quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Michel Temer*: A pacificação do País

- O Estado de S.Paulo

Recorde-se o Pacto de Moncloa. Promova-se um Pacto do Alvorada

Pacificar o País significa vê-lo unido. Não nas ideias, nem nos desejos e aspirações de cada setor da nacionalidade. Pacificar não significa que não haja situação e oposição. Não significa que não haja disputas corporativas. Significa, contudo, que todos terão objetivo único: o crescimento do País e o desenvolvimento do seu povo.

Essa afirmação autoriza diferença de conduta, mas nunca da ação. Esta há de ser unitária em defesa do País. Aliás, uma das notas que caracterizam o Estado é a soberania. E esta é definida pela vontade do povo, único titular do poder, para traçar o seu destino.

Para chegar a esse desiderato o primeiro passo é cumprir o disposto na Constituição federal. Afinal, o Direito existe para regular as relações sociais e para que cada um saiba quais são os seus direitos e deveres. É daí que decorre a chamada segurança jurídica. E o que é que a Constituição estabelece como ordem imperativa para todos os nacionais?

Vamos ao seu preâmbulo, onde é dito que o Estado democrático visa a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, especialmente a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Focalizo a palavra fraterno, que não tem significado familiar, entre irmãos, mas o significado que lhe emprestou a Revolução Francesa quando cunhou o dístico “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Fraternidade significa pessoas que se harmonizam, que estão juntas para promover o bem comum. Nunca para litigar, mas sim a busca de coincidências nas ações que pratiquem. É no preâmbulo que se diz que esta sociedade deve fundar-se na harmonia social. Harmônico é aquilo que é bem ordenado entre as partes de um todo, é a concórdia, é a paz e amizade entre pessoas.

Mais ainda: é no preâmbulo que se determina a solução pacífica das controvérsias na ordem interna e internacional. Portanto, nele a palavra paz é usada em dois momentos, já que harmonia tem o significado de concórdia.

Abandonemos o preâmbulo. Examinemos, ainda que rapidamente, as várias passagens da Constituição que indicam ser o Brasil país vocacionado para a paz e harmonia, interna e internacionalmente. O artigo 3.º, inciso IV, manda promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Seja: unam-se todos sem divisões. E é dessa unidade que falamos no início do artigo, até porque a eliminação do preconceito significa fraternização e paz entre pessoas. Significa a paz interna do País.

Eugênio Bucci*: Taca fogo

- O Estado de S.Paulo

Tochas glorificando Hitler agora são carregadas contra a Floresta Amazônica

Consta que o documentário russo-soviético O Fascismo de Todos os Dias, de Mikhail Romm, lançado em 1965, foi visto por mais de 40 milhões de espectadores. Se a plateia foi mesmo tão grande, é merecido. Montado a partir de imagens cinematográficas originais da propaganda nazista, o filme reconstitui a formação do que chama “fascismo alemão” e consegue um resultado tão esclarecedor quanto apavorante.

Preliminarmente, cabe aqui um reparo sobre o título da obra. Classificar como “fascismo” a tirania liderada por Adolf Hitler talvez não prime pela melhor precisão histórica. O horror promovido pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães não foi a mesma coisa que a autocracia de Mussolini. Muitos estudos – os de Hannah Arendt entre eles – já detectaram distinções estruturais entre nazismo e fascismo. O primeiro implementou o genocídio como procedimento administrativo do Estado; o segundo, não. No primeiro, o Estado de vigilância total era empregado para eliminar desafetos na cúpula do regime; no segundo, o Estado policial estacionou em estágios mais rudimentares. O primeiro foi a encarnação paradigmática do totalitarismo, interpelando cada cidadão como um agente de segurança a serviço do Terceiro Reich; o segundo realizou-se como exacerbação do autoritarismo.

Entretanto, a despeito das dessemelhanças, os dois modelos guardam em comum traços essenciais. Tanto no nazismo como no fascismo, pulsam as tradições regressivas do cesarismo e do bonapartismo, com forte ojeriza aos marcos civilizatórios do Ocidente e virulenta negação das liberdades e dos direitos humanos. Principalmente, nos dois as massas inflamadas se encarregam de oprimir os dissidentes.

