domingo, 19 de maio de 2019

*Luiz Sérgio Henriques: Cinquenta tons de barbárie

- O Estado de S.Paulo

A natureza proteiforme do populismo permite que ele se vista de direita ou de esquerda

Pudéssemos confiar em alguma forma de evolucionismo ou supor que a política acontece numa espécie de ringue previamente ordenado, em que os contendores só por descuido desferem golpes abaixo da cintura, então estaríamos num mundo em que extremistas não teriam vez nem voto. As democracias maduras do Ocidente teriam mantido força e capacidade expansiva, demonstradas quando, por exemplo, personalidades como Barack Obama, um negro, ou Angela Merkel, uma mulher egressa da velha Alemanha Oriental, se puseram à frente de seus países e se mostraram comprovadamente capazes de administrar situações complexas, como a grande recessão de 2008 ou os desafios da integração europeia.

As populações desses países, mesmo diante do impacto desorganizador trazido pela aceleração de mudanças tecnológicas ou por eventos extraordinários, como migrações massivas e a consequente formação de sociedades culturalmente heterogêneas, sempre teriam preferido tratar os conflitos daí decorrentes segundo padrões razoáveis e já submetidos aos testes da História. Longe de desaparecer, tais conflitos, inseridos na lógica democrática e tratados, quando fosse o caso, em instâncias internacionais assentadas nos direitos do indivíduo e na convivência pacífica, produziriam frutos positivos para todos, ao menos tendencialmente.

Nós, no Extremo Ocidente, a nosso modo replicaríamos esse procedimento. A planta frágil dos valores liberais e da incorporação social estaria finalmente sob bons cuidados. Seríamos educados politicamente pela Carta de 1988, a qual por sua própria natureza nos impôs a todos – centro, direita, esquerda – a tarefa da autorreforma de atitudes e modos de pensar. Nenhuma concessão ao golpismo tantas vezes manifestado em momentos críticos do passado. Ódio e nojo permanente às ditaduras, tal como proclamado por um dos pais da refundação da República. E como consequência, disputa áspera, mas institucionalmente enquadrada, em torno de ideias, projetos e políticas capazes de integrar milhões de concidadãos aos benefícios – e deveres – de uma sociedade aberta e dinâmica.

É evidente que falhamos coletivamente em pontos decisivos desse programa. A Carta de 1988 permanece como ideal regulador extremamente potente, razão pela qual devemos nos reunir em sua defesa sempre que ameaçada ou levianamente criticada por impor obstáculos de qualquer natureza ao nosso desenvolvimento como sociedade. Mas, como fatos e números atestam, eis-nos já na parte final de uma segunda década perdida, sem que, diferentemente da primeira, a dos anos 1980, possamos agora nos orgulhar de conquistas de alta relevância, como, naquela altura, a reconquista da democracia. Ao contrário, estamos em meio às tempestades naturais de uma conjuntura em que, mesmo mantidas as regras do jogo, autoritários estão no poder, embora não possam (ainda?) pôr em prática todo um repertório que, muitas vezes, reproduz o de uma estranha “internacional” que tenta depredar as instituições do Ocidente político.

Falhamos – e nisso a esquerda petista deu nociva contribuição – em enraizar solidamente a crença de que adversários políticos não são inimigos. Apesar do aspecto aparente de senso comum, como dizem Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no best-seller sobre o colapso “suave” das democracias contemporâneas, essa crença é “uma invenção notável e sofisticada”. O “eles contra nós”, irredutivelmente martelado durante anos entre “nacional-populares” e “neoliberais”, foi a senha para a entrada em cena de antagonismos ainda mais ferozes e inconciliáveis. A democracia requer e suporta polarizações produtivas, mas tem dificuldade de conviver com aquelas de que se aproveitam atores e personagens demagogicamente contrários ao establishment, especialmente quando, na verdade, tais atores expressam os poderes fortes da sociedade, e não o “povo” convocado para passivamente sustentar mitos e legitimar autocratas.

*Celso Lafer: A democracia e a nossa conjuntura

- O Estado de S.Paulo

O forte facciosismo do governo no trato da sua inserção com a sociedade divide o País

Ao longo dos anos 1980, um abrangente consenso em torno da democracia uniu todas as vertentes da oposição ao regime autoritário-militar, favorecendo a redemocratização por meio de uma ação política que se valeu de brechas institucionais existentes. A Constituição de 1988 é expressão do consenso em torno da democracia, e a Constituinte, da qual emanou, traduziu em normas a imaginação e os sentimentos que impulsionaram o esforço coletivo abrangente de uma cidadania, que se tornou ativa no seu empenho em prol da redemocratização.

A Constituição de 1988 foi a moldura e o parâmetro no âmbito do qual transcorreu a vida política do país da Presidência Sarney à de Temer. Teve resiliência institucional para permitir que o País lidasse, em consonância com as regras da democracia, com uma complexa pauta e muitas tensões políticas.

Nesse contexto é importante realçar que a democracia é um método de convivência civil e pacífica, uma prática de aprendizagem permanente. Por isso pressupõe, como ensina Bobbio, confiança – “a confiança recíproca entre os cidadãos e dos cidadãos nas instituições”, que postula também a confiança no diálogo democrático, ou seja, o reconhecimento do Outro como adversário, e não como inimigo a ser dizimado, o que a convulsão dos sectarismos não favorece. Sectarismos excludentes e populismos de vários tipos são um dos dados que, em vários países, vêm levando à degeneração do poder democrático e à autocracias eletivas.

Os laços de confiança entre governos e governados foram se esgarçando em nosso país. Para isso contribuiu a revelação da corrupção. A corrupção, como dizia Políbio, é um tenaz agente da cupinização das instituições políticas. Daí a percepção de que a gestão da res publica estava se transformando na administração dos particularismos da res privata. No início, isso alcançou o PT e suas redes, porém nos desdobramentos impactou todo o espectro dos atores políticos.

A semente da desconfiança permeou as eleições de 2018. Todos os partidos que atuaram no pós-redemocratização foram derrotados. Padeceram a erosão de sua capacidade de vincular o indivíduo ao coletivo, PT incluído. Na dinâmica eleitoral, Bolsonaro soube valer-se das novas mídias da era digital, que diminuíram a prévia relevância da mídia tradicional no processo eleitoral. Catalisou um forte e significativo sentimento anti-PT existente na sociedade, para o qual contribuiu a inépcia da gestão do segundo mandato de Dilma. A isso se somaram no ano eleitoral a preocupação com a segurança e a violência, o desemprego e a falta de oportunidades.

Foi nesse caldo de sensibilidades que Bolsonaro, até então figura periférica e solitária na vida política, se viu catapultado para o âmago bem-sucedido das eleições. No Congresso, como deputado em várias legislaturas, não se destacou. Manifestou em suas intervenções grande simpatia pelo regime militar, foi muito crítico dos direitos humanos, altamente conservador em matéria de costumes, no que se viu respaldado pela visão e força política dos evangélicos, encontrando eco na sociedade.

Na campanha e nas constantes manifestações na Presidência, na qual se vale, como Trump, da preferência pelo sintético-não-argumentado do Twitter, tem arguido que ele e seu governo representam uma nova política. Esta, no seu tom e estridência, é uma contestação, para me valer de formulação de Fernando Henrique Cardoso, “ao terreno comum, público e privado, no qual o interesse das pessoas se encontram e em nome do qual um país cria um destino nacional”.
Esse terreno comum foi dado pela moldura da Constituição de 1988 e seus adquiridos axiológicos. A “nova política” questiona esse terreno comum e a respeitabilidade dos seus valores. É um deslocamento de paradigma do funcionamento da vida política brasileira, que, com todas as dificuldades e todos os conflitos, sustentou a democracia em nosso país.

A “nova política” poderá assegurar o bom governo? A dicotomia bom governo/mau governo é um dos temas clássicos da teoria política. Passa pelo “governo das leis” e pelo exercício do poder em prol de um ideal e de uma prática voltada para o bem comum. Um dos ingredientes que desde os gregos e de toda a literatura subsequente leva à desagregação do bom governo, como lembra Bobbio, é a prevalência da formação de facções e o estímulo à discórdia.

Uma das características da presidência de Bolsonaro é a formação de facções dentro de seu próprio governo, que nas suas discórdias fragmentam a nitidez dos rumos governamentais.

O espírito de facção inspira o cerne ideológico do governo, que, alinhado com o perfil do presidente, anima a sua comunicação com o País. Esta alimenta o núcleo duro dos seus seguidores, que é minoritário, mas afasta a maioria remanescente dos seus eleitores e também o vasto grupo de brasileiros que tiveram, no início, uma certa boa vontade com o “novo” que encarnava. Em síntese, o forte facciosismo do governo no trato da sua inserção com a sociedade divide o País e não contribui para a reconstituição dos laços de confiança entre governo e governados. Sustenta-se na ideia de que existem inimigos e conspirações no Brasil e no mundo que cabe combater com vocação de cruzados, que desconhecem a distinção entre fatos e ficção e os critérios do pensamento na lida com o verdadeiro e o falso.

Hobbes, no De Cive (XII, 13), analisa os riscos da multiplicação de facções dentro do Estado e da sociedade para a boa governança. Ilustra a questão com uma narrativa mítica. As filhas de Peleu, rei de Tessália, inspiradas pelo conselho de Medeia, cortaram o velho rei em pedacinhos, cozinharam-no no fogo, esperando, inutilmente, que ressuscitasse com o pleno vigor da juventude. Assim também, continua Hobbes, é a estultice das facções, que na sua conduta querem renovar o velho abrasando o governo, em vez de reformulá-lo. Esta cozinha do abrasar generalizado da “nova política” é um dos riscos da degeneração do poder democrático.

*Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)

Vera Magalhães: Tudo ou nada já?

- O Estado de S.Paulo

Medir forças com a oposição nas ruas com cinco meses de governo é aposta arriscada

O governo tem menos de cinco meses, mas os lances da semana que passou, a pior para Jair Bolsonaro desde a posse, mostram que flerta perigosamente com o tudo ou nada, ao estressar as relações institucionais ao mesmo tempo em que tenta medir forças com a oposição nas ruas.

Num intervalo de sete dias, o presidente: 1) disse que fez um acordo com Sérgio Moropara nomeá-lo para o STF, para em seguida recuar; 2) previu um tsumani; 3) viu as investigações sobre o filho Flávio avançarem substancialmente e atingirem o resto do clã político, e reagiu a isso na base da valentia de pai; 4) minimizou os protestos contra a Educação e xingou seus participantes; 5) se enfiou numa viagem caricata a uma cidade desimportante para uma agenda irrelevante para a qual não havia sido convidado; e 6) terminou a semana compartilhando corrente pelo WhatsApp com um texto que diz que sua própria pauta fracassou e que o País é ingovernável. É preciso um talento muito específico para gastar tanta energia assim em um conjunto tão desastroso de ações.

Enquanto Bolsonaro estava em Dallas dando alguns dos tropeços listados acima, seus líderes no Congresso batiam cabeça e complicavam a já delicada situação do governo no Parlamento. Alguns deles decidiram que iam manter o Coaf nas mãos de Moro na marra, no gogó nas redes sociais. O resultado foi que o Centrão sentou em cima das medidas provisórias que estão prestes a caducar, entre elas a que reestrutura o governo nos moldes desejados por Bolsonaro.

O presidente, seus aliados mais ideológicos, os seguidores fanatizados das redes e mesmo alguns ministros bem intencionados, mas não versados nas nuances da política, acusam a imprensa de cobrar duramente o governo e não denunciar o que seria a chantagem do Parlamento.

Aliados de Bolsonaro convocam, com o beneplácito da primeira-família e de assessores cruzados com assento no Planalto, o “homem comum” para ir às ruas se insurgir contra o Legislativo, o Supremo ou quem mais ousar se interpor no caminho das pretensões de Bolsonaro – como se o simples fato de ele ter vencido as eleições lhe outorgasse carta branca para agir à revelia dos demais Poderes e sobrepujando uma parcela significativa da sociedade que não concorda com essa pauta.

*José Aníbal: Ainda é tempo?!

- Folha de S. Paulo

Crise impõe ação emergencial de governo e Congresso

Estamos em maio, mês das noivas. O atual presidente gosta de fazer metáforas com namoro, noivado e casamento. Que ele aproveite e faça um noivado com o crescimento. Não se conforme com o desastre de crescimento de 1%, no máximo, se a economia continuar patinando.

De maneira acertada e realista, o governo definiu a reforma da Previdência como central para evitar a desorganização completa das contas públicas. Agora, a Comissão Especial da Câmara vai aprimorar a proposta e fazê-la mais justa para não impor a maior parte dos custos aos milhões de brasileiros que só têm o INSS como aposentadoria.

No entanto, estropiado por anos de desgoverno petista, o Brasil tem pressa. Há milhões de brasileiros vivendo mal, sem trabalho e com fome. Os comércios não param de fechar, investimentos estão sendo engavetados e até os bicos estão cada vez mais difíceis. Isso vale para São Paulo, a “terra das oportunidades”, como para todo o país.

Governo e Congresso, com a sensibilidade que se espera de quem representa o povo, devem unir esforços para uma ação emergencial e inadiável, buscando saídas para a crise.

As reformas são importantes, sim, mas é preciso atuar em outras frentes. Cabe especialmente ao presidente se empenhar na centralidade desse desafio.

Jair Bolsonaro (PSL) já disse que não entende de economia. E tem silenciado quando se trata de exigir de sua equipe econômica que faça o dever de casa e não deixe a economia real à deriva, com todos os indicadores despencando. A indústria teve o pior trimestre desde o fim de 2016, a confiança de empresários e consumidores está em baixa e o desemprego assola mais de 13 milhões de pessoas. Para a construção civil, o ano, que mal começou, já acabou. Tudo posto, a conclusão é uma só: não vai ter crescimento.

O governo não pode continuar perdendo tempo —e oportunidades— com futricas e factoides. Por que não age com a severidade que a crise exige? Do jeito que vai, a Previdência passou de tábua de salvação para bode expiatório de um governo desorientado, com uma agenda grotesca que só agrava o ambiente político/institucional, “distraindo” a sociedade do que realmente importa: crescimento, emprego, renda, combate às gritantes desigualdades.

Janio de Freitas: Os Bolsonaros a perigo

- Folha de S. Paulo

Flávio mostra-se assustado, Jair sai pela arrogância, e Carlos recolhe-se ao silêncio

Os ardis que consistem em contratação de funcionários fantasmas, repartição das remunerações desses e de funcionários ativos e ainda o uso de funcionários para serviços privados não se limitam a irregularidades administrativas de gabinetes parlamentares, federais ou estaduais.

Configuram desvio e apropriação de dinheiro público, tanto faz se para o próprio parlamentar ou para outros. É isso que, na verdade, caracteriza a numerosa série desses fatos atribuídos a Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro pelo Ministério Público do Rio.

Inexiste ainda a caracterização real e pública dessas sucessivas constatações, por serem seus relatos moderados e intermitentes. O oposto dos vazamentos e do carnaval de manchetes e telejornais nos casos envolvendo Lula, o PT e Dilma.

Nestes, jornalismo propriamente dito e política + Ministério Público brigaram o tempo todo. A briga continua, mas a rubrica “política” tem composição diferente, sem partidos enlaçados com poder econômico e imprensa/TV/rádio. E os Ministérios Públicos não denotam o facciosismo e o desregramento da Lava Jato.

“Venham pra cima, não vão me pegar!” é uma boa frase de efeito, mas Bolsonaro deve saber que as circunstâncias, se não a negam, também não a confirmam. Basta o primeiro lote de sigilos bancários a serem quebrados, já próximos de uma centena, para sugerir o que é esperado daí sobre o pai e dois dos filhos. Todo o caso, por sinal, foi constatado por causa de Flávio, mas o iniciador das atividades merecedoras de investigação foi Jair.

Também envolvedor daquele filho, quando, eleito deputado federal, transferiu-lhe os beneficiados, práticas e “fantasmas” que mantinha no Rio.

De quebra, entre os investigados predominam pessoas ligadas aBolsonaro, agora ou em suas famílias passadas. E ainda a proximidade com milicianos, motivo de explicações escapistas e não menos indagações em aberto. Os riscos são grandes. Pendentes apenas da maior ou menor disposição do Ministério Público de ir adiante na sua função —o que, triste é dizê-lo, nunca se sabe.

Não é uma situação em que Bolsonaro possa contar com a proteção que o levou a cercar-se de generais. Embora, por enquanto, essa trincheira seja uma das intimidações que atenuam os relatos do caso em sua gravidade inequívoca.

Funcionários fantasmas, ou só fantasiados de ativos, recebem dinheiro público, tomado à população. Trata-se, portanto, de desvio caracterizador do ato criminoso de peculato.

Flávio Bolsonaro mostra-se assustado com o inquérito. Jair Bolsonarosai pela arrogância. Carlos recolhe-se ao silêncio sugestivo. Mas a ansiedade não se divide por três. É equânime.

Bruno Boghossian: Entre a faixa e coroa

- Folha de S. Paulo

Se quisesse poderes ilimitados, presidente deveria trocar a faixa por uma coroa

A vitória na eleição, o mandato e a caneta não são suficientes para Jair Bolsonaro. O presidente e seus aliados passaram os últimos meses se queixando de que, apesar de seus imensos poderes, o político mais forte do país é vítima de um “sistema” que o impede de governar.

Além de funcionarem como uma desculpa para mascarar sua própria incapacidade, os ataques do bolsonarismo às instituições reforçam os velhos sinais de que sua trupe não é capaz de conviver com divergências e com os contrapesos da democracia.

Bolsonaro chancelou mais um protesto desse tipo ao distribuir uma mensagem pelo celular a aliados na sexta (17). O autor do texto afirma que o país é “ingovernável” e reclama: “Como todas as suas ações foram ou serão questionadas no Congresso e na Justiça, apostaria que o presidente não serve para nada”.

Quando a estrutura republicana é tratada como obstáculo pelo próprio governo, temos um problema. Ainda que a popularidade de parlamentares e ministros do STF esteja no fundo do poço, eles têm atribuições legítimas e servem como agentes de moderação e fiscalização.

Hélio Schwartsman: Uma verdade inconveniente

- Folha de S. Paulo

A descrição de Bolsonaro para definir os protestos descrevem o seu próprio governo

“A maioria ali é militante, não tem nada na cabeça. Não sabe nada.” Essas palavras foram usadas pelo presidente Jair Bolsonaro para qualificar quem participou dos protestos da última quarta-feira. Mas, por uma dessas ironias cósmicas, elas caem como uma luva para descrever seu próprio governo. Como sou educadinho, preferi omitir os termos pouco edificantes que o presidente empregou logo em seguida à declaração destacada.

Com efeito, é difícil não classificar como exercício de militância ideológica a fala do chanceler que disse que o nazismo foi um movimento de esquerda ou a ameaça do ministro da Educação de cortar verbas de universidades que promovessem “balbúrdia, bagunça e evento ridículo”. O próprio Bolsonaro precisa ser incluído nesse grupo, quando determina que as Forças Armadas celebrem o golpe de 64.

Cumpre observar que nem a ala racional do governo —o Ministério da Economia— está isenta de ativismos. Afinal, nem todos os postulados da variante de liberalismo defendida por Paulo Guedes estão amparados em demonstrações científicas.

Vinicius Torres Freire: O que fazer de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente insinua que forças terríveis do sistema o impedem de governar

“Vamos quebrar o sistema”, dizia Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Ele seria o candidato a ser vencido ou morto, pois “quebraria o sistema”. Ele daria solução à crise quando “quebrasse o sistema”.

Na sexta-feira (17), o presidente distribuiu pelo celular um texto que lamenta a vitória do “sistema”. Forças terríveis das “corporações” que vampirizam o Estado, com apoio do Judiciário e do Congresso, impediriam Bolsonaro de governar.

Assessores dizem que o presidente está com “estafa” e, com outras palavras, que está mais paranoico ou “muito amargurado” desde que passou a lidar com o Congresso e com “deslealdades” de ministros que parecem se juntar às forças terríveis do “sistema” que o empareda.

O pote até aqui de mágoa e ressentimento que em suma é Bolsonaro transbordou de vez com o anúncio da investigação ampla dos negócios da família, a começar pelas transações do núcleo Flávio, o filho 01.

Segundo um assessor, seria esse o “tsunami” a que se referiu o presidente na semana retrasada. O texto sobre o “sistema” teria sido um “desabafo”.

Seja lá o que se passe nas profundezas da noite obscura da alma presidencial, o destampatório de sexta-feira faz sentido.

Os ímpetos demagógicos de Bolsonaro se frustram, viram fumaça sob o calor de leis e normas em geral. Basta lembrar-se do dedaço no preço do diesel, da censura do reclame do Banco do Brasil, do desvario de baixar o Imposto de Renda etc. Mesmo o decreto bangue-bangue, o do porte de armas, está sub judice.

O presidente tem de recuar. Como se escrevia nestas colunas ainda na quarta-feira (15): “No limite, Bolsonaro pode dizer que forças ocultas atrapalharam seu governo, terceirizando a responsabilidade”.

Luiz Carlos Azedo: Gaiato no navio

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O “apelo às massas” é uma situação recorrente na política brasileira, quando presidentes se veem em dificuldades com a economia e o Congresso, mas não costuma dar certo. Bolsonaro lembra Jânio Quadros e Collor de Mello”

A aparente desorientação do presidente Jair Bolsonaro, que compartilhou de forma enigmática, na sua rede pessoal de WhatsApp, um texto do economista João Portinho, no qual o autor afirma que o país é ingovernável por causa das corporações, do Congresso e do Judiciário, lembra um velho rock de Os Paralamas do Sucesso, Melô do marinheiro, de Bi Ribeiro e João Barone: “Entrei de gaiato num navio/ Entrei, entrei, entrei pelo cano/ Entrei de gaiato/ Entrei, entrei, entrei por engano”, diz o refrão. É uma analogia quase perfeita com a situação: “Aceitei, me engajei, fui conhecer a embarcação/ A popa e o convés, a proa e o timão/ Tudo bem bonito pra chamar a atenção/ Foi quando eu recebi um balde d’água e sabão/ Tá vendo essa sujeira bem debaixo dos seus pés?/ Pois deixa de moleza e vai lavando esse convés!”

Sucesso na voz de Hebbert Vianna, a música prossegue: “Quando eu dei por mim eu já estava em alto-mar/Sem a menor chance nem vontade de voltar/Pensei que era moleza, mas foi pura ilusão/Conhecer o mundo inteiro sem gastar nenhum tostão/Liverpool, Baltimore, Bangkok e Japão/ E eu aqui descascando batata no porão!” A divulgação do texto por Bolsonaro, com um comentário que revelava sua frustração no cargo, provocou boatos e muita confusão política. Fontes palacianas vazaram para a imprensa que o presidente da República, desgostoso com as dificuldades que enfrenta, estaria disposto até a renunciar para não ceder às pressões do Congresso, por mais espaço no governo em troca da aprovação da reforma da Previdência. O vazamento foi atribuído a militares, que estariam em rota de colisão com Bolsonaro.

O diagnóstico foi catastrófico para o governo. Ao ser indagado sobre o texto ontem, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro minimizou sua repercussão: “O texto? Pergunta para o autor. Eu apenas passei para meia dúzia de pessoas”. Entretanto, em linha com a narrativa de Portinho, apoiadores de Bolsonaro estão convocando uma manifestação para o próximo dia 26, cujo objetivo seria “invadir” o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Movimentos cívicos como Vem Pra Rua, liderado por Rogério Chequer, e Movimento Brasil Livre (MBL), de Kim Kataguiri, também nas redes sociais, porém, se manifestaram contra o movimento, que virou um dos assuntos quentes deste fim de semana.

Outro assunto é a quebra do sigilo bancário de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República. De janeiro a dezembro de 2016, a conta no Itaú aberta por Queiroz na agência Personnalité Freguesia, no Rio, movimentou R$ 1,23 milhão. Os depósitos em dinheiro representam um terço do total de R$ 605.652 que entraram na conta. Também terão as contas bancárias investigadas a esposa de Flávio, Fernanda Bolsonaro; uma empresa do casal, Bolsotini Chocolates e Café Ltda; as duas filhas de Queiroz, Nathalia e Evelyn; e a esposa do ex-assessor, Marcia. Outros 88 ex-funcionários do gabinete, seus parentes e empresas relacionadas a eles também terão as informações bancárias checadas. Entre os investigados estão Danielle Nóbrega e Raimunda Magalhães, irmã e mãe do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, o homem-forte do “Escritório do crime”, organização de milicianos suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco.

Merval Pereira: Políticas de Estado e de governo (2)

- O Globo

A ampliação do alcance do aborto é exemplo de política de Estado saída de uma decisão do Supremo Tribunal Federal

A diferenciação entre políticas de Estado e de governo não é nítida, admite o jurista Joaquim Falcão, fundador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e um dos criadores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Ela muda com a história, ‘o Estado sou eu’, (como agora acredita o presidente do STF, ministro Dias Toffoli), a geografia, a cultura, a religião (como no Irã atualmente)”.

Joaquim Falcão defende um critério mínimo, que definiria as Forças Armadas (polícia inclusive), Justiça e Relações Internacionais (Itamaraty) como carreiras de Estado, como definidas pelo ex-ministro Bresser Pereira na reforma administrativa do governo Fernando Henrique Cardoso.

Foi por este critério, lembra, que defendeu nos anos 2000 o Pacto pela Justiça como um pacto de Estado, como aconteceu na Espanha. “O Toffoli iniciou-se (na presidência do STF) propondo um Pacto Republicano, incluindo reforma da Previdência. Mas presidente do Supremo não tem competência legal para propor ou opinar nada sobre o que terá de julgar”, adverte Joaquim Falcão. Política de governo, a “policy”, é mais conjuntural. Finalmente, outro critério seria a Constituição. As estruturas do estado democrático de direito constitucionalizadas seriam de Estado. O jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça, membro da Comissão da Verdade, também separa o estrutural do conjuntural. No primeiro caso, haveria carreiras de Estado, interesses de Estado, políticas de Estado. No segundo, só conjunturas, políticas de governo.

Mas ele admite que se trata de um tema complexo, para o qual seria necessário haver algum tipo de consenso prévio em relação à necessidade, ou conveniência, de uma determinada política pública duradoura. Para além do contingente. E como isso se dá no mundo real?, eis a questão, comenta.

“Quando já estiver na Constituição é até simples. O que nos leva a tentar precisar a vontade coletiva que deveria estar na base de uma ‘política de Estado’”. Como é que ela se daria? Por plebiscitos? Referenduns? Simples pesquisas de opinião?. Ele entra no debate dos decretos sobre armas. “Houve plebiscito, em que puderam votar todos os brasileiros habilitados. E mais de 70% escolheram poder guardar em casa uma arma. Há, nesse caso, uma vontade popular expressa por um instrumento da Constituição. O resultado foi certo ou errado?, não importa. Cada um pôde expressar sua opinião”.

Bernardo Mello Franco: O fantasma de Jânio

- O Globo

Texto divulgado por Bolsonaro lembra carta-renúncia de Jânio, que culpou ‘forças terríveis’ por sua paralisia na Presidência

Na sexta-feira 10, Jair Bolsonaro surpreendeu a plateia com um aviso: “Talvez venha um tsunami na semana que vem”. O presidente não deu explicações, mas acionou o alerta de crise em Brasília. Três dias depois, a onda se ergueu no mar. O Ministério Público quebrou os sigilos do primeiro-filho, Flávio, e de outras 85 pessoas ligadas ao clã.

A investigação começou no gabinete do Zero Um, que foi alçado de deputado estadual a senador. Não se sabe onde terminará, e nem se o presidente acabará entre os afogados.

Até aqui, o Ministério Público já afirmou que o escritório parlamentar de Flávio abrigava uma “organização criminosa”, com “clara divisão de tarefas” para desviar dinheiro público.

A ponta mais visível do esquema é a “rachadinha”, o truque de embolsar parte dos salários de assessores. Os dados bancários poderão esclarecer outas suspeitas, como a conexão da família presidencial com as milícias.

O faz-tudo Fabrício Queiroz continua sumido. Foram dele os cheques que abasteceram a conta da primeira-dama com R$ 24 mil. Se não bastassem as transferências para Michelle, o presidente fez questão de trazer o foco do inquérito para si.

