domingo, 28 de julho de 2019

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*:

Faltam entrar em cena os partidos, os movimentos cívicos e os cidadãos ativos perfilados no campo democrático progressista. Até agora, eles parecem trabalhar nos bastidores, em silêncio, dando até mesmo a impressão de estarem a hibernar A oposição que orbita o PT não consegue produzir propostas e entendimentos, limita-se a mimetizar com sinal trocado a conduta presidencial, valendo-se de uma retórica igualmente passional, que divide e inflama a população. Em vez de se lançar com coragem no mar aberto da renovação procedimental e discursiva, aferra-se a mitos e atitudes defensivas, refratárias ao moderno que se renova em direções inesperadas, surpreendentes e desafiadoras.

*Marco Aurélio Nogueira, professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp. ‘Riscos desnecessários’, O Estado de S. Paulo, 27/7/2019

Elio Gaspari*: A questão do conteúdo dos grampos persiste

- Folha de S. Paulo / O Globo

A ideia de Moro de destruir as mensagens era primitiva e cheirou mal

A Polícia Federal fez um serviço de primeira localizando e prendendo a quadrilha que invadiu os celulares de centenas de autoridades, inclusive do presidente da República, do ministro Sergio Moro e de procuradores da Lava Jato. Um deles tinha antecedentes criminais e confessou ter sido o remetente dos grampos para o site The Intercept Brasil. Como isso foi feito e se era gratuito, como ele diz, só a investigação poderá esclarecer. Resta saber se Glenn Greenwald conhecia a extensão do crime de sua fonte. Essa é uma perna da questão.

A outra perna está no conteúdo das mensagens já divulgadas e ela continua no mesmo lugar. Os procuradores blindaram-se na recusa a comentar o que apareceu nos grampos. Muitos deles, como Sergio Moro, dizem que já apagaram os arquivos. Se o serviço da PF foi de primeira, essa blindagem é de quinta. A ideia de Moro de destruir as mensagens era primitiva e cheirou mal.

Na forma, o crime cometido pelo invasores dos celulares foi peculiar. Eles atacaram dados de centenas de pessoas e seus antecedentes afastam a ideia de que houvesse interesse público na operação. A questão do conteúdo é outra.

Janio de Freitas: Nada de destruição

- Folha de S. Paulo

Queremos ouvir e ler o que Moro e Deltan diziam às escondidas

A primeira virada de mesa elaborada por Sergio Moro prosperou no ato inicial, mas ficou em suspenso antes do segundo. Pode parar aí, como pode seduzir interesses que imponham a destruição das mensagens captadas nos celulares invadidos.

Além desse risco, há várias alternativas ao método Moro para impedir as consequências apropriadas às ilicitudes e faltas morais que comprometem o então juiz, o procurador Deltan Dallagnol e muitos outros. Ainda haverá estoque de decência para impedir a virada de mesa? Eis a questão.

A pressa com que Moro se pôs a dizer que “as mensagens serão destruídas” sugeriu que está ainda pior na fita. Sua pressa paralela, para informar Bolsonaro, os presidentes do Senado e da Câmara, alguns ministros, juízes e parlamentares de terem sido também invadidos, foi mais do que gentileza.

A cada um deles disse que “o material será destruído”, um adendo que colhia, pela tranquilização, o imediato apoio à medida. O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, citado em recente noticiário negativo, deu ênfase pública à adesão: “É isso que tem de ocorrer”.

Uma vez ocorrido, a borracha brasileira apagaria o publicado, a publicar e as respectivas memórias. Mas talvez não apague a concepção jurídica de que “só o Judiciário tem o poder de tal destruição”, como lembram alguns juristas, togados ou não. E, desde que há material referente a pessoas com foro privilegiado, é exclusiva do Supremo Tribunal Federal a decisão de destruir, como rebateu o ministro Marco Aurélio Mello —desde sempre ressabiado com os saberes jurídicos de Moro.

Bruno Boghossian: Quebrando o tabuleiro

- Folha de S. Paulo

Embate sobre Moro e nome de Manuela acirram disputa partidária em torno do caso

O deputado Filipe Barros, do PSL, saiu indignado às redes sociais para anunciar um pedido de prisão de Glenn Greenwald. Jogando para sua plateia, ele afirmou que o jornalista do site The Intercept deveria ir para a cadeia por sua proximidade “evidente” e pelos “fortes indícios de financiamento” dos hackers presos pela Polícia Federal.

