terça-feira, 21 de maio de 2019

#15M e o retorno da política às ruas. Algumas análises

A educação tornou-se parte da agenda dos jovens; isso é novo e é bom – Luiz Werneck Vianna

Vejo aí uma diferença muito grande e positiva em relação ao tema de 2013, que era aquele clima contra os partidos e antipolítica em geral – Luiz Werneck Vianna

Por: Patricia Fachin, João Vitor Santos e Ricardo Machado / IHU On-Line

As manifestações estudantis da última quarta-feira, 15-05-2019, contra o contingenciamento dos gastos na área da educação, revelam que a pauta do ensino “está sendo posta na rua” e que “a educação tornou-se parte da agenda dos jovens. Isso é novo e é bom”, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. Na avaliação do pesquisador, os protestos da semana passada são marcados por uma “diferença fundamental” das mobilizações de Junho de 2013. “Junho de 2013 tinha uma conotação antipolítica, que a manifestação de agora não tem. Ao contrário, o que se vê – e eu como professor universitário vejo com os estudantes iniciantes na universidade – é uma grande atração pelos partidos políticos; não pelos que existem, mas a necessidade de se ter partidos está muito presente entre eles”.

O professor Benedito Tadeu César observa que “o governo acendeu o estopim de uma bomba que vai explodir contra ele próprio”. Ele se refere aos ataques e cortes de recursos para universidades, o que, na sua opinião, funcionou como uma espécie de catalisador para todas as insatisfações contra o atual governo. Entretanto, pontua que é cedo para associações com 2013, quando houve o que chama de um processo de “politização” que se voltou contra o governo de Dilma Rousseff. Agora, a imprensa endossa o clamor das ruas, mas com um objetivo muito claro. “Há uma estratégia que é bem traçada em que tudo deve se dirigir para possibilitar a aprovação da reforma da Previdência”, observa. “Não sei até onde eles irão nisso, pois querem tirar tudo da frente para aprovar essa medida, nem que seja o próprio presidente, por isso é preciso ficar atento”, acrescenta.

Na avaliação de Cléber Buzatto,”as mobilizações criam um campo político muito adverso” e poderão influenciar “significativamente na base parlamentar que poderia dar sustentação ao governo e às suas proposições”, criando “dificuldades para que o governo mantenha as atitudes extremamente agressivas contra os direitos da população brasileira”.

De acordo com Bruno Lima Rocha, as manifestações ocorridas em 15 de maio ilustram de forma surpreendente a primeira grande cruzada contra as políticas de austeridade que se iniciaram ainda no governo anterior. “No meio urbano e de forma nacionalizada foi a primeira grande jornada de luta contra as políticas do governo Bolsonaro, incluindo também a política herdada do governo Temer, que é o ‘teto dos gastos’ e essa aberração inconstitucional e imbecilidade macroeconômica dizendo que ‘acabou o dinheiro’”, pondera. Ao analisar o fenômeno em perspectiva com Junho de 2013, Rocha avalia que as mobilizações operam em “linha de continuidade na rebelião secundaristade 2015 em São Paulo – contra o fechamento de escolas públicas por parte do então governo Alckmin – e a ocupação de escolas públicas no início de 2016 – em Goiás e no Rio Grande do Sul, por exemplo – e na sequência, no final de 2016 – já no governo Temer - na ocupação dos campi universitários contra a aprovação da PEC 95 no Senado”, complementa.

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Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Benedito Tadeu César é graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, mestre em Antropologia Social e Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estrutura Social Brasileira, ambos pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. É professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Seu depoimento foi concedido por telefone.
Cleber César Buzatto é graduado em Filosofia. Atualmente trabalha como secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.

Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em Economia Política, doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Atua como docente de Ciência Política e Relações Internacionais e também como analista de conjuntura nacional e internacional. É editor do portal Estratégia & Análise, onde concentra o conjunto de sua produção midiática, analítica e acadêmica. É professor de graduação na Unisinos, nos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo, e de Direito na Unifin.

Confira as entrevistas.

IHU On-Line - Que avaliação faz das manifestações de quarta-feira, levando em conta que essa foi a primeira grande mobilização no país depois de quatro meses de governo Bolsonaro?

Luiz Werneck Vianna – Foi uma manifestação extraordinária. A lembrança que me veio foi a de 1956, quando aconteceu outra manifestação de caráter nacional dos estudantes secundaristas por causa do aumento da passagem de ônibus no Rio de Janeiro. Chegou a um ponto tal que o presidente da República da época, Juscelino Kubitschek, chamou os estudantes para conversar e a partir dessa negociação a coisa se resolveu. Tenho uma memória muito forte disso porque eu era secundarista na época e participei de algum modo dessa manifestação como massa dos estudantes que estavam protestando. Foi um movimento que incendiou a imaginação dos estudantes na época. Vi uma cena das manifestações em Manaus na televisão, que me impressionou muito, porque era uma manifestação de estudantes secundaristas, muito jovens, uniformizados. Se chegou em Manaus nessa força e nessa idade, é porque isso vai ficar.

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Benedito Tadeu César – Foram se acumulando ações inconsequentes, impensadas que atingiram diversos segmentos da sociedade. Todo o governo tem um período de crédito, tem a legitimidade das urnas que lhe foi conferida e as pessoas ficam na expectativa. Mas, nesse governo, certas coisas foram se acumulando e atingiram um segmento que é formador de opinião e que hoje está ramificado em todo o Brasil. Só no Governo Lula foram criadas 18 novas universidades federais. Hoje, as grandes cidades brasileiras, e até as de porte médio, têm estudantes em universidades públicas.

E ainda mais: esse é um segmento de jovens, que pela própria condição de juventude tem um ímpeto maior de expor suas opiniões. Assim, quando esse segmento foi atingido, deu o troco. Fiz alguns comentários, logo que começaram os cortes, as agressões a universidades, e disse: o governo acendeu o estopim de uma bomba que vai explodir contra ele próprio. E acho que não deu outra. O estopim foi aceso e as bombas estão explodindo.

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Cleber Buzatto - Considero que as manifestações da última quarta-feira, 15-05-2019, foram de grande importância pela amplitude de participação e abrangência, considerando todas as regiões do país em que elas aconteceram. Foi um momento especial que aponta para uma nova fase no processo de relação dos cidadãos brasileiros com este governo. Nós passamos por um período conturbado em que as forças populares estiveram retraídas do ponto de vista da mobilização social, mas as ações agressivas e antissociais por parte do governo Bolsonaro contribuíram para acelerar um processo de articulação e mobilização das organizações, movimentos, sindicatos e também das pessoas que não têm tanta articulação com movimentos. Acredito que as manifestações de quarta-feira servirão como um movimento de encorajamento para que outras manifestações possam acontecer nos próximos meses, seja acerca do tema da educação, da defesa da educação pública de qualidade, seja do ensino básico, superior e da pesquisa, ou relativamente a outras questões, como a da previdência.

Considero também de grande importância a participação de representantes de povos indígenas em diversas mobilizações no Brasil. Isso demonstra que os povos estão mobilizados em relação ao tema da questão fundiária, como eles já mostraram em outras ocasiões, como durante o Acampamento Terra Livre recentemente, que reuniu cerca de quatro mil indígenas em Brasília. Eles também estão mobilizados em relação ao tema da saúde, como mostraram as mobilizações que fizeram no mês de março em todas as regiões do Brasil. Isso demonstra que os povos estão muito atentos e estão tentando se articular com outras forças sociais. A participação dos povos indígenas nasmanifestações do dia 15 demonstrou mais uma vez a atenção e a disponibilidade deles de se manifestarem e se mobilizarem em defesa dos seus direitos e dos direitos coletivos da população brasileira.
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Bruno Lima Rocha – Foram positivamente surpreendentes. A convocatória ultrapassou a estimativa dos mais otimistas defensores da agenda da educação pública no Brasil. O fato doMinistério da Educação - MEC sob o governo Bolsonaro já estar no segundo titular da pasta, somado ao estilo do ministro Weintraub – acirrando os ânimos e mantendo o grau de provocação tipo bate boca nas redes sociais – e a tentativa de enquadramento que ameaçava a autonomia universitária (alegando “punir por balbúrdia”) motivou a unidade dentro do meio universitário e das vastas relações que esse ambiente tem com a educação brasileira. Diria que no meio urbano e de forma nacionalizada foi a primeira grande jornada de luta contra as políticas do governo Bolsonaro, incluindo também a política herdada do governo Temer, que é o “teto dos gastos” e essa aberração inconstitucional e imbecilidade macroeconômica dizendo que “acabou o dinheiro”. É preciso reconhecer que o grande motivador da jornada de protesto foi o próprio governo Bolsonaro, causador de suas próprias crises e gerando unidades possíveis: unidade da agenda universitária (liderada pelas federais, mas seguida pelas demais); tentativa de uma unidade da direita que se alega lúcida (ex. defendendo o austericídio mas contra a cruzada olavista); uma unidade que vai das posturas nacionalistas de defesa do patrimônio público até o protagonismo dos movimentos sociais da primeira linha (como o dos povos indígenas e movimentos afro). Enfim, 15 de maio foi um momento importante, através de uma pauta unificadora, onde até a direita não olavista-bolsonarista se viu na obrigação de reconhecer o mérito e a justiça da causa. A pesquisa científica e a capacidade instalada no meio universitário brasileiro têm capilaridade maior do que se imaginava no início do século XXI.

*Sérgio Abranches: Democracia líquida

- Blog Matheus Leitão

As democracias são, a um tempo, frágeis e resilientes. Implica-se muito com o uso indiscriminado do conceito de resiliência, tomado de empréstimo da física para tratar da adaptabilidade, maleabilidade dos regimes políticos. Mas, não vejo melhor forma de caracterizar esta intrigante construção iluminista, inspirada nas experiências clássicas da Grécia e de Roma. Ambas conceitualmente ricas, mas concretamente limitadas. Dos ecossistemas resilientes, diz-se que têm a capacidade de retornar à condição original de equilíbrio, após suportar alterações ou perturbações ambientais. Resiliência é a habilidade para resistir, lidar e reagir de modo positivo em situações adversas.

A democracia tem essa capacidade plástica de amoldar-se, absorvendo os choques adversos, para reencontrar o equilíbrio, após as perturbações. É um sistema institucional capaz de das respostas positivas, de se reorganizar em situações desfavoráveis à sua estabilidade e permanência. Ela muda, reconstrói-se, reequilibra-se, em alguns casos, pode até entrar em recesso, mas restaura-se, após os traumas e surtos autoritários.