Nessa perspectiva, o título que Mikhail Romm deu ao seu documentário tem pertinência. “O fascismo de todos os dias” significa algo como “o fascismo dos comuns”, “o fascismo ordinário” ou “o fascismo cotidiano”. O foco do cineasta – que atua também como narrador, sempre em off – está na conversão das massas em promotoras ativas dos ideários obscurantistas que seus ditadores adorados procuraram transformar em lei fundamental da humanidade. Vistos por essa lente, nazismo e fascismo são irmãos, análogos, equivalentes. Portanto, Romm pode ter razão.

William Waack: A próxima campanha de Sérgio Moro

- O Estado de S. Paulo

Para efeitos práticos, neste momento Jair Bolsonaro está freando o lavajatismo

Ao anular uma condenação proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro no âmbito da Lava Jato – a que atingia o ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine –, a Segunda Turma do STF apenas deu uma mãozinha no que já é uma tempestade perfeita para os principais expoentes da campanha anticorrupção.

A primeira anulação de uma sentença de Moro abre possivelmente caminho para outras contestações jurídicas, embora prever resultados de disputas no campo do Direito no Brasil seja tão difícil quanto prever a política – a determinante em boa parte do que se decidiu nesse grande embate simbolizado pela Lava Jato. Ocorre que a atmosfera atual tem marcada presença da noção de que se tornou necessário fiscalizar o fiscal, controlar o controlador, frear os procuradores.

Portanto, é um momento claramente contrário à Lava Jato entendida aqui como a capacidade de atuação coordenada de um grupo de juízes, procuradores, delegados e investigadores para manter o ímpeto e a eficácia de suas ações políticas (não quer dizer que tenham perdido a capacidade operacional de investigar, prender e punir corruptos).

Moro já entrou num paradoxo relativamente comum na política: o de que excelentes resultados relativos de popularidade nas pesquisas não garantem resultados práticos à mesma altura dessa popularidade. No campo escorregadio da política Moro não tem sido capaz de ditar agenda, peitar adversários ou levar adiante o que considera essencial, como seu pacote anticrime, por exemplo.

Leandro Karnal: A fala do inimigo

- O Estado de S.Paulo

Muitos não querem ouvir o que se afasta da zona da crença. Não é um debate, é um cala-boca

A Democracia é uma invenção grega aperfeiçoada por acontecimentos e ideias como a Magna Carta Inglesa, o “habeas corpus” (também britânico), as Revoluções Gloriosa e Francesa, a Independência das 13 colônias, o movimento Cartista do século 19 (pelo voto universal masculino) e por pressões de trabalhadores, mulheres e negros que forçaram a ampliação da noção de voto e de participação. Ela é sempre imperfeita e por isso rica e complexa: a Democracia está fadada ao conceito de construção permanente. A ideia democrática também tem uma sina: corre perigo permanente por causa das suas virtudes e... dos seus equívocos. Como advertia Aristóteles, pode degenerar em demagogia ou, termo mais estranho e muito importante, oclocracia, a multidão nas praças controlando os rumos de um Estado de acordo com oscilações passageiras.

Um dos maiores privilégios da Democracia é a liberdade de expressão. Ela se torna central para estimular pensamento crítico, evitar conchavos reservados e escusos, manifestar a diferença de uma sociedade e a heterogeneidade natural do humano. Incluída na “Bill of Rights” fundamental dos EUA, dominante na Declaração dos Direitos Universais do Homem da ONU e defendida na nossa Constituição de 1988, a liberdade de expressão é eixo definidor de todo o resto. Ilimitada? O próprio texto constitucional já imagina seu abuso nas figuras jurídicas da calúnia, da difamação e da injúria. Mas, importante, a afirmação continua livre, a lei maior apenas garante defesa a quem se sentir prejudicado pelo ataque de outrem.

Celso Ming: Limites políticos à guerra comercial EUA-China?

- O Estado de S.Paulo

Donald Trump pode inviabilizar a sua reeleição se continuar produzindo trombadas tão relevantes em sua estratégia política

Grandes perdas sempre são levadas a sério. C0mo produz incertezas e estragos importantes em todo o mundo, a guerra comercial, especialmente a que acontece entre Estados Unidos e China, está sendo levada muito a sério.