O parlamentar preferiu ignorar os significados das palavras “evidência” e “indício”. Enquanto investigadores ainda colhem depoimentos e abrem focos de apuração, alguns políticos se antecipam para fazer uma exploração rasteira do caso.

Para surpresa de poucos, o deputado do PSL resolveu atacar as liberdades garantidas pela Constituição e disse que Greenwald é coautor de um crime. Como se sabe, um jornalista tem o direito de publicar informações que recebe, mesmo que os dados tenham sido originalmente obtidos de maneira ilegal.

No jogo de xadrez iniciado com o vazamento de mensagens da Lava Jato, disputa-se para ver quem dá a pancada mais forte para quebrar o tabuleiro e acabar com a partida. As regras não importam e parece haver pouca gente interessada em esperar os próximos movimentos.

As tinturas políticas se acumulam. O PT também acionou a Procuradoria-Geral da República e pediu a prisão de Sergio Moro. A sigla diz que o ministro teve acesso ilegal a informações do inquérito sobre os hackers. De fato, o ex-juiz procurou autoridades para avisar que elas haviam sido atacadas, mas não se sabe se Moro teve acesso aos diálogos.

Hélio Schwartsman: A máquina do prazer

- Folha de S. Paulo

A profusão de narrativas sobre tudo tem feito pessoas abdicarem de fatos verificáveis e raciocínios lógicos

Num dos mais memoráveis experimentos mentais da filosofia, Robert Nozick propôs que imaginássemos uma máquina de gerar estímulos prazerosos tão perfeita que, se nos ligássemos a ela, viveríamos uma vida de júbilos sem fim, que não teríamos como distinguir da realidade. Se lhe fosse dada a escolha, você, leitor, optaria por acoplar-se à engenhoca até o fim de seus dias ou preferiria seguir no mundo real?

Nozick, que criou esse experimento para refutar o hedonismo ético, mais especificamente os utilitaristas, que erigem a promoção do prazer (e a supressão da dor) em fundamento universal da ética, obviamente imagina que a maioria de nós rejeitaria ligar-se à máquina e articula razões para a recusa.

Não pretendo discutir aqui se o hedonismo é ou não a base da moralidade, mas apenas constatar, consternado, que os tempos estranhos em que vivemos podem ter realizado a façanha de criar uma versão virtual da máquina do prazer de Nozick e introjetá-la nas mentes das pessoas.

Eliane Cantanhêde: Competição macabra

- O Estado de S.Paulo

Agosto, mês das bruxas na política, vem aí com o País, Moro e Greenwald na fogueira

Ao trocar a condição de juiz pela de ministro da Justiça de Bolsonaro, Sérgio Morotransformou a própria vida num inferno e agora combina, perigosamente, as condições de vítima, suspeito e chefe das investigações sobre o ataque aos celulares de autoridades dos três Poderes da República. A competição é macabra: quem é mais vítima, quem é mais criminoso.

Moro, PF, MP e governistas descarregam as baterias em Glenn Greenwald, que divulga os diálogos no site The Intercept Brasil, mas miram mesmo é nos responsáveis políticos e estão se aproximando do PT, principalmente com a revelação de que Manuela D’ Ávila (PCdoB), vice de Fernando Haddad (PT) em 2018, foi a intermediária entre hackers e Greenwald.

Já o PT, o PDT, boa parte do Congresso e até ministros do Supremo aumentam a pressão sobre Moro, seja pelo “Lula livre”, por serem eles próprios alvos da Lava Jato ou simplesmente por terem uma visão mais rígida da Justiça, contrária aos métodos da operação.

Eles, que já condenam os diálogos vazados entre Moro e Deltan Dallagnol, ganharam munição pesada com três erros formais do ministro: demonstrar que teve acesso a informações sigilosas da Polícia Federal, ao avisar os atingidos; anunciar que o material hackeado seria destruído, o que seria em seu próprio benefício; endurecer o processo de expulsão de estrangeiros justamente no meio da tempestade envolvendo o americano Greenwald.