Democracias vivem sob risco. É possível falar-se em variações no grau no risco que enfrentam a cada momento histórico. Por sua própria natureza, esse regime peculiar cria perigos para si mesmo. Explico. As democracias abrigam seus maiores inimigos, deixando que votem e sejam votados. Um modelo de governabilidade com tal grau de abertura e tolerância é, necessariamente, contraditório. 

Ele dá aos adversários das liberdades democráticas o direito de atuarem, nos seus generosos limites institucionais, contra seus próprios princípios fundamentais. No após Segunda Guerra, têm sido esses inimigos, que usam as eleições para poder atacar a democracia por dentro, os principais responsáveis por recessos da democracia. Lideranças autoritárias se elegem e tentam impor-se ao Parlamento, manipular as maiorias no Judiciário, para eliminar o princípio da incerteza. Essa manipulação busca assegurar que as decisões sigam sempre a vontade do governante e, não mais, a fluida composição das maiorias instáveis. Foi o que se deu na Venezuela, na Hungria, Turquia e na Polônia. Pode acontecer nos Estados Unidos e no Brasil.

Merval Pereira: Algaravia presidencial

- O Globo

O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir

O presidente Bolsonaro dá a cada dia mais sinais de que está com dificuldades de se comunicar, não apenas no sentido técnico do termo, mas, sobretudo, no pessoal. No técnico, o movimento pendular característico de sua gestão hoje favorece o bom senso do general Santos Cruz, que fez ontem a apologia de uma comunicação sem viés ideológico, e aberta a todos.

A partir da Virgínia, nos Estados Unidos, o recado deve ter convulsionado as redes sociais bolsonaristas. O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir.

A algaravia presidencial teve palavras animadoras para os empresários, por exemplo, quando os chamou de “heróis” por empreenderem com uma legislação que se torna um fardo. E foi tão crítico sobre as más condições de nossa infraestrutura que deu a esperança de que a privatização será tocada adiante com vigor.

Mas, no mesmo discurso, ontem na Firjan, acenou a uma reconciliação com a classe política, ao mesmo tempo em que também a considerou a causa dos problemas brasileiros.

“É nóis”, disse o presidente, incluindo-se, como político, entre os responsáveis pelas desditas nacionais. A expressão popular é usada corriqueiramente hoje em dia, significando adesão a um pensamento ou a uma atitude. É também uma afirmação de identidade comum.

Enfim, o presidente cometeu um erro, mesmo no português coloquial, pois a expressão tem um sentido positivo, e ali Bolsonaro estava fazendo um diagnóstico negativo da classe política.

Bernardo Mello Franco: Aposta na radicalização

- O Globo

Ao convocar atos a favor do governo, o bolsonarismo tenta emparedar o Congresso e o STF. Ontem o presidente disse que a classe política é o “grande problema” do país

Jair Bolsonaro quer confronto. Ontem ele afirmou que a classe política é o “grande problema” do país. Seus aliados organizam marchas a favor do governo para o próximo domingo. A julgar pelas convocações, a ideia é incitar as massas contra o Congresso e o Supremo.

A aposta na radicalização está clara. Resta saber se terá os efeitos desejados. A popularidade do presidente não é mais a mesma. Além disso, setores que o apoiaram na campanha têm se distanciado, com medo de uma guinada autoritária.

O presidente da comissão da reforma da Previdência, Marcelo Ramos, diz estar certo de que Bolsonaro arma uma “cilada”. “O problema dele não é com o Congresso nem com o centrão. É com a democracia e com as instituições”, acusa.

“O desapreço do presidente pela democracia não é um fato novo. É marca de toda a trajetória dele”, prossegue o deputado. “Pensei que a grandeza do cargo fosse colocá-lo à altura de ocupá-lo, mas isso não aconteceu”.

Filiado ao PR, Ramos aponta incoerência nas declarações presidenciais. “É surreal que alguém que vive da política há 28 anos, que botou a família inteira na política, agora diga que a política não presta”, critica.

Míriam Leitão: O que Joana fez e o que não fez

- O Globo

Diretor da Etec onde Joana D’Arc dá aulas diz que ela é professora nata que faz aluno desinteressado estudar e ter desejo de saber mais

Quando a professora Joana D’Arc Felix voltou ontem ao trabalho na Escola Técnica Agrícola (Etec), onde dá aulas de química em Franca, encontrou um cartaz na sua mesa, feito pelos alunos: “Insista, persista, nunca desista”. A professora disse que tinha feito um curso em Harvard que não fez. O que ela de fato fez foi graduação, mestrado e doutorado na Unicamp, uma das melhores do Brasil. E ela tem sido uma excelente professora, segundo o próprio diretor da escola. “O trabalho dela é extraordinário”, diz Cláudio Ribeiro Sandoval.

Há duas formas de olhar o polêmico caso de Joana que provocou uma onda de críticas a ela nas redes sociais: falar do que Joana não fez ou do que ela fez. Hoje, o país já sabe que ela não fez pós-doutorado em Harvard, nem entrou na universidade aos 14 anos. Mas o que ela fez é suficientemente grande para torná-la um caso de sucesso. Mais do que a sua própria história, é o que ela é, como professora de química na Escola Carmelino Corrêa Junior:

— A graduação, o mestrado e doutorado, que para nós era o que importava, na contratação, estão absolutamente regulares. Essa história de Harvard nunca tivemos essa informação, nem valorizamos. Mas o trabalho que ela desenvolveu na escola e continua desenvolvendo, de despertar o interesse dos alunos pela pesquisa, é uma coisa que não tem paga. Tem um resultado extraordinário —disse o professor Cláudio Sandoval, diretor da Etec.

