Gabriel Trigueiro / Revista Época
Cientista político identificado com a esquerda, ele defende o diálogo com economistas liberais, critica a postura do PT em relação às contas públicas e vê a questão ambiental como a “maior tragédia” do início de governo
18 perguntas para Barros
1. Como o senhor vê as relações entre o bolsonarismo e o lavajatismo antes e depois dos vazamentos dos diálogos entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores?
Sempre houve alguma intercessão entre lavajatismo e bolsonarismo, e essa confusão certamente ajudou Bolsonaro, um deputado medíocre do baixo clero, sem qualquer histórico de combate à corrupção, a se eleger. Mas sempre houve diferenças importantes. O lavajatismo tem origens em aspirações inteiramente legítimas de combate à corrupção, e o apoio popular à operação reflete os resultados obtidos no desvendamento dos escândalos. Sempre houve algo de messiânico e alguns abusos eram conhecidos, mas isso não quer dizer que os lavajatistas apoiassem Ustra, ou a ditadura militar, ou a tortura. O partido mais claramente identificado com a Lava Jato era a Rede Sustentabilidade, que não tinha nada de extremista, muito pelo contrário.
Moro sempre foi maior que Bolsonaro diante da opinião pública, o que claramente incomoda o presidente da República. Depois da Vaza Jato, Moro é que passou a precisar do apoio de Bolsonaro. Bolsonaro apoia Moro, mas faz questão de que esse apoio se dê em termos bolsonaristas: com ofensas à sexualidade de ( Glenn ) Greenwald, fake news etc. A ideia é queimar Moro com os moderados e trancá-lo no campo bolsonarista, levando a Lava Jato junto.
2. Como o senhor define o bolsonarismo ? “Populismo” dá conta desse fenômeno político e cultural?
A impressão é que talvez Bolsonaro seja um autoritário old school demais para ser um populista eficiente. Não me parece claro que o público tenha noção de quanto Jair Bolsonaro é radical: ele é muito mais parecido com o fascista francês Jean-Marie Le Pen do que com sua filha, a populista de direita Marine.
3. O senhor já se referiu ao governo Bolsonaro como um “regime de mobilização permanente”. Por quê?
Bolsonaro continua buscando a mobilização de sua base contra as instituições. É importante diferenciar o tipo de mobilização do bolsonarismo do ativismo social saudável. Uma sociedade civil forte impõe limites ao poder. A mobilização em favor do Poder Executivo contra o Legislativo e o Judiciário tenta retirar esses limites.
4. Quais os antecedentes históricos brasileiros do bolsonarismo?
Bolsonaro pertence à linhagem dos militares que não aceitaram a abertura democrática iniciada por Geisel. Por isso o culto a Brilhante Ustra: o bolsonarismo é uma ideologia do porão da ditadura, não é do general, não é do presidente militar. É a visão de mundo do sujeito que torturava comunistas e depois entrou para o esquadrão da morte, para garimpo ilegal, para jogo do bicho. Daí, também, o elogio às milícias. É sempre bom lembrar que Bolsonaro tentou colocar bomba no quartel por aumento salarial já nos anos 80, e que Geisel teve tempo de referir-se a ele como “mau militar”. Acho que a maior parte do público brasileiro não tem coragem de admitir quão radical é o presidente que elegemos.
5. Como o senhor analisa a tensão entre a base mais orgânica do bolsonarismo e a estrutura partidária do PSL?
Acho que é a luta entre quem quer fazer um partido de direita populista “normal” — que vence eleições, disputa cargos etc. — e quem quer construir um movimento autoritário. Boa parte dos deputados do PSL quer seguir uma carreira política normal, mas a ala olavista comandada por Eduardo Bolsonaro quer um movimento contra as instituições, contra a democracia.
6. Como o senhor vê a correlação de forças dentro dos maiores partidos do Congresso, o PT e o PSL?
O PT sempre teve uma divisão interna entre moderados e radicais, mas acho que a principal cisão atual é entre governadores e parlamentares, entre quem precisa de voto de fora dos 30% de esquerda para se eleger e quem não precisa. Não acho que a ênfase no “Lula Livre” seja o problema. Acho que o pessoal foca no “Lula Livre” justamente porque não consegue fechar uma posição do partido sobre outras questões, e “Lula Livre” é algo com que toda a militância concorda.
O PSL se tornou tão disfuncional que é até difícil de analisar. Quando a legenda saiu das urnas com uma bancada daquele tamanho, todo mundo achou que atrairia adesões e se tornaria um partido muito grande. Mas pouca gente quis entrar em uma legenda tão cheia de fanáticos ideológicos, que o próprio Bolsonaro parece disposto a abandonar.
7. O senhor é um intelectual associado à esquerda política, mas sempre adotou um registro moderado em suas colunas na Folha. Há alguém, entre os liberais e os conservadores que estão se opondo ao atual governo, com quem o senhor acha possível construir pontes e coalizões, ainda que circunstanciais?
É muito possível, e é obrigatório. Acho que há amplo espaço para conversar com os liberais, e muitos dos grandes economistas liberais brasileiros têm evidente aversão a Bolsonaro. Mesmo que não se chegue a um acordo com eles sobre todas as reformas, e não custa nada conversar sobre isso também, é inteiramente viável estabelecer uma convivência razoável em que todos se unam quando a liberdade brasileira estiver sob ataque. E não, não tem problema se cada um apoiar seu próprio candidato em 2022. No campo conservador é mais difícil, embora seja possível pensar em alguns nomes — o Reinaldo ( Azevedo ), o ( Carlos ) Andreazza. Mas a verdade é que a crise mostrou que falta conservadorismo político no Brasil, no sentido preciso do termo: durante toda a crise, faltou a visão de que quebrar os partidos e o sistema político era fácil, difícil era construir outra coisa no lugar. O que sobra é conservadorismo moral e extremismo populista.