No entanto, são tantos seus efeitos nocivos para todos, e também para os Estados Unidos, que fica difícil imaginar que poderá ser prolongada ou aprofundada indefinidamente.

Comecemos pelas contradições, digamos, retóricas. O presidente americano, Donald Trump, já afirmou que o presidente da China, Xi Jinping, é inimigo dos Estados Unidos e fez um apelo para que as empresas americanas abandonassem a China. Na última sexta-feira, ele disse que o presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA), Jerome Powell, é ainda maior inimigo dos Estados Unidos do que Xi porque se recusa a despejar incentivos monetários ou a baixar os juros no nível pretendido por ele próprio, Trump. Mas nem por isso sugeriu que os bancos ou as empresas americanas iniciassem algum movimento de boicote ao Fed.

Mais contraditória ainda é a atitude. Trump alardeia que a economia americana vai muito bem, que há pleno-emprego e bom crescimento econômico, uma ficha que o resto do mundo não consegue exibir. Mas cobra do Fed a derrubada dos juros como se a economia americana estivesse no meio de uma crise catastrófica.

Ontem, o articulista do jornal The New York Times Peter Goldman fez uma observação irrefutável: “Trump pode combater a China ou expandir a economia. Não pode fazer as duas coisas”. Ou seja, se quer que a economia mundial retome o crescimento hoje ameaçado, não pode condenar a China, derrubar sua atividade produtiva e reduzir suas encomendas ao resto do mundo e, assim, contribuir para o início de uma recessão global.

O calendário eleitoral dos Estados Unidos começa, também, a impor sua lógica. Há duas semanas, suspendeu a vigência de sobretaxas impostas a importações da China sob a justificativa de que não poderia azedar o Natal dos americanos com o encarecimento de produtos made in China. E na sua edição desta quarta-feira, o mesmo New York Times mostrou que os agricultores dos Estados de Iowa, Minnesota e Wisconsin, grandes eleitores de Trump, começam a externar sua insatisfação com os efeitos da guerra comercial com a China, na medida em que Pequim desvia para outros países as compras de produtos agrícolas feitas antes aos Estados Unidos.

Zeina Latif*: As dificuldades da intervenção no dólar

- O Estado de S.Paulo

Ativismo excessivo em um mercado tão fluido e com um leque de fatores não é boa ideia

São comuns manchetes apontando a maior valorização ou o maior enfraquecimento do real na comparação com demais moedas. Ocorre que o real é das moedas mais voláteis do mundo, devido à sua relevância nos mercados globais e à própria instabilidade da economia brasileira.

Procurar conter a elevada volatilidade do real é decisão acertada do Banco Central, pois ela prejudica o funcionamento da economia. Dificulta as decisões de importação e exportação, investimento e planejamento das empresas.

Estabelecer limites para a oscilação do dólar – sonho de muitos – seria, porém, grande equívoco. Não é possível ter meta de inflação e de taxa de câmbio ao mesmo tempo. Já utilizamos no passado regimes de administração da taxa de câmbio e eles se mostraram insustentáveis, enquanto o regime de metas de inflação tem sido bem-sucedido.

O que os bancos centrais procuram fazer é suavizar a oscilação da moeda, sem estabelecer limites e sem buscar alterar seu ciclo. Este último é, em boa medida, determinado por fatores externos, ou seja, pelo próprio ciclo do dólar no mundo. Grosso modo, em momentos de tensão ou quando a economia norte-americana vai melhor que o resto do mundo, o dólar se fortalece, como agora.

Ascânio Seleme: Bolsonaro, líder parlamentarista

- O Globo

Na votação da Previdência, presidente já foi colocado de lado

Nunca um presidente da República trabalhou tanto pelo parlamentarismo quanto Jair Bolsonaro. Claro que de modo involuntário, Bolsonaro adora mandar. Por essa razão também, por gostar de mandar mas não saber exatamente como fazê-lo, é que cada vez mais o Congresso vai ganhando importância em detrimento do Palácio do Planalto. Na primeira experiência de entendimento com o Congresso, na votação da reforma da Previdência, Bolsonaro já foi colocado de lado, e a bola rolou sem sua interferência. Foi assim na Câmara e está sendo assim no Senado.