Vera Magalhães: O cordão dos puxa-saco

- O Estado de S.Paulo

Acólitos aplaudem patrimonialismo, nepotismo e ataques à ciência e à liberdade de imprensa

Minha avó paterna era uma carioca do samba. Adorava entoar marchinhas, com seu vozeirão rouco, a cada vez que um fato lhe chamava a atenção. Nas últimas semanas, me vem à mente dona Alduína cantando uma das suas favoritas, braços erguidos como se estivesse no bloco: “Lá vem/ O cordão dos puxa-saco/ Dando viva aos seus maiorais/ Quem está na frente é passado para trás/ E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais”.

O puxa-saquismo do Brasil de 2019, que ela não viveu para ver, aceita condescender com patrimonialismo e nepotismo explícitos, ataques à ciência, manifestações de preconceitos variados, desrespeito diário à liberdade de imprensa e tentativas de suprimir atribuições de órgãos, agências e até outros Poderes. Em resumo: exercícios de um crescente autoritarismo para ver se cola. E com muita gente tem colado. Na base da passação de pano, se aperta uma casa no cinto do que passa a ser considerado “o novo normal”.

Jair Bolsonaro só pode avançar de nariz empinado e com a arrogância dos que acham que não devem satisfações a ninguém porque se cercou de acólitos que só lhe dizem amém. Os seis primeiros meses de governo tiveram como uma de suas marcas o banimento de todo aquele que ousou questionar atos, comportamentos e decisões do presidente.

Foram para a Sibéria bolsonarista nomes como Gustavo Bebianno e Carlos Alberto Santos Cruz, no primeiro escalão, e outros menos conhecidos em estamentos inferiores do governo, sempre despachados com direito a esculhambação e destruição de reputações.

Bolívar Lamounier*: Teu futuro espelha essa grandeza

- O Estado de S.Paulo

Salta aos olhos que cedo ou tarde teremos de levar a sério o tema da reforma política

É do saudoso Luiz Gonzaga, cantador e sanfoneiro nordestino, uma das mais deliciosas sacadas da música popular brasileira: o baião Dezessete e setecentos. Para você que não se lembra, aqui vai o refrão: “Eu lhe dei vinte mil-réis/ pra pagar dois e trezentos/ vancê tem que me vortá/ ...Dezesseis e setecentos! Dezessete e setecentos! Dezesseis e setecentos!...”.

Aguardo ansiosamente o dia em que o IBGE nos dirá quantas de nossas crianças de 10 anos de idade sofrem para dominar a velha e boa tabuada, mas adianto que essa é uma minúscula fração do que precisamos levar em conta para compreender as misérias que ora nos afligem como povo. E, principalmente, para começarmos a entender a situação com que nos vamos deparar dentro de dez ou vinte anos, se não conseguirmos escapar do que se tem chamado “armadilha da renda média”. Recorro a essa expressão para designar os países que chegaram até com certa facilidade aos dez ou doze mil dólares de renda anual per capita, mas não conseguem dar o salto para a casa dos vinte mil dólares.

Meu grande temor é que o modesto êxito que venhamos a lograr nos próximos meses, graças sobretudo ao ajuste fiscal, nos leve a uma acomodação descabida. Se não nos mantivermos atentos e fortes, as lagostas corporativistas incrustadas no casco daquela grande embarcação ancorada no Planalto Central nos manterão no estado atual, ou seja, prisioneiros da mencionada armadilha.

Tudo me leva a crer que o nosso grande mal como povo é o que os gregos denominavam akrasia. Acrático é o indivíduo ou o povo que se mostra incapaz de fazer o que sabe ser possível e necessário. Há mais de um século, o mais claro sintoma de nossa akrasia tem sido o ufanismo, atualmente exemplificado pela infindável repetição de que “somos a décima maior economia do mundo”, ou de que “podemos alimentar o mundo inteiro e ainda ficaremos com uma bela sobra”.

A variante mais grave da referida incapacidade é, porém, nossa tendência a supor que a “armadilha da renda média” é um estado estacionário, com o qual podemos conviver indefinidamente. Crescendo 3% ao ano – felicidade que decididamente não está à vista – levaremos uma geração inteira para dobrar a pífia renda de que hoje dispomos, algo entre onze e doze mil dólares anuais. A parcela da sociedade que aufere tal renda não é uma “classe média”, é uma camada muito acima dela. A verdade é que o Brasil não tem uma classe média digna do nome, e não tem por três razões muito simples. Uma classe média se faz com empregos estáveis, com perspectivas de carreira, propriedades pequenas e médias e educação de qualidade. Abaixo dela, como ninguém ignora, temos um oceano de miseráveis.

