sexta-feira, 12 de abril de 2019

*Opinião do dia: 'cidadania democrática' (Habermas)

A inclusão do outro é analisada por Habermas em diferentes âmbitos: no contexto mais abstrato da argumentação moral, que visa explicitar o teor cógnito de uma moral universalista do respeito igual e da responsabilidade solidária por cada um; em discussões e posicionamentos sobre o desenvolvimento do Estado nacional e a concepção liberal igualitária de cidadania democrática em sociedades plurais, multiculturais globalizadas; nas concepções de direitos humanos e nas reflexões sobre o cosmopolitismo e direito internacional; no âmbito das lutas por reconhecimento no contexto dos Estados constitucionais democráticos; nas concepções normativas de democracia e na defesa da concepção de política deliberativa a partir do aprofundamento dos vínculos entre Estado de direito e democracia radical.

*Denilson Luís Werle, professor de Ética e Filosofia no Departamento de Filosofia da UFSC. Apresentação à edição brasileira de “A inclusão do outro – Estudos de teoria política” (Jürgen Habermas) p.14, Editora Unesp, 2018.

Vera Magalhães: Projetos desconexos para vencer impressão de paralisia

- O Estado de S.Paulo

Empacotamento de medidas díspares evidencia ansiedade de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas

O que fica do discurso de pouco mais de quatro minutos de Jair Bolsonaro na solenidade de lançamento de um pacote desconexo que junta medidas importantes e outras irrelevantes por ocasião dos cem dias de governo é frase do presidente de que sua administração navega em “céu de brigadeiro”.

Trata-se de uma boa dose de desconexão da realidade que marcou os três meses inaugurais de seu mandato. O empacotamento de medidas tão díspares, no entanto, trai as palavras do presidente e evidencia uma ansiedade generalizada de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas bestas e inexperiência da equipe —a começar do comandante.

Entre as medidas relevantes estão o projeto que dá autonomia ao Banco Central, o acordo de cessão onerosa com a Petrobras, a uniformização de regras para nomeações de dirigentes de bancos públicos com as exigências que já vigoram para instituições privadas e o “revogaço” que vai limpar a burocracia estatal de uma série de normas já caducas.

São importantes porque estão em linha com promessas de campanha de destravar a economia, dando-lhe uma diretriz liberal e pró-investimento e porque sinalizam o caminho, também vendido como promessa por Bolsonaro, de profissionalizar a gestão pública.

Há aquelas medidas-pegadinha, que querem afetar grande importância quando não têm a mínima. Nesse rol estão a extinção de cargos que já estavam vazios e de conselhos criados pelo assembleismo petista que estavam desativados e —ao contrário do que podem pensar os bolsonaristas iludidos— não implicavam em jetom para os integrantes.

Há ainda as medidas que são meros “calhaus”, jargão jornalístico para uma notícia ou anúncio que você encaixa para tapar buraco numa página. Nesse grupo estão coisas exóticas como a uniformização do domínio “.gov” nos sites oficiais e a mudança na forma de tratamento nas comunicações oficiais.

Eliane Cantanhêde: Mares revoltos

- O Estado de S.Paulo

Mais do que metas, a grande marca dos cem dias se resume a uma palavra: ideologia

Há dois balanços dos cem primeiros dias do governo Jair Bolsonaro: o do próprio Bolsonaro, que admite “mar revolto”, mas vê “céu de brigadeiro”, e o da opinião pública, que só vê o “mar revolto” que engoliu 15 pontos na popularidade do presidente.

O pacote de medidas de ontem foi uma clara tentativa de fugir de um balanço analítico e forçar uma contabilidade aritmética. Na solenidade, Bolsonaro confirmou o 13.º salário para o Bolsa Família, a independência do Banco Central e o polêmico ensino domiciliar.

Muito além dessas questões pontuais, que geram acalorados debates, a palavra-chave dos cem dias de Bolsonaro é: ideologia. Enquanto condena o excesso de ideologia da era PT, o presidente se pauta, a cada ato, a cada fala, a cada viagem, exatamente por um excesso de ideologia. Só que do avesso.

Isso causou os piores momentos e as maiores críticas ao início do governo, com a divulgação de um vídeo asqueroso contra o Carnaval, os elogios chocantes aos ditadores sanguinários Stroessner e Pinochet, a constrangedora opinião de que o nazismo era de esquerda, a veneração quase infantil a Donald Trump, a reinvenção da diplomacia nas relações com Binyamin Netanyahu. Além de reinventar a história, Bolsonaro trouxe para a Presidência as suas crenças pessoais.

*Simon Schwartzman: O gigantismo do MEC

- O Estado de S.Paulo

Sugestão do caminho a seguir não chega a ser o mapa da mina, mas pode ser um roteiro

As preocupações ideológicas que marcaram a gestão de Vélez Rodríguez e aparentemente continuarão na agenda do novo ministro nem de longe refletem as questões que o Ministério da Educação, com um orçamento de R$ 123 bilhões e 450 mil funcionários em 2018, precisa enfrentar. Além de administrar uma rede própria com mais de cem instituições e 1,3 milhão de estudantes, o ministério é responsável por autorizar, avaliar e cuidar do desempenho dos estudantes e de todas as instituições de ensino superior federais e privadas, desenvolver os parâmetros curriculares de todos cursos de todos os níveis, manter em dia as estatísticas educacionais, administrar o crédito educativo e uma longa lista de programas como Proinfância, Dinheiro Direto nas Escolas, Livro Didático, Brasil Profissionalizado, Transporte Escolar e tantos outros.

Temas associados a valores e costumes algumas vezes surgem em alguns exames ou currículos, são questionados e repercutem na imprensa. Existem também controvérsias importantes sobre métodos de ensino, usos de novas tecnologias e modelos de organização do sistema escolar. São discussões que têm seu lugar, mas não deveriam distrair-nos da questão fundamental: o Brasil está gastando bem os 6% do produto interno bruto (PIB) que destina à educação? As pessoas estão aprendendo a ler, escrever e contar como deveriam? Sabemos que não, o que leva a indagar: o Ministério da Educação, com seus atuais formato e estrutura, é o melhor instrumento para mudar a situação, bastando, para isso, encontrar um bom ministro e uma equipe certa? Ou será que é necessário repensar de maneira profunda e ousada o papel do ministério e buscar alternativas?

O governo federal só contribui com 30% dos gastos públicos em educação, concentrados no financiamento de suas universidades, ficando o restante por conta dos Estados e municípios, sem falar nos grandes investimentos privados. No ensino superior, o governo federal só atende a 15% da matrícula, ficando 75% com o setor privado e o demais com os Estados. No ensino fundamental, a participação federal é irrisória – menos de 100 mil matrículas, ficando 85% com os Estados e municípios e 15% com o setor privado. No papel, o governo federal tem autoridade regulatória sobre todo o sistema, e a Constituição diz que o e ensino nos três níveis deve ser organizado em “regime de colaboração”. Mas, na prática, existe muita controvérsia sobre como essa colaboração deve funcionar e a dificuldade de o Ministério da Educação chegar ao “chão da escola” com suas orientações curriculares, avaliações e programas de apoio acaba resultando em interminável proliferação de portarias, instruções normativas, notas técnicas, resoluções, decretos e mudanças na legislação de efeitos desconhecidos, por falta de avaliação.

José de Souza Martins: Ideologia do nada

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Varrer e demolir não resolvem problemas sociais, políticos e econômicos. Varredor é uma profissão respeitável, depende de discernimento para saber o que varrer e o que preservar.  

A aspiração brasileira de termos no poder alguém que faça uma "limpeza" ideológica no país, um faxineiro da República, no lugar de um estadista, mais uma vez pode não dar certo. Já não deu em caso anterior. Jânio da Silva Quadros ascendeu politicamente tendo como símbolo de sua proposta política a vassoura. Toda suposta renovação por ele representada reduzia-se ao refrão de uma musiquinha de campanha: "Varre, varre, vassourinha...". Ganhou para perder. Poucos meses depois de assumir, renunciava.

Varrer e demolir não resolvem problemas sociais, políticos e econômicos nem aqui nem em Xiririca. Até porque varredor é profissão respeitável e nobre, depende de discernimento para saber o que varrer e o que preservar.

O golpe de 1964 veio de histórica ambição de poder dos herdeiros do tenentismo. Aliados aos que achavam que o Brasil só tomaria rumo se fossem varridos da política brasileira os supostos subversivos e os corruptos, nessa ordem, presumivelmente inimigos da pátria e da civilização cristã. Incoerente, para legitimar o poder usurpado, a ditadura teve que associar-se justamente aos corruptos. Tornou-se refém das oligarquias retrógradas, sujeitos históricos da corrupção institucionalizada. A corrupção era e ainda é um poder.

O governo resultante do golpe de Estado inovou no campo econômico, mas rendeu-se no campo político. Politicamente, então como agora, venceu o Brasil arcaico. Como agora, o regime sucumbiu à falsa inovação da cópia e da imitação. Faltou criatividade política e imaginação. Uma cópia foi a consigna "Ame-o ou deixe-o", plagiada de um dos ditos do macartismo americano, que perseguiu intelectuais, estimulou delatores e disseminou o obscurantismo. O povo brasileiro pode ser distraído, mas não é tolo. À vista das primeiras ações do regime autoritário, a frase se tornou "Mame-o ou deixe-o".

Maria Cristina Fernandes: Divórcio de bolsonaristas começou na estrada

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Unidos pela greve de 2018 e pelo candidato vitorioso ao Planalto, donos de transportadoras e caminhoneiros medem forças sobre o tatame da redução de margens imposta pela política de combustível 

Dezessete dias depois da posse do presidente Jair Bolsonaro, o empresário catarinense Emílio Dalçóquio falou para um grupo de interessados em aderir ao Instituto Lux Brasil, destinado a funcionar como um órgão regulador da direita nacional. "Temos que ter muito cuidado porque o próximo presidente pode ser um comunista verde-amarelo. Todo mundo ama Bolsonaro, mas quem é de direita?", disse, num auditório em Itajaí (SC), lotado de simpatizantes da causa.

O próprio empresário se encarregou de responder às perguntas que levantara em meio a uma palestra em que não faltou a exibição de fotos de sua família ao lado da primeira-dama, Michele, e de toda a descendência bolsonarista. Pelas convicções exibidas na palestra, a verdadeira direita conservadora acha que Pinochet fez o que tinha que ser feito ("Todo mundo quer comer franguinho, mas ninguém quer ir lá esganar o franguinho"); o poder tem que ser transferido aos municípios ("Vão dizer que tem muito ladrão nas prefeituras, mas a gente vai lá e pega o ladrão na casa dele"); os filhos, mesmo quando crianças, têm que trabalhar como as do Eixo ("infelizmente os alemão, os italiano e os japonês perderam a guerra, mas tenho orgulho do povo trabalhador"); e, finalmente, a liberdade de mercado tem que ser total ("Não pode tabelar. Tá louco?").

Com sua regência verbal customizada, Dalçóquio notabilizou-se como uma das principais lideranças empresariais da paralisação que afetou o transporte rodoviário em todo o país no ano passado. Durante o movimento, que uniu empresas do setor e caminhoneiros autônomos, viralizaram vídeos em que Dalçóquio se mostrava como um bolsonarista raiz. Dizia que o foco daquele movimento não estava na estrada, mas na faculdade, "onde os jovens aprendem que houve ditadura no Brasil".

Claudia Safatle: Pacote para destravar o mercado de capitais

- Valor Econômico

Crédito privado pode ser a faísca que vai acender a economia

A área econômica do governo dispõe de uma lista com 67 medidas necessárias para destravar o desenvolvimento do mercado de capitais no país. São, em geral, exigências excessivas, regras complicadas demais ou cobrança inadequada de impostos que desestimulam o investidor.

Exemplos não faltam. A recente regulação brasileira dos fundos patrimoniais ("endowment funds") exige a identificação de absolutamente todos os cotistas. Mas é da natureza desses fundos a existência de cotistas que eles próprios não sabem quem são.

Outra questão é o "hedge" cambial para investimentos de longo prazo. Quando um investidor de projetos de infraestrutura faz o "hedge" cambial sobre operação de crédito, ele fica sujeito a cobrança de imposto sobre o resultado dessas operações em bases anuais. Isso o obriga a pagar o tributo nos anos em que o câmbio se deprecia e ele ganha, sem possibilidade de compensar nos exercícios em que a taxa de câmbio se aprecia e, portanto, ele tem prejuízo.

A solução é fazer o que já fizeram outros países, como a Malásia e a Austrália, que cobram o imposto sobre todo o período de duração do "hedge".

Há, também, uma família de medidas para a redução do custo para empresas de pequeno porte emitirem dívida, que é muito alto. A empresa precisa de recorrer a um banco e a exigência de publicação de informações é excessiva, na avaliação de fontes qualificadas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou que pretende abrir o país à concorrência internacional. O processo de fechamento do câmbio no Brasil, porém, é muito complicado, uma herança dos tempos em que o país era vulnerável a crises do balanço de pagamentos. Se há o objetivo, no futuro, de se ter uma moeda conversível, há vários passos intermediários de simplificação possíveis.

Bruno Boghossian: Contra Bolsonaro, PT se rebaixa e aposta em deboche infantil

- Folha de S. Paulo

Petistas entram no ringue da baixaria e replicam métodos que criticam no rival

O PT fez farra para divulgar um bilhete em que Lula dava parabéns a Zeca Dirceu pela provocação feita a Paulo Guedes na semana passada. “Eu fiquei tão orgulhoso de você que vou aprender a música da tchutchuca e do tigrão. Kkkk”, dizia a nota assinada pelo ex-presidente.

A chancela do petista confundiu os políticos do partido. Alguns deputados tinham ficado incomodados com o episódio. Eles acreditavam que a sigla ganharia mais se deixasse o deboche de lado e enfrentasse o governo com argumentos sérios. A gargalhada de Lula, porém, fortaleceu a turma que aposta nas práticas do jardim de infância.

Depois de ver Jair Bolsonaro ser eleito dando uma banana para o “politicamente correto”, propagando absurdos e desferindo ataques repugnantes para fazer sucesso nas redes sociais, alguns petistas parecem estar atrás de suas próprias curtidas.

Hélio Schwartsman: Por que agentes da lei atiram tanto?

- Folha de S. Paulo

Morte de músico prova que há algo de errado nas práticas de forças de segurança

O escandaloso fuzilamento do músico Evaldo dos Santos por tropas do Exército no Rio de Janeiro é a prova material de que há algo de errado nas práticas das forças de segurança brasileiras.

Ao menos na teoria, a principal diferença entre a polícia e o bandido é que a primeira atua tendo em vista o interesse público, enquanto o último age de acordo apenas com suas próprias conveniências. Sim, é mais difícil ser polícia do que bandido.

E, no que diz respeito à abordagem de suspeitos, o interesse da sociedade é duplo. De um lado, é preciso identificar e prender quem tenha infringido a lei, com o objetivo de promover a segurança pública. De outro, há o imperativo de preservar a vida e a integridade física da população.

Reinaldo Azevedo: Moro, o iluminista das trevas, reage à língua portuguesa

- Folha de S. Paulo

Moro se zanga e recorre às redes sociais quando suas propostas são postas a nu

O ministro da Justiça, Sergio Moro, resolveu enroscar com a pesquisa Datafolha sobre aspectos do seu "pacote anticrime". Recorre, como é hábito nesse governo, ao Twitter para inflamar as milícias nas redes sociais. Parece que não gostou de ver as suas propostas, transformadas em perguntas, sem as fantasias diversionistas da linguagem burocrática. Postas as suas proposições a nu, em particular as mudanças que pretende fazer nos artigos 23 e 25 do Código Penal —que confeririam licença explícita para matar—, o homem se zangou.

Não deixa de ser impressionante o prestígio de que ainda goza em setores consideráveis da imprensa. Poucos homens públicos, como ele, fizeram tanto, em tão pouco tempo, contra os direitos humanos. Jornalistas, com raras exceções, têm a questão como um valor inegociável, independentemente de convicções ou inclinações ideológicas. Moro, no entanto, tornou-se uma espécie de aguarrás da moral. Afinal, sua fama de caçador de corruptos o absolveria de todos os pecados do mundo. Espancando a língua portuguesa, o direito ou o bom senso, segue firme, com o queixo erguido, rumo às urnas. Dona "Rosanja" Moro observou, no dia 8 de fevereiro, no Instagram, que "2022 já começou". E, como notei aqui, ela não estava, por certo, pensando no "cônji" de Michelle.

Vinicius Torres Freire: Desânimo, a maior obra dos cem dias

- Folha de S. Paulo

Avaliação presidencial, mercado, confiança na economia, paz política: tudo piora

A barulheira virtual abafa várias notícias do mundo dos fatos da economia e da política, que seguem devagar quase parando e malparados, no entanto.

No universo do trabalho, dos negócios, das empresas e das expectativas, o assunto mais relevante dos cem dias do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro foi a estagnação produtiva e a reversão dos ânimos políticos e econômicos.

As empresas levantaram menos dinheiro no mercado de capitais neste primeiro trimestre do que no início de 2018 (venda de novas ações, empréstimos via debêntures e outros títulos, captações no exterior etc.). Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (11) pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

O custo e o risco de levantar capital estão mais altos, em suma.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) rebaixou sua previsão de crescimento do PIB industrial para 2019 de 3% para 1,1%, também nesta quinta-feira. Reduziu sua estimativa do crescimento do PIB de 2,7% para 2%. Ainda está até otimista. O pessoal de consultorias e bancos já começa a chutar na direção de 1,5%.

*Lena Lavinas: O 13º no programa Bolsa Família é mais cortina de fumaça?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro anunciou a ampliação do programa de transferência de renda

Na ausência de fatos relevantes para comemorar os seus primeiros três meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou com pompa e circunstância a criação de um 13º para as famílias beneficiárias do Bolsa Família.

Uma razão a mais para celebrar tal feito estaria no financiamento desse benefício adicional se tornar possível pela economia que ocasiona o combate à fraude no âmbito do grande programa de combate à pobreza. Ora, o número de famílias contempladas pelo programa em 2013-14 era de 14,1 milhões e se mantém nesse exato patamar em 2019.

Mas, afirma-se, zerou-se a fila, graças aos cortes dos benefícios indevidos, objeto de fraude. A febre da fraude parece mesmo turvar a visão e o bom senso de quem nos governa, não poupando tampouco os atuais gestores da política social.

Como é de amplo conhecimento, crescimento e pobreza são negativamente correlacionados. Em 2013, quando a taxa de crescimento do PIB alcançou 2,7%, o Bolsa Família contemplava 14,1 milhões de famílias. A taxa de desocupação era baixa e em queda, e o salário mínimo seguia crescendo em termos reais.

Portanto causa espécie supor que, na sequência da mais aguda recessão já vivenciada pela economia brasileira, com crescimento negativo do produto real de 4,7% entre 2015 e 2018, desemprego estacionado em mais de 13 milhões, 5 milhões entregues ao desalento e 16 milhões de domicílios sem registro de renda oriunda do trabalho, os índices de pobreza e indigência não tenham aumentado.

E, consequentemente, não tenham levado a uma ampliação sensível do grau de cobertura do Bolsa Família, lógica inerente a todo programa compensatório num momento de descenso do ciclo.

Não é, evidentemente, o que indicam as estimativas do IBGE nem tampouco as do Banco Mundial, qualquer que seja a sensibilidade do presidente às metodologias adotadas e a seus resultados.

Merval Pereira: Passo adiante

- O Globo

A autonomia formal do Banco Central, anunciada ontem pelo presidente Bolsonaro como parte das comemorações dos cem dias do governo é assunto que provoca polêmicas sempre que abordado, e nenhum governo recente teve vontade de implementá-la, embora fossem todos favoráveis à independência de atuação. Ponto para Bolsonaro.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que iniciou a fase de independência do Banco Central, nunca se empenhou em conceder a autonomia formal reivindicada, mas na prática tornou o órgão no mais poderoso do Executivo.

O ex-presidente Lula aceitou dar independência total a Henrique Meirelles, para demonstrar ao mercado que seu compromisso era para valer. Nos oito anos em que reinou no BC, Meirelles teve que enfrentar muitas crises políticas, pois sua independência contrariava grupos dentro do PT.

O presidente do Banco Central ganhou status de ministro para blindá-lo com o foro privilegiado devido à possibilidade de um processo. A condição foi mantida a partir de então, mas Bolsonaro prevê cancelar essa prerrogativa, mesmo porque o foro privilegiado hoje já não dá proteção a fatos ocorridos antes do exercício da função.

Lula chegou mesmo a sondar um substituto para Meirelles, que acabou sendo salvo pelo anúncio de que o país ganhara status de bom pagador recebendo da Standard&Pools o grau de investimento. Já a ex-presidente Dilma interferiu abertamente na atuação do Banco Central, a ponto de o mercado financeiro apelidar Alexandre Tombini de “Pombini”, em referência à sua submissão à presidente Dilma.

Míriam Leitão: Inúmeras ideias sem números

- O Globo

Governo apresenta várias ideias para a reforma tributária, mas não mostra detalhes e números que comprovem a sua viabilidade

Para acabar com a contribuição previdenciária das empresas, o governo teria que saber onde conseguir em torno de R$ 250 bilhões. A reforma tributária que a equipe econômica está formulando tem boas ideias, algumas não são novas, mas ela contém o que o presidente Jair Bolsonaro negou durante toda a campanha, e até na transição, uma nova CPMF. A novidade estratégica é separar em fases a unificação dos impostos. Primeiro, unir alguns tributos federais. E só depois mexer com os impostos estaduais e municipais. A proposta que o governo defende de tirar a tributação sobre o trabalho é ótima, desde que seja exequível.

O ministro Paulo Guedes, em palestra em Nova York, e o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, entraram em alguns detalhes da proposta que ainda não foi apresentada ao Congresso. Segundo Cintra, seriam unificados PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em NY, Guedes disse que são todos a mesma coisa. Falta ainda mostrar os números.

Guedes tem falado, sem entrar em detalhes, em algo que foi repetido por Marcos Cintra: a retirada da tributação sobre a folha de salários. Segundo o ministro, essa contribuição é arma de destruição em massa de emprego. Cintra falou que a folha seria desonerada de forma permanente e para todos os setores. Isso é música para os ouvidos dos empresários. O problema é que será necessário outro imposto que arrecade bastante para financiar a Previdência. No ano passado o governo recolheu R$ 390 bilhões dos empregados e empregadores. Só a parte patronal deve ser pelo menos R$ 250 bilhões. No governo Dilma, houve uma desoneração de alguns setores, que deixaram de pagar contribuição previdenciária sobre a folha e passaram a recolher um percentual sobre o faturamento. Isso deu errado, elevou o rombo das contas públicas e, como se sabe, o governo Temer teve que iniciar o processo de reoneração.

Bernardo Mello Franco: A impunidade veste farda

- O Globo

A impunidade é regra em crimes que envolvem militares. Julgá-los ficou mais difícil depois de 2017, quando Temer sancionou a lei que recriou o foro privilegiado da farda

O ministro da Defesa classificou o assassinato do músico Evaldo Rosa, fuzilado diante do filho de sete anos, como um “lamentável incidente”. O general Fernando Azevedo e Silva disse que o crime será apurado “até as últimas consequências” e que o Exército vai “cortar na carne”. Não foi o que aconteceu em outros casos recentes envolvendo militares no Rio.

Em novembro de 2017, uma operação do Exército com a Polícia Civil matou oito pessoas no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Entre as vítimas da chacina, havia dois motoristas de Uber e um estudante. Depois de mais de dois anos, ninguém foi a julgamento. Entidades de direitos humanos acusaram o Exército de obstruir as investigações para proteger seus soldados.

Devido a uma lei sancionada pelo presidente Michel Temer, os militares envolvidos em crimes contra civis não podem mais ser processados na Justiça comum. Se um civil mata um militar, vai ao Tribunal do Júri. Se um militar mata um civil, é julgado por superiores na Justiça Militar. A mudança ressuscitou um privilégio criado pela ditadura em 1969.

Dora Kramer: Com um olho serás rei

- Revista Veja

O risco de, outra vez, optarmos pelo “menos pior” na Presidência

É verdade que o excêntrico parece ser o novo normal nesta quadra mais que estranha da nossa República. É fato também que o mundo da política se movimenta no ritmo da dinâmica eleitoral. Ainda assim não é usual que três meses depois de iniciado um governo já se fale aberta e naturalmente em sucessão mesmo entre aqueles que até outro dia eram entusiastas do presidente eleito. Caso, por exemplo, dos governadores do Rio, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria.

Bolsonaristas de caniço e samburá, ambos atuam com total falta de cerimônia, como se a gestão de Jair Bolsonaro fosse acabar amanhã. Witzel se assume pré-candidato e Doria age como tal. Os dois já estão buscando manter distância regulamentar do governante, cuja avaliação de desempenho nas pesquisas de opinião é a pior desde que se faz esse tipo de medição — da primeira eleição presidencial direta pós-redemocratização para cá.

Faltando três anos e praticamente nove meses para o término do mandato, é claro que há tempo de sobra para Jair Bolsonaro se acertar e recuperar fôlego suficiente para pleitear a reeleição que jura rejeitar. Mas no momento o aroma no ar não é esse, e aí se assanham os adeptos da antecedência.

Uns mais explícitos, como Witzel, outros em atuação implícita, como Doria, e ainda há os que caminham devagar e na sombra. Nesse caso está o apresentador Luciano Huck. Entre outros movimentos, o apresentador, no mês passado, pediu para conversar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não se sabe o assunto, mas para contar votos pela reforma da Previdência é que não foi.

*Monicia De Bolle: Nazismo não é isso nem aquilo

- Época

Não há no mundo, hoje, qualquer país que proponha forma de nacionalismo econômico tão extremada quanto o implantado pelo nazismo.

Nazismo não é isso nem aquilo Dentre todas as patacoadas produzidas pelo bolsonarismo dia sim, outro também, a classificação do nazismo como um “movimento de esquerda” é a mais nociva, não apenas pela ignorância revelada, mas pela intolerância exacerbada em relação a tudo e todos que discordam do capitão-presidente. Discordar do capitão-presidente e de sua turma significa não apenas estar do lado errado, mas ser errado. E não há nada mais errado na cabeça de seguidores de Bolsonaro que a esquerda. Portanto, para ilustrar como a esquerda é pérfida — entenda-se por esquerda qualquer pensamento que rejeite Bolsonaro —, abusa-se das comparações com um dos piores regimes totalitários da história da humanidade.

Não pretendo escrever mais uma dissertação sobre por que o nazismo não é de esquerda — considero isso perda de tempo.

O que acho interessante é situar as políticas econômicas do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães no espectro em que os extremos são demarcados pelo comunismo soviético e pelo liberalismo britânico. Guardadas as diferenças nos contextos histórico e político, a tentativa do nazismo de apresentar-se como uma terceira via no plano econômico na década de 30 tem ecos muito atuais. Hoje não há extremos como os identificados nos anos 30, mas há uma rejeição crescente aos regimes caracterizados em maior ou menor grau pela social-democracia e pelo apego à globalização. 

Tal qual nos anos 30, a rejeição se manifesta no ressurgimento do nacionalismo econômico. Os exemplos vão desde o protecionismo tosco de Donald Trump e da inacreditável tolice do Brexit às políticas industriais da China — o Made in China 2025 —e à resposta alemã recente às pretensões chinesas — o Plano Nacional Estratégico para a Indústria 2030. Em todos esses casos, passando pela Hungria, pela Polônia e pelo México, além de outros países, há uma clara tendência a abraçar o nacionalismo econômico como solução para problemas que vão desde a insatisfação com a desigualdade de renda até a necessidade de gerar empregos domésticos para a população que se ressente dos problemas causados pela globalização e pela crescente automação da produção.

Ricardo Noblat: Gentili e Bolsonaro no país da piada

- Blog do Noblat / Veja

Comediantes, crianças e índios
Se pouco lhe importa ser alvo de notícias e comentários negativos, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu mais uma vez, e logo no dia em que comemorou com pompa os primeiros cem dias do seu governo.

A dizer qualquer coisa sobre a morte no Rio do músico Edvaldo Costa, 51 anos, fuzilado com 80 tiros disparados por nove militares, Bolsonaro preferiu o silêncio ignominioso que já dura cinco dias.

Entretanto, foi rápido no Twitter ao prestar solidariedade ao apresentador e comediante Danilo Gentili condenado à cadeia por ter ofendido a honra da deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Sim, a deputada é a mesma que Bolsonaro ameaçou bater na Câmara. Ao dizer também que, por ser feia, ela sequer merecia ser estuprada, Bolsonaro foi denunciado e está sendo processado.

Bolsonaro escreveu que Gentili apenas exerceu “seu direito de livre expressão”, e que ele, Bolsonaro, já foi objeto de piadas. Para o garoto Flávio, piadas “fazem parte do jogo democrático”.

Gentili foi condenado porque publicou uma sequência de tweetes em que chamou a deputada de “falsa” e “nojenta”. Maria do Rosário pediu por escrito que ele apagasse as mensagens.

Em resposta, Gentili gravou um vídeo em que aparece rasgando o documento, esfregando o papel nas partes íntimas e dizendo à deputada:

“Sendo assim, Maria do Rosário, chegando a minha cartinha, abre ela, sinta aquele cheirinho do meu saco e abra a bunda e enfie no meio dela tudo isso aí que estou mandando para você. Tchau”.

Ao sentenciar Gentili a seis meses e 28 dias de prisão, a juíza federal Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, justificou:

Entrevista / De: Gabeira Para: Bolsonaro

Morris Kachani / O Estado de S. Paulo

Com a vivência de quem já participou do sequestro de um embaixador americano, foi preso e torturado, passou 10 anos no exílio, revolucionou os costumes vestindo uma icônica tanga rosa na praia de Ipanema em 1980, primeiro ano da abertura após a anistia, fundou o Partido Verde, elegeu-se deputado, rompeu com o PT, abandonou a carreira política e hoje apresenta um belo programa de reportagens documentais na GloboNews, Fernando Gabeira oferece sua visão 360 graus sobre os primeiros 100 dias do governo.

Na última conversa que tivemos, antes da definição das eleições, você falou que a sobrevivência da democracia não estava ameaçada, mas sua qualidade sim.

Exatamente isso que está acontecendo. Até o momento não houve um passo que justificasse você dizer que houve um retrocesso democrático institucional. No sentido de que não foi feito nada que você pudesse apontar como ruptura com a democracia. Os contrapesos da sociedade brasileira continuam aí.

• O Jean Wyllis por exemplo teve que sair do país. Não são sinais?

Lamento a saída dele. Há muita gente que se sente ameaçada no Brasil. Acho que a sensação de ameaça vem menos das instituições do que do clima de rivalidade nas redes sociais, o baixo nível de debate político que predomina no país. Naturalmente, o governo tem um papel na medida em que emergiu desse debate radicalizado. O general Mourão afirmou, recentemente, que o governo teria condições de dar segurança a ele. Não sei como isso seria feito. Acho, no entanto, que o melhor caminho é desanuviar o debate político, para que todos sintam-se seguros na expressão de suas ideias.

• Sobre as redes sociais e o presidente…

A questão não é propriamente a rede social, a questão é de quem a usa e de como a usa. Se o Bolsonaro saísse do twitter, seria como tirar o sofá do sala. Porque ele ia continuar dizendo besteira em outros campos, em outras plataformas.

Nesse sentido eu acho que o erro mais condenável, que eu jamais vi em um presidente da república, e jamais creio que verei adiante, foi o fato de ele ter divulgado na conta dele um vídeo como o do golden shower. Eu não sou a favor de nenhum tipo de censura, mas eu sou favorável à ideia de que o presidente da República escolha os temas que vai difundir.

Eu acho que as redes sociais têm a ligação direta com a população, Bolsonaro inclusive está muito orgulhoso com o crescimento permanente nas redes sociais. Porque é uma forma também de procurar dizer o que o povo quer, de ganhar popularidade com uma série de medidas.

É por isso que o governo avança com uma série de medidas na área de costumes com debates ideológicos. É porque ele não sente avanço nas coisas materiais, objetivas.

Isso aconteceu muito com Jânio Quadros. Como ele não tinha um desenvolvimento fluido no governo, nas coisas que queria, ele trazia um tema de costume. Se ele tinha uma dificuldade na economia por exemplo, ele proibia o biquíni. Ou então ele proibia a briga de galo. Com isso ele deslocava a discussão e a transformava em algo que estava um pouco fora do centro das preocupações. Afasta o exame crítico, objetivo, do governo dele.

• Como bateu pra você essa proposta de revisar o golpe de 64?
(Risos)

Alguns deles acham que a história foi escrita de maneira unilateral e que não foram contemplados. Como o desejo de acabar com o comunismo, ou os que que sofreram alguma violência também. Mas para haver revisão histórica, é preciso de fatos e realidade.

O arranjo que fizemos com a anistia ampla, geral e irrestrita, foi uma forma de estabelecer um equilíbrio no qual o Brasil pudesse avançar democraticamente para outros momentos, e nesse sentido deu certo, nós conseguimos um período democrático grande da ditadura até hoje.

Acho que não tem sentido nesse momento discutir o governo militar, o golpe militar, porque daqui a pouco a gente vai chegar na Guerra do Paraguai, vai ficar todo mundo discutindo Guerra do Paraguai, com uma série de problemas caindo sobre nossas cabeças. No Rio de Janeiro por exemplo, eu vejo uma cidade sendo destruída, não vamos ficar discutindo quem ganhou a guerra do Paraguai…

Fazer isso é estar fora do mundo.

• O relacionamento do governo com o Congresso anda complicado. O tom da discussão entre Bolsonaro e Maia, as gritarias nas sessões… Estamos em evolução ou indo pra trás?

Nós estaríamos indo para trás se fosse colocado imediatamente sem nenhuma máscara e reserva o sistema do toma-lá-dá-cá. Acho que Bolsonaro tentou uma forma que todos os candidatos novos tentariam necessariamente. Uma possibilidade de você fazer um governo de coalizão sem terminar em uma troca material, sem que envolvesse necessariamente um processo de corrupção. Eu acho que isso é uma coisa desejável.

No entanto eu acho que ao escolher um ministério longe das influências políticas mais imediatas, ele foi um pouco mais radical.
Um inovador bem intencionado saberia que sem o apoio do Congresso, não conseguiria fazer nada.

Esta semana ele colocou no Ministério da Educação um cara que não tem experiência na educação. Não tem sentido você fazer isso. Mesmo se ele tivesse uma grande experiência na educação, é necessário fazer uma consulta política. Se você tiver políticos com capacidade e com honradez, preparados para assumir o cargo, você tem que fazer isso.

Bolsonaro precisa buscar uma mediação entre a ideia de não tratar com os políticos, e o toma-lá-dá-cá. Ele não conseguiu formular isso no princípio e até agora está um pouco hesitante, embora recentemente tenha se aproximado um pouco mais do Parlamento.

• Você acha que o Mourão é a voz do bom senso nesse governo?