O presidente faz tanta lambança ao lidar com o poder que a cada dia parece mais inadequado para liderar o país. Um líder não despreza a nação como faz Bolsonaro. Eleito, a primeira medida deveria ser a de atrair os que lhe fizeram oposição nas urnas. Bolsonaro não apenas se lixou para estes como se afastou até mesmo daqueles que votaram nele apenas para evitar o outro. E assim segue desfazendo a política. Há algumas semanas rodou na internet uma fake dando conta de que o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, elaboravam “um golpe parlamentarista”. Era bobagem. Mas uma hora poderá deixar de ser.

O Brasil já foi parlamentarista uma vez para evitar dar a um vice-presidente o poder do titular que renunciara. João Goulart só tomou posse, com a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, depois de aprovada uma emenda parlamentarista. A história do Brasil deveria servir de lição. Mas o governo Bolsonaro não gosta de lições, julga-se pleno. Goulart era um político de esquerda. Temia-se que, detendo o poder, transformasse o Brasil num satélite soviético. Por isso, ele quase não assumiu, e só o fez quando o Congresso lhe confiscou o poder. Depois acabou deposto, mas esta é outra história.

Hoje, temos um presidente de extrema direita, anacrônico, que se orgulha do seu anacronismo. E, mais do que isso, não passa um dia sequer sem exercitar com todas as cores e todos os verbos essa condição. O grave nesse caso nem são as bobagens que repete sempre que pode. O que importa é que ele atrapalha, e muito, o governo do Brasil, pátria amada. Nesse episódio das queimadas na Amazônia, deixou de cabelo em pé mais da metade de seu Ministério. Apenas os que o seguem de maneira cega e incondicional repetiram ou endossaram sua retórica.

Bernardo Mello Franco: Guia do terraplanista ambiental

- O Globo

O terraplanista ambiental não acredita no aquecimento global. Para ele, as mudanças climáticas são uma invenção do marxismo cultural

O terraplanista ambiental não acredita no aquecimento global. Em maio, ele foi a Roma e precisou tirar o sobretudo do fundo da mala. Assim percebeu que os estudos científicos estavam todos errados. Eram parte de uma conspiração politicamente correta para enganá-lo.

Para o terraplanista ambiental, as mudanças climáticas não passam de uma falácia. Foram inventadas por ideólogos do marxismo cultural, que dominam as Nações Unidas, as ONGs e a fundação do George Soros.

O terraplanista ambiental não acredita nas universidades, velhos redutos de esquerdopatas, maconheiros e viúvas do Fidel. Ele também não lê jornais e duvida de tudo o que sai na imprensa. Prefere se informar pelo WhatsApp e pelo curso on-line do professor Olavo.

Nem as imagens das queimadas convenceram o terraplanista ambiental de que a Amazônia está em risco. Ele viu no Facebook que as fotos são manipuladas e que os satélites do Inpe foram programados pela Venezuela. Na verdade, as árvores nunca estiveram tão verdes e saudáveis. Quem insiste em dizer o contrário só pode ter sido doutrinado pelo método Paulo Freire.

Merval Pereira: Criatividade da Segundona

- O Globo

Segunda Turma do Supremo exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal exerceu o direito de errar por último, como Rui Barbosa definiu ser prerrogativa do STF. Mas o Supremo é composto por 11 ministros, onze ilhas, na definição de Sepulveda Pertence, “Os Onze” retratados com maestria pelo livro desse nome dos jornalistas Felipe Recondo e Luis Weber.

Portanto, os três votos que inovaram a interpretação da lei para anular o primeiro julgamento da Lava-Jato, usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na expressão jocosa do ministro Gilmar Mendes, não representam a opinião do pleno, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo conjunto do Supremo.

Ou então a própria Segunda Turma, diante da má repercussão da medida na opinião pública, pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se produzem nos processos posteriores, não tendo efeito retroativo para os casos em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.

Essa interpretação de que os réus delatores são parte da acusação, e por isso o réu delatado deve ter o direito de se defender por ultimo, deve servir para basear pedidos de anulação de uma série de processos, pois nunca os juízes separaram delatores e delatados, sempre considerados réus igualmente.