Rolf Kuntz*: Darwinismo social como política econômica?

- O Estado de S.Paulo

Política ‘estrutural’ continua obscura. Claro mesmo é o desprezo aos milhões sem emprego

Comprar fiado na padaria poderá ficar mais difícil para o desempregado se ele tiver de se identificar como desempregado estrutural. Não há separação oficial, por enquanto, entre os desocupados deste ou daquele tipo, nem há carteirinhas de classificação. Por enquanto os tipos se confundem. Uns e outros, para escândalo – ou tédio – da equipe econômica e de muitos economistas do mercado, devem sentir-se igualmente chateados quando apertam um pouco mais o gasto familiar. Seus filhos, matriculados em escolas fraquinhas, nunca aprenderam essas distinções. Seriam menos chorões se tivessem recebido melhor instrução. Mas a equipe econômica sabe das coisas: a crise brasileira é estrutural e por isso o governo deve cuidar de medidas estruturais. Para quando? Bom, isso leva algum tempo.

O governo quer evitar voo de galinha. Esse mantra tem sido recitado pela equipe do Ministério da Economia e por gente de renome no mercado financeiro. Talvez seja bom para a própria galinha. Com alguns milhões de desempregados há dois anos ou mais, qualquer galináceo à solta por aí poderá estar em perigo. Mas quem ainda se preocupa com os desocupados – entre 12 milhões e 13 milhões de trabalhadores – tem motivos para insistir em algumas perguntas.

Se o Brasil tem crescido bem abaixo de seu potencial, estimado em algo próximo de 2% ao ano pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), será mesmo tão pouco relevante pensar em estímulos de curto prazo? A economia cresceu 1,1% em 2017, repetiu esse número em 2018 e as projeções para 2019 têm ficado entre 0,8% e 0,9%. O próprio governo estimou para o próximo ano uma expansão em torno de 2%, sem explicar direito de onde virá o impulso. Só da reforma da Previdência? Parece improvável.

Nem o pessoal da área econômica deve acreditar nisso. De toda forma, depois de muita resistência o ministro da Economia, Paulo Guedes, decidiu dar um empurrãozinho na demanda, mais exatamente no consumo familiar. Um plano muito modesto de liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep foi anunciado.

Livro entrevista líderes de transições democráticas pelo mundo

Passagem de regimes autoritários para a democracia é analisada no Brasil, Chile, Espanha, México, Polônia e África do Sul

Elias Thomé Saliba*, Especial para o Estado / Aliás

Como a Democracia Chega ao Fim, Como as Demcracias Morrem,O Povo Contra a Democracia,Democracia em Risco? – basta um rápido olhar para os títulos de alguns dos últimos livros publicados para constatar o declínio da cultura democrática nos últimos anos. Se ela morrer, pelo menos não será por falta de diagnósticos e nem de prognósticos. Mas antes de antecipar seu fim, não seria conveniente anamnese mais atenciosa e detalhada? Melhor ainda: realizar um retrospecto do passado a partir da trajetórias de protagonistas que atuaram no processo inverso, movendo-se no sentido do antirrelógio, ou seja, na transição de regimes autoritários para regimes democráticos?

Esta talvez seja o grande feito do livro Transições Democráticas; ensinamentos dos líderes políticos, lançada no Brasil sob os auspícios da IDEA (International for Democracy and Electoral Assistance – Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, em tradução livre) e da Fundação FHC. 

Acompanhadas por rápidos ensaios de especialistas e uma cronologia sumária, a coletânea apresenta entrevistas longas e detalhadas com nove ex-presidentes e primeiros-ministros de seis países que atuaram nas passagens de regimes autoritários para regimes democráticos. Realizadas entre 2012 e 2013, elas possibilitam conhecer os bastidores e as dificuldades da construção e estabilização dos regimes democráticos através das trajetórias de Fernando Henrique Cardoso, do Brasil; Patricio Aylwin e Ricardo Lagos, do Chile; Felipe González, da Espanha; Ernesto Zedillo, do México; Aleksander Kwasniewski e Tadeusz Mazowiecki, da Polônia e F. W. de Klerk e Thabo Mbeki, da África do Sul.

Embora as entrevistas obedeçam aos tortuosos ditames da memória de cada um dos líderes políticos e respondam às pautas nem sempre abrangentes dos organizadores, elas representam, na prática, uma espécie de história viva destes países nas duas últimas décadas do século 20. Para não ficar apenas nos figurantes masculinos da história, a coletânea ainda se completa com um ensaio de Georgina Waylen que resume as entrevistas que realizou com mulheres ativistas que se destacaram nos processos de transições democráticas nos seis países.

Luiz Carlos Azedo: Crime cibernético

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha minimizado a tentativa de roubo de mensagens dos seus celulares, esvaziando a tese da ‘ação subversiva’, subiu o tom contra o jornalista Glenn Greenwald”

Ainda bem, a Polícia Federal investiga uma “organização criminosa que praticava crimes cibernéticos” e não uma conspiração para desestabilizar o governo Bolsonaro, como chegou a ser cogitado por alguns setores de governo, em razão da disputa política que se estabeleceu em torno do vazamento da troca de mensagens entre o então juiz federal Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, e integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato, entre os quais o procurador federal Deltan Dallagnol.

Na quinta-feira, a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselman (PSL-SP), chegou a anunciar que o Palácio do Planalto estudava aplicar a Lei de Segurança Nacional (LSN) para punir os responsáveis pela invasão de celulares de várias autoridades dos Três Poderes, entre as quais o presidente Jair Bolsonaro; os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Em caso de aplicação da Lei 7.170/1983, os quatro presos seriam enquadrados como “terroristas”.

A LSN foi promulgada durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, e continua em vigor; porém, somente pode ser aplicada no caso de crimes que “lesam ou expõem a perigo de lesão: a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito, a pessoa dos chefes dos Poderes da União”. É aí que mora o perigo, embora o presidente Jair Bolsonaro tenha minimizado a tentativa de roubo de mensagens dos seus celulares, esvaziando a tese da “ação subversiva”, subiu o tom contra o jornalista Glenn Greenwald, que revelou a troca de mensagens no site The Intercept Brasil, ao afirmar que o americano pode pegar uma “cana” no Brasil.

O hacker Walter Delgatti teve a prisão temporária prolongada por mais cinco dias, pelo juiz federal Vallisney de Oliveira, que determinou a ampliação das investigações, principalmente sobre a origem do dinheiro movimentado pelos quatro envolvidos no caso. A tese conspiratória decorreu do envolvimento da ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), que foi intermediária entre o hacker e o jornalista americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, que divulgou as mensagens em parceria com o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja.

O hacker teve acesso ao código enviado pelos servidores do Telegram ao celular das vítimas para abrir a versão do aplicativo no navegador, assumiu que entrou nas contas de procuradores da Lava-Jato e confirmou que repassou mensagens ao site The Intercept Brasil; ele disse não ter alterado o conteúdo e não ter recebido dinheiro por isso. Manuela foi a intermediária entre ele e o jornalista. A ex-deputada confirmou que repassou ao hacker o contato de Glenn, conforme troca de mensagens cujas cópias entregou à Polícia Federal.

Segundo o juiz federal Vallisney de Oliveira, são investigados os crimes de organização criminosa (pena de 3 a 8 anos); invasão de dispositivo eletrônico (pena de 3 meses a 1 ano); e interceptação telefônica sem autorização judicial (pena de 2 a 4 anos). Entretanto, a PF ainda verifica o completo cenário e a profundidade das invasões praticadas; busca a origem da quantia de R$ 99 mil em espécie apreendidos com Gustavo Henrique Elias Santos e sua mulher, Suelen Priscilla de Oliveira; e investiga os 60 chips lacrados para telefone celular pré-pago da TIM em poder de Danilo Cristiano Marques, “laranja” de Walter, além de toda movimentação financeira dos envolvidos em bitcoin e outros criptomoedas.

Merval Pereira: Relação pessoal

- O Globo

Nos últimos dias tivemos várias demonstrações do governo de que não mede esforços para ter o apoio dos Estados Unidos

Nos últimos dias tivemos várias demonstrações do governo brasileiro de que não mede esforços para ter o apoio dos Estados Unidos. Desde o caso dos navios iranianos, que a Petrobras não queria abastecer com receio de sanções americanas, até a nomeação esdrúxula do filho de Bolsonaro para a embaixada dos Estados Unidos. A questão não é legal, é moral, é ética, de imagem do país.

Se havia alguma dúvida de que o presidente aposta na aproximação pessoal com Trump, através de seu filho Eduardo, o próprio Bolsonaro revelou candidamente o que está por trás da nomeação: pretende que empresas americanas venham explorar minérios nas reservas indígenas.

Surpreendente para quem vive desconfiando de que a intenção das ONGs é roubar nossas riquezas, ou transformar a Amazônia em território internacional.

De qualquer modo, a história mostra que não existe essa “relação pessoal” na política externa dos países. A Academia Brasileira de Letras (ABL) encerrou na quinta-feira um ciclo de palestras sobre o legado do Barão do Rio Branco para a política externa brasileira, e é interessante entender como regredimos ao tempo de Rio Branco, quando o mundo era outro e o país necessitava mais do que nunca se tornar um aliado confiável dos Estados Unidos, que começava a tomar a dianteira como potência hegemônica.

Bernardo Mello Franco: Os papéis do superministro

- O Globo

Os vazamentos da Lava-Jato indicaram que Moro atuou como juiz e assistente da força-tarefa. Agora ele acumula os papéis de vítima, investigador e acusador

Amanhã completam-se 50 dias desde que o site Intercept Brasil divulgou os primeiros diálogos da LavaJato. De lá para cá, a Polícia Federal identificou e prendeu os responsáveis por interceptar conversas de agentes públicos. As instituições parecem estar funcionando na apuração dos vazamentos. Falta se interessarem pelo teor das mensagens.

A facilidade com que hackers de Araraquara violaram segredos da República é tão espantosa que arrisca ofuscar o resto da história. Num resumo rápido, os chats revelaram que Sergio Moro acumulou os papéis de juiz e assistente de acusação nos processos de Curitiba.

O atual ministro passou dicas, indicou testemunhas e antecipou ao menos uma decisão ao procurador Deltan Dallagnol. Além disso, orientou o Ministério Público a recusar a delação de um político (do ex-deputado Eduardo Cunha) e desistir de uma investigação sobre outro (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso).

Os diálogos indicam que Moro abandonou a neutralidade exigida de um magistrado. O Código de Processo Penal afirma que o juiz deve se declarar suspeito “se tiver aconselhado qualquer das partes”. Vale para a acusação e para a defesa.

Ascânio Seleme: A segunda facada

- O Globo

Que país incrível esse Brasil. Quando você acha que já viu tudo, aparece uma gangue pé de chinelo invadindo celulares de juízes, procuradores, deputados, senadores, ministros de Estado, ministros de tribunais superiores, presidentes da Câmara e do Senado e até do presidente da República, para capturar dados e vendê-los no mercado obscuro da contrainformação. Enquanto nos Estados Unidos operações dessa natureza são objeto de sofisticadíssimos esquemas de espionagem, algumas vezes operados desde Moscou, os quadrilheiros brasileiros operavam em um fundo de quintal em Araraquara.

O resultado dessa invasão, que terminou em lambança e domina o noticiário há mais de um mês, paradoxalmente pode servir a Bolsonaro como uma segunda facada. O efeito do hackeamento sem paralelo nos celulares de autoridades ocorre no pior momento pessoal de Bolsonaro. As bobagens que vinha construindo com palavras e atos, como a ofensa aos nordestinos, a indicação do filho para a embaixada de Washington, a declaração sobre a fome e o ataque à Míriam Leitão, podem acabar lavadas e enxaguadas da memória pelo episódio.

Com a facada de Adélio Bispo, Bolsonaro ganhou a eleição de 2018. Com a “facada” desferida agora pelos hackers de Araraquara, ao presidente foi dada a chance de recuperar parte do prestígio perdido ao longo dos seis primeiros meses de governo, período em que produziu mais barulho e fumaça do que conteúdo de qualidade em que pudessem se agarrar aqueles que votaram nele para impedir a volta do PT ao Planalto. É muito cedo ainda para dizer aonde vai dar a investigação deste caso, mas neste momento Bolsonaro se transforma mais uma vez em vítima.

Dorrit Harazim: Porto Rico não é aqui

- O Globo

Governador e seu grupinho conspiravam para camuflar desvio de verbas e compartilhamento de informações reservadas

O momentoso ato desta quarta-feira foi comunicado e acompanhado em vídeo pelo Facebook, inaugurando o que talvez se torne o novo normal para futuros registros históricos do gênero. Já era quase meia-noite em Porto Rico. A nação que há duas semanas saíra às ruas, dali não arredaria pé enquanto o emparedado governador Ricardo Rosselló permanecesse no cargo. Após um interminável introito autoelogioso no aguardado discurso, ouviuse, então, a esperada frase: ...“Anuncio, com desprendimento, que estou renunciando ao cargo de governador...”.

O gesto de Rosselló foi tudo, menos desprendido. Um processo de impeachment havia sido colocado em marcha pouco antes na Câmara de Deputados em San Juan, e eram nulas as chances de o governador sair ileso do processo. “Ricky, te botamos” (Ricky, te derrubamos), resumiu um cartaz de rua.

A jornalista porto-riquenha Ana Tereza Toro chama atenção para o fato de o brasão nacional de seu país ser o mais antigo do continente (século 16) e jamais ter sido modificado, nem mesmo durante o período em que a ilha foi possessão dos Estados Unidos. Esse brasão tem ao centro a figura de um cordeiro branco, sentado, representando pureza, integridade e paz, o que acabou por consolidar uma autoimagem nacional de nobre passividade e aceitação do destino. “A nossa história, seus golpes, feridas e reviravoltas, havia amortecido o verdadeiro animal social que somos, e que dormiu uma noite longa”, escreveu Toro no “New York Times”. Sua conclusão: a partir de agora, Porto Rico deixa de ser este país dócil que aceita o que lhe é dado.

Ricardo Noblat: Divulga tudo já!

Blog do Noblat / Veja 

Que país é esse...

Faltava acesso direto à integra do material que vem sendo divulgado a conta gotas pelo site The Intercept Brasil e seus parceiros para que se pudesse afinal conferir a autenticidade das mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba entre si e com o então juiz Sérgio Moro. Não falta mais.

Por respeito às leis universais do bom jornalismo, o Intercept recusa-se revelar a fonte de suas informações. Mas se foi mais de uma fonte, uma delas atende pelo nome de Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, um dos hackers presos na semana passada. A Polícia Federal já teve acesso ao que ele repassou ao site.

E, a essa altura, sabe se pelo menos as mensagens divulgadas até aqui foram ou não adulteradas, e se não foram, que elas de fato correspondem ao que se conhece. O destino do ex-juiz, portanto, está nas mãos dos agentes federais subordinados a ele. E esse é apenas um dos aspectos bizarros de toda essa história.

Em um país que se leva a sério é inimaginável que uma das partes envolvida em um escândalo comande a apuração do caso que poderá destruir sua reputação e determinar o fim de sua carreira pública. Mas é exatamente o que faz Moro, ministro da Justiça do presidente que se beneficiou de suas decisões ao tempo de juiz.

A não terem sido editadas, as mensagens revelam acima de qualquer margem de dúvida razoável que Moro comportou-se ao mesmo tempo como juiz e assistente de acusação no processo do tríplex do Guarujá que condenou o ex-presidente Lula a 12 anos de cadeia, impedindo-o de disputar as eleições do ano passado.

No caso do escândalo do mensalão do PT, Lula enganou o país com a falsa desculpa de que o dinheiro pago a deputados para que votassem como o governo mandava era produto de caixa 2, um crime considerado menor. O truque foi inventado pelo então ministro da Justiça, o advogado Márcio Thomaz Bastos.

Desigualdade global: Editorial / Folha de S. Paulo

Antes subestimados, efeitos da concentração de renda se fazem notar na política

As últimas décadas de crescente integração de mercados globais têm sido justamente celebradas pelo inequívoco progresso tecnológico e material que beneficiou quase toda a humanidade. Alguns, no entanto, ficam para trás, e uns beneficiam-se mais que outros.

Dito de outra maneira, cresce a desigualdade social. E as consequências de tal fenômeno, por muito tempo subestimadas, se fazem notar no cenário político de países ricos e emergentes.

Um contingente inédito de pessoas deixou a pobreza extrema, tecnicamente definida pela tarefa de sobreviver com menos de US$ 1,90 (R$ 7) por dia. Segundo o Banco Mundial, superaram essa condição mais de um bilhão de indivíduos ao longo de anos de bonança iniciados em 1990.

Para os 10% da população do planeta que permanecem na miséria, contudo, o horizonte é turvo. Desde a crise econômica de 2009, a ascensão desacelera. Mais veloz é a concentração de dinheiro nas mãos do 0,001% mais rico do planeta, cuja renda saltou 235% em 40 anos.

Boas expectativas para o agronegócio: Editorial / O Estado de S. Paulo

Há uma visão de futuro pelo menos em um ministério, o da Agricultura, uma exceção no governo do presidente Jair Bolsonaro. Essa visão é estimulante e compatível com a história de sucesso do agronegócio brasileiro, o setor mais competitivo da economia nacional, e com seu papel de grande fornecedor de alimentos para o mundo. Nos próximos dez anos haverá mais 10,3 milhões de hectares plantados, segundo projeção recém-publicada, e as lavouras deverão crescer principalmente em pastagens naturais e em áreas degradadas. As colheitas deverão aumentar proporcionalmente mais que a área ocupada, mantendo-se preservada a maior parte do território. O aumento da produção, de acordo com o estudo, deverá resultar basicamente de ganhos de produtividade, como tem sido normal há décadas.

A área total das lavouras deverá passar de 75,4 milhões de hectares para 85,68 milhões. A terra destinada aos grãos deverá aumentar de 62,9 milhões de hectares para 72,4 milhões, com ampliação de 15,3% em dez anos. A produção total de grãos deverá saltar de 236,7 milhões de toneladas (volume estimado da safra 2018/19) para 300 milhões, com acréscimo de 27%, segundo o trabalho Projeções do Agronegócio.

A chance de uma conjunção positiva para crescer: Editorial / O Globo

Boa perspectiva para a reforma, inflação baixa e possíveis cortes nos juros são alento para a economia

Transformou-se em mantra condicionar qualquer sinal de recuperação da economia à aprovação da reforma da Previdência. Mas é indiscutível que, sem que os agentes econômicos melhorem suas expectativas quanto ao futuro do país, projetos de investimento continuarão nas pranchetas, e mesmo decisões de consumo serão postergadas. Tudo muito compreensível.

Afinal, não se pode deixar de considerar que assusta uma economia cujas contas públicas estão no quinto ano consecutivo em déficit —a meta para este ano é de R$139 bilhões no vermelho —, e a dívida pública de 2010 até hoje saltou de 50% do PIB para próximo de 80%. Um sinal estridente de alerta para o risco de insolvência, a incapacidade de manter os compromissos em dia. O que já acontece com alguns estados e municípios.

A relevância da reforma da Previdência como divisor de águas se confirma com a recepção positiva dos mercados à aprovação do projeto em primeiro turno, na Câmara, com 379 votos, 71 a mais que o mínimo necessário para ser aceita a emenda constitucional.

Um indicador sensível das expectativas dos mercados é o CDS, Credit Default Swap, algo como um seguro adquirido para compensar perdas em moratórias. Não é por acaso que em todos os eventos positivos na tramitação do projeto a cotação do CDScai. Até segunda-feira da semana passada, o título referente ao Brasil havia retrocedido no ano38,98%.Os128 pontos do CDS brasileiro, alcançados depois da primeira aprovação da reforma, das quatro necessárias no Congresso, foram a cotação mais baixa desde 2014, quando o país ainda era avaliado pelas agências internacionais de risco como“ grau de investimento”.Com esta nota, o Brasil estava entre os de mais baixo risco. Essencial para a redução do custo de empréstimos externos e forte argumento a favor de investimentos.

Enquanto a reforma tramita —falta o segundo turno na Câmara, a ser votado logo depois do fim do recesso, em 6 de agosto — forma-se uma conjuntura favorável à retomada dos cortes nos juros, um dos fatores de impulsão do crescimento.

Fernando Pessoa: Domingo Irei

Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!