*Paulo Hartung: Sustentabilidade: das ideias às ações transformadoras

- Folha de S. Paulo

Somos a última geração capaz de fazer a diferença

A geração de nativos sustentáveis já tem idade para fazer protesto. E aos herdeiros do planeta, com 11 a 16 anos, interessa a ação. Os novos e futuros líderes já se destacam no universo midiático com suas demandas, como a menina sueca Greta Thunberg, de 16 anos, que iniciou um movimento de greve escolar em prol de ações mais efetivas contra as mudanças climáticas. Em discursos no Parlamento de seu país, ela resume: "As mudanças climáticas estão aqui, ameaçando o futuro, e os adultos responsáveis não estão levando isso a sério".

A pressão dessa juventude por ações concretas já foi objeto de comentário do ex-presidente norte-americano Barack Obama, em sua página no Twitter: "Esta geração de ativistas climáticos está cansada da inação e está chamando a atenção de líderes de todo o mundo".

Tal inação é global e pode ser vista no Brasil também nos resultados dapesquisa Akatu de 2018, que avalia o grau de consciência das pessoas na hora de consumir. O levantamento indica que 68% dos brasileiros já ouviram falar em sustentabilidade, mas 61% não sabem dizer o que é um produto sustentável.

Ou seja, há uma clara dificuldade de transportar o desejo e o conhecimento pela sustentabilidade em mudança de hábitos. O chamado "do call for action" ainda não chegou. O problema é que, para as próximas gerações, não dá mais para tratar a sustentabilidade como uma aspiração.

Hélio Schwartsman: Salvos pela incompetência

- Folha de S. Paulo

Mesmo se o plano de Bolsonaro fosse atropelar instituições, ele fez tudo errado

Não duvido de que Jair Bolsonaro fantasie com a ideia de, amparado nos braços do povo, passar o rodo em instituições que ele vê como corruptas, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, e, a partir daí, governar sem embaraços. Mas fantasias frequentemente não passam de fantasias.

É verdade que tudo o que não é proibido pelas leis da física é possível, mas nem tudo o que é possível é provável. A essa altura, parece-me ser maior a chance de Bolsonaro não concluir seu mandato do que a de ele congregar forças para desferir algum tipo de golpe de Estado.

O motivo principal para isso é sua própria incompetência. Ele assumiu o cargo em condições razoavelmente boas. Tudo o que precisava fazer era manter em alta a confiança da população e correr com a reforma da Previdência, seguida pela tributária. Se obedecesse a esse roteiro, eram grandes as chances de o país assistir à volta do crescimento.

O que vimos, porém, foi um presidente que, através de omissões e declarações, operou para sabotar a reforma que seria a chave para o sucesso de seu governo. Errou desde o primeiro dia, quando optou por iniciar do zero os trâmites da proposta de emenda constitucional (PEC), em vez de modificar a de Temer, que estava pronta para ser votada em plenário. Perdeu preciosos seis meses.

Ranier Bragon: Forças incultas

- Folha de S. Paulo

Texto endossado por Bolsonaro e atos do dia 26 testam aceitação a nova era de arbítrio

Jair Bolsonaro resolveu testar a aceitação popular a uma nova era de arbítrio. Não há meio-termo quando um presidente da República compartilha um texto como o da semana passada e estimula atos que pregam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Depois de voltar de uma ridícula e inútil viagem aos cafundós dos Estados Unidos, ele disparou o pueril texto e estimulou os protestospró-ditadura do dia 26 —ações que vão contra o que entendemos por república, democracia e civilização.

Não importa se Bolsonaro perdeu o eixo devido às investigações sobre a peculiar política de RH dos gabinetes da família. Não há como ter posições dúbias diante do que foi dito. Alguns aliados já falaram, como o olavete do Itamaraty, para quem o chefe quer só desligar a “maldita máquina” corruptora. Outros, como o MBL e Janaina Paschoal, criticaram.

“Essas manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas. Dia 26, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer drama para trabalhar!”, escreveu a deputada, que nesta segunda-feira (20) questionou a sanidade mental do presidente.

Joel Pinheiro da Fonseca: A última cartada

- Folha de São Paulo

O governo se encaminha rapidamente para a ruptura institucional

O texto compartilhado pelo presidente Bolsonaro na sexta-feira passada (17) em seu WhatsApp marca um novo ponto baixo do governo. Um texto que, embora quisesse defender o presidente, na verdade escancarava a mais dura crítica: ele é incapaz de governar o país. Ao fim, em clima de total pessimismo, fecha com o conselho: "Infelizmente o diagnóstico racional é claro: 'Sell'". Ou seja, as coisas não vão melhorar, e por isso é melhor apostar contra o Brasil.

Um governo que precisa de demonstrações públicas de força —no caso, de povo na rua "protestando a favor"— é um governo sobre cuja força já pairam sérias dúvidas. Se for bem-sucedido e conseguir uma quantidade expressiva de manifestantes, recuperará um pouco da força que fez questão de destruir nesses cinco meses de mandato. Se for um fiasco, continuará derretendo a olhos vistos.

A palavra que melhor resume esse início de governo é "balbúrdia". Muito barulho, muita briga e nenhum resultado. O presidente que começou com o apoio entusiástico de um Congresso conservador conseguiu se indispor de tal forma —inclusive mentindo para deputados que o tinham como aliado, no episódio do contingenciamento dos gastos com educação— que agora não é capaz de pautar a discussão legislativa.

