ainda não leu, a surpresa vem depois.

Agora, me digam se há acasos, coincidências, simultaneidades ou o quê? Pequenos enigmas. O que a vida apronta? Segui para Lisboa para participar da mesa final das Correntes na Instituto Cervantes. Lá estariam Sergio Ramirez, Mempo Giardinelli, Maria Quintans, Filipa Martins e eu. Minha reserva foi em um hotel novo e muito especial, o Eurostar das Letras, na Rua Castilho. Ao fazer o check-in, o concierge me avisou: “Estava a te colocar em um apartamento, não sei o que me ocorreu, vou te dar outro, o 205”. Quando entrei, fiquei pasmo. Cada suíte é dedicada a um grande escritor da literatura mundial. O meu era o do Saramago. Na cabeceira da cama, sobre a grande foto de um oceano revolto estavam as frases iniciais de A Jangada de Pedra. Senti um arrepio.

*
(*) A edição portuguesa do romance foi publicada pela Editora Teodolito de Carlos da Veiga, grande sujeito que vem arriscando em brasileiros.

Manuel Bandeira: Meninos carvoeiros

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoeiro!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

-Eh, carvoeiro!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados.