segunda-feira, 29 de abril de 2019

Opinião do dia: Yascha Mounk*

“Ele se apresenta como o único representante do povo, trata seus adversários como traidores, despreza as regras de convivência democrática, elogia a ditadura. Os sinais são desanimadores. Os brasileiros terão de lutar pela sobrevivência de seu sistema.”

Mounk oferece três conselhos aos oponentes de Bolsonaro: não subestimar sua capacidade e a de seus partidários; unir forças, a despeito das diferenças políticas que possam ter; e apresentar uma perspectiva positiva para o país, em vez de apenas apontar falhas do presidente.

Sendo a doença tão grave como foi descrita, o receituário proposto é exequível e suficiente para a cura a curto prazo? “Não posso prometer um final feliz. Exigirá muito trabalho, mas falamos de um bem maior. Todo esforço valerá a pena para salvar a democracia liberal.”

*Yascha Mounk, cientista político, doutor em Harvard, autor do livro ‘O povo contra a democracia’, em entrevista, Folha de S. Paulo, 28/4/2019;

Fernando Gabeira: O poder briga com a sombra

- O Globo

Não importa o que aconteça com Mourão, um governo tão estreito como o de Bolsonaro certamente terá novas tensões internas

O governo deu um passo na reforma da Previdência, mas continua no clima de barraco eletrônico, com grupos internos se atacando.

Não entro em detalhes, nem me interesso por personagens. Persigo um quadro um pouco maior.

Nele, a primeira ideia que surge dessas incessantes brigas é a ausência da oposição, ocupando ampla e seriamente o seu espaço. Na falta dela, o governo não tem com quem brigar e resolve brigar consigo próprio.

A cena agora revela mais abertamente uma tensão entre presidente e vice. É uma dupla singular para quem observa o recente período democrático. Na última viagem a Brasília, o fotógrafo Orlando Brito me mostrou a imagem da posse de Fernando Henrique Cardoso. No carro aberto, o vice Marco Maciel levantava a mão, de olho na altura da mão de Fernando Henrique. Ele não queria que acidentalmente seu braço estivesse mais elevado.

Marco Maciel era rigoroso na interpretação do papel do vice. Entre Temer e Dilma, houve um período em que a relação esquentou, terminando com aquela carta em tom de bolero: você não se importa comigo, sou apenas um vice decorativo.

Era, na verdade, uma carta de despedida. Temer já se preparava para substituir Dilma.

No caso Bolsonaro-Mourão, teoricamente tinham tudo para se complementar. Poderiam ter até combinado uma divisão de trabalho: Bolsonaro falaria para seus adeptos; Mourão faria a ponte com os setores que, por pura rejeição ao PT, votaram sem concordar com tudo.

Cacá Diegues: Abuso de poder

- O Globo

O cinema brasileiro vive um paradoxo. Nunca tivemos tanta qualidade em nossos filmes. Ao mesmo tempo, estamos ameaçados de acabar muito em breve
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Todo mundo sabe que a cultura é o mais precioso “soft power” que um país pode ter. Um poder capaz de influenciar sem a imposição do mercado ou a violência de uma guerra. E sempre em benefício de sua própria origem. Além disso, a cultura de um país como o Brasil é hoje objeto de uma estrutura econômica cada vez mais ampla e mais sofisticada. Em 2018, enquanto o cultivo, beneficiamento e moagem de café gerava cerca de 400 milhões de reais para a Receita Federal, o arrecadado através da produção cultural chegava a 905 milhões.

Como pode então o poder boicotar ou simplesmente fechar os olhos a essa força espiritual, social e econômica? O que o poder nacional quer da cultura?

Eles não se enganam apenas na nova versão infantojuvenil da Lei de Incentivo à Cultura, ex-Rouanet, tratando a produção cultural com limites e obrigações mercadologicamente inexequíveis, como se o estímulo se destinasse a distrair escolares em férias. Como lembrou a socióloga e jornalista Ana Paula Sousa, o governo se apropria assim de velho discurso do PT, no qual a lei não deve beneficiar “artistas consagrados”. Mesmo que seja verdadeiro que 90% dos projetos propostos nunca passaram do teto estabelecido agora, os outros 10% não precisam ou não merecem ser realizados? A lei então é seletiva?

No cinema, o comportamento sombrio da Ancine nos sugere o pior. A interrupção de sua atividade de fomento, a partir de 15 de abril, como está no documento interno que os jornais publicaram, é simplesmente desastrosa. Mas parece que a paralisia é necessária “para garantir a segurança jurídica dos servidores”. É claro que funcionários públicos precisam da proteção de seus empregos, estamos juntos. Mas por que a “segurança dos servidores” é prioritária, em detrimento dos produtores que trabalham na fabricação de filmes, objeto e sujeito, razão enfim da criação da agência? Uma agência que, desvirtuada desde sua origem, é responsável, ao mesmo tempo, por fomento, regulação e fiscalização, uma espécie de poder único e absoluto na atividade. O que é inacreditável, indesejável e inviável.

Joaquim Ferreira dos Santos: O presidente que virou publicitário

- O Globo

O governo Bolsonaro desconhece todas as boas novidades sociais das últimas décadas. Breve, proibirá comerciais de absorventes femininos

As gotinhas da Esso eram brancas e as crianças Dulcora mais ainda, alvíssimas, chupando eufóricas a felicidade dos drops embrulhados um a um. Não havia diversidade, essa palavra fundamental em 2019, e lá estava nos comerciais da TV a Neide Aparecida anunciando a peruca kanekalon. Sem tatuagem, sem piercing e acima de tudo com uma virgindade à espera do casamento com Cyll Farney, conforme anunciava a Revista do Rádio, ela balançava a cabeça para mostrar que o adereço capilar estava firme. Essa propaganda das perucas Lady é das caricaturas mais risíveis da história. Não era só o cabelo, não era só a virgindade. Era tudo falso.

O Brasil da propaganda, não faz muito tempo, era a mentira mantenedora dos preconceitos nacionais, um país inteiro de cabelos lisos, gente com uma carinha assim fofa, sem homem usando piercing como na propaganda do Banco do Brasil que Bolsonaro proibiu. Preto na propaganda só os soldadinhos feitos com palitos dos fósforos das marcas Olho, Pinheiro e Beija-Flor.

Era um país em que mulher não abria conta em banco e nos comerciais só aparecia cuidando das prendas do lar, como a Dona Ermelinda, a velhinha que saía correndo feito uma louca pelas ruas do Rio porque precisava aproveitar a liquidação de flanelas, lãs e cobertores das Casas Pernambucanas. Mulher de verdade posava sorridente ao lado do novo orgasmo daquele ano, um pote de gelatina framboesa da Royal. Não fazia cara de "diva irritada", como pede a propaganda censurada do Banco do Brasil. Mulher de família fingia-se de mãe extremada e bibelô. Mentia a depressão.

Rosiska Darcy de Oliveira: O naufrágio do Rio

- O Globo

O Rio é todo ele um monte de escombros, uma gigantesca Muzema

Como um barco naufragado cuja carcaça se arrebenta contra as pedras, o Rio de Janeiro continua lá, encalhado em berço esplêndido, largando pedaços a exemplo da ciclovia da Avenida Niemeyer, desfazendo-se ao sabor de chuvas e marés, metáfora perfeita do destino infeliz dessa cidade.

Não, o Rio não continua lindo, apesar das tardes de abril. Tornou-se uma cidade trágica, em que a morte é banal e o sangue tem pouca tinta, onde a violência é a lei, a mesma, de bandidos e policiais. Onde o medo nosso de cada dia nos faz estrangeiros a nós mesmos, os cariocas que já fomos tão alegres e esperançosos.

Somos governados por uma mistura de fanatismo religioso e hipocrisia, pelo cinismo de uma impassível máscara funerária diante do horror das casas inundadas, da desgraça das famílias soterradas pela indiferença e desprezo de milícias militantes e seus simpatizantes. Como se já não bastassem os territórios ocupados pelo tráfico, os fora da lei fizeram do Rio sua terra de eleição. O Rio, a capital de um estado com cinco governadores já presos.

O Rio é todo ele um monte de escombros, uma gigantesca Muzema onde caímos todos no conto do vigário, literalmente. Quem não gostar queixe-se ao bispo, o gélido bispo que chama a tempestade de chuvinha corriqueira, aquele mesmo que se elegeu para cuidar das pessoas.

*Denis Lerrer Rosenfield: A questão indígena

- O Estado de S.Paulo

Tribo paresi (MT) quer progredir e decidir seu destino, sem depender da tutela do Estado

A questão indígena é um dos temas mais apaixonantes pelas emoções que suscita, entrando em linha de conta tanto o desconhecimento da situação quanto considerações sobre a liberdade de escolha dos indígenas, passando pela atuação de ONGs e dos mais diferentes tipos de interesse. A ignorância ou a má-fé não deixa de ser um desses seus elementos.

Segundo dados do IBGE, a população indígena no País é constituída por aproximadamente 1 milhão de pessoas, pouco mais de 550 mil em zona rural. O caso de índios urbanos, observe-se, é de natureza diferente, por não envolver demandas fundiárias, mas de saúde, educação, trabalho, condições dignas de vida e luta contra o preconceito. Chega a ser uma vergonha que o País não consiga atender dignamente um contingente tão pequeno de pessoas, pertencentes originariamente a esta terra.

Do ponto de vista territorial, a população indígena restante ocupa em torno de 118 milhões de hectares, correspondentes a 14% do território nacional. Se fôssemos seguir as ONGs indigenistas, deveriam ocupar, segundo cálculos preliminares, 24% do território. Faz sentido?

Isso não significa, evidentemente, que nenhuma área deva ser doravante demarcada, mas um diagnóstico da situação deveria analisar a especificidade de cada tribo. Não é o mesmo uma tribo perdida, sem nenhum contato cultural, na Amazônia, os conflitos ditos fundiários em Dourados e em Mato Grosso do Sul e os paresis em Mato Grosso.

Cida Damasco: Ajuste com justiça

- O Estado de S. Paulo

Desafio da Previdência é unir ganho fiscal e redução de desigualdades

Em matéria de números, começa a ficar claro até onde pode ir a reforma da Previdência. Ainda que Bolsonaro, como de costume, diga que suas declarações não foram bem interpretadas e a equipe econômica mostre-se contrariada com a inconfidência do presidente, parece que o governo está mesmo preparado para “aceitar” uma reforma com “abatimento” de uns R$ 400 bilhões nas contas de ganho fiscal em dez anos. A proposta do Planalto, tal como ela desembarcou no Congresso, representa uma economia de R$ 1,23 trilhão. O aumento em relação ao R$ 1,1 trilhão em relação ao cálculo anterior seria explicado pela atualização dos dados com base na nova Lei de Diretrizes Orçamentárias e pelo adiamento da entrada em vigor das mudanças, de 2019 para 2020.

Mesmo antes de mais esse escorregão de Bolsonaro, os agentes do mercado já vinham trabalhando com números mais modestos – ou realistas, dependendo do olhar –, nas proximidades de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões. E não pareciam impressionados com o “tudo ou nada” do ministro Paulo Guedes, que oficialmente não arredava pé da marca do R$ 1 trilhão. Como se, abaixo disso, o destino da economia e, por tabela, do País fosse simplesmente o caos.

Trilhão para cá, trilhão para lá, o fato é que a avaliação da proposta do Planalto para a Previdência torna-se muito pobre, se for circunscrita a números – embora eles sejam indicadores importantes da viabilidade da arrumação das contas públicas. Espera-se um debate exaustivo sobre quais serão e sobre quem recairão as mudanças. Afinal de contas, conforme Guedes tem insistido, trata-se não apenas de promover ajuste fiscal, mas de desmontar a fábrica de desigualdades que caracteriza a Previdência no Brasil. Argumento que, se não é suficiente para conquistar forte adesão à reforma, serve pelo menos para enfraquecer as resistências de alguns setores.

A grande questão, nesse ponto, é que conciliar os dois objetivos não é tarefa simples. Um artigo do economista Luiz Guilherme Schymura, publicado no blog do Ibre/FGV, dá uma boa mostra das contradições embutidas nessa combinação. Vamos destacar duas:

Marcus André Melo: A armadilha da culpa

- Folha de S. Paulo

Por que Bolsonaro não se engaja na reforma da Previdência?

Quando Bolsonaro afirmou que “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, expressou o dilema comum a qualquer governante frente a reformas deste tipo. A forma clássica de ocultar a responsabilidade política por reformas impopulares é delegando-a a terceiros. E isto é o que estamos observando.

Reformas da Previdência têm custos concentrados e benefícios difusos. Elas impõem perdas a grupos específicos, mas o crédito político sobre seus benefícios de longo prazo dissipam-se devido a maior visibilidade de perdas versus ganhos. As reformas são ditadas pela elevação da expectativa de vida da população e pelo legado anterior da política. Se adiadas por muito tempo (devido a populismo macroeconômico e/ou boom de commodities), não há como fugir delas.

O cientista político Kent Weaver refere-se à dinâmica política destas reformas como a “política da imposição de perdas” em que os governos buscam escapar da armadilha da culpa” (“blame trap”).

Assim a reforma (PEC 6/2019) foi apresentada como do ministro Paulo Guedes, não do presidente. A barganha legislativa, por sua vez, foi delegada à Casa Civil e aos presidentes das casas legislativas.

Mas obviamente a questão se complicou porque Bolsonaro ascendeu à Presidência rejeitando fortemente a barganha congressual. Em suma, a estratégia dotada pelo governo visou minimizar a exposição do presidente tanto na autoria da proposta quanto na barganha necessária para sua aprovação. No entanto esta terceirização da responsabilidade pela aprovação da reforma esbarrou em Rodrigo Maia. Embora seja uma janela de oportunidade para que ele exerça liderança —o que tem ocorrido—, ela é potencialmente custosa.

Leandro Colon: O motorista do Brasil

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro dirige o país como ele e sua família conduzem os próprios carros

“Decisão nossa: não teremos mais nenhuma nova lombada eletrônica no Brasil”, declarou o presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de março. Segundo ele, “é quase impossível viajar sem receber uma multa”.

Na visão do chefe da República, o problema não é o motorista imprudente, mas o suposto excesso de vigilância com objetivo de dar lucro a quem explora o setor.

Dias depois daquela declaração, o governo anunciou o envio ao Congresso de projeto para aumentar de 20 para 40 pontos o limite exigido para a suspensão da carteira de habilitação, em um período de 12 meses.

Bolsonaro já tentou, sem sucesso, emplacar uma proposta parecida quando era deputado. Além de diminuir o rigor da punição, ele pretende aumentar o prazo de renovação da CNH de cinco para dez anos.

Celso Rocha de Barros*: Saudades da política

- Folha de S. Paulo

Desde que desistimos da política, o que parou foi a resolução de problemas

Lula deu entrevista à Folha e ao El País na última sexta-feira (26). Foi a entrevista que deveria ter acontecido durante a campanha, se as instituições brasileiras não tivessem se acovardado na esperança de serem poupadas por Bolsonaro. E aí, instituições, funcionou?

A entrevista teve altos e baixos. Lula reproduziu muito do discurso petista ruim dos últimos anos, como a teoria da conspiração de que a Lava Jato teria sido montada a partir do Departamento de Justiça norte-americano. Forçou, Lula.

Em outros momentos, como na piada sobre "O Lula está preso, babaca!", nos fez lembrar do sujeito que o Brasil consagrou como o maior político de sua geração, um sujeito que liderava a campanha presidencial de 2018 de dentro da cadeia.

Em mim o efeito foi o seguinte: a entrevista me fez ter saudade da política.

Para entender por quê, entenda o seguinte: o maior elogio recente a Lula foi feito por Jair Bolsonaro.
Recentemente, o presidente da república disse que não queria negociar com o Congresso para não acabar jogando dominó com Lula e Temer na cadeia.

O que Bolsonaro está dizendo é que Lula foi preso por fazer as coalizões necessárias para governar no sistema brasileiro pré-Lava Jato, que Lula não teria conseguido governar sem jogar o jogo como ele era jogado até então. E que a mudança nas regras do jogo, ocorrida durante o mandato de Lula, é que o colocou na cadeia. E que ele, Bolsonaro, não sabe jogar o jogo sem ser preso.

Em vez disso, Bolsonaro prefere desmontar as instituições, como faz o bolivarianismo reacionário de Viktor Orbán. Alguém no PT, aliás, parece concordar com Bolsonaro: nos documentos pós-impeachment do partido, o clima é de "bom, se as alianças nos colocaram na cadeia, vamos pro pau".

Eugênio Bucci*: Os expulsos do Banco do Brasil

- Folha de S. Paulo

Sexismo virou critério para a estética publicitária

O presidente da República já deu mostras enfáticas, reiteradas e indisfarçáveis de que não hesita em atear fogo no interesse público para promover suas predileções moralistas, antiquadas e fascistizantes.

Foi assim quando, para bajular o governo de extrema-direita de Israel, criou uma enorme confusão nas relações comerciais do Brasil com os países árabes. Foi assim quando abriu mão do princípio da reciprocidade e, unilateralmente, dispensou os americanos de terem visto para entrar no Brasil (embora os brasileiros sigam obrigados a trilhar as catacumbas da burocracia para ter um carimbo no passaporte que lhes permita pisar em solo estadunidense) --tudo para prestar vassalagem ao seu ídolo Donald Trump, eleito pelas falanges bolsonáricas como o farol do conservadorismo mundial. Foi assim, de novo, quando interveio atabalhoadamente numa decisão interna da Petrobras e travou o reajuste do preço do diesel e derrubou o valor da companhia em dezenas de bilhões de reais.

A mesma coisa aconteceu na semana passada, quando Bolsonaro ordenou que o Banco do Brasil tirasse do ar um anúncio de TV dirigido ao público jovem, cujos hábitos são menos caretas do que preconiza o discurso hoje em voga no Planalto.

De uma tacada, o presidente desrespeitou a Petrobras, enxovalhou (de novo) suas vãs promessas liberais, humilhou gays, trans, bissexuais e jovens em geral, feriu a dignidade de todos e todas que não cultivam intolerância sexual de nenhuma espécie e decretou a expulsão simbólica do Banco do Brasil de todos os homens que não se definam por usar apartamentos funcionais para "comer gente" e de todas as mulheres que não achem que as meninas devam se vestir de rosa e os meninos de azul.

Para o presidente, qualquer pessoa que não partilhe de sua doutrina de gênero é "persona non grata" no Banco do Brasil. Com ele, o sexismo se tornou critério ordenador da estética publicitária e filtro de seleção de correntistas de uma casa bancária que se definia como pública. Ele quer um Banco do Brasil em que somente os heterossexuais possam abrir conta, e se isso implicar perda de clientes, de valor, de capital, não importa. Para ele, o patrimônio do povo brasileiro está hierarquicamente subordinado à moral sexual que ele professa (ou acha que professa).

Vinicius Mota: Classicistas na moda

- Folha de S. Paulo

Aficionados e especialistas nas potências mediterrâneas da Antiguidade oferecem obras estupendas

“Quando os cidadãos tomam por asseguradas a saúde e a durabilidade da sua República, essa República está sob risco. Isso era tão verdadeiro em 133, 82 ou 44 a.C. como é em 2018 d.C.” Assim o historiador americano Edward J. Watts conclui seu recente volume “Mortal Republic”.

Os classicistas voltaram à moda, o que beneficia o público com obras estupendas. É o caso de Mary Beard com seu “SPQR” (em português pela ed. Crítica), a velha insígnia designando a união entre o Senado e o povo romanos.

O professor de Stanford Walter Scheidel, em “The Great Leveler” (o grande nivelador), percorre milhares de anos de história documentada, levanta diversos achados acadêmicos e arqueológicos de vanguarda e arrisca uma hipótese lúgubre sobre a desigualdade. Apenas ocorrências de violência extrema —como guerras totais, pandemias e colapso político— contribuem para frear a tendência milenar à concentração da renda e da riqueza.

A mudança climática tampouco escapa do olhar atual sobre as potências do passado. Em “The Fate of Rome” (o destino de Roma), Kyle Harper, da universidade de Oklahoma, mostra a coincidência entre o período de auge daquela civilização e uma janela de 350 anos de clima altamente favorável à vida e à agricultura na região.

Ruy Castro*: A parte engoliu o todo

- Folha de S. Paulo

O Brasil de que a Muzema fazia parte é hoje um quisto dentro de uma grande Muzema

Jorge Pontes, ex-delegado da Polícia Federal e coautor do livro “Crime.gov.”, que acaba de sair, disse ao jornal O Globo uma frase que permite extrapolações: “Não há uma fraude no Brasil. Há um país dentro de uma fraude”.

A parte engoliu o todo, interpreto eu, e isso está à vista em qualquer lado para que se olhe. A tragédia da Muzema, por exemplo, em que dois prédios desabaram no dia 12 último matando 24 pessoas, não foi uma fatalidade provocada pela chuva e pelos deslizamentos. Foi normal. O que espanta é que tragédias semelhantes não aconteçam todo dia e em toda parte. Parafraseando Jorge Pontes, o Brasil de que a Muzema fazia parte parece estar agora se reduzindo a um quisto na grande Muzema.

É um país que cresce à margem das estradas, das vias expressas e das lagoas, sobe pelas encostas ou se espalha pelas periferias das cidades. Só o conhecemos pela janela do carro, quando passamos por ele em velocidade. É formado por predinhos de tijolo aparente, todos com puxadinhos de dois ou mais andares, construídos pelos próprios moradores —cada qual servindo de engenheiro, arquiteto, mestre de obras e pedreiro. Os tetos sustentam as paredes. O Brasil mora neles.

Bruno Carazza*: Lula e a esquerda sem projeto

- Valor Econômico

Política de sangue nos olhos só favorece o outro lado

Depois de mais de um ano na prisão, Lula veio a público com sangue nos olhos e rancor no coração. Em quase duas horas de entrevista à "Folha" e ao "El País", o ex-presidente destilou toda a raiva curtida na solidão da cela. Em cada resposta está presente seu inconformismo com a Operação Lava-Jato e com o processo que o condenou em três instâncias e o impossibilitou de disputar as últimas eleições. Também está lá uma visão de esquerda e de oposição ao governo Bolsonaro que em nada contribui para sairmos do estado em que nos encontramos.

Mais uma vez não houve autocrítica. Desde o Mensalão, passando pelas revelações da Lava-Jato, do impeachment e da derrota nas eleições de 2018, nunca Lula ou o PT esboçaram qualquer intenção de reconhecer que a corrupção fez parte da sua estratégia de governo, degenerando o presidencialismo brasileiro, de coalizão para cooptação. Ao contrário, Lula tergiversou quando perguntado sobre o relacionamento com as empreiteiras, os empréstimos do BNDES, a Venezuela.

Em vez de reconhecer os erros, Lula se concentrou em enaltecer o passado, valendo-se muitas vezes de fatos distorcidos e malabarismo estatístico. E bem ao estilo populista de esquerda, apontou para os inimigos de sempre: a Lava-Jato (Moro e Dallagnol à frente), a Globo, os bancos e os Estados Unidos.

Sua receita para a grave situação fiscal em que o país se encontra é simplista: "Você quer diminuir a dívida pública no Brasil? Aumenta o crescimento econômico, o PIB, produz mais pão, mais feijão, mais carro, mais carne que você aumenta o PIB e cai a dívida pública". Em relação à proposta de reforma da Previdência de Paulo Guedes, a ordem do chefe, óbvio, é resistir, orientando inclusive o uso das mesmas ferramentas e estratégias de Bolsonaro na guerra digital.

Sergio Lamucci: A paralisia do investimento

- Valor Econômico

Dúvidas sobre Previdência e demanda fraca travam decisões

O investimento segue travado, mesmo depois de passadas as eleições presidenciais e da queda de mais de 30% no auge da crise. Com a demanda anêmica e as incertezas em relação à aprovação da reforma da Previdência, o setor privado investe muito pouco, ainda mais num cenário em que grande parte das empresas tem enorme capacidade ociosa. O setor público contribui ainda menos, dada a péssima situação fiscal do governo federal e de muitos Estados e municípios.

Sem o investimento ganhar fôlego, o PIB crescerá a um ritmo fraco também em 2019 - não por acaso, aumentam as apostas numa expansão de 1,5% ou menos neste ano. Do lado da demanda, o consumo das famílias, os gastos do governo e as exportações não puxarão a atividade, e o país deverá ter mais um ano perdido em termos de crescimento e redução do desemprego.

O anúncio de investimentos desacelerou significativamente depois da greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, como aponta o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato. Levantamento do banco com base em projetos anunciados na imprensa mostra uma queda mais forte exatamente a partir de junho de 2018. De julho de 2017 a maio do ano passado, a média de projetos divulgados foi de 109 por mês. De junho de 2018 a março deste ano, ficou em 56.

No segundo semestre de 2018, as incertezas relacionadas às eleições seguraram o investimento. Hoje, as dúvidas quanto à reforma da Previdência, fundamental para garantir a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo, mantêm o setor privado em compasso de espera.

Como pano de fundo, uma demanda muito fraca e uma grande ociosidade na economia. Honorato cita a sondagem industrial de março da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em que houve um salto das empresas apontando a "demanda interna insuficiente" como um dos maiores obstáculos. No quarto trimestre de 2018, esse era um dos principais problemas para 31,1% das companhias; no primeiro trimestre deste ano, o número pulou para 37,5%.

A ociosidade é enorme. O nível de utilização de capacidade instalada da indústria de transformação ficou em 74,4% em abril, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV). É um número muito abaixo da média registrada desde 2001, de 80%.

Ricardo Noblat: Como se fabrica uma falsa notícia

- Blog do Noblat / Veja

A máquina bolsonarista em ação
Tudo começou na última sexta-feira, dia 26, quando o canal bolsonarista no Youtube chamado “Point do Leo” divulgou o vídeo sob o título: “Aluna grava professora de cursinho falando mal do governo e do professor Olavo de Carvalho”.

No dia seguinte foi a vez da conta “Escola sem Partido” no Twitter reproduzir o vídeo com o título “Aluna de cursinho passa pito em professora depois da aula”.

O “Terça Livre”, outra conta no Twitter de aliados do presidente Jair Bolsonaro, replicou o vídeo ainda no sábado com o título de “Professora” de cursinho chama Olavo de Carvalho de anta e leva lição de moral de aluna”.

Chegou o domingo, dia 28. Aí foi a vez do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho postar em sua conta no Twitter um elogio à aluna que saíra em sua defesa.

Não demorou então para que o próprio Bolsonaro, em sua conta no Twitter controlada pelo garoto Carlos, postasse o vídeo acompanhado da seguinte mensagem: “Professor tem que ensinar e não doutrinar.”

Por volta do meio-dia, ao chegar à casa de seu filho mais velho, o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), em Brasília, Bolsonaro retomou o assunto – desta vez em declarações à imprensa.

– Nós queremos escola sem partido, mas, se tiver partido que seja dos dois lados. Não pode ter um lado só na sala de aula. Isso leva ao que nós não queremos.

No final da tarde, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, achou por bem anunciar que filmar professores em sala de aula “é um direito dos alunos”, e que irá analisar o conteúdo do vídeo compartilhado pelo presidente da República.

Àquela altura, a tal aluna que gravara o vídeo estava em estado de graça. Tamires de Paula se descreve como “ativista politicamente incorreta” e co-fundadora do site “Direita Itapeva”, município paulista.

Sim, é também secretária-geral do PSL de Itapeva, partido de Bolsonaro. Em sua conta no twitter, agradeceu a Bolsonaro a reprodução do seu vídeo e se disse honrada com o elogio que recebeu de Olavo de Carvalho.

Prometeu conceder em breve uma entrevista para explicar tudo.

Ala ideológica do governo mira ministro Santos Cruz

Auxiliares do Planalto criticam proximidade com Mourão e disputam a Secretaria de Comunicação

O reconhecimento de que a interferência em propagandas mercadológicas de estatais feria a legislação aumentou a pressão sobre o ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. Auxiliares do presidente Bolsonaro reclamam que ele não se alinha às pautas mais conservadoras e tentam reduzir seu poder.

O NOVO ALVO

Ala ideológica do Planalto tenta diminuir poderes de Santos Cruz

Jussara Soares / O Globo

BRASÍLIA - O episódio envolvendo a campanha publicitária do Banco do Brasil aumentou a pressão sobre o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo (Segov), alvo de críticas da ala ideológica do Palácio do Planalto. Na última sexta-feira, o ministro irritou o grupo ao dizer que a Secretaria de Comunicação (Secom), subordinada a ele, errou ao enviar e-mail determinando que as propagandas mercadológicas das estatais sejam aprovadas pelo governo, contrariando legislação vigente.

A nova disputa que se desenha no Planalto ocorre após Bolsonaro ordenar que um comercial do BB fosse retirado do ar. A propaganda, que explora o tema da diversidade, era estrelada por atores e atrizes brancos e negros, jovens tatuados usando anéis e cabelos compridos. O presidente Bolsonaro afirmou, mesmo após Santos Cruz dizer que intervenções eram indevidas, que não quer “dinheiro público usado dessa maneira” e argumentou que “a massa quer respeito à família.”

Para auxiliares do presidente que disputam o poder de influência no governo com os militares, Santos Cruz se intromete em muitas áreas do Executivo e não se alinha às pautas mais conservadoras, bandeiras de campanha de Bolsonaro.

Embora a disputa entre essas duas alas seja equilibrada, também passou a pesar contra o ministro o fato de ser o mais alinhado ao vice-presidente Hamilton Mourão. Durante a crise envolvendo o vereador do Rio Carlos Bolsonaro e Mourão, na última semana, ele teria saído em defesa do vice e buscado conciliação.

Comunicação põe ministro Santos Cruz sob ataque

Veto de Jair Bolsonaro à campanha do Banco do Brasil expõe disputa entre o titular da Secretaria de Governo e o da Secom; presidente nega conflitos

Vera Rosa e Naira Trindade, O Estado de S.Paulo

O ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, virou o novo alvo do Palácio do Planalto. Depois dos ataques dos filhos do presidente Jair Bolsonaro ao vice Hamilton Mourão, agora as críticas são dirigidas a Santos Cruz e têm como pano de fundo a comunicação. A queda de braço foi exposta depois que Bolsonaro mandou retirar do ar a propaganda do Banco do Brasil mostrando atores que representavam a diversidade racial e sexual do País. As divergências, porém, têm outros capítulos, como a campanha publicitária da Previdência e o tratamento que deve ser dado à mídia tradicional.

Desde que foi nomeado para comandar a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), há pouco mais de duas semanas, o empresário Fábio Wajngarten enfrenta a resistência de Santos Cruz. O general tentou até o último momento, sem sucesso, manter na chefia da Secom o publicitário Floriano Amorim, que defendia menos recursos para a mídia tradicional e mais investimento em redes sociais. Foi derrotado após a queda de popularidade de Bolsonaro e obrigado a conviver com Wajngarten, que hoje conta com a simpatia do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.

Os ânimos se exaltaram no último dia 17, porém, quando Wajngarten apresentou a campanha publicitária para “vender” a reforma da Previdência à população, envolvendo TV, rádio, jornais, revistas, mídias digitais e até imprensa internacional. Santos Cruz detestou. Além disso, se queixou do valor e exigiu a redução de, no mínimo, 20% nos custos. A Secom é subordinada à secretaria dirigida pelo general.

Após interferência no BB, Bolsonaro não sinaliza recuo

Por Carla Araújo e Mariana Muniz | Valor Econômico

BRASÍLIA - Mesmo depois de uma nota da Secretaria de Governo do Palácio do Planalto dizendo que a Lei das Estatais proíbe interferência em propaganda com fins mercadológicos, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou convicção sobre sua interferência no Banco do Brasil na semana passada. Indicando que novas atuações nesses moldes podem ocorrer, Bolsonaro disse que o objetivo por trás de intervenções seria preservar os recursos públicos e garantir que sua linha de pensamento será seguida.

"Quem indica e quem nomeia o presidente do Banco do Brasil? Sou eu? Não preciso falar mais nada então", disse o presidente no sábado. "A linha mudou, a massa quer o quê? Respeito a família, ninguém quer perseguir minoria nenhuma. Não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira", completou.

À tarde, após outro evento, Bolsonaro demonstrou certo desdém com a insistência dos jornalistas sobre o que ele teria visto de errado na propaganda do banco. "Você se olhou no espelho?", respondeu a um repórter que o questionava.

O presidente vetou uma campanha de marketing do Banco do Brasil, voltada para o público jovem e protagonizada por atores e atrizes negros e tatuados. O episódio culminou com a queda do diretor de comunicação e marketing do banco, Delano Valentim.

Bolsonaro perde 'voto de confiança' dos mais pobres

Entre janeiro e abril, um terço dos eleitores com renda mensal de até dois salários mínimos deixou de dar apoio a presidente; desgaste é mais expressivo nas capitais e no Nordeste

Daniel Bramatti e Caio Sartori, O Estado de S.Paulo

Do início do mandato até abril, a aprovação ao governo do presidente Jair Bolsonarocaiu mais entre segmentos da população que resistiram a abraçar sua candidatura à Presidência da República.

Análise do Estado com base nas pesquisas do Ibope mostra que as quedas mais bruscas na avaliação positiva se deram entre nordestinos e eleitores com baixa escolaridade e renda. Dentre os que se enquadram em um desses segmentos e chegaram a manifestar satisfação, boa parte já pulou do barco. Além disso, o movimento foi mais forte nas capitais.

Segundo Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope Inteligência, Bolsonaro chegou a ganhar, logo depois da posse, um “voto de confiança” significativo mesmo em setores que, na eleição presidencial, penderam majoritariamente para Fernando Haddad(PT), como os mais pobres e os nordestinos. “Nesses segmentos, porém, a identificação com Bolsonaro é mais frágil”, observa ela. “A partir do momento em que o governo passa pelos primeiros desgastes, essa população manifesta seu descontentamento de forma mais rápida.”

Desde a posse, o governo tem enfrentado disputas entre “olavistas” (seguidores do escritor Olavo de Carvalho, considerado guru de Bolsonaro) e militares na definição de políticas públicas e também dificuldades para construir uma base de apoio no Congresso – com prejuízo para a tramitação de projetos como a da reforma da Previdência.

No Nordeste, de cada dez eleitores que consideravam o governo bom ou ótimo, quatro já mudaram de ideia. No Sudeste e no Sul, esse movimento também se observa, mas com menor intensidade: três e dois de cada dez, respectivamente, já deixaram de manifestar aprovação.

Socialistas vencem na Espanha e ultradireita elege deputados pela 1ª vez

Atual primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, sai das urnas vitorioso na maioria das regiões do país e impõe uma derrota histórica ao tradicional Partido Popular; extremistas do Vox elegem 24 deputados e voltam ao Parlamento após 36 anos

João Paulo Carvalho / ESPECIAL PARA O ESTADO / MADRI , O Estado de S.Paulo

O Partido Socialista (PSOE), do atual primeiro-ministro Pedro Sánchez, venceu neste domingo, 28, as eleições espanholas, mas terá de formar uma coalizão com partidos de esquerda para governar. A novidade das urnas foi o Vox, legenda de ultradireita, que elegeu 24 deputados. Assim, os extremistas elegeram representantes no Parlamento pela primeira vez.

O PSOE conquistou hoje 123 cadeiras (de um total de 350) no Parlamento. O Podemos, de Pablo Iglesias, também de esquerda, obteve a 42 e deve ser um aliado natural do premiê. Juntos, eles têm 165 deputados e precisariam ainda do apoio de partidos menores para chegar à maioria de 176.

O bloco de esquerda recebeu mais votos que o de direita. Entre os conservadores, o tradicional Partido Popular (PP), de líderes históricos como José María Aznar e Mariano Rajoy, fez 66 deputados – o pior desempenho desde a redemocratização.

As outras legendas conservadoras que entraram no Parlamento foram o Ciudadanos, com 57 deputados, e os extremistas do Vox, que elegeram 24 parlamentares – os três partidos somados têm 147 cadeiras. Na noite de hoje (fim de tarde no Brasil), centenas de militantes do PSOE já se aglomeravam em frente à sede do partido, na Rua Ferraz, no centro de Madri, para celebrar a vitória. O clima no local era de festa. “É o começo de uma nova Espanha. Apesar de dependermos de uma negociação para sermos maioria, precisamos comemorar”, disse o jovem Rafael Herrera, de 23 anos.

Em meio a um mar de bandeiras vermelhas, Sánchez falou à multidão. “Não importa o que aconteça, o Partido Socialista ganhou. Isso mostra que temos uma democracia sólida e de qualidade. Vamos governar a Espanha, avançar na política social e acabar com a desigualdade. Hoje, ganhou o futuro e perdeu o passado”, afirmou.

O PSOE foi o partido mais votado na maioria das regiões da Espanha e em todas as comunidades autônomas. A legenda só não venceu em quatro lugares: Catalunha, País Basco, Navarra e a cidade de Melilla.

Socialistas tentarão governar Espanha sem coalizão formal de governo

Segundo vice do líder Pedro Sánchez, PSOE apostará em governo minoritário

O Globo, El País e agências internacionais

MADRI — A vice-primeira-ministra da Espanha, Carmen Calvo, disse nesta segunda-feira que os socialistas tentarão governar a Espanha sem uma coalizão formal. Na véspera, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) confirmou o favoritismo nas eleições gerais, amealhou maioria absoluta no Senado e obteve 123 cadeiras na Câmara, a maior bancada, mas longe da maioria absoluta de 176 cadeiras. Agora, o líder da legenda e atual primeiro-ministro, Pedro Sánchez, precisará negociar a formação do governo para ser reconduzido ao posto. Em entrevista à rede SER, Carmen destacou que os socialistas querem "conversar com todo mundo", mas "governar com as próprias forças".

— O PSOE vai tentar um governo solitário — afirmou a vice-presidente do governo.

Os socialistas governaram o país com apenas 85 cadeiras na Câmara desde junho do ano passado, depois que uma moção de desconfiança forçou a queda do primeiro-ministro Mariano Rajoy, do Partido Popular, de direita. Para sua eleição no Parlamento em 2018, Sánchez teve o apoio do Podemos, de esquerda, e de pequenas legendas regionais e nacionalistas. Ele governou com o apoio informal dessas forças até que os partidos independentistas da Catalunha votaram contra a aprovação do Orçamento, em fevereiro, precipitando a convocação de eleições antecipadas, realizadas no domingo.

Na entrevista à rede SER, Carmen Calvo defendeu que o PSOE mantenha a fórmula adotada na última gestão e tente governar sozinho.

— Vamos tentar sobretudo porque acreditamos, como partido e como governo, que em muito curto espaço de tempo as pessoas nos entenderam muito bem. Somos o socialismo que gosta de governar para mudar as coisas — destacou Carmen. — Governamos com 85 cadeiras, derrubando a direita com a Constituição na mão para demonstrar que a política tem de servir à realidade.

Na noite de domingo, a maioria dos analistas apostava em uma coalizão dos socialistas com o Podemos, que obteve 42 assentos nas eleições. A aliança ficaria, ainda assim, 11 cadeiras aquém da maioria absoluta, o que poderia significar uma aproximação com partidos menores, provavelmente nacionalistas bascos ou separatistas catalães.

Deputada eleita do Podemos, Pilar Garrido criticou a ideia de um governo solitário do PSOE e destacou que tal formação "pode levar a um bloqueio" no Parlamento.

Inflação surpreende no curto prazo, mas não preocupa: Editorial / Valor Econômico

A prévia da inflação de abril superou as expectativas do mercado financeiro, chegando a 0,72%. Esse novo repique do índice de preços, entretanto, não deve ser, de forma alguma, motivo de preocupação para os agentes econômicos nem pesar nas avaliações do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central sobre uma possível retomada nos cortes de juros básicos da economia.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) se acelerou entre abril e março, passando de 0,54% para 0,72%. Nesse percentual, superou a média das projeções, de 0,67%, coletadas pelo Valor Data. A inflação acumulada em 12 meses nesse indicador se acelerou de 4,18% para 4,71%, ficando acima da meta definida para o ano, de 4,25%. Se o IPCA-15 ficasse em 0,72% em todos os meses do ano, a inflação anual chegaria perto de 9%.

Nenhum desses dados, no entanto, desperta preocupação. A inflação se acelerou devido a choques passageiros de preços, que tendem a ser revertidos no futuro. Um dos itens que mais pesaram foi alimentação no domicílio, que teve um avanço de 1,43%. Mas, pesar de ainda altos, os preços desse conjunto de produtos já vem se desacelerando, já que no IPCA-15 de março haviam subido 1,91%.

Outro item com destaque no IPCA-15 é o preço da gasolina, que respondeu por 0,14 ponto percentual da alta de 0,72% do índice. O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) disse, em entrevista ao Valor, que espera que a descompressão de preços se intensifique até o final do mês, fazendo com que o IPCA cheio feche entre 0,55% e 0,6%.

Caso se confirme o arrefecimento das pressões inflacionárias até o fim do mes, mesmo assim haverá uma aceleração do IPCA cheio acumulado em 12 meses a perto de 5%. Isso porque, em abril de 2018, a inflação medida por esse índice foi de apenas 0,22%.

Casa à míngua: Editorial / Folha de S. Paulo

Esgotamento de recursos ameaça programa de moradias e a construção civil

As verbas para o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) estão à míngua, como, aliás, ocorre com as dos investimentos federais em geral.

O programa já chegou a contar com mais de R$ 20 bilhões anuais do Tesouro Nacional, em valores corrigidos. Embora tal gasto talvez estivesse superdimensionado, como costumava ocorrer no governo de Dilma Rousseff (PT), o corte desde então foi expressivo.

No ano passado, a despesa orçamentária foi de pouco mais de R$ 4 bilhões. Neste 2019, não deve chegar a tanto. O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, disse que o dinheiro disponível deve se esgotar até junho.

Trata-se de recursos que se tornaram vitais para a construção civil, um dos setores mais afetados pela recessão de 2014-16. Basta dizer que dois terços dos imóveis vendidos no ano passado eram do MCMV. Cada R$ 1 de subsídio do Tesouro e do FGTS ao programa gera investimento direto, na construção das casas, de outro R$ 1,50.

Cabe observar, ainda mais neste momento de crise, que as deficiências não se restringem a financiamento. Há custos subdimensionados e defeitos urbanísticos graves.

O dever do saneamento: Editorial / O Estado de S. Paulo

Apesar de ser a oitava economia do mundo, o Brasil ocupa a 106.ª posição quando o assunto é saneamento. Os indicadores de água e esgoto do País são rigorosamente desproporcionais da realidade econômica e social, atrás de Chile, México e Peru, relata o estudo Panorama da Participação Privada no Saneamento 2019. Até a Bolívia, por exemplo, trata melhor a água de sua população do que o Brasil.

Os números nacionais são estarrecedores. Trinta e cinco milhões de brasileiros não têm acesso à água potável. Cem milhões ainda não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto. De cada 100 litros de esgoto lançados diariamente no meio ambiente, 48 litros não são coletados. Além disso, parte considerável do esgoto coletado não é tratada. Estima-se que, por dia, cerca de 1,5 bilhão de metros cúbicos de esgoto coletado não é tratado. A título de comparação, no Chile, 99,1% das casas dispõem de serviço de esgoto.

São conhecidas as consequências dessa infraestrutura insuficiente de saneamento. Por exemplo, em 2017, 35% dos municípios (1.933) registraram epidemias ou endemias provocadas pela falta de saneamento básico, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A doença mais relatada foi a dengue, transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti, que se reproduz em água parada. No período, 1.501 municípios (26,9%) registraram a ocorrência de dengue. Em seguida, as doenças mais comuns relacionadas à falta de saneamento são a disenteria (23,1%) e as verminoses (17,2%).

Governo ainda limita a saída da crise econômica: Editorial / O Globo

Reforma da Previdência é decisiva para a reversão de expectativas sobre solvência das contas públicas

As dificuldades na tramitação legislativa da reforma da Previdência demostram como um governo ainda deficiente na convergência política acaba desperdiçando tempo e energia em questões sem relevância, mas com elevado potencial de corrosão interna.

Na semana passada, a Câmara abriu a fase de debates da proposta governamental para a reforma previdenciária. Isso aconteceu apesar da rarefeita atuação do governo em defesa da aprovação do seu projeto.

Por óbvio, a reforma interessa ao governo. Até porque inexiste alternativa: é real o risco de colapso da Previdência. Além disso, o sistema alavanca a concentração de renda, privilegiando o setor público e empobrecendo a maioria dos brasileiros —os que pagam a conta.

A entropia na cúpula federal expõe, de um lado, ainda uma falta de ordem e de coordenação na ação política do Planalto no Legislativo. Deixa visível, na outra ponta, um governo iniciante e já imerso em conflito interno, fabricado por familiares do presidente contra o vice e ministros oriundos da reserva militar.

O embate corrói a unicidade da cúpula governamental, desviando-a do que é relevante nos interesses nacionais. Exemplo de desperdício de energia e oportunidade foi a minguada participação do Planalto na fase inicial de tramitação da reforma da Previdência.

Manuel Bandeira: Versos escritos n’água

Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.
Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza…
Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.