quinta-feira, 28 de março de 2019

Opinião do dia: do Cidadania

Ao reconhecer os equívocos das Forças Armadas, também reconhecemos os equívocos de modo geral das esquerdas brasileiras, particularmente daqueles segmentos avessos à democracia que acreditaram ser possível derrubar o regime por meio de ações violentas e armadas. Felizmente, caminho que nunca foi seguido pelas formações políticas que estão na raiz do PCB/PPS e, agora, Cidadania.

É do reconhecimento de equívocos históricos que se constrói a unidade de um país, dentro da pluralidade das ideias e da alternância democrática de poder.

É legítimo a todos discutir fatos históricos, à luz de suas concepções e conceitos. É deplorável e inconstitucional o Executivo conclamar instâncias e instituições republicanas a exaltar fatos que colidem com o regime democrático.

É grave quando um presidente da República insiste em governar um país com revanchismos e por meio de fantasmas e não pela Constituição.

Elizane Gama,                        Roberto Freire,                                               Daniel Coelho
Líder do Cidadania no Senado – Presidente do Cidadania – Líder do Cidadania na Câmara

William Waack: Foi ditadura, e daí?

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro dá a 64 o significado que não tem, e arrisca consequências

O que aconteceu em 31 de março de 1964 foi um golpe, depois veio um golpe dentro do golpe e tudo aquilo foi uma ditadura. Que, ao enfrentar resistência da luta armada de grupos de esquerda antidemocráticos (o termo técnico é terrorismo) e de correntes da sociedade civil organizada (imprensa, sindicatos, universidades, grupos políticos conservadores e liberais) – estas últimas são as que tiraram o País do regime de exceção –, dedicou-se a reprimir, censurar, prender e torturar, contrariando os próprios códigos de conduta das Forças Armadas. E daí?

E daí que o assunto é página virada e, no caso do Brasil, só assume importância política atual por causa da patética dedicação do presidente da República a aspectos secundários da “guerra cultural”. É bem verdade que Bolsonaro não está sozinho nesse empenho em recorrer a algum episódio traumático do passado como forma de moldar o debate político do presente.

Em Israel, o revisionismo do mito de fundação do país influencia também as atuais eleições. Na Rússia, é a interpretação da implosão da União Soviética como uma “catástrofe geopolítica” a ser corrigida que sustenta Vladimir Putin. Na China, o ressurgimento do nacionalismo é uma arma poderosa de legitimação do partido comunista empenhado em desfazer um século de “humilhações impostas por potências estrangeiras”. Nos Estados Unidos, Trump fala de uma “América grande de novo”, como se alguma vez tivesse deixado de ser.

A tentativa de Bolsonaro de dar a 64 uma relevância que também os integrantes do Alto-Comando das Forças Armadas acham que ficou para os historiadores tem pouco a ver com os exemplos acima. É parte do cacoete do palanque digital de campanha eleitoral. E já não se trata de perguntar quando ele vai descer da plataforma da agitação eleitoral e se sentar na cadeira presidencial, pois a resposta está dada: nunca.

*Eugênio Bucci: Devidas?

- O Estado de S.Paulo

É consenso pétreo que o que houve no Brasil de 1964 a 1985 foi, sim, uma ditadura

Na segunda-feira, o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, portou mais um despautério diante das câmeras. A propósito da aproximação da data de 31 de março, declarou que “o presidente não considera 31 de março de 1964 golpe militar”. Foi uma performance e tanto. Ao pronunciar a expressão “golpe militar”, Rêgo Barros ensaiou um realce discreto, quase imperceptível, como se pretendesse sublinhar uma inadequação. Realçando as palavras “golpe militar”, a voz do porta-voz pareceu ter a intenção de evidenciar que esse conceito não serve para definir o que houve em 31 de março de 1964.

A intenção do porta-voz ficou patente logo em seguida, quando ele arriscou um voo ontológico sobre 1964: “Ele (o presidente) considera que a sociedade reunida e percebendo o perigo que o País estava vivenciando naquele momento, juntou-se, civis e militares, e nós conseguimos recuperar e recolocar o nosso país no rumo que, salvo melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui (o porta-voz faz uma pausa, também sutil) que não seria bom para ninguém. E o nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas (a voz do porta-voz parece escandir as sílabas de ‘de-vi-das’, fazendo subir um grau o volume da enunciação) com relação a 31 de março 1964, incluindo uma ordem do dia patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente”.

Embora a rarefação de sentido dificulte a interpretação do fraseado (a cada cinco palavras o porta-voz parece esquecer-se do motivo pelo qual iniciara a oração em que se encontra), entendemos daí que, na visão dele e de seu superior, o regime que se estendeu entre 1964 e 1985 não constituiu uma ditadura. Quanto a isso o próprio Bolsonaro já se manifestou mais de uma vez, de voz própria. Em algumas ocasiões ele se referiu ao período ditatorial como um “regime com autoridade”. Agora o porta-voz vem agregar mais elementos a essa visão personalíssima da História.

Carlos Alberto Sardenberg: O golpe

- O Globo

Havia comunistas no seu governo ou no seu entorno, mas Jango estava longe de ser ele mesmo comunista

Partidos e grupos comunistas, mais seus associados, discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado: pela luta armada ou pelo caminho reformista? Isso era em 1964, e a ampla maioria da esquerda era reformista —pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações.

O presidente João Goulart, do PTB getulista, no cargo desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, estava claramente no campo da esquerda. Havia comunistas no seu governo ou no seu entorno, mas Jango estava longe de ser ele mesmo comunista. O mesmo se poderia dizer de ilustres membros de seus gabinetes, durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e San Tiago Dantas.

No máximo, seriam social-democratas ou trabalhistas ou socialistas no sentido que a palavra tem hoje nos Estados Unidos — um pessoal preocupado com distribuição de renda e proteção social. Nacionalistas, também.

Como o grupo comunista era claramente minoritário nessa aliança, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento de gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura. Mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha. E como aconteceu com o governo Lula.

Para o leitor verificar como isso de ideologia e política econômica estava bem confuso.

Cláudio de Oliveira: Três liberais e o regime de 1964

Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Carlos Lacerda foram três importantes personalidades do pensamento liberal-democrático no Brasil.

1 - Tancredo Neves
O humorista Millôr Fernandes definia Tancredo Neves como de extremo-centro. De fato, Tancredo era um centrista moderado e conciliador. Porém, de posições
definidas.

Foi ele quem bateu na mesa, levantou a voz e confrontou os militares na reunião ministerial de 23 de agosto de 1954, quando os representantes das três armas exigiram a renúncia do presidente Getúlo Vargas, eleito em 1950.

Tancredo era ministro da Justiça e bateu de frente contra a proposta golpista. Depois da reunião, na madrugada do dia 24, Getúlio se suicidou.

Contra o golpe de 1964
Tancredo foi dos primeiros a protestar contra o golpe de 1964, quando, no dia 2 de abril, o senador Auro Moura, da UDN e presidente do Congresso, declarou vaga a Presidência da República, mesmo o presidente João Goulart estando no Brasil.

Então deputado, Tancredo teve seu microfone desligado e as luzes da Câmara foram apagadas.

O político mineiro foi um dos líderes do antigo MDB, o partido-frente que reuniu comunistas, socialistas, socialdemocratas, trabalhistas e liberais com o objetivo de restabelecer o Estado de Direito democrático.

Em 1985, foi o candidato das oposições contra Paulo Maluf, o representante da ditadura. Com a vitória de Tancredo, o Brasil iniciou uma transição que culminou com a promulgação da atual Constituição, em outubro de 1988.

Fernando De La Cuadra*: El gobierno Bolsonaro en caída libre

- Clarín (Chile)

Ahora que se van cumplir los 3 meses desde que Jair Bolsonaro asumió el comando del país, la pregunta que más se realizan brasileños y no brasileños es si el actual presidente conseguirá mantenerse en su cargo hasta el final de su mandato en diciembre de 2022. Por la cantidad de errores cometidos, por los problemas de articulación entre sus bases y aliados, por la falta de comunicación con el resto del país que no son sus devotos seguidores de Twitter y por el desgaste enorme que ha sufrido en tan corto periodo de tiempo, parece poco factible que Bolsonaro logré finalizar en el Palácio do Planalto sus cuatro años de gobierno.

Efectivamente, ya no basta con admitir que Bolsonaro es un neofascista y adherente a una larga lista de racismos y prejuicios fundamentalistas que expresan lo peor de la naturaleza humana, sino que el tema relevante de hoy día se centraliza en la interrogante sobre si él va a ser capaz de darle continuidad a una administración que hasta el momento ha sido catastrófica.

Todos los días surgen nuevos indicios del estrecho vínculo entre el clan Bolsonaro y las bandas criminales y grupos milicianos que asesinaron a Marielle Franco. Por otro lado, las disputas internas entre los diversos componentes del gobierno afloran interminablemente. Especialmente patéticas son las acusaciones cruzadas entre el Vicepresidente, General Hamilton Mourão, y el astrólogo y gurú de algunos miembros del gabinete, Olavo de Carvalho.

Dichos atritos y roces también se han propagado entre miembros del Poder Judicial, específicamente, entre los jueces de la Operación Lava Jato y algunos ministros del Supremo Tribunal Federal (Corte Suprema). La reciente orden de detención dada por un juez del grupo Lava Jato al ex presidente Michel Temer y la ex gobernador Moreira Franco fue interpretada como una vuelta de mano a la descalificación que sufrió el Ministro Sergio Moro a manos del Presidente de la Cámara de Diputados, Rodrigo Maia –yerno de Moreira Franco-, quien señaló que Moro no pasaba de un funcionario del gobierno y que los acuerdos con la Cámara tenían que ser vehiculados por el propio presidente y no por sus subordinados. Luego Temer fue liberado por orden de un procurador que desconoció los argumentos jurídicos de la anterior decisión condenatoria.

Las tensas relaciones entre el Ejecutivo y el Legislativo quedaron más expuestas en la reciente votación de la Propuesta de Enmienda Constitucional (PEC) del Presupuesto, en la cual el Congreso voto casi por unanimidad la medida que determina los gastos públicos y eleva para el 97 por ciento el nivel de restricción de las cuentas del gobierno federal. Ello ha sido considerado la mayor derrota del Ejecutivo en lo que va de su mandato.

Janio de Freitas: De pior a pior

- Folha de S. Paulo

Com quase três décadas na vida de parlamentar, Bolsonaro nada aprendeu

Nas últimas 48 horas, a atmosfera esquentou no território da políticamuito além do agravamento esperado. As frentes de turbulências acirraram-se ao mesmo tempo. Como são muitas, formaram um todo capaz de prenunciar, ou mesmo de introduzir, um estado de crise aguda. Neste caso, uma situação que tanto pode se resolver em prazo razoável, como se estender com as características dos últimos meses.

O dia político se encerrou, nesta quarta (27), sem indício algum de ação eficaz do governo para recuperar alguma energia política. Tarefa que é pior para Jair Bolsonaro porque, além de sua falta geral de qualificação, em seu governo não há quem tenha a competência e a experiência para induzir uma acomodação dos desentendimentos. Na área oposta, há vários.

Nenhuma formação do Congresso aceita ser publicamente desprestigiada. Nos últimos plenários da Câmara, e em menor grau no Senado, houve sempre a reação da chantagem, sendo aumentado o pagamento a cada pacificação ilusória e temporária.

Com quase três décadas enriquecendo na vida de parlamentar, Bolsonaro nada aprendeu dela. Mesmo que a índole do atual Congresso venha a continuar a do antecessor, o que parece difícil, Bolsonaro recebeu-o e o manteve sob pontapés verbais sem ideia de como seriam recebidos. E a nova legislatura não estava disposta a desmoralizar-se logo de saída: os acusados de "velha política" decidiram mostrar novidades ao acusador.

Bruno Boghossian: Governo parece derreter e Bolsonaro joga carvão na fornalha

- Folha de S. Paulo

Audiências de ministros no Congresso exibem gestão vazia e sem rumo

Sete ministros de Jair Bolsonaro apareceram no Congresso para apresentar seus planos para o país. Se o objetivo era mostrar que o governo está trabalhando apesar das trapalhadas, seria melhor que alguns tivessem ficado em seus gabinetes. Somadas, as dezenas de horas de audiências reforçaram a imagem de uma gestão vazia e sem rumo.

A Câmara recebeu um ministro que já caiu, mas não percebeu. Ricardo Vélez (Educação) passou mais de cinco horas diante dos deputados e não conseguiu detalhar o planejamento estratégico da pasta e as metas para o setor. “O papel do ministro não é saber de cor e salteado as estatísticas”, argumentou.

Vélez é um ministro de fachada. Foi forçado a trocar parte de sua equipe e se tornou refém de uma disputa de poder. Na audiência, disse que o cargo é “um abacaxi do tamanho de um bonde”, mas se recusou a pedir demissão. Mais tarde, numa entrevista, Bolsonaro afirmou que vai “decidir a questão” da pasta. “Realmente, não estão dando certo as coisas lá.”

Roberto Dias: Guedes é a última barreira à anestesia do bolsonarismo

- Folha de S. Paulo

Em meio à disputa de poder, superministro defenderá a reforma da Previdência?

Como cobrir o governo Bolsonaro? As mudanças se sucedem com tal velocidade que agora vale o contrário de horas atrás, e a discussão desaparece como espuma. A ponderação sobre correto ou incorreto perde sentido por si. O nada sobreleva.

A Educação é o exemplo mais bem acabado. Por que debater as políticas do ministério? Tudo o que é do MEC desmancha no ar. Lembrar o nome do ministro já configura exercício de memória. É Vélez Rodríguez, aquele que ocupou o lugar que numa tarde de novembro foi de Mozart Ramos —hoje tudo isso seria só rodapé de confusão.

Na noite de terça (26), os 15 primeiros textos da home page da Folha enfocavam alguma disputa de poder. Nada que fosse a criação de qualquer política pública central.

São coisas da mesma estirpe do risca-faca no MEC: a votação pelo mando do Orçamento, o enterro da CPI da Lava Toga, a enésima polêmica sobre as indenizações da ditadura, a localização da embaixada brasileira em Israel, os afagos entre Olavo e Santos Cruz.

Vinicius Torres Freire: Quanto custa o mito

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não dá sinal de se importar com crise; mercado se irrita com Guedes

A pororoca no mercado financeiro parece feia, mas as baixas por ora são apenas espuma. A reincidência do governo em erros, despropósitos e arruaças é lama.

Menos de 24 horas depois de ficar explícito que não dispõe de coalizão partidária para sobreviver no Congresso, Jair Bolsonaro voltou a provocar parlamentares e discórdia. Em entrevista na TV, fez comentários de escarninho colegial sobre o presidente da Câmara. Em resposta, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que Bolsonaro está "brincando de presidir o Brasil". Nas redes insociáveis, voltou a incitar rixas ideológicas sinistras (1964).

No Congresso, não houve tentativa organizada de criar uma mesa de conversa para valer entre governo e parlamentares. No DEM, há gente empenhada em levar Bolsonaro para a luz mínima da política, como Ronaldo Caiado, governador de Goiás. Será um esforço em vão caso Bolsonaro não crie uma equipe, no governo e no Congresso, experiente e com poderes de organizar uma coalizão, o que significa ceder à "velha política".

Como se não bastasse, causou má impressão a audiência do ministro Paulo Guedes (Economia) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Maria Cristina Fernandes: A reforma vira o milagre da fé

- Valor Econômico

Maia dobra aposta no divórcio entre o governo e a Lava-jato

O presidente da Câmara dos Deputados ouviu de um conselheiro ao pé do ouvido: "Dos três homens que mais ajudaram a pauta do mercado, dois (Michel Temer e Moreira Franco) foram presos e um terceiro (Romero Jucá) perdeu o mandato e está no mesmo rumo. Nenhum deles jamais recebeu uma nota de desagravo ou solidariedade dos titulares da pauta. É esse o caminho que você vai escolher?"

O ingresso de Rodrigo Maia na vida pública desautoriza a aposta no divórcio com os pauteiros. Estudante da Faculdade Cândido Mendes do Rio, Maia estreou no Icatu aos 23 anos. O pai, prefeito do Rio à época, queria o filho longe dos balcões da política, mas os chefes viram que o rapaz, estudante de economia de curso inconcluso, não dava para a coisa. Só tinha olhos em Brasília. Foi mandado pra lá e, da casa do presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira, onde ficou em seus primeiros dias de capital federal, monitorava a movimentação do Congresso para o banco.

Rodrigo Maia não entrou em colisão com a pauta dos capitães do PIB. Estivesse, colocaria em votação o projeto que tributa fundos exclusivos de investimento e aquele que reonera setores beneficiados no governo Dilma Rousseff. Na audiência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado ontem, o ministro Paulo Guedes disse ser favorável a ambos. Renderiam R$ 18 bilhões por ano para o Tesouro, mas um e outro foram engavetados por Maia na legislatura passada.

Ribamar Oliveira: PEC não tornou Orçamento impositivo

- Valor Econômico

Texto aprovado só torna obrigatória emenda de bancada

Uma emenda apresentada em plenário retirou da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 2/2015, votada na noite de terça-feira pela Câmara dos Deputados, o parágrafo que tornava obrigatória a execução das programações orçamentárias que integram as política públicas e metas prioritárias. Se o parágrafo tivesse permanecido, o Orçamento da União passaria ser impositivo e o governo teria que executar os investimentos e demais despesas finalísticas sem alterações. Somente o gasto do custeio da máquina pública (de R$ 33,9 bilhões em 2019) estaria sujeito à discricionariedade do Executivo.

No lugar deste parágrafo suprimido, ficou no texto um conceito genérico, no qual está dito que "o dever de execução das programações orçamentárias tem como propósito garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, e a administração deve adotar os meios e as medidas necessários à implementação do programa de trabalho".

O Valor conversou com vários especialistas em finanças públicas e não obteve uma interpretação conclusiva sobre o que significa o texto aprovado. A única constatação feita é que não há, no texto, um comando, imperativo, para que as programações orçamentárias sejam executadas de forma obrigatória.

O mais interessante é que a emenda que tirou do texto da PEC o parágrafo que tornava obrigatória a execução de todas programações orçamentárias foi apresentada justamente pelos partidos que defendem o Orçamento impositivo. Hoje, o Orçamento é considerado pelo governo como apenas autorizativo, definindo limites para os gastos, sem obrigá-lo a gastar o que foi aprovado pelo Congresso, mesmo que tenha receita para isso.

Os consultores da Câmara que orientaram as mudanças no texto estão convencidos de que a PEC, da forma que foi aprovada, institui o Orçamento impositivo e que o governo, depois que ela for promulgada, terá que executar as programações orçamentárias sem discutir. E só poderá alterar os gastos de custeio administrativo. As dúvidas sobre o texto aprovado, segundo eles, serão retiradas na lei complementar que vai dispor sobre critérios gerais relativos à execução e ao acompanhamento dos planos e Orçamentos. Alguns técnicos ouvidos pelo Valoracreditam que a questão terminará no Supremo Tribunal Federal (STF).

*José Serra: Negociação perigosa

- O Estado de S.Paulo

Para conseguir apoio dos EUA ao ingresso na OCDE o Brasil ofereceu mais do que receberia

A recente visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos EUA deixou um saldo ambíguo. Os acordos e declarações demonstraram um aumento da confiança entre ambas as nações. Foi certamente positivo aprofundar os laços diplomáticos com aquele país, contribuindo para deixar no passado espasmos da animosidade contra o “imperialismo”. Mas não se pode deixar de observar a evidente assimetria das concessões recíprocas.

O mais preocupante foi a promessa do nosso governo de que o Brasil deixará de se considerar país em desenvolvimento perante a Organização Mundial do Comércio (OMC). Tratou-se de uma contrapartida à promessa – bastante vaga – de “apoio” do presidente Donald Trump à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A despeito de seu nome, esse organismo é uma espécie de clube de países mais ricos – cerca de 35 –, com uma ou outra exceção, e representa um selo de qualidade que favorece o fluxo de investimentos nos países que o integram.

É preciso deixar claro: vale a pena integrar a OCDE, processo que, no caso brasileiro, vem se estreitando desde 1996, quando nos tornamos membros do Comitê de Aço. No ano seguinte passamos a fazer parte do Centro de Desenvolvimento. Já em 2013 conquistamos a condição de parceiro-chave da organização.

Zeina Latif*: Gravidade

- O Estado de S.Paulo

Muitos dizem que Bolsonaro precisa descer do palanque. Talvez já tenha descido

A última rodada de pesquisas de aprovação do governo não foi boa para Jair Bolsonaro. Grosso modo, o novo governo começou com patamares de aprovação menores do que os dos governos anteriores em primeiro mandato, em que pese o resultado mais modesto nas urnas. Além disso, ocorreu um encolhimento relativamente rápido da taxa de aprovação, ficando a percepção de fim de lua de mel.

A queda da aprovação em si não chega a ser novidade. As eleições costumam ser carregadas de emoção e, superado o calor do momento, os indivíduos tendem a ter visão mais racional e crítica do governo. A intensidade da queda é que distingue o quadro atual. Alguns fatores contribuem para isso.

A economia não vai bem e os sinais de melhora são muito tímidos. A taxa de desemprego ampla, que inclui subocupados (trabalham menos do que gostariam) e desalentados (gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego, pois veem baixa probabilidade de conseguir algo) está acima de 22%, e sem tendência de recuo. É provável, portanto, que a confiança do consumidor encontre limites para crescer, até porque seu aumento tem se dado mais pela melhora das expectativas para o futuro, por conta da renovação política, do que pela avaliação da situação atual.

Ainda que secundário, outro elemento que pode ter gerado desconforto é a aceleração da inflação de alimentação no domicílio, que atingiu 7,4% após longo período de preços mais estáveis.

Luiz Carlos Azedo: A nau dos insensatos

- Nas entrelinhas/ Correio Braziliense

“A escalada do confronto entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evoca situações que vão da renúncia de Jânio Quadros ao Ato Institucional nº 5”

Vencedora de dois prêmios Pulitzer, a historiadora norte-americana Barbara Tuchman dedicou seu livro mais famoso à insistência dos governos em adotarem políticas contrárias aos próprios interesses. A Marcha da Insensatez é um estudo sobre quatro episódios da História que resultaram de decisões equivocadas das lideranças, com repetição de erros crassos: a Guerra de Troia, a Reforma Protestante, a Independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã. A escalada do confronto entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evoca situações que vão da renúncia de Jânio Quadros, em 21 de agosto de 1961, ao Ato Institucional nº 5, do presidente Costa e Silva, em 13 dezembro de 1968.

Ontem, em entrevista à TV Bandeirantes, depois de um fim de semana com trocas de farpas, Bolsonaro disse não ter problema com o presidente da Câmara, mas afirmou que questões pessoais têm “abalado” Rodrigo Maia. Indagado sobre quais seriam esses problemas, Bolsonaro disse que eram pelo “pelo lado emocional” e que, por essa razão, não procuraria o deputado para conversar.

Era uma alusão à prisão do ex-ministro Moreira Franco, padrasto da mulher de Maia, que se abespinhou: “Abalados estão os brasileiros, que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, capacidade de investimento do Estado brasileiro diminuindo, 60 mil homicídios e o presidente brincando de presidir o Brasil”, disparou, em entrevista no Salão Verde da Câmara.

Maia ainda arrematou: “Então, vamos parar de brincadeira e vamos tratar de forma séria. O Brasil precisa de um governo funcionando, a gente precisa que o governo do Bolsonaro dê certo. A gente precisa que o governo do Bolsonaro gere emprego, reduza o desemprego. Se a gente continuar perdendo tempo com essas discussões secundárias, nós vamos continuar colocando o Brasil andando para trás. Está na hora de o Brasil andar para a frente”.

Bolsonaro, após encontro com o governador de São Paulo João Doria (PSDB) na União Brasileiro-Israelita do Bem Estar Social (Unibes), na capital paulista, manteve a polêmica: “Não é palavra de uma pessoa que conduz uma casa. Brincar? Se alguém quiser que eu faça o que os presidentes anteriores fizeram, eu não vou fazer. Já dei o recado aqui. A nossa forma de governar é respeitando todo mundo, e acima de tudo, além de respeitar os colegas políticos, respeitar o povo brasileiro que me colocou lá.”

O novo bate-boca ocorreu um dia após a Câmara aprovar uma emenda constitucional transformando em impositivas as emendas de bancada ao Orçamento da União, por maioria inacreditável (em primeiro turno; por 448 votos a 3; no segundo, por 453 votos a 6). Até o filho do presidente da República, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), votou a favor. A decisão foi uma retaliação ao não comparecimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça, responsável pela aprovação da admissibilidade da proposta de reforma da Previdência.

Por decisão do Palácio do Planalto, Guedes cancelou a agenda duas horas antes de a reunião começar, o que gerou grande mal-estar na Câmara. Foi um erro crasso de articulação política do governo, pois Guedes costuma se sair muito bem nas reuniões de que participa, como aconteceu ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na qual foi sabatinado. Sua passagem pelo Senado impediu que a emenda constitucional aprovada pela Câmara fosse votada e aprovada, ontem mesmo, pelos senadores, engessando ainda mais o Orçamento.

Merval Pereira: Para bom entendedor

- O Globo

Não dá para minimizar a bagunça em que o governo está metido. A cada vez que Bolsonaro abre a boca, uma crise se avizinha

O recado da Câmara foi para o governo Bolsonaro, mas a proposta de emenda constitucional que já está conhecida como do “Orçamento impositivo” só valerá, se aprovada no Senado, para o próximo governo, a ser eleito em 2022. Além do mais, não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, mas apenas tornar impositivas as emendas das bancadas, como já são as individuais.

Portanto, não é uma ameaça iminente, mas potencial, dá tempo para ser minimizada. O que não dá para minimizar é a bagunça em que o governo está metido. A cada vez que o presidente Bolsonaro abre a boca, uma crise se avizinha. Dizer que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está desestabilizado devido aos problemas de seu sogro, Moreira Franco, é querer colocar gasolina na fogueira.

Essa discussão do Orçamento, aliás, deveria ser anacrônica, se já tivéssemos atingido um grau de institucionalização política que permitisse Executivo e Legislativo se entenderem acerca do documento básico de um governo, o Orçamento, que, em qualquer lugar do mundo, tem que ser cumprido.

Aqui, é uma peça de ficção, chamado de “autorizativo”, isto é, o Executivo tem o poder de não pagar certas despesas, fazendo o contingenciamento do montante necessário ao cumprimento das metas fiscais. Em compensação, os legisladores supervalorizam as receitas para aumentar os gastos das “emendas parlamentares”, que representam uma porcentagem da receita.

O que historicamente foi a função básica do Parlamento, estabelecer as prioridades de um governo, passou a ser um detalhe da atividade parlamentar. Deputados experientes no Congresso consideram que o Legislativo corre o risco de se tornar uma espécie de “puxadinho” do Poder Executivo.

Quem define o Orçamento é o Executivo e, se um parlamentar quiser alguma mudança, tem que negociar com ele. Ou conseguir uma maioria para derrotar o governo no plenário. Não foi sempre assim. Na Constituição de 1946, os parlamentares podiam emendar o orçamento inteiro, como nos Estados Unidos.

A partir da ditadura militar, o Orçamento passou a ser tratado como um decreto-lei. O Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, não emendá-lo. E os deputados e senadores tinham uma cota para dar verbas a entidades assistenciais.

A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas no governo Collor, devido aos deputados alcunhados de “anões do Orçamento”, que manipulavam as verbas a favor de um pequeno grupo, permitiu que o Executivo voltasse a centralizar o Orçamento.

A separação dos poderes, criada na Constituição americana em 1789, é característica do presidencialismo. Existia na teoria, principalmente pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e de forma incipiente na Inglaterra. Os EUA formaram a primeira República constitucional do mundo moderno. A base é que quem dá os rumos é o Congresso. Por isso, nega verbas a Trump para construir o muro na fronteira do México e provoca uma paralisação geral do funcionalismo público, até que o presidente desista ou chegue a um acordo consiga com os que o derrotaram.

Bernardo Mello Franco: Até o ministro está assustado

- O Globo

Depois de uma derrota aterradora, o ministro Paulo Guedes produziu o melhor retrato da desorganização do governo Bolsonaro. ‘É do nosso lado que está falhando’, disse

O ministro da Economia, Paulo Guedes, produziu ontem o melhor retrato da desorganização do governo. No dia seguinte a uma derrota aterradora na Câmara, ele admitiu estar “assustado” com os erros na articulação política do Planalto.

“Acho que tem havido uma falha dramática. Um governo que entra com aprovação popular enorme... de repente, quando ele parte para as ações no Congresso, o principal opositor dele é ele mesmo?”, questionou. “Eu acho que está falhando alguma coisa entre nós. É do nosso lado que está falhando”.

Diante de senadores espantados, Guedes explicou o sumiço da véspera, quando era esperado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

“O aviso que eu tinha era assim: ‘Você foi convidado pra um lugar onde não tem nem relator, e já está todo mundo preparado pra jogar pedra. E o seu partido vai jogar pedra também, porque eles estão contra’. Eu falei: ‘Pô, não tô entendendo mais nada aqui’. Pelo amor de Deus!”, contou o ministro. “Realmente, é assustador. Eu ontem tomei um susto também”, desabafou.

Em outro momento, o ministro ameaçou entregar o cargo se a sua agenda empacar de vez. “Eu voltarei para onde sempre estive. Tenho uma vida fora daqui”, disse. Ele também ensaiou uma desculpa para a falta de experiência política: “Eu sou de Marte. Cheguei agora. Tô olhando”.

Míriam Leitão: Erro em educação custa caro demais

- O Globo

Grupo que chegou ao poder não tem ideia de por onde passa o desafio da educação brasileira. Primeiro trimestre foi perdido

Que o governo tem errado em muitas áreas não é novidade, mas ele não tem se dado conta da gravidade que é errar em educação. O ministério está parado. Não toma decisões e gasta todas as energias e as horas vivendo crises que ele mesmo cria, demitindo pessoas que acabou de nomear ou revogando-se a si mesmo. Esta é apenas mais uma semana perdida no MEC. Não há setor em que os erros e a paralisia são mais perigosos do que nessa área. Na educação não se perde um minuto e já perdemos um trimestre. O presidente Jair Bolsonaro escolheu o ministro de forma insensata.

O debate ontem na Câmara foi constrangedor, pelo que ele demonstrou não saber. O melhor momento foi o discurso da deputada Tábata Amaral (PDT-SP), em que ela resumiu o sentimento:

— A sua incapacidade de apresentar uma proposta e saber dados básicos e fundamentais é um desrespeito não só à educação, não só ao Ministério, não só ao Parlamento, mas ao Brasil como um todo.

O Brasil teve alguns avanços importantes em educação nos últimos anos. Iniciou um processo de avaliação no governo Fernando Henrique. Isso nos deu a capacidade de quantificar e comparar atrasos e casos de êxito. Houve o envolvimento da sociedade civil, com a criação de organizações. Empresas criaram institutos que têm auxiliado gestores públicos. Jornais debatem o assunto em eventos com especialistas nacionais e internacionais.

A busca é a mesma: fazer um mutirão nacional para permitir a superação do atraso que mais ameaça o país e seu futuro. Há casos de sucesso que podem ser destacados para serem copiados. Já visitei escolas pelo Brasil e fiz reportagens mostrando alguns desses exemplos que são pérolas no nosso mar de derrotas, mas que nos animam a seguir em frente. Há esperança, há caminhos.

Bolsonaro rompe trégua e volta a hostilizar Maia

Por Cristian Klein e Gabriel Vasconcelos | Valor Econômico

RIO - Quase uma semana depois do estouro da crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente da República Jair Bolsonaro manteve a corda esticada e atribuiu novamente a irritação do deputado a "questões pessoais", numa referência à prisão do sogro de Maia, o ex-ministro Moreira Franco, que já foi solto assim como o ex-presidente Michel Temer. "Não tenho problema nenhum com o Rodrigo Maia, nada, zero problema com ele. Agora, ele está um pouco abalado com as questões pessoais que vem acontecendo na vida dele. Logicamente isso passa por esse estado emocional dele no momento", disse, durante entrevista de 35 minutos ao apresentador de TV José Luiz Datena, do programa "Brasil Urgente", da Band.

Ao atribuir o clima de tensão entre os Poderes a um desequilíbrio de Maia, Bolsonaro evitou se responsabilizar pela falta de articulação política que tem prejudicado a formação de uma base de apoio à aprovação da reforma da Previdência - motivo de crítica do presidente da Câmara. As declarações de Bolsonaro tiveram repercussão negativa no mercado.

O presidente afirmou que, quando voltar da viagem que fará a Israel, se encontrará com Rodrigo Maia e está sempre de "mão estendida para ele". No entanto, o tom foi o de dobrar a aposta no confronto com Maia e o Congresso, a quem Bolsonaro quer imputar a pecha de praticar "velha política", pedindo cargos em troca de votos. "Ele tem responsabilidade assim como eu, assim como o Supremo Tribunal também tem, o Dias Toffoli. Todo mundo tem responsabilidade, você [dirigindo-se ao apresentador]. Todo mundo tem responsabilidade com o Brasil", disse.

Bolsonaro afirmou que não mudará de postura e não conversará com parlamentares individualmente, para conquistar votos para a reforma da Previdência. O presidente alega que não tem tempo e que quer evitar pedidos que considera inapropriados.

"Não posso atender a quantidade de pessoas e de parlamentares, fora governadores e prefeitos que vão a Brasília e querem conversar comigo, querem tirar uma foto, fazer um pedido. Muito natural, mas estamos quebrados. O que cobram de mim é questão da interlocução. Eu não tenho como atender tanta gente. Uma minoria, quase insignificante pede... Você sabe o que é que é (...) ", disse.

Bolsonaro nega ditadura e diz que regime viveu probleminhas

Presidente diz em entrevista à Band que golpe de 1964 não existiu no Brasil

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse em entrevista ao jornalista José Luiz Datena no programa Brasil Urgente, na TV Bandeirantes, que não houve ditadura no Brasil. Ele ainda afirmou que, assim como um casamento, todo regime tem alguns "probleminhas".

"Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo?", disse.

Na última segunda-feira (25), Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que sejam feitas "comemorações devidas" relacionadas ao 31 de março de 1964.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, apresentado em 2014, afirmou que 423 pessoas foram mortas ou desapareceram no período que vai de 1964 a 1985. Segundo a comissão, que iniciou os trabalhos em 2012, os crimes foram resultado de uma política de Estado, com diretrizes definidas pelos cinco presidentes militares e seus ministros, e não abusos cometidos por agentes isolados. A comissão pediu a punição de 377 pessoas pelos crimes cometidos pelo regime militar.

Na entrevista, Bolsonaro minimizou o que ele próprio chamou de "probleminhas" ao longo do regime.

"Agora, entre os probleminhas que nós tivemos, e que outros países tiveram, olha aí a Venezuela a que ponto chegou? Se esse pessoal que no passado tentou chegar ao poder usando as armas [se referindo a grupos de esquerda] e que hoje em dia grande parte tá preso ou sendo processado por corrupção, as mais variadas possíveis, como estaria o Brasil?"

Bolsonaro também afirmou durante a entrevista que o processo de entrega do poder pelos militares para os civis é um exemplo da inexistência de uma ditadura no Brasil durante o governo militar.

"E onde você viu uma ditadura entregar pra oposição de forma pacífica o governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura".

A transição de poder dos militares para os civis citada por Bolsonaro também foi lembrada na ordem do dia do Ministério da Defesa, assinada pelo ministro Fernando Azevedo —que é general da reserva— e coassinado pelos três comandantes militares. O texto não chama o regime militar de ditadura, mas celebra a "transição para uma democracia" a partir da Lei de Anistia de 1979.

Entre 1964 e 1985 foram punidas, com perda de direitos políticos, cassação de mandato, aposentadoria e demissão, 4.841 pessoas —513 deputados, senadores e vereadores perderam os mandatos.

Em 1968, o AI-5 (Ato Institucional nº 5) inaugurou a fase mais repressiva dos 21 anos de ditadura militar. Nos primeiros dois dias de vigência da medida, presos políticos processados nas auditorias da Justiça Militar denunciaram mais de 2.200 casos de tortura.

Nesta quarta, a juíza federal Irani Silva da Luz, da 6ª Vara Cível em Brasília, deu cinco dias de prazo para que a União e o presidente Bolsonaro se manifestem sobre a ação que tenta proibir os quartéis, em caráter liminar, de festejar o aniversário de 55 anos do golpe militar.

Democracia não exalta ditaduras: Eliziane Gama, Roberto Freire e Daniel Coelho

- Portal Cidadania

Ao determinar ao Ministério da Defesa a retomada das comemorações relativas ao golpe militar de 31 de março de 1964, o presidente Bolsonaro reafirmou a sua obsessão em dividir o Brasil em dois lados – esquerda e direita, patriotas e não patriotas, bons e maus.

O esforço de reconciliação nacional proporcionado pela Lei da Anistia e pela Constituição Cidadã de 1988 é ignorado e, ao invés de o poder público apostar em pedagogias de unidade, leva aos cidadãos e às famílias preconceitos e valores de ódio e intolerância.

No dicionário do presidente, conceitos como paz, tolerância, debate, liberdade, direitos inalienáveis, humanismo são substituídos por violência, arma e sangue, se necessário. Projeto para o futuro, comum a todo partido democrático, dá lugar na concepção do presidente a projetos para o passado.

Traz à baila interpretações a partir de visões do anacrônico antiglobalismo e alucinações de um suposto marxismo cultural que engole a tudo e a todos, como um buraco negro do qual nem a luz escaparia.

Desenvolvimento, reformas, incentivo ao empreendedorismo, reconhecimento do livre mercado, políticas públicas, justiça social, estado eficiente e não perdulário – eis uma pauta que unifica o Brasil. Ditaduras ou governo que as elogiam podem até conseguir alguns sucessos econômicos conjunturais, mas não dão estabilidade e a segurança jurídica que uma Nação demanda em sua marcha por mais riqueza, democracia e felicidade.

Temos o respeito histórico pelas Forças Armadas brasileiras e reconhecemos sua luta e dedicação pela integralidade do nosso território e na defesa dos interesses nacionais.

Entretanto, é forçoso reconhecer que o regime inaugurado em 1964, e que perdurou por 21 anos, foi um equívoco histórico, resultado de embates internos nas Forças Armadas que remontam ao tenentismo na década de 1920, à emergência dos países socialistas com a revolução russa de 1917, à guerra fria que se instalou no mundo a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, ao conceito de segurança nacional formulado pela hegemonia norte-americana. Ao contrário do que se afirma, não veio para impedir a ascensão ao poder dos comunistas – uma falácia, pois as correntes socialistas nunca tiveram no Brasil força para implantar unilateralmente seus projetos.

O golpe de 1964, como ocorreu em muitos países da América Latina e em outras partes do mundo, apenas obedeceu a um alinhamento cego ao poder americano e de suas corporações econômicas. Rasgou a Constituição, fechou o Congresso, forçou ao exílio dezenas de brasileiros, censurou, prendeu, torturou, matou, foi ineficaz no combate à corrupção, gerou privilégios não republicanos.

Ao reconhecer os equívocos das Forças Armadas, também reconhecemos os equívocos de modo geral das esquerdas brasileiras, particularmente daqueles segmentos avessos à democracia que acreditaram ser possível derrubar o regime por meio de ações violentas e armadas. Felizmente, caminho que nunca foi seguido pelas formações políticas que estão na raiz do PCB/PPS e, agora, Cidadania.

É do reconhecimento de equívocos históricos que se constrói a unidade de um país, dentro da pluralidade das ideias e da alternância democrática de poder.

É legítimo a todos discutir fatos históricos, à luz de suas concepções e conceitos. É deplorável e inconstitucional o Executivo conclamar instâncias e instituições republicanas a exaltar fatos que colidem com o regime democrático.

É grave quando um presidente da República insiste em governar um país com revanchismos e por meio de fantasmas e não pela Constituição.

Elizane Gama,                               Roberto Freire,                           Daniel Coelho
Líder do Cidadania no Senado – Presidente do Cidadania – Líder do Cidadania na Câmara

Não é brincadeira: Editorial / O Estado de S. Paulo

A Câmara dos Deputados mandou clara mensagem ao presidente Jair Bolsonaro: não está para brincadeira.