Neste momento, Paulo Guedes (e equipe) e Rodrigo Maia são os dois maiores promotores da reforma da Previdência, travando por conta própria o diálogo entre governo e parlamentares. O presidente, por sua vez, é o grande sabotador da reforma, ao voltar a carga desnecessariamente contra o Congresso e a política como um todo.

*Pablo Ortellado: O dilema do populismo

- Folha de S. Paulo

Protestos não serão a favor do governo, mas contra poder no Congresso e no STF

Logo após as bem-sucedidas manifestações contra os cortes no orçamento da educação, grupos bolsonaristas lançaram um chamado para protestos no próximo dia 26. Por um lado, parecem ser só uma reação contra a mobilização da oposição; por outro, parecem querer reafirmar o caráter antissistêmico do governo Bolsonaro.

O maior dilema de qualquer governo populista é que, uma vez empossado, passa a fazer parte do establishment contra o qual se opunha.

Bolsonaro se elegeu denunciando a articulação das elites políticas no Congresso e nos meios de comunicação de massa que perpetuavam o mesmo grupo corrupto no poder.

A natureza populista do seu projeto exige que, uma vez empossado, pareça não ter sido assimilado pelas elites. Mais ainda: precisa se apresentar como aquele que está comprometido em derrotar uma casta cujo poder está entranhado e é resistente a mudanças.

Andrea Jubé: Tempo quente, guerra fria

- Valor Econômico

O "nós contra eles" de Bolsonaro opõe o povo ao Congresso

O presidente Jair Bolsonaro está cansado. A revelação é do deputado Marco Feliciano (Pode-SP), um de seus aliados mais próximos, que encomendou uma corrente de orações pela proteção do mandatário e do governo aos seus mais de 4 milhões de seguidores.

"Notei no seu semblante, em sua fala ainda que descontraída, um cansaço", disse Feliciano, em vídeo divulgado no sábado nas redes sociais. Segundo o parlamentar, que acompanhou Bolsonaro na viagem a Dallas, o presidente enfrenta uma "guerra fria" porque as forças que não o elegeram se uniram para paralisá-lo: "O que não conseguiram fazer com aquela facada na barriga estão tentando com punhaladas nas costas".

Bolsonaro tem falado em exaustão de forma recorrente, embora ainda tenha pela frente 44 meses de mandato. Ao receber um senador em seu gabinete recentemente, apontou a cadeira presidencial e decretou: "Aquilo é uma desgraça". Ao apresentador Sílvio Santos, disse que a Presidência só traz problemas. Há um mês e meio, desabafou: "Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar".

Caciques políticos interessados no avanço das reformas preocupam-se com dois fatores: o aparente esgotamento nervoso de Bolsonaro, e sua indisposição para ajustar a relação com o parlamento. A avaliação interna na cúpula do Congresso é que Bolsonaro tem comportamento ambíguo, porque admite a exaustão a interlocutores, ao mesmo tempo em que demonstra fôlego para o confronto.

Na semana passada, quando uma multidão foi às ruas em mais de uma centena de cidades protestar contra os cortes na área de educação, e o governo sofreu derrotas relevantes no Congresso, a maioria dos líderes acreditava que Bolsonaro faria gestos de conciliação ao Congresso.

Mas o que se viu neste começo de semana decisiva para o governo foi uma declaração de guerra. "O que eu tenho para oferecer é a humildade, a coragem de enfrentar grupos corporativistas", disse o presidente ontem na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O combate às corporações remete ao polêmico texto que ele compartilhou com aliados no fim de semana, segundo o qual o país seria "ingovernável" se ele continuasse resistindo a fazer "conchavos" com as "corporações".

Bolsonaro alega cansaço, mas demonstra disposição para a briga. Afirma que "o que mais quer é conversar", mas tenta apagar o fogo com gasolina. Ontem ele também reiterou os ataques aos políticos, dificultando ainda mais qualquer canal de diálogo com o Congresso, e via de consequência, a votação das reformas. "É um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política", acrescentou, no mesmo discurso na Firjan.

Luiz Carlos Azedo: A marcha à ré

Nas entrelinhas / Correio Brazilinese

De repente, o país começa a perder o otimismo e teme retroceder em várias áreas, sobretudo na economia, justo no momento em que um amplo consenso em torno da necessidade de reformas econômicas e institucionais estava sendo construído no Congresso. Colaboram para isso, em primeiro lugar, a gravidade dos problemas enfrentados, que demandam um esforço continuado para superação da crise fiscal; de outro, o comportamento errático do governo, pródigo na promoção de polêmicas inúteis e avarento quando se trata de foco nas soluções, em particular a reforma da Previdência.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a culpar os políticos pela situação, em solenidade no Rio de Janeiro, na qual declarou que o Brasil “é um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”. A declaração é ambígua porque, depois de generalizar os ataques ao Legislativo (“é o Parlamento em grande parte, é a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa”), Bolsonaro também se incluiu entre os políticos, ao lado do governador fluminense, Wilson Witzel, e do prefeito carioca, Marcelo Crivella, que estavam ao seu lado: “É nós!”.