A anulação com base nessa nova interpretação da Segunda Turma, porém, só seria possível em situações como a de Bendine, em que a defesa dos réus pediu que falassem depois dos delatores. Os que assim fizeram, antes da primeira condenação, tiveram seus recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ, e agora podem ser beneficiados.

Míriam Leitão: O trilhão duvidoso da Previdência

- O Globo

Reforma da Previdência foi enfraquecida no Senado e contará com aumento de receitas por meio de outra PEC que ainda começará do zero

A proposta do Senado desidratou o projeto à vista e reidratou a prazo. E um prazo duvidoso. Portanto, o número vistoso que parece tão próximo do trilhão sonhado pelo ministro Paulo Guedes pode não se confirmar. Só ocorrerá se forem aprovadas as reonerações de alguns setores hoje isentos. E isso terá que passar pela Câmara que, no caso do agronegócio, já derrubou uma vez. A retirada do BPC da Constituição aumenta o risco de judicialização.

As concessões feitas pelo relator Tasso Jereissati (PSDB-CE) reduziram a economia em 10 anos em quase R$ 100 bilhões, e uma parte por supressões feitas no texto da emenda original, que sendo aprovada vai para sanção. O relator argumenta que, em compensação, haverá um aumento de receita de R$ 155 bilhões. Só que isso está na PEC paralela que passará pela Câmara e, portanto, é mais duvidoso. O setor agropecuário exportador passaria a recolher contribuição previdenciária, que hoje não paga. Já se tentou isso na Câmara, mas foi derrubado. Além disso, o relator retirou a isenção das entidades filantrópicas de educação e saúde, e incluiu a obrigatoriedade de as empresas do Simples recolherem o correspondente ao custo do acidente de trabalho. Essa receita só virá se a PEC paralela for aprovada.

O texto do relatório usa argumentos fortes para defender o fim dessas isenções. “Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite, hospitais que pagam salários de seis dígitos, ou bem-sucedidos produtores rurais não devam pagar INSS dos seus funcionários. A lógica é simples, se eles não pagam, alguém está pagando.” O que as entidades de ensino argumentam é que isso se reverte para a população mais pobre, porque eles têm que dar bolsa. Os exportadores do agronegócio dizem que não se pode exportar imposto. E até agora têm convencido os parlamentares quando essa proposta aparece.

Guga Chacra: O gol contra de Bolsonaro

- O Globo

Apostas da política externa ideológica do governo começam a dar errado. Salvini é o primeiro da lista a sofrer um revés

Apostas da política externa ideológica do governo Bolsonaro começam a dar errado. Aliados se enfraquecem e correm riscos. O italiano Matteo Salvini é o primeiro da lista a sofrer um revés. O líder da Liga, partido de extrema direita, tentou um golpe arriscado ao romper a coalizão de governo para chegar ao cargo de premier em eleições. Fracassou e viu seus antigos parceiros do anti-establishment Movimento 5 Estrelas se aliarem aos seus rivais pró-União Europeia do Partido Democrático, de centro-esquerda.

Salvini seria o pilar mais importante do movimento da “nova” direita formulado pelo charlatão Steve Bannon, se somando ao Brasil, Hungria e Polônia. Bolsonaro o tratava como grande aliado. A avaliação era de que aos poucos estes soberanistas, como gostam algumas vezes de serem identificados, pudessem se tornar uma força superior ao multilateralismo, que eles chamam de “globalismo”, de Emmanuel Macron e Angela Merkel.

Como ministro do Interior, Salvini ainda possuía restrita capacidade de se envolver nas grandes discussões globais. Como premier, teria alcance bem maior. Caso houvesse eleição, talvez atingisse esta meta. Mas não haverá. Voltará para a oposição e pode perder o “timing” quando ocorrer nova votação para o Parlamento no futuro. E seu inimigo Matteo Renzi, com posições próximas ao francês Macron, está de volta à coalizão de poder.

Luiz Carlos Azedo: Em busca da liberdade

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A defesa de Lula pretende anular as condenações nos casos do triplex do Guarujá, pelo qual está preso, e do sítio de Atibaia, julgado apenas em primeira instância”

A queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a força-tarefa da Operação Lava-Jato ganha contornos políticos dramáticos, desta vez por causa da derrubada da sentença condenatória do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine, pela Segunda Turma, por três a um, na terça-feira. Ontem, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular duas condenações e parte de um terceiro processo, com base nos mesmos argumentos da defesa do executivo que foram acatadas pela Corte, o que livraria Lula da cadeia até novo julgamento.