Olha, acho que Mourão representa, ainda que não diretamente, a opinião de alguns generais que teriam um nível intelectual bastante diferente do Bolsonaro no meu entender. Eles têm uma experiência histórica maior, o Mourão por exemplo já serviu na Venezuela, conhece bem o problema de lá, o Heleno já esteve no Haiti, conhece bem os problemas de uma força de pacificação, o Santos Cruz já esteve no Congo também resolvendo problemas gravíssimos como comandante de uma força internacional.

São pessoas mais experientes do que o Bolsonaro, com conhecimento internacional maior que o de Bolsonaro e possivelmente com conhecimento do Brasil maior que o de Bolsonaro.

Então essas pessoas tendem a ter posições muito mais sensatas do que Bolsonaro e seus ideólogos.

• Ele recebeu mais de 57 milhões de votos. Será que a sociedade brasileira compactua com sua ideologia?

A ilusão dele foi a de que por ter sido eleito, a sociedade brasileira na sua maioria estava afirmando suas ideias. Ele subestimou muito a carga antipetista enorme que havia no eleitorado dele. Ele não compreendeu que foi escolhido porque era quem tinha chances de derrotar o PT.

E ao não compreender isso e iniciar o governo com este tom e esta perspectiva, ele tem perdido muito apoio, e é hoje o presidente avaliado nos primeiros 100 dias como o mais impopular. A aprovação dele caiu brutalmente. É sinal de que ele está equivocado.

O que ele supunha ser um aval eleitoral para ele, ele não entendeu bem, continua achando que é um aval da sociedade para ele tomar essas posições. Como se a sociedade tivesse refletido sobre a construção ou a transferência da embaixada do Brasil para Jerusalém. Não há uma reflexão na sociedade a esse respeito, me parece que o consenso está muito mais próximo do que existe hoje.

Ele está tomando posições que tem ideologicamente e que supõe que foram aprovadas nas urnas. Ele não foi eleito necessariamente por conta dessa visão ideológica e sim pela perspectiva de reconstruir o país a um nível de normalidade que as pessoas achavam que o governo do PT tinha tirado no final.

• Outro dia li um artigo dizendo que talvez a Câmara passasse a decidir as coisas importantes e o presidente cada vez mais inexpressivo.

Acho que este ano de 2019 vai ser muito crítico. Não quero ser pessimista, mas acho que a crise vai ser a forma de governar.

Temer precisou se livrar de algumas acusações e negociar com o Congresso constantemente. O Congresso sentiu o poder dele ali. Quando ele sente o gosto de sangue, quando sente que o governo está fraco dependendo dele, ele passa a assumir progressivamente o espaço que às vezes é ocupado pelo próprio governo.

Quanto mais fragilidade, mais o Congresso vai ocupando esse espaço. Essa é a tendência.

Você acha que está havendo um desmonte do Estado brasileiro?
Não, não necessariamente um desmonte, mas eu acho que em alguns setores está havendo transformações perigosas, como no caso das relações exteriores, e no caso da educação.

Nesses dois setores há um impacto ideológico maior, muito maior do que a posição pragmática e necessária para conduzir as coisas.

No caso da política externa, você abandona uma linha tradicional, brasileira, construída ao longo de todo esse período, e não coloca no lugar nada, apenas algumas afirmações muito vagas.

Originalmente, seria importante uma aproximação maior com os Estados Unidos, mas essa aproximação não poderia ser uma aproximação que emulasse algumas posições americanas, sem que a gente tenha condições de ser os Estados Unidos.

Podemos ser aliados, mas somos um país com condições diferentes, ambições diferentes, interesses diferentes.

E o que foi colocado no lugar da política externa foi uma adesão ampla, uma confiança no Trump como o salvador do Ocidente, e um certo messianismo, uma certa vontade de levar ao mundo a fé e os valores.

Richelieu, no século 17, já dizia que o indivíduo tem salvação, tem uma alma, ele vai para o outro mundo e se salva. Mas o Estado não tem isso, ele tem que se salvar aqui e agora.

Até hoje me parece muito equivocada, toda a política externa.

• Estava há pouco assistindo uma entrevista com o Ciro Gomes feita nos Estados Unidos…

Nos Estados Unidos está se discutindo mais o Brasil do que aqui. Todos eles estão lá.

• (Risos) Ciro falou que esse governo está saqueando nosso país, citando o acordo de Alcântara e a venda da Embraer.

O acordo de Alcântara é mais ou menos um consenso entre nós que acompanhamos aquele pântano que foi a relação com a Ucrânia nesse processo. Este acordo passa a ser uma coisa interessante para o Brasil, para a exploração espacial, porque o lugar é privilegiado, a instalação já está mais ou menos colocada. Eu acho que é um acordo interessante, uma vez que ele determinou bem, que o Brasil está cedendo para que os Estados Unidos usem Alcântara apenas em determinadas circunstâncias.

Por isso eu acho que o acordo de Alcântara talvez tenha sido o único aspecto positivo dessa relação. Então nesse sentido nós divergimos.
Também no caso da Embraer houve quase um consenso de que era um negócio a ser feito, não havia grandes problemas no fechamento desse acordo.

Não são esses acordos que me preocupam. O que me preocupa são as posições mais ideológicas.

Por exemplo, um questão mais delicada, mais próxima, mais preocupante, que é da Venezuela. Nós temos tido uma posição de condenação do Maduro e uma tentativa para contribuir com a democracia, mas sempre definindo que nossos limites são os limites políticos e diplomáticos. Ao passo que os Estados Unidos afirmam que todas as cartas estão sobre a mesa. O que significa indiretamente também, uma intervenção militar.

Aqui no Brasil as posições têm sido um pouco diferentes,
porque a nós que somos vizinhos e vamos continuar tocando essa relação ao longo dos anos, não interessa resolver o conflito desta forma.

O problema é que a posição brasileira é diferente, a posição representada pelo general Mourão, que se estabeleceu no Grupo de Lima, é uma posição que exclui essa alternativa, então há uma divergência nítida aí.

Marca a diferença entre interesses brasileiros e interesses americanos. Ambos querem contribuir com democracia, mas o Brasil não aceita a carta de intervenção militar, pelo menos em tese.

Embora as últimas declarações do Bolsonaro tenham sido um pouco enigmáticas…

• Você usou o termo messianismo. Como ele se manifesta nesse governo?

Por exemplo, nas declarações e artigos do ministro das relações exteriores, em que o Trump aparece como líder do Ocidente e o potencial salvador de um mundo em que segundo ele é preciso afirmar os valores cristãos, democratas etc

Eu acho que quando você se coloca em política externa querendo reformar o mundo, é difícil.

• Você tem alguma opinião sobre o Olavo de Carvalho?

Olha, eu não tenho opinião. A única vez em que Olavo me mencionou, foi em um livro chamado O Imbecil Coletivo, há muitos anos. Sobre mim ele disse que eu militarmente era inferior a um sargento do exército de Uganda ou de Zâmbia, já não lembro mais. Esperei Uganda ou Zâmbia protestarem (risos), mas como não protestaram nunca mais me interessei.

Mas realmente, discutir um pensador que está fora do Brasil, cujos livros sinceramente não li, eu não tenho condições.

A influência dele se dá através de cursos, palestras, ideias que são adotadas pelos filhos do Bolsonaro, e também pelo próprio presidente.
Um filósofo que tem a visão ideológica de reformar a cultura brasileira através de um governo determinado (risos), necessariamente está muito mais longe do pragmatismo.

Digamos que ele representa no governo Bolsonaro aquele setor que a gente chama de revolucionário, que pensa em alterar completamente as condições. Entra em choque necessariamente com outro setor, que tem a proximidade do real, que necessariamente tem que ser conduzido de forma mais pragmática. Esse setor são os militares.

• Você consegue visualizar até onde vai essa perspectiva ideológica?

Até o momento essa questão tem um enorme peso nesse governo. De certa forma a questão ideológica tinha um peso também nos governos de esquerda, apesar do pragmatismo em alguns momentos. A questão ideológica definia nossa política externa, por exemplo empurrando a balança de relações mais pro lado dos países bolivarianos – coisa que não acontece agora.

Mas eu acho que a questão ideológica hoje está mais concentrada em três setores.

Primeiro, relações exteriores. Segundo, educação. E terceiro, direitos humanos.

No ministério dos direitos humanos, temos a ministra disse, que a partir de agora os meninos vestem azul e as meninas vestem rosa.

Você imagine uma mulher que bate na mesa com alguns funcionários ao lado, dizendo o seguinte, ‘agora vamos mudar o país, com meninas vestindo rosa e meninos vestindo azul’ (risos).

• Qual o poder que uma mulher e seus funcionários têm para alterar e definir uma situação nesse campo?

Essas questões não se formam a partir de uma definição de governo. Essas coisas se definem na sociedade em várias dimensões nas quais o governo não está presente. Na cultura, nas relações cotidianas, nas relações com os outros países…

• Mas o governo pode interferir bastante, inclusive com cortes na cultura justamente…

O governo pode se preparar para isso, mas não deixa de ser idealista, na medida em que está supondo que estas coisas se definem na sociedade a partir da orientação de alguns burocratas, quando na verdade elas são bem mais amplas.

O que está havendo é uma retropia. Que vem a ser o contrário de utopia. Zygmunt Bauman fala isso do mundo, uma tentativa de voltar atrás, uma mitificação do passado. Um passado idealizado, que de fato não existiu assim exatamente, e que é semelhante às utopias, só que em um caminho invertido. A utopia te aponta para o futuro fantasiado, e a retropia te remete para um passado fantasiado para o qual você deve voltar.

• Robert Shiller, vencedor do Nobel de Economia, afirmou que o Brasil merecia mais, depois de assistir ao discurso de Bolsonaro no Fórum de Davos.

É verdade, o problema é esse, o Brasil precisa de mais. Eu não sei se ele merece mais, mas ele precisa de mais. Porque ele teve a oportunidade de escolher nas eleições, e o caminho que ele decidiu escolher foi esse, então ele está de uma certa maneira aprisionado neste caminho que escolheu, pelo menos até 2022.

Nós falamos do núcleo ideológico. Existe outro mais pragmático, que procura resolver as questões que foram as mais decisivas na campanha, no meu entender.

O Bolsonaro talvez não pensa assim, ele pensa que o mais decisivo na campanha foi supor que as crianças estavam usando mamadeira de piroca, mas na verdade não é isso, o mais decisivo é a reconstrução econômica, e nesse sentido foi encaminhada a proposta de uma reforma da previdência que não é perfeita, tem alguns defeitos que precisam ser corrigidos, mas é uma reforma da previdência que se dá em um momento em que o Brasil precisa fazê-la. Porque se não o fizer, muito provavelmente ela será feita contra a nossa vontade, como aconteceu na Grécia.

Outro ponto importante e que teve um peso enorme nas eleições, é a questão da segurança pública e combate à criminalidade.

Então eu vejo esses dois núcleos importantes, que dependem menos do comando dele. O Guedes que funcionou pra ele como espécie de Posto Ipiranga, ele já disse que não entende de economia e confia no Paulo Guedes. E o Sergio Moro que é o elemento mais popular do governo dele.

• Como está se construindo o campo de oposição a esse governo?

Acho que tem uma desagregação muito grande ainda. Primeiro porque de um lado a própria esquerda está dividida. Há uma parte da esquerda tentando se articular como oposição ao próprio Bolsonaro, e a outra parte da esquerda significativa que é do PT, ainda muita baseada em uma palavra de ordem Lula Livre.

Enquanto uma tem a perspectiva de buscar encontrar um caminho de apresentar alternativas e críticas, a outra concentra a energia maior na libertação de seu líder.

O que possivelmente vai acontecer é a confluência da oposição em determinados níveis e questões. É possível que surja na sociedade movimentos de oposição, ideias de oposição, que não necessariamente se alinhem com a esquerda.

• Já estão surgindo. A deputada Tabata Amaral talvez seja um exemplo.

Exatamente. Uma linha de oposição séria que realmente tenha algumas ideias sobre o Brasil e queira discutir e neutralizar as bobagens do governo através dessas ideias.

Esse tipo de oposição que não tem as características da oposição que o PT sabe fazer, e fazia no passado. Mais agressiva, mais disruptiva, do tipo “quanto pior, melhor”.

No estágio em que o Brasil está, qualquer pessoa que diga “quanto pior, melhor”, certamente ficará isolada porque nossa consciência é de que já estamos muito mal.

• Há uma nova geração de políticos.

Acho que existe um processo de renovação com algumas pessoas interessantes. Existem também alguns sobreviventes interessantes. A minha tese sempre foi essa, de que era preciso haver encontro dos novos com os sobreviventes que tivessem alguma experiência. Porque a história não começa do zero. Você precisa de experiência e energia para poder seguir adiante.

Tenho procurado contato com parlamentares que conheço, e falado sobre a importância disso, de se formar um núcleo trabalhador, estudioso, que pudesse encaminhar uma oposição programática.

Esse grupo pode não ser suficiente para alterar a correlação de forças, mas tem potencial para alterar algumas situações, desde que saiba se aliar com a opinião pública.

O que é 'marxismo cultural' e por que ele é debatido?

Termo tem sido usado pelo alto escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro; especialistas explicam

Carla Bridi e Paulo Beraldo / O Estado de S.Paulo

Termo repetido com frequência entre integrantes do alto escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro, o "marxismo cultural" entrou em debate novamente nas últimas semanas.

O novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu em entrevista ao Estado o combate ao "marxismo cultural". Questionado sobre como propõe fazer isso, disse: "No curto prazo, tomando cuidado com tudo o que vai sair do MEC, como livros didáticos", disse. "Estamos preocupados com vazamentos, com sabotagens. Mas não estou indo lá caçar ninguém. Não sou caçador de comunistas. Não gosto do comunismo, mas aceito o comunista. Quero a redenção dele".

O Estado ouviu dois especialistas em marxismo para explicar o significado da expressão e entender por que ela veio à tona.

• O que é o "marxismo cultural"?

A pesquisadora Daniela Mussi, doutora em ciência política e pesquisadora da USP, explica que o "marxismo cultural" é uma expressão popular "sem rigor teórico" que não é reconhecida entre intelectuais. Segundo ela, nenhum dos autores atribuídos a ela - como Karl Marx, Antonio Gramsci ou os representantes da Escola de Frankfurt - cunhou ou usou esse termo como um conceito.
Já o professor Marco Aurélio Nogueira, doutor em ciência política e professor da Unesp, avalia que "o termo é produto de uma profunda ignorância teórica no que diz respeito ao marxismo". Para ele, trata-se de uma "operação para estigmatizar a esquerda". Ele pondera que não é clara a definição de esquerda por parte dos usuários do termo "marxismo cultural". "Podem ser comunistas, socialistas, simpatizantes da esquerda no geral".

• O uso está correto?

Para a professora Daniela Mussi, não. "Esse termo passou a ser usado como pejorativo, sinônimo de manipulação e estratégias de distorção cultural, como um plano de conquista do poder por meio da cultura e da educação, mas isso não tem nenhuma sustentação nos autores. É um uso político".

"O uso pouco rigoroso de termos que surgem no senso comum não contribuem nem para um aprofundamento daquilo de que fato foi o pensamento dos autores", avalia. "Também não contribui para a democracia e para a construção de uma esfera pública crítica."

A análise do professor Marco Aurélio também sugere que não há uso correto do termo. Ele explica que a teoria marxista, assim como qualquer pensamento filosófico, incluindo o capitalismo, aborda diversos aspectos da vida humana, em sociedade. "Existe no marxismo a economia, a política, organização social, ideologias e os valores culturais, que é aquilo que orienta as pessoas nas suas manifestações culturais. Porém, quem fala em 'marxismo cultural' não fala da concepção cultural do homem, ignora-se isso", explica.

Governo quer criar despesas e abrir mão de receitas: Editorial / Valor Econômico

Sem obter apoio significativo no Congresso, e sem procurá-lo com método e determinação, o governo de Jair Bolsonaro acabou estimulando que os parlamentares determinem, a seu bel prazer, o que é melhor para si, e não necessariamente todos. Os Estados, boa parte deles arruinados por péssima administração, aumento de gastos com funcionalismo, queda de receitas e corrupção, ou doses variadas de tudo isso, estão sendo chamados a suprir a carência de base governista no Congresso com promessas de mais recursos, sem que as contrapartidas fiquem claras. Restrições fiscais, de repente, parecem ter sido deixadas de lado. O governo decidiu propor na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 um reajuste apenas para os militares - que em janeiro tiveram concluídas uma recomposição de soldos, repartida ao longo de quatro anos, de 25,4%.

Na queda de braço com o Executivo, os partidos primeiro reduziram um pouco mais a margem de manobra orçamentária da União, ao tornar impositivo o cumprimento das emendas parlamentares e aumentar sua proporção em relação à receita corrente líquida. O governo tenta reduzir o estrago - haveria aumento de despesas este ano - criar uma "escadinha" para o aumento do percentual da receita destinado a emendas. A reação do Congresso não impediu o governo de contingenciar o orçamento e, com ele, parte das emendas, que os partidos querem mais uma vez liberar.

Para não repetir os erros dos primeiros cem dias: Editorial / O Globo

Início do governo Bolsonaro consegue vitórias, e o acúmulo de derrotas está no campo político

É uma tradição nos países democráticos, não apenas no Brasil, medir o pulso da popularidade do presidente recém-empossado, sabendo-se que ela tende a se esvair em alguma proporção, à medida que a realidade se impõe no gabinete presidencial, e exige medidas que nunca agradam a todos. Governar é também gerenciar dissabores em nome do bem coletivo.

Em recente pesquisa Datafolha, a erosão do tempo, nestes primeiros cem dias de poder, deixa marcas em Bolsonaro mais profundas do que em antecessores neste mesmo período — 30% de desaprovação.

Mas não se podem desconhecer aspectos positivos da ainda curta administração, muitos deles decorrentes da acertada decisão de construir dois núcleos administrativos fortes para enfrentar os mais graves problemas do país: o Ministério da Economia, de Paulo Guedes, para enfim o Brasil fazer a necessária reforma da Previdência, mas não só; a pasta da Justiça e Segurança Pública, entregue ao ex-juiz Sergio Moro, também com missões estratégicas, em que se destacam o enfrentamento da criminalidade, cada vez mais forte e organizada, e o lançamento de fundações legais, com o Congresso, para o também imprescindível combate à corrupção. Ele está em curso, mas é necessário evitar retrocessos. Nestes dois polos há avanços — o debate sobre a Previdência já evolui na Câmara; e com o pacote anticrime acontecerá o mesmo, também no Senado.

Choque de realidade: Editorial / Folha de S. Paulo

Frustrações e popularidade abalada deveriam estimular Bolsonaro a corrigir rumos

Completados os primeiros cem dias de sua administração, Jair Bolsonaro (PSL) tem pouco a mostrar para satisfazer as aspirações dos que o elegeram em outubro.

Seria irrealista imaginar que o presidente pudesse apresentar resultados muito significativos em tão pouco tempo, ainda mais quando se considera a inexperiência da maioria de seus auxiliares.

Mas a frustração parece a conclusão inevitável de qualquer tentativa de analisar as realizações de Bolsonaro —e compará-las com as expectativas que ele mesmo alimentou desde sua ascensão ao poder.

Boa parte das metas estabelecidas por sua equipe para os primeiros cem dias foi atingida, mas em geral foram medidas típicas de varejo, de impacto reduzido. Várias ainda precisam receber o aval do Legislativo para entrar em vigor.

Promessas feitas durante a campanha eleitoral, como o decreto que facilitou o acesso a armas de fogo e o pacote de endurecimento da legislação penal apresentado ao Congresso, foram cumpridas.

Leilões para realização de investimentos em infraestrutura alcançaram resultados animadores, mas o êxito deveria ser creditado ao governo Michel Temer (MDB), que deixou os certames organizados. Coube a Bolsonaro bater o martelo.

Momento inadequado: Editorial / O Estado de S. Paulo

Chega a ser comovente, para quem acompanha há mais tempo seu envolvimento com questões tributárias, a dedicação com que o economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque defende sua ideia de unificação de impostos para a simplificação do sistema vigente no País e para a redução da carga tributária. Por muito tempo, Cintra defendeu a ideia do imposto único. No cargo de secretário especial da Receita Federal do Brasil, Cintra está preparando uma reforma no sistema de impostos que tem como ideia central justamente a unificação de tributos, como disse ao Estado. Numa segunda etapa, com a participação do Legislativo, o secretário da Receita pretende apresentar uma proposta de emenda constitucional que unificaria num único tributo federal impostos hoje estaduais, como o ICMS, e municipais, como o Imposto sobre Serviços.

A mudança do sistema de impostos, para simplificá-lo e reduzir seu peso sobre a atividade econômica, é reclamada há muito tempo pelo setor produtivo e pelos contribuintes em geral. Mas será este o momento político adequado para propô-la? E será esta a forma mais adequada para mudar nosso sistema de impostos, taxas e contribuições?

Manuel Bandeira: Velha chácara

A casa era por aqui…
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.
Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinquenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida… nos desenganos…)
A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa…
– Mas o menino ainda existe.