Mais tarde, já em Brasília, ao lançar a campanha publicitária da reforma da Previdência, Bolsonaro procurou consertar as declarações, que tiveram péssima repercussão: “Nós valorizamos, sim, o parlamento brasileiro, que vai dar a palavra final nesta questão da Previdência tão rejeitada ao longo dos últimos anos. Agradeço ao Rodrigo Maia (presidente da Câmara), ao Davi Alcolumbre (presidente do Senado), que em conversas são unânimes em dizer da necessidade da reforma da Previdência. E, aos parlamentares, queria dizer que só não recebo mais por falta de agenda, mas gostaria de continuar a conversar com o maior número de vocês para que possíveis equívocos, possíveis melhoras, nós possamos junto ao parlamento buscá-las”, disse.

Não foi por acaso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), havia anunciado um pacto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para aprovar a reforma da Previdência e outras reformas demandadas pela sociedade, independentemente das polêmicas criadas pelo governo e a oposição na mídia e nas redes sociais. Maia também descartou a possibilidade de um projeto alternativo de reforma da Previdência, o que foi corroborado pelo relator da reforma, o deputado Samuel Moreira (PSDB-RJ). Na verdade, o debate sobre as mudanças na Previdência está apenas começando na Câmara, e faz parte do processo legislativo a apresentação de um substitutivo pelo relator, que geralmente incorpora mudanças propostas pelos deputados ao projeto original do governo. Sendo assim, não será integralmente a proposta que o governo mandou para a Câmara, mas também não será um projeto novo.

Ricardo Noblat: E se fosse Lula a chamar o povo às ruas contra o Congresso e a Justiça?

- Blog do Noblat / Veja

Só um cego não vê o que se desenha
Imagine que o presidente da República fosse Lula. E que, sentindo-se fraco, ele admitisse participar de manifestações de ruas convocadas por seus devotos para apoiá-lo e protestar contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal que o estariam impedindo de governar.

A essa altura, o que os adversários de Lula diriam? No mínimo, que ele quer emparedar os demais poderes da República jogando o povo contra eles. No extremo, que Lula trama um golpe para acabar com a democracia e governar sozinho.

E se os ministros que cercassem Lula em Brasília fossem generais da reserva? E se os comandantes militares calados estivessem e assim permanecessem? A propósito: ameaçada pelo impeachment, Dilma quis decretar o Estado de Emergência. Os militares disseram não.

No ano passado, ao sinal de que Lula poderia ser solto, Eduardo Villas-Bôas, comandante do Exército, postou uma mensagem no Twitter ameaçando o Supremo. Lula segue preso. Villas-Bôas despacha no Planalto. Sérgio Moro, no Ministério da Justiça.

Ou falta inteligência política ao presidente Jair Bolsonaro, ou ele é louco, ou, como disse o ex-presidente José Sarney em entrevista no último fim de semana ao jornal “Correio Braziliense”, Bolsonaro está “no olho de um furacão e joga todas as suas cartas no caos”.

De Sarney se poderá dizer tudo, menos que lhe falte experiência aos 89 anos de idade, 52 dos quais vividos como deputado e senador, fora os quatro anos como governador do Maranhão e os cinco como presidente da República. Já viu tudo que gostaria ou não de ter visto.

O furacão ao qual Sarney se refere foi provocado por Bolsonaro que não governa, que só se aplica em desatar crises, quase uma por semana. A um presidente responsável e bem-intencionado caberia desinflar crises e debelar furacões criados à sua revelia.

Bolsonaro passou 28 longos anos na Câmara dos Deputados e está cabalmente demonstrado até aqui que nada aprendeu. Eleito presidente por “milagre” como ele mesmo reconhece, não se preparou para tal, e não parece interessado em preparar-se. Mas de golpe entende.

Defendeu o golpe de 64. Defendeu a ditadura militar que se arrastou por 21 tenebrosos anos. Defendeu a tortura de opositores do regime. Lamentou que a ditadura tenha matado menos gente do que mata o carnaval. Jamais se penitenciou por ter dito todas essas infâmias.

Mesmo que acabe convencido por seus generais de pijama de que não deve comparecer às manifestações marcadas para o próximo domingo, só ter cogitado de ir é uma prova de sua insanidade ou de sua disposição por ora reprimida de forçar uma ruptura institucional.

De resto, terá estimulado seus seguidores a ocuparem as ruas em sua defesa e em ataque ao Congresso e à Justiça. Por sinal, foi o que fez ontem ao compartilhar no WhatsApp um texto favorável às manifestações e ao dizer que o problema do Brasil “é a classe política”.

Só não enxerga o que se desenha no horizonte quem é cego ou se recusa a ver.

A razia de Bolsonaro: Editorial / O Estado de S. Paulo

Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é “ingovernável” sem os “conchavos” políticos e de dizer que conta “com a sociedade” para “juntos revertermos essa situação”, o presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer apelos diretos ao “povo” contra o Congresso – em relação ao qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar durante 28 anos.

Cresce a inquietante sensação de que Bolsonaro decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do “povo” e, mais, de Deus. Ao que parece, Bolsonaro passou a acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral, alimentada por alguns assessores e pelos filhos com o intuito de antagonizar o Congresso – visto como o lugar da “velha política” e, portanto, como um obstáculo à regeneração prometida pelo presidente.

Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade de governar, Bolsonaro começa a flertar com a “ruptura institucional”, expressão que apareceu no texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira passada.

Diante da repercussão negativa, Bolsonaro, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, preferiu ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do cesarismo.

Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo WhatsApp, Bolsonaro disse que “esse pessoal que divulga isso faz parte do povo e nós temos que ser fiéis a ele”. E completou: “Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo”. Ora, o mesmo povo que o elegeu para se ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de legisladores e governantes estaduais.

Bolsonaro tem de evitar ser chefe de grupo sectário: Editorial / O Globo

Presidente não deve atacar os políticos de forma genérica, porque o Congresso é essencial à democracia

Em mais uma surpresa negativa vinda das redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro abriu um flanco para ser comparado a Jânio Quadros, o populista que chegou ao poder brandindo uma vassoura, a fim de jogar no lixo a corrupção e outros males brasileiros, mas que terminou renunciando. E comunicou ao país que não havia conseguido fazer o que desejava devido a “forças terríveis”. Mandou à Câmara a carta de renúncia, que foi prontamente aceita, frustrando seu projeto de voltar nos braços do povo, em cima de um tanque. A lembrança daqueles tempos veio em decorrência da desastrada decisão de Bolsonaro de compartilhar nas redes sociais texto de um servidor público federal, que afirma que o Brasil é “ingovernável” sem os “conchavos políticos”, devido ao Congresso e a “corporações”. Bolsonaro o distribuiu, e o paralelo com Jânio foi instantâneo. Mas se já não funcionou em 61, o que dirá agora, quando as instituições republicanas contam com mais músculos.

De forma benevolente, credite-se mais este escorregão ao uso descuidado que Bolsonaro e filhos fazem da internet. O presidente precisa participar do jogo da democracia, negociar projetos com o Congresso, ajudar a construir uma base parlamentar. Não se trata de fazer barganhas espúrias. Prejudicam o próprio governo, e a si mesmo, críticas genéricas como a feita ontem na Federação das Indústrias do Rio, a Firjan: “o grande problema do Brasil é a classe política”. À tarde, em Brasília, mudou o tom, o que não costuma compensar os danos.

Bolsonaro insiste nos desafios às instituições: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro pode cruzar uma linha que levará o país a uma crise política permanente. Após divulgar pelos meios digitais um texto que considerou "leitura obrigatória", com críticas ao Congresso e ao Judiciário na sexta-feira, e no qual o Brasil é tido como "ingovernável" se não atender aos interesses das "corporações", Bolsonaro deu o sinal para que seus apoiadores marcassem para domingo manifestações de rua a favor do governo. Como já se tornou padrão em sua administração, o presidente engendra sem parar problemas para si próprio. É o caso das manifestações - que, legítimas, se forem bem ou mal-sucedidas igualmente pioram as condições de Bolsonaro governar.

Bolsonaro foi abalado pelas investigações que o Ministério Público realiza sobre as contas de seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, e Fabricio Queiroz, que apontam para mau uso de dinheiro público e relacionamento com as milícias do Rio. O MP faz com Flavio o que fez com políticos do PT, do MDB e de outros partidos, e que sempre foi elogiado por Bolsonaro como ações firmes contra a corrupção. No caso de seu filho, considera perseguição. O Congresso se afasta rapidamente do Executivo, assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que já foi várias vezes criticado pelo presidente e seu clã. Com uma base parlamentar que se restringe aos 54 deputados de seu partido, Bolsonaro segue uma senda que logo inviabilizará seu governo.

O presidente não aprendeu a negociar, e talvez não queira aprender. Na sexta, ele mencionou estranhos presságios quando foi esfaqueado em Juiz de Fora: "O Sistema vai me matar". No domingo, postou vídeo de pastor estrangeiro que disse que Bolsonaro foi "escolhido por Deus". Na sequência o presidente afirma que "quem deve ditar os rumos do país é o povo". E, em nota oficial divulgada pelo porta-voz da Presidência, na sexta, disse que "a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam de relações pouco republicanas".

A rota que Bolsonaro está seguindo colide com as instituições com as quais ele terá de, em uma democracia, necessariamente conviver. De um lado, os xeques sob o poder do Executivo aborrecem o presidente, que já desabafou que "não nasceu" para ocupar este cargo e que a rotina da Presidência é um desfiar infindável de problemas. De outro lado, nada subjetivo, ele manifesta recorrentemente o desejo de afrontá-las. A carta de ex-candidado a vereador no Rio, que divulgou na sexta, presta-se a interpretações que coincidem com a do presidente. O texto diz que Bolsonaro "não serve para nada" se todas suas ações "são questionadas no Congresso e na Justiça". O presidente habitaria "um cárcere que começa a se mostrar sufocante", já que sua agenda não é do interesse das corporações e "pelo jeito, nem dos militares".

PIB deprimente: Editorial / Folha de S. Paulo

Renda estagnada do país suscita perplexidade e debate entre especialistas

A mediana das expectativas de analistas para a expansão do Produto Interno Brasileiro no ano caiu pela 12ª semana consecutiva, segundo divulgou o Banco Central nesta segunda (20). O processo de deterioração, infelizmente, não dá sinais de que esteja próximo do fim.

Desde fevereiro, a projeção caiu pela metade —de 2,5%, já modestos, para 1,24%. Não são poucos os que já preveem índices mais baixos, que mal compensariam a taxa de crescimento da população do país, hoje em torno de 0,8% ao ano.

Dito de outra maneira, a renda per capita ficará estagnada ou pouco além disso, numa repetição do ocorrido no biênio anterior. Trata-se de uma prostração quase inexplicável após a queda brutal de 8,6% na recessão de 2014-16.