O pedido será analisado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin. O ministro pode decidir sozinho, levar o caso à Segunda Turma ou ao plenário do Supremo. Ontem mesmo, Fachin mandou o processo do caso do Instituto Lula de volta para a 13ª. Vara Federal de Curitiba, o que sinaliza uma tendência favorável à libertação de Lula e realização de novos julgamentos.

A decisão da Segunda Turma sobre o caso Bendine foi inédita. Pela primeira vez, o Supremo derrubou uma sentença condenatória do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça. Os ministros entenderam que Bendine tem o direito de falar por último no processo no qual foi condenado, ou seja, depois dos réus delatores. Em todos os julgamentos da Lava-Jato, Sérgio Moro e outros juízes deram o mesmo prazo para todos os réus, como prevê o Código de Processo Penal, independentemente de serem delatados ou delatores.

A decisão no caso Bendine não tem aplicação imediata, cada caso deve ser examinado separadamente, daí o recurso da defesa de Lula, que pretende anular as condenações no caso do triplex do Guarujá, em primeira e segunda instâncias, pelo qual o ex-presidente está preso, e no caso do sítio de Atibaia, julgado apenas em primeira instância. Se o pedido for aceito, Lula ganhará a liberdade, a decisão terá grande repercussão jurídica e tende acirrar a polarização política no país.

A decisão também aumenta a tensão entre os procuradores da Lava-Jato e o Supremo. Votaram a favor da anulação do julgamento de Bendine os ministros da Segunda Turma Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármem Lúcia; o relator Edson Fachin votou contra, mas ontem já despachou requerimento seguindo o novo entendimento, ao remeter o caso do instituto Lula para a primeira instância. Fachin ordenou que a Justiça ouça primeiro os réus delatores e depois os réus delatados.

“Enfatizo, ademais, que não se trata de constatação de mácula à marcha processual. Nada obstante, considerando o atual andamento do feito, em que ainda não se proferiu sentença, essa providência se revela conveniente para o fim de, a um só tempo, adotar prospectivamente a compreensão atual da Corte acerca da matéria, prevenindo eventuais irregularidades processuais, até que sobrevenha pronunciamento do Plenário”, justificou.

Maria Hermínia Tavares de Almeida*: Afronta

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro afrontou a opinião pública do Primeiro Mundo

Em 2013, ao deixar a direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy esteve em São Paulo. Para uma plateia reunida na Fundação Getúlio Vargas, o político socialista francês afirmou que cláusulas de proteção ambiental nos acordos internacionais de comércio seriam cada vez mais exigentes e tinham vindo para ficar. Explicou por que: assim querem os consumidores europeus, que são também eleitores.

Sondagem realizada entre 2016 e 2017 pelo European Social Survey em 23 países do Velho Continente mostra o quanto seus cidadãos são sensíveis à questão ambiental. Em quase todos os países pesquisados, é superior a 90% a parcela daqueles que acham que o clima está mudando —chegando a 97,7% na Islândia. É da mesma ordem de grandeza a proporção dos que atribuem a mudança, pelo menos em parte, à ação humana. É menor, mas sempre superior a 60%, o índice dos que preveem que suas consequências serão inevitavelmente nefastas.

Desde a década passada, movimentos e partidos verdes se afirmaram como força política no Parlamento europeu, onde formam hoje a quarta maior bancada. Mas o ambientalismo não se circunscreve às legendas verdes. A questão ecológica ocupa lugar destacado na agenda dos social-democratas, bem como entre os partidos de centro, como o de Emmanuel Macron e o de Angela Merkel. Para ambos, incidentalmente, defender a Amazônia é uma forma de reiterar compromisso com a boa causa, a custo zero.

Fernando Schüler*: Democracia em tempos de cólera

- Folha de S. Paulo

A gritaria e a irrelevância se tornaram o novo normal; o que me surpreende é a figura do chefe de Estado como protagonista da algazarra digital

A tormenta ainda não passou, mas já é possível retirar algumas lições da crise vivida pelo país. A primeira delas é que sabemos muito pouco sobre o que exatamente aconteceu na Amazônia, nos últimos meses.