“Querem me atingir, venham para cima de mim”, desafiou. Ele reclamou de “esculacho”, mas não explicou a evolução patrimonial do herdeiro. No mesmo dia, recitou a palavra “impeachment”, que ainda não estava na boca dos adversários.

Ascânio Seleme: O medo de Bolsonaro

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro está na defensiva antes mesmo de completar seis meses de governo. Ao atacar mais uma vez as investigações sobre as falcatruas do filho Zero Um no exercício de seu mandato de deputado estadual, Bolsonaro afirmou que elas não o alcançarão. “Não vão me pegar”, disse o presidente. Para se mostrar inocente, ele chegou a oferecer a abertura de seus sigilos bancário e fiscal. Foi da boca para fora, evidentemente. O curioso foi ter usado uma desculpa adotada por dez entre dez pessoas acusadas de malfeitos. Não precisava, o presidente não é acusado deste crime. Mas a declaração serviu para revelar um homem acuado, com medo.

Bolsonaro está com medo de ser pego com a mão na botija? Não. Até porque não dá para afirmar isso por ora. É muito cedo. Mas ele está tremendo de pavor de ver um filho seu, ou quem sabe dois deles, acertando contas com a Justiça. A saída possível para o Zero Um fica cada dia mais difícil. O Ministério Público já chama de “organização criminosa” o grupo que o filho do presidente montou na Assembleia Legislativa do Rio. Ele, sua mãe, o seu irmão mais novo (o que não está na política), a ex-mulher do seu pai, primos, amigos e funcionários do seu gabinete terão suas contas bancárias e suas declarações de renda escarafunchadas pelo MP e pela Polícia Federal.

No total, 55 funcionários, 12 pessoas da família Bolsonaro ou diretamente ligadas a ela e nove empresas tiveram seus sigilos fiscais e bancários quebrados por ordem da Justiça. Serão analisadas contas e declarações de renda de um período de 11 anos. Foi nesse intervalo que a mulher do presidente, Michelle Bolsonaro, recebeu cheques do assessor/motorista Fabrício Queiroz. Dinheiro que, segundo o marido dela, foi pagamento de um empréstimo que o então capitão deputado fez ao assessor/motorista do filho. Esquisito? Sim, mas tudo bem. As contas abertas podem comprovar ou desmentir esta alegação.

Míriam Leitão: Ganhos da guerra no curto prazo

- O Globo

Guerra comercial entre China e EUA pode beneficiar o agronegócio brasileiro este ano. Mas a disputa afetará a economia mundial, com impactos no Brasil

O economista José Roberto Mendonça de Barros avalia que as exportações brasileiras podem aumentar muito para a China neste primeiro momento da nova fase da guerra comercial com os Estados Unidos. Além de elevar a compra de soja no Brasil, a China precisará comprar muito mais carne, porque teve uma enorme perda com a gripe suína. Essa vantagem, contudo, é só de curto prazo, porque a perspectiva de um conflito entre as duas potências é ruim para o Brasil:

—O evento da gripe suína é muito maior do que as pessoas imaginam. Vai haver uma queda grande de produção por lá. Eles consomem 55 milhões de toneladas e vão perder pelo menos 12 milhões. O Brasil não tem muita capacidade de aumento de oferta, talvez mais 300 mi la 500 mil toneladas, mas isso é um grande aumento para nós. Por reflexo, atinge também carne vermelha e frango. Esse complexo deve aumentar sua oferta.

José Roberto lembra que, como sempre, a fonte de boa notícia vem de poucos setores, mas pelo menos eles existem:

—Nos últimos anos o que cresceu foi o agronegócio, o setor de energia eólica e de petróleo. Não muito mais do que isso. Neste ano, por causa do mercado chinês, o Brasil terá um aumento de exportação do agronegócio. O grande impacto será na soja. No ano passado, isso já aconteceu. Na opinião do economista, por causa dessa capacidade de aumentar o fornecimento, o Brasil se firmou como parceiro confiável. Assim como outros países da América do Sul, como Argentina e Paraguai.

—Em 2017, o Brasil forneceu 43 milhões de toneladas de soja para a China, e os Estados Unidos, 35 milhões. No ano passado, por causa da guerra comercial, a China comprou apenas 8 milhões nos Estados Unidos e elevou para 75 milhões no mercado brasileiro. Os produtores brasileiros têm volume e confiabilidade —disse o economista. O presidente Donald Trump prometeu compensar os agricultores americanos com US$ 15 bilhões de subsídio. Isso prejudica diretamente o Brasil porque a proposta é o governo comprar os estoques excedentes e mandar para países que precisam. José Roberto não acredita muito que isso dê certo: — Isso é conversa mole. No ano passado, ele prometeu R$ 12 bilhões e não deu nem a metade. Até porque não é fácil fazer isso, não há estrutura governamental para comprar, estocar e exportar. Não estamos mais no período da Aliança para o Progresso, naquela época tinha uma máquina. Os americanos estão construindo silos pra estocar e é por isso que os políticos do meio-oeste, até os do Partido Republicano, estão furiosos com o Trump.

Helio Gurovitz: O avanço populista no novo Parlamento Europeu

- O Estado de S.Paulo

Blocos nacionalistas crescerão de 156 para 173 deputados, segundo projeção do 'Financial Times', sem contar os representantes de partidos novos

A eleição para o Parlamento Europeu, que começa quinta-feira, deverá trazer um avanço significativo aos partidos da direita nacional-populista. Os blocos nacionalistas crescerão de 156 para 173 deputados, segundo projeção do Financial Times, sem contar os representantes de partidos novos, como o espanhol Vox.

A maior incógnita – e maior surpresa – virá do Reino Unido, obrigado a participar da votação enquanto a situação do Brexit permanece indefinida. Incógnita porque, se confirmada a saída da União Europeia (UE), o número de deputados no Parlamento cairá de 751 para 705. Surpresa porque o partido do Brexit, de Nigel Farage, lidera as pesquisas, à frente de trabalhistas e conservadores.

Os partidos de centro encolherão de 525 para 469 deputados, apesar de preservarem a maioria. Perderão cadeiras tanto social-democratas (189 para 143) quanto conservadores (217 para 169). Crescerão liberais (68 para 100) e ecologistas (51 para 57). A tabela mostra as votações esperadas dos principais partidos nacionalistas ou de extrema direita.

EUA
Bannon quer contrapeso da direita a ONG de Soros

Engajado na campanha dos populistas nas eleições europeias, Steve Bannon, o ex-estrategista-chefe de Donald Trump, pretende criar uma organização continental que funcione como um contrapeso da direita à Open Society, de George Soros. Planeja estabelecer a sede da entidade no antigo mosteiro de Trevulsi, perto de Roma. A ideia é criar uma rede de profissionais jovens que dissemine ideias nacionalistas pela imprensa, pela academia e pelo governo.

Sob escudo da economia, Orbán mina democracia na Hungria

País é parte de rota populista de direita que Bolsonaro pretende visitar este ano

Erika Rossi / O Estado de S.Paulo

BUDAPESTE - Desde que assumiu o poder na Hungria, em 2010, o primeiro-ministro Viktor Orbán virou o país de cabeça para baixo: domesticou o Judiciário, restringiu a liberdade de imprensa, reduziu os direitos civis e dificultou a atuação de ONGs. Sob os olhos atônitos da União Europeia e diante da anuência da maioria de seus 10 milhões de habitantes, ele transformou o país na mão mais conservadora da Europa.

A UE respondeu, mas de maneira lenta. A moção de censura, aprovada em setembro, que pode resultar em punições, ainda se arrasta nos escaninhos da burocracia de Bruxelas. Enquanto isso, Orbán se segura internamente legitimado por uma economia aparentemente vigorosa. Quando assumiu, o crescimento econômico era de 0,7% ao ano. Hoje, o país cresce 4,9% – um assombro para países da zona do euro.

Para boa parte dos húngaros, ter poder de compra é o que importa. É como pensa Csaba B, eleitor de Orbán e contador de uma multinacional. "Se o país vai bem economicamente, então está tudo bem. Você nunca vai agradar a todos. Orbán pode fazer coisas ruins, mas é um bom capitalista."

Esta prosperidade, porém, tem um custo. Um deles é a chamada "Lei da Escravidão", implementada por Orbán, que permite aos empregadores exigir anualmente 400 horas extras dos empregados – 150 horas a mais do que era permitido, ou um dia a mais de trabalho por semana. A decisão provocou uma onda de protestos, mas segue em vigor.

Para os críticos mais sutis, a Hungria se tornou um exemplo de democracia "iliberal". Para os detratores mais radicais, caminha a passos largos para uma ditadura. Tamanha atenção internacional foi captada pelo governo brasileiro, que se sentiu atraído pelos ventos que sopram em Budapeste. A aproximação tomou ares concretos em janeiro, na posse de Jair Bolsonaro – Orbán foi o único líder europeu presente em Brasília. Depois, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, visitou a Hungria em abril. Em maio, foi a vez do chanceler, Ernesto Araújo. A Hungria é um dos países que Bolsonaro visitará este ano.

Populistas devem crescer, mas de forma limitada, nas eleições europeias

Milhões de cidadãos de 28 países vão às urnas esta semana para eleger novo Parlamento Europeu

Fernando Eichenberg / O Globo

PARIS - As eleições para o Parlamento Europeu, organizadas a cada cinco anos desde 1979, são reconhecidas como um pleito, embora de ambições continentais, dominado por questões nacionais, em debates políticos vinculados às realidades específicas de cada país. O paradoxo eleitoral permanece válido para o escrutínio desta semana, mas as campanhas deste ano, segundo analistas, alcançaram um maior teor europeu e uma inédita importância em relação às edições passadas, em grande parte pela emergência e crescimento dos partidos nacionalistas e de extrema direita, que usam o embate como tribuna para suas críticas ao atual funcionamento da União Europeia (UE). De acordo com as sondagens, as forças políticas populistas e da direita radical deverão incrementar seu número de eurodeputados em Bruxelas, ainda que de forma insuficiente para constituir maioria parlamentar.

Cerca de 400 milhões de cidadãos de 28 países — incluído o Reino Unido, ainda em negociações sobre o Brexit — estão cadastrados para ir às urnas entre os próximos dias 23 e 26, em uma eleição caracterizada por sucessivos índices recordes de abstenção (de 38%, em 1979, a mais de 57%, em 2014). Consideradas um pleito de segunda categoria, as eleições europeias, constantemente usadas como um voto de sanção ou de aprovação aos governos no poder, com reflexos nos tabuleiros políticos nacionais, passaram também a operar como plataforma para os partidos eurocéticos e

Na Itália, o movimento ultraconservador Liga, do vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, está à frente nas pesquisas de opinião, com mais de 30% das intenções de voto. O Movimento 5 Estrelas, do também vice-premier Luigi Di Maio, ocupa o terceiro lugar, com 21%. Na França, as sondagens apontam uma disputa acirrada pelo primeiro lugar entre a Reunião Nacional (RN), da líder de extrema direita Marine Le Pen — já vitoriosa no pleito de 2014 — e o partido governista pró-europeu República em Marcha (LREM, na sigla em francês), do presidente Emmanuel Macron, ambos com pouco mais de 20% de intenções de votos.

Para o analista Francisco Roa Bastos, da Universidade de Estrasburgo, na França, a mudança do contexto político e socioeconômico desde 2014, com a crise imigratória, a desconfiança crescente em relação à globalização, as reivindicações por maior poder de compra — vide o movimento dos coletes amarelos na França —, as turbulências na zona do euro e a vitória do Brexit explicam a “cristalização de uma forte impulsão populista e eurocética”.

— As eleições europeias favorecem essas forças políticas, que têm a oportunidade de aparecer bem mais, como foi o caso, no último pleito, do Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip, em inglês), então liderado por Nigel Farage, que hoje é o favorito nas pesquisas com seu novo Partido do Brexit (creditado com mais de 30% das intenções de voto). É algo que vale também para partidos populistas em geral, mesmo que não sejam particularmente anti-UE. Eles não terão maioria no Parlamento Europeu mas, se conseguirem formar um grupo único de 150 membros, será algo novo e bastante significativo.

Salvini à frente
A dinâmica eleitoral já favorável aos partidos populistas em 2014 tende a crescer no pleito deste ano, prevê também Nonna Mayer, do Centro de Estudos Europeus e de Política Comparada, com a diferença de que, desde então, algumas dessas formações políticas chegaram ao poder. São os exemplos da Liga italiana e da aliança agora desfeita na Áustria entre o conservador Sebastian Kurz, do Partido Popular Austríaco (ÖVP), e o Partido pela Liberdade (FPÖ), sob comando de Norbert Hofer e Heinz-Christian Strache.

Ex-estrategista de Trump, Steve Bannon testa seu modelo ‘trumpista’ na Europa

Após perder cargo nos EUA, consultor ultraconservador estimado por Bolsonaro busca reerguer imagem e criar escola de populistas na Itália

Fernando Eichenberg / O Globo

PARIS - Em queda de prestígio nos Estados Unidos desde que foi destituído do cargo de estrategista-chefe da Casa Branca pelo presidente Donald Trump, em 2017, o ultraconservador Steve Bannon procura reerguer sua imagem e refazer sua rede de influência se lançando como protagonista de uma união de forças populistas na Europa. Na opinião de analistas, no entanto, os dirigentes europeus não parecem seduzidos pelas ambições do guru americano, que goza de alta estima da parte do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos.

Bannon tem multiplicado encontros com expoentes da direita radical e populista europeia nestes tempos de campanha eleitoral para o Parlamento Europeu. Em seu périplo pelo continente nos últimos meses não faltaram aparições ao lado de líderes da direita radical populista e nacionalista como o italiano Matteo Salvini, da Liga; a francesa Marine Le Pen, da Reunião Nacional (RN); o húngaro Viktor Orbán, do Fidesz; o britânico Nigel Farage, do Partido do Brexit, ou o flamengo Tom Van Grieken, doVlaams Belang.

Escola para populistas
Além de tentar influenciar na aliança dos principais partidos que partilhariam de sua causa ultraconservadora, por meio de seu grupo O Movimento, baseado em Bruxelas, sua ideia é transformar o monastério medieval italiano de Trisulti, construído no século XII e distante cem quilômetros de Roma, em uma escola para formação de populistas de extrema direita. Em sua empreitada, Bannon se associou ao britânico Benjamin Harnwell, fundador do centro de estudos conservador Dignitatis Humanae Institute e próximo do meio católico tradicional.

Para Patrick Moreau, especialista em extremismos políticos do Centro Nacional de Pesquisas Sociais (CNRS, na sigla em francês), Steve Bannon é uma “cortina de fumaça” na Europa:

— Aqui, até agora, ele não deu certo — resume. — Chegou com um desconhecimento profundo da geopolítica da extrema direita europeia. Veio com um modelo trumpista, que não é especialmente apreciado na Europa. Quando se veem suas atividades na Itália e em outros países, são basicamente direcionadas a um conservadorismo católico fundamentalista. Ele tem um conteúdo ideológico muito acentuado, enquanto a maior parte dos partidos, como a RN ou o AfD (Alternativa para a Alemanha), não tem isso muito claro. A questão ideológica estava em curso entre os identitários, foi útil por um curto período, mas, fundamentalmente, não lhes interessa.

Clóvis Rossi: Europa encara seus fantasmas

- Folha de S. Paulo

Eleição do Parlamento Europeu medirá força dos ultras

A Europa prepara-se para espancar (ou não) seus fantasmas, nas eleições para o Parlamento Europeu, de quinta (23) até domingo (26).

Qual é o fantasma? A ascensão da extrema direita, que tem ocorrido em vários países europeus e que os europeístas convictos temem que possa se materializar igualmente no conjunto da obra.

Não que haja possibilidade de que a extrema direita eleja a maioria dos 751 eurodeputados. As pesquisas mostram que a maioria ficará com a coleção, somada, das quatro famílias que defendem o projeto de União Europeia (a social democracia, a direita civilizada —representada no Parlamento pelo Partido Popular Europeu—, os liberais e os verdes).

O que, sim, pode acontecer é que os grupos de ultradireita consigam cadeiras suficientes para bloquear as iniciativas integracionistas. Indiretamente, o pleito interessa ao bolsonarismo de raiz, já que vários partidos da extrema direita são idolatrados ou pelo presidente ou por seus filhos.

A coalizão ultra (Aliança Europeia dos Povos e das Nações) inclui, acima de tudo, a Liga de Matteo Salvini, vice-premiê italiano e ponta de lança para a eventual criação de um tal Movimento, obsessão de Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump e interlocutor dos Bolsonaros. Seria uma internacional neofascista.

A argamassa que cola esses partidos é o repúdio à imigração. O que cria uma contradição, segundo Federico Fubini, editor do Corriere della Sera: enquanto governos na periferia da União Europeia (comandados por políticos xenofóbicos) se opõem à imigração, parte do eleitorado está preocupado
com o inverso, a emigração.

“Húngaros, poloneses e italianos já estão partindo em levas de seus países, e pesquisas recentes mostram que aqueles que ficam estão mais preocupados com os cidadãos que deixam o país do que com estrangeiros que chegam”, escreve Fubini.

Ricardo Noblat: Sarney: Bolsonaro coloca todas as cartas no caos

- Blog do Noblat / Veja

Ex-presidente defende a adoção do parlamentarismo

Aos 89 anos de idade, 52 dos quais vividos dentro do Congresso como deputado federal e senador, o ex-presidente José Sarney disse em entrevista a Ana Dubeux e Denise Rothenberg, repórteres do “Correio Braziliense”, que o país atravessa um “momento imprevisível”.

Foi a primeira vez que Sarney concordou em falar longamente sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, as causas da crise política que se arrasta há quase cinco meses e os riscos que o país corre. A seguir, os principais trechos da entrevista publicada hoje.

+ “Bolsonaro está no meio de um furacão. Pela primeira vez estamos num momento que é imprevisível. Fratura no Judiciário, no Legislativo e no Executivo. Todas as estruturas estão truncadas”.

+ “A realidade é que o presidente não tem maioria consolidada no Congresso, nem [ali] temos partidos, nem lideranças políticas, e vivemos uma crise muito grande”.

+ “A crise internacional de recessão catalisou a crise brasileira. Temos que lidar com o choque das civilizações, com a pós-verdade, com uma sociedade líquida”.

+ “O Brasil vive uma crise sem partidos, porque quando temos 60 partidos [equivale] a não ter nenhum. Os políticos estão demonizados. E a busca do povo é partir para uma democracia direta, sem representantes. É um risco”.

+ Ao colocar todas as suas cartas no caos, Bolsonaro “aumenta os problemas que vivemos porque desapareceram as utopias e não podemos matar a esperança”.

+ “O que se vê é que todo dia se dá uma solução, uma visão escatológica do fim do mundo em face da reforma da Previdência sem se oferecer outras perspectivas de esperanças”.

+ “A reforma da Previdência é extremamente necessária, mas também a administrativa, a tributária, a fiscal, a política. Mas (tudo está focado) em um único objetivo, sem esquecer que falta maioria ao presidente no Congresso”.

+ Num país com 13 milhões de desempregados, mais 13 milhões que nunca tiveram emprego e mais 20 milhões que vivem na economia informal, “sem crescimento econômico nenhuma reforma que se faça subsistirá”.

+ “Acho que Bolsonaro está sendo vítima de uma leitura errada que fez. [Imaginou que quando ganhasse] iria receber dos americanos e da economia internacional um apoio grande, que imediatamente atrairia investimento para o Brasil. E na verdade Trump não deu nada. Foi ingenuidade dele”.
Sarney citou uma frase do ex-presidente americano Bill Clinton (“Os partidos no mundo atual não são importantes para eleição, mas sem eles é impossível governar”) para em seguida ensinar:

“Ou seja: os partidos precisam estar estruturados. Governa-se por meio dos partidos, senão é uma situação anárquica e niilista a que viveremos”. [Hoje] no Brasil não temos nada. Até a oposição não existe”.

+ “A Constituição de 1988 criou todas as condições para levarmos o Brasil à situação que estamos. Ela é híbrida, parlamentarista e presidencialista. Deu poderes executivos ao Parlamento e poderes parlamentares ao Executivo”.

+ Embora tenha assegurado a estabilidade política até aqui, Sarney lembrou que a Constituição “também nos deu três impeachments, dois que chegaram ao fim (os de Collor e de Dilma) e um que não chegou, mas que foi pedido (o de Temer)”.

+ “Então acho que a solução, a primeira e a mais simples para evitar que o presidente viva essa pressão permanente, seria adotarmos o parlamentarismo”.

Juan Arias: A mensagem oculta dos jovens brasileiros que desafiaram o poder

- El País

Eles sempre causaram pânico no poder constituído

Ao menos desta vez, o poder de turno no Brasil entendeu a mensagem oculta levada pelos quase um milhão de jovens estudantes que no último dia 15 saíram às ruas em 26 Estados e em centenas de cidades para defender o ensino contra quem deseja barbarizá-lo. Cansados de serem vistos como o futuro do país, que nunca chega, os jovens decidiram ser o presente e participar de sua construção.

O presidente da República, o ultradireitista Jair Bolsonaro, entendeu isso imediatamente e da cidade de Dallas, nos Estados Unidos, onde se encontrava para receber uma homenagem que lhe havia sido negada em Nova York, não tardou em qualificar aquele mar de estudantes como “idiotas úteis” e “imbecis” manipuláveis.

O novo Governo pretende transformar o ensino, da escola primária à Universidade, para livrá-lo da ideologia esquerdista que, segundo ele, o havia desviado de seus valores tradicionais. O ensino que o novo poder pretende impor deve estar isento de debate político, de diversidade de ideias, dominada por um pensamento único, que, como nos melhores fascismos do passado, é imposto pelo Estado.

Uma escola em que não se perca tempo estudando o que depreciativamente chamam de “ciências humanas”. Nada de filosofia, que obriga a pensar e a questionar o poder, ou de sociologia, que abre os olhos para o abismo das desigualdades. Uma escola em que os alunos se transformem em guardas que vigiem e denunciem os professores se tentarem falar de política ou de sexo, ou das dores do mundo. A escola é moldada pelo poder. Os alunos escutam e se calam.

Contra o perigo desta nova era de obscurantismo educacional que o Governo deseja impor, com uma nova cruzada contra os livros e as ideias enquanto exalta as armas que pretende distribuir como doces, os jovens ocuparam pacificamente as ruas e praças do país, para desafiar quem tenta castrar seu direito à liberdade de expressão e impor suas ideias.

Risco de desgoverno: Editorial / Folha de S. Paulo

Crescem sinais de alarme com a desarticulação de Bolsonaro, que precisa evitar crise maior

Havia esperança no início do mandato de Jair Bolsonaro (PSL). Quando o presidente tomou posse, 65% dos brasileiros acreditavam em um governo ótimo ou bom, otimismo considerável para um país que saíra dividido da eleição acirrada.

A confiança de consumidores e empresários aumentara, como costuma ocorrer quando se escolhe um novo mandatário. Preços e taxas do mercado financeiro refletiam a crença de que assumia um governo capaz de implementar reformas e destravar o crescimento.

Menos de cinco meses depois, difundem-se sinais de frustração —e o sentimento vai rapidamente se aproximando do alarme. O desgaste político recrudesce, as expectativas econômicas se deterioram, a tensão financeira é crescente.

Bolsonaro demonstra que não compreende meios e fins de governar. Muitas de suas iniciativas se mostram ineptas e definham, pois eivadas de defeitos jurídicos ou tecnicamente descabidas.

Não raro, o presidente se vê contido por seus próprios ministros, como no caso dos ensaios de intervenção na Petrobras ou no Banco do Brasil. De grande interesse de Bolsonaro, o decreto que facilita o porte de armas está para ser derrubado no Congresso ou na Justiça.

Os projetos legislativos mais importantes do governo, o pacote anticrime e a reforma da Previdência, têm tramitação dificultosa. O mandatário, crítico destrutivo do sistema político, nada colocou no lugar além de abstrações vazias.

O governo contra a economia: Editorial / O Estado de S. Paulo

Confusão, frustração, cenário desanimador, incerteza e País estressado são palavras do pesquisador Claudio Considera, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), usadas para descrever e explicar o fiasco econômico do primeiro trimestre – primeiro do ano e também do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Nesse período a economia brasileira, estagnada, produziu 0,1% menos que nos três meses finais de 2018, segundo o Monitor do PIB-FGV.

Quando esse boletim foi divulgado, na sexta-feira de manhã, o dólar se aproximava de R$ 4,10. O câmbio refletia tensões internacionais e principalmente, segundo analistas do mercado, a insegurança quanto à reforma da Previdência e à recuperação econômica, num quadro próximo de uma crise política. À tarde a cotação passaria de R$ 4,11.

A bolsa paulista, no começo da manhã, havia ensaiado uma reação, depois de haver caído para menos de 90 mil pontos, no dia anterior, e atingido um dos patamares mais baixos desde a época das eleições.

Os números da FGV somaram-se a uma sequência de más notícias econômicas e políticas. Na mesma semana o Banco Central havia informado uma nova queda de seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) – um recuo de 0,68% em relação ao quarto trimestre do ano passado.

O desastre econômico sofrido pelo País no período de janeiro a março será conhecido com dados oficiais em 30 de maio. Nesse dia o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deverá apresentar o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre.

Mais uma linha de emergência para ajudar estados: Editorial / O Globo

Crise fiscal leva governo a preparar socorro, mas de forma que a má experiência do Rio não se repita

A crise fiscal deixa um rastro de ruínas financeiras na Federação. Sem poderem emitir títulos de dívida — ao contrário da União —, estados encontram-se na penúria, com destaque para aqueles em que políticos consideram o dinheiro público inesgotável.

Já houve, desde a gestão de FH, três rodadas de renegociação de dívidas. O problema agora é de desencontro entre fluxos: receita e despesa. Esta, em ascensão, enquanto a arrecadação tributária é afetada pelo baixo crescimento da economia.

A situação é insustentável, porque os gastos aumentam de forma autônoma, principalmente os previdenciários — aposentadorias e pensões —, que crescem devido ao envelhecimento da população, e ainda são protegidos por lei. É a mesma corda que enforca a União, que pode se endividar, mas já ultrapassou o limite do razoável. Não há mesmo alternativa a não ser uma reforma séria da Previdência.

Dois livros mostram como João do Rio fazia jornalismo como arte

'O Momento Literário' e 'Crônica Teatro Folhetim' retratam a intelectualidade da época

Gutemberg Medeiros* / O Estado de S.Paulo

O jornalismo também pode ser somado a outros elementos para a memória social, fundamental na constante elaboração da História. Percebendo isto em 1916, escreveu João do Rio em crônica: “Ora, com os jornaes, as chronicas, as novelas, os romances, os desenhos, faz-se a historia.” Em não poucos momentos de sua vasta obra, ele descortinou o Rio de Janeiro subterrâneo, dos marginalizados, estreitamente ligado à cidade oficial. Dois relançamentos do autor chegam às livrarias: O Momento Literário (Rafael Copetti Editor) e Crônica Teatro Folhetim (Carambaia). Ele era sempre jornalista como Nelson Rodrigues, independente do gênero de escritura. A ponto de revelar elementos de como nos morros cariocas teve início a ausência do Estado, o que gerou o advento do crime organizado que se ramificou pelo País.

Paulo Barreto (1881-1921) foi um dos mais importantes jornalistas brasileiros do princípio do século passado atuando no destacado jornal Gazeta de Notícias. O veículo havia anos trazia modernizações na imprensa brasileira e a mais central foi a figura do repórter, o que sai nas ruas em busca da notícia. E o primeiro foi Paulo Barreto, mais conhecido pelo pseudônimo João do Rio. Ele deixou vasta produção – muita coisa ainda inédita em livro. Também se notabilizou como tradutor de obras de Oscar Wilde, fazendo-se um dândi refinado como seu ídolo irlandês, mas conseguiu se legitimar na conservadora sociedade carioca sendo homossexual e de visível ascendência negra. Justamente por esta condição de gênero teve seu nome mergulhado em silêncio por décadas e, a partir dos anos de 1970, a sua produção pouco a pouco foi valorizada nas universidades e editoras.

Graziela Melo: Ventos vadios

Ventos incertos
Tardios,
Errantes
Vadios
Abruptos
Bravios
Que vagam
Na imensidão
Me levem
Em suas azas
Esguias
Bem longe
Da multidão
Às águas negras
Profundas
Dos mares
Da solidão...