No momento em que o presidente adota uma atitude imperial ante o Congresso, esperando que este cumpra as vontades do Executivo sem nenhuma forma de diálogo, na presunção de que os projetos do governo se impõem por si mesmos, os parlamentares de todos os partidos, inclusive governistas, decidiram manifestar seu descontentamento de forma esmagadora.

Na noite de anteontem, em sessão liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados aprovaram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz o porcentual do Orçamento que o governo pode manejar livremente. A PEC, que agora vai ao Senado, torna obrigatória a execução de emendas propostas por bancadas estaduais e por comissões, a exemplo do que já acontece com as emendas individuais dos parlamentares.

Note-se que, enquanto as emendas individuais se prestam basicamente a satisfazer a base eleitoral deste ou daquele deputado, as emendas estaduais e de comissões geralmente têm um caráter eminentemente programático, respondendo a demandas mais abrangentes. Assim, se respeitadas as restrições fiscais – como, aliás, está expresso na PEC aprovada–, trata-se de legítima expressão do papel do Legislativo na definição de políticas públicas.

Dito isso, é inegável que a inesperada votação dessa PEC foi uma manobra para constranger o presidente Bolsonaro e para deixar explícita a ausência completa de algo que se possa chamar de “base governista” no Congresso.

A PEC estava engavetada desde 2015. Havia sido elaborada como parte da chamada “pauta-bomba” dos partidos que compunham o “centrão” para minar o governo da então presidente Dilma Rousseff. Ressuscitá-la agora parece ter como único objetivo constranger o presidente Bolsonaro – que, quando deputado, apoiou essa PEC, bem como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho. Se o objetivo era esse mesmo, foi plenamente atingido.

Represália perigosa: Editorial / Folha de S. Paulo

Câmara faz votação relâmpago de PEC que cria mais gastos obrigatórios

A Câmara dos Deputados deu uma fantástica demonstração de celeridade —e imprudência— ao aprovar em dois turnos, num único dia, uma proposta de emenda constitucional cujo efeito prático imediato seria engessar ainda mais a gestão do Orçamento federal.

A PEC torna obrigatória a execução de despesas incluídas na lei orçamentária por bancadas estaduais, conhecidas como emendas coletivas. O texto obteve maiorias acachapantes de 448 e 453 votos favoráveis, num total de 513.

Desnecessário apontar a temeridade de deliberar com tal ligeireza sobre um tema complexo e de impacto considerável sobre as já combalidas finanças públicas.

O placar anômalo, ademais, não reflete um consenso resultante de amplo debate, mas uma mera represália ao presidente Jair Bolsonaro(PSL) e sua inapetência para a negociação política —ainda que até o filho do mandatário, Eduardo Bolsonaro, tenha se posicionado em favor do texto, negando estar em curso uma derrota do governo.

Falta de articulação cobra seu preço: Editorial / O Globo

Agendamento desastroso de ida de Paulo Guedes à CCJ e aprovação de PEC negativa são exemplos

Passadas as rusgas entre o clã Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a tramitação do estratégico projeto de reformada Previdência, esperava-se que o clima melhorasse. O presidente Jair Bolsonaro e Maia trocaram acenos. Parecia que o Planalto, enfim, iria se envolver, como imprescindível, na articulação política para viabilizar o projeto no Congresso. Deixaria de imaginar que o presidente da Casa poderia acumular esta função. Não há registro de algo parecido no passado.

Mas bastaram os fatos ocorridos em Brasília na terça-feira para se constatar que o Planalto continua leniente na condução das mudanças na seguridade social, básicas para todos —sociedade e governo. As trapalhadas em torno do agendamento da ida do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça começaram a abalar o otimismo que possa ter sido criado com o aparente apaziguamento na Praça dos Três Poderes.

Guedes tem demonstrado apetite e desenvoltura para combater no campo político por esta reforma e outras, também necessárias. Mas ele não pode, nem deve, tentar fazer tudo. Por impossível. Se alguém imagina que Paulo Guedes possa ser o ponta de lança da coordenação política erra tanto quanto quem considerou a hipótese de Rodrigo Maia se desdobrar em representante primordial do Planalto na Câmara.

Copom tem dúvidas sobre a fraqueza da recuperação: Editorial / Valor Econômico

O Banco Central vai manter a taxa de juros em 6,5% nos próximos meses até que se torne clara a intensidade da recuperação da economia e seu reflexo no balanço de riscos que, na reunião deste mês do Comitê de Política Monetária, foi considerado "simétrico" - equilíbrio entre os fatores que podem levar a inflação para cima ou para baixo. As análises que o Copom faz em sua ata desencorajam, a princípio, a redução da Selic no curto prazo, aposta de boa parte dos analistas, após o fraco resultado do último trimestre de 2018, do decepcionante início de ano e do corte das projeções para o crescimento do PIB no ano.

Não houve surpresa sobre a decisão final do Copom. Uma ação decidida como a de redução dos juros dificilmente seria tomada na estreia do presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos Neto. A ata, porém, tem nuances conservadoras, ainda que esse tom já estivesse presente na pregação de "cautela, serenidade e perseverança" da gestão anterior.

Há motivos para cautela. As projeções de inflação feitas pelo Copom com os juros a 6,5% e taxa de câmbio a R$ 3,85 por dólar são de 4,1% para 2019 e 4% para 2020, ambas sem folga em relação ao centro da meta nos dois anos. O Copom aponta que as medidas de inflação subjacentes (núcleos) estão em níveis "apropriados ou confortáveis", mas sinaliza que a inflação acumulada em doze meses terá um pico em abril ou maio para depois declinar para o nível projetado. O IPCA-15 de março em doze meses mostrou esse movimento, subindo de 3,74% em fevereiro para 4,18%. Alimentação e transportes provocaram 80% da alta, de 0,54 ponto percentual do índice mensal.

Carlos Drummond de Andrade: Aparição amorosa

Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.

Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.
Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma ideia platônica no espaço?

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.