A procuradora Raquel Dodge fala em uma “ação orquestrada longamente cultivada para chegar a este resultado” e há informações bastante vagas sobre sindicalistas e fazendeiros promovendo o “dia do fogo”. Tudo soa um tanto inverossímil.

Há perguntas reais que precisam ser feitas. Houve relaxamento da fiscalização, por parte de órgãos de Estado? Trata-se de um problema de governança, de omissão criminosa, ou um reflexo perverso do quase “shutdown” da máquina pública, provocado pelo esgotamento fiscal (o mesmo que levou ao corte nas universidades, ao virtual fim do investimento público e vem paralisando a máquina federal).

É evidente que, para os donos da verdade de sempre, já está tudo explicado. Para quem detesta o governo, o que houve foi um “sucateamento do Ibama”, como li em uma publicação aparentemente séria. De uma jornalista influente, li que tudo foi causado pelas falas do presidente, que subliminarmente “incentivaram” os madeireiros e agricultores a tacar fogo na mata.

O governo não fica atrás no campeonato de chutes na Lua. Tudo começou com a negação pura e simples dos dados do Inpe. Nada disso teria acontecido se o governo tivesse simplesmente levado os dados a sério e agido com rapidez. É exatamente para isto que temos um governo.

O que veio depois é apenas loucura. Da culpabilização genérica das ONGs, feita por Bolsonaro, até a criativa provocação de que voltando as demarcações de terras indígenas “o fogo acaba na Amazônia daqui a alguns minutos”.

Vejo nisso tudo uma espécie de fracasso coletivo. A constrangedora incapacidade, nestes tempos de cólera, de se fazer um debate minimamente racional sobre um tema complexo como este.

Roberto Dias: O presidente da mangueira

- Folha de S. Paulo

Suas aparições na saída do Palácio do Alvorada foram se tornando um pequeno circo

Os jornalistas adoramos cobrar que presidentes deem entrevistas. Pois falar com a imprensa é dos principais exercícios republicanos de um chefe de governo.

Jair Bolsonaro está aí para acabar também com esse mito. Suas aparições na saída do Palácio do Alvorada foram se tornando um pequeno circo. O que acontece ali até entretém, mas mais confunde do que explica.

Bolsonaro parece crer que bom dia não é coisa para usar todo dia. Aparece quase sempre sem assessores que lhe possam ajudar na memória dos nomes (“conversei com o chefe lá da Espanha”, contou) ou na precisão das informações (“não sei, não vou falar mais nesse nível com vocês, impossível ter tudo na cabeça”, respondeu a quem lhe perguntava um número). Tudo isso com os presentes em pé, embaixo de uma mangueira, dividindo atenção com alguma claque bolsonarista.

A crise com a França só fez aumentar o contraste desse, digamos, protocolo. Às declarações desetiquetadas de Bolsonaro se contrapunha um Emmanuel Macron em púlpito com local e data da fala presidencial.

Bruno Boghossian: A política contra o populismo

- Folha de S. Paulo

Britânicos e italianos mostram como democracia deve parar delírios autoritários

Líderes populistas não gostam de conviver com instituições democráticas por uma razão simples: elas servem como anteparo à concentração de poderes nas mãos desses indivíduos. Num só dia, a Europa deu duas lições de como a saúde da política é crucial para evitar alguns delírios de autoritarismo.

A manobra de Boris Johnson para atar as mãos do Parlamento e forçar a saída do Reino Unido da União Europeia foi recebida com protestos nas ruas e até no partido do primeiro-ministro. A decisão de suspender parte do Legislativo por cinco semanas foi chamada de "profundamente antidemocrática" pelo ex-ministro conservador Phillip Hammond.

Eleito em julho, Johnson assumiu a missão de aplicar o brexit a qualquer custo. A interrupção do trabalho do Parlamento, sob pretexto de ganhar tempo para elaborar uma nova agenda para o país, é vista como uma virada de mesa violenta.

A ruptura com a União Europeia foi aprovada em plebiscito por um placar de 52% a 48%, mas não houve acordo entre os políticos sobre os parâmetros dessa saída. O primeiro-ministro argumenta que o Parlamento impediu os últimos governos de levarem a cabo a vontade popular.