Nota-se uma boa dose de perplexidade entre os economistas debruçados sobre o tema —e a perspectiva não mais remota de um novo mergulho recessivo com a queda do PIB no primeiro trimestre.

Conforme noticiou esta Folha, a consultoria do ex-presidente do BC Afonso Celso Pastore qualificou de depressão o cenário nacional em caso de confirmação dos prognósticos para o ano. Por esse ponto de vista, o termo se justificaria em razão da perda aguda e prolongada dos rendimentos.

José Casado: Um senador de bons negócios

- O Globo

A grade alta marca fronteira entre a portaria e a padaria VIP na fachada do número 297 da Prado Júnior. Estuário de solidões nas noites de Copacabana, a avenida embala sonhos de riqueza em negócios coma Bíblia, as drogas e o sexo.

Na loteria da vida em Copacabana, é raro alguém lucrar tanto, tantas vezes e em tão pouco tempo quanto já conseguiu um jovem deputado estadual.

Aos 21 anos, ele ganhou um mandato ancorado no pai. Com 33 anos comprou uma quitinete no 297 da Prado Júnior. Pagou R$ 140 mil.

Vendeu o imóvel por R$ 550 mil em 2014, quinze meses depois. Teve um lucro extraordinário de 292% numa área de Copacabana onde a valorização média havia sido de apenas 11% no período, de acordo como índice FipeZap, referência do mercado imobiliário. Embolsou R$ 410 mil em apenas 60 semanas.

Na mesma terça-feira, pagou R$ 170 mil por outro apartamento, no 96 da barulhenta Rua Barata Ribeiro. Vendeu-o por R$ 573 mil, doze meses depois, em novembro de 2013.

Lucrou mais R$ 403 mil. Ganhou 237% numa área onde a valorização média foi de apenas 9% no FipeZap.

O espírito capitalista, que diz ter lapidado na Getulio Vargas, multiplicoulhe a riqueza em outros bairros.

Mercado reduz projeções mais uma vez, e economista aponta depressão

Com previsões de expansão do PIB em queda pela 12ª semana, ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diz que reforma da Previdência é o primeiro passo para superar crise

Cássia Almeida / O Globo

As expectativas de crescimento da economia este ano caíram pela 12ª semana consecutiva na pesquisa Focus, divulgada ontem pelo Banco Central. A média das previsões de uma centena de instituições do mercado para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 passou de 1,45%, na semana passada, para 1,24%. A revisão para baixo se deve principalmente aos sinais de que o PIB ficou negativo no primeiro trimestre deste ano. O dado será divulgado pelo IBGE no dia 30 de maio, mas o cenário já é suficiente para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diagnosticar um quadro de depressão econômica, com a renda per capita estagnada há três anos. Segundo o economista, a reforma da Previdência não é uma “bala de prata”, mas o primeiro passo para reorganizar as contas públicas e destravar a economia.

—Se não aprovar a reforma da Previdência, se ela for desidratada, vai acabar o teto de gastos (lei que impede que despesas do governo cresçam mais que a inflação do ano anterior) e volta o problema anterior de não sustentabilidade da dívida pública. A coisa fica inadministrável. Tem que ter solução para o problema fiscal para criar perspectiva de esse risco sair — afirmou Pastore ontem, no Rio, ao participar de um seminário sobre política monetária promovido pela Fundação Getúlio Vargas e o jornal Valor Econômico. —Não tem bala de prata, mas se tiver uma boa reforma da Previdência, o risco de crise fiscal cai.

RITMO DE ‘CÁGADO MANCO DE MULETA’
Apesar de setores empresariais demandarem queda dos juros, o economista afirmou que a política monetária não pode servir de “tábua de salvação” para a economia brasileira na situação atual. Sem controlar os gastos públicos, uma eventual redução dos juros pelo Banco Central poderia até provocar aumento na nota de risco do país, avaliou o ex-presidente do BC.

Congresso representa a sociedade, diz Maia a apoiadores de Bolsonaro

Por Raphael Di Cunto e Renan Truffi | Valor Econômico

BRASÍLIA - Após apoiadores do presidente Jair Bolsonaro convocarem atos em apoio a ele "contra os conchavos do Congresso", o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu ontem e disse que os que não concordam que os projetos do governo sejam modificados pelo Legislativo não entendem que toda a sociedade tem direito de participar dos debates.

"O governo representa uma parte e o Parlamento representa toda a sociedade", disse, ao participar de sessão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Brasília. "Aqueles que entendem que aquilo que chega ao Parlamento não precisa ser debatido, muitas vezes até rejeitado se a proposta não for boa, são os que entendem que apenas uma parte da sociedade tem direito de participar dos debates e da construção das soluções para o país", afirmou.

Em um recado sobre a base de apoio do governo, Maia disse que o mundo vive transformações e "muitas vezes os radicalismos se sobrepõem ao diálogo, principalmente nas redes sociais, onde quem está no extremo tem mais espaço para aparecer do que aquele que quer construir consensos". Ao receber estudo da OAB com críticas ao pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ele destacou que essa é "a sinalização clara de que o Parlamento é a Casa do diálogo, da garantia da democracia e das instituições".

O discurso ocorre após Bolsonaro divulgar texto na sexta-feira sobre as dificuldades de governar sem conchavos e pedir apoio da população para mudar isso. Aliados dele, incluindo seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), passaram a defender manifestações no dia 26 de maio, domingo, em apoio ao governo.

Carlos Drummond de Andrade: Ao amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.