Vinicius Torres Freire: A moratória disfarçada da Argentina

- Folha de S. Paulo

Sem crédito após derrota eleitoral, governo Macri vai atrasar pagamentos da dívida

O governo da Argentina vai atrasar o pagamento de suas dívidas de curto prazo. Pretende atrasar também os pagamentos que vencem entre 2020 e 2023. Disse que vai "reperfilar os vencimentos da dívida". O nome disso é moratória.

O que houve? O governo quase não conseguia mais rolar sua dívida de curto prazo. Isto é, não era capaz de tomar novos empréstimos suficientes para pagar os que venciam. Até agosto, refinanciava 78% da dívida que vencia. Nas semanas recentes, rolava apenas 10%.

Por que o governo argentino perdeu ainda mais o crédito? Porque nas prévias eleitorais de 11 de agosto ficou claro que o presidente Mauricio Macri será reeleito apenas com a ajuda dos céus. Deve ganhar o peronista moderado Alberto Fernández.

O motivo de fundo é que o governo da Argentina quebrou de novo, o que ficou evidente em maio do ano passado, quando o país pediu e levou o maior empréstimo da história do FMI.

Por que a Argentina quebrou de novo? Macri endividou brutalmente o governo. Quando assumiu o cargo, no final de 2015, a dívida equivalia a 52% do PIB (do tamanho da economia). Agora, passa de 90% do PIB. A dívida externa foi de 14% do PIB para 44% nesse período.

Maria Cristina Fernandes: Um agente provocador

- Valor Econômico

Comandante em chefe oferece a rota da insubordinação

Última palavra na audiência que mobilizou a comissão especial da Câmara que analisa o projeto de lei que muda a proteção social e reestrutura a carreira militar, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, deu tom de apelo à ponderação que marcou suas intervenções na última terça-feira: "Queria passar aqui a sensação de responsabilidade que eu e os comandantes temos como representantes de 770 mil cabeças da família militar que congrega 41 milhões de brasileiros e estão proibidos de se manifestar ou fazer greve".

O ineditismo daquela audiência pública, com a presença dos três comandantes das Forças Armadas, foi resumido pelo general Edson Leal Pujol: "Tenho 48 anos de Forças Armadas e, em toda minha vida militar, nunca nos foi dada a oportunidade de vir debater nossa carreira no Congresso".

A dimensão da responsabilidade foi dada, quatro meses antes, numa outra audiência, igualmente inédita, na Casa vizinha. Convocada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a audiência reunira porta-vozes de entidades que se dizem representantes de militares e de seus familiares, aquelas a quem o capitão Jair Bolsonaro deve seus sete mandatos de deputado federal e que acabariam por constituir o seu mais arraigado colégio eleitoral de 2018.

A fatura foi exibida sem rodeios. Duas entidades de esposas de militares se fizeram representar com críticas ao projeto em tramitação. Com a veemência do capitão Jair Bolsonaro, Kelma Costa, presidente de uma delas, atirou primeiro: "Estamos à beira do abismo e continuam nos tratando como se fôssemos ralé".

Ribamar Oliveira: Mesmo em 'shutdown', o gatilho não dispara

- Valor Econômico

Governo descobriu o piso para as despesas discricionárias

A proposta orçamentária da União para 2020 será encaminhada pelo governo amanhã ao Congresso Nacional e vai mostrar que a administração pública brasileira está muito próxima à situação de "shutdown". Ou seja, as dotações orçamentárias para o próximo ano não serão suficientes para garantir uma oferta mínima de serviços à população ou permitir o bom funcionamento da máquina pública. Será uma repetição do que está ocorrendo neste ano, por razões diferentes.

Neste momento, por falta de dinheiro, o Ministério da Economia cortou o cafezinho que era servido aos seus funcionários, determinou que eles só trabalhem das 8 às 18 horas, que as luzes dos prédios sejam desligadas após este horário, que não sejam contratados novos serviços de consultoria, que não sejam feitas aquisições de bens e mobiliário, que não sejam realizadas obras ou melhorias em instalações que resultem em mais gastos. O Banco Central e muitos outros órgãos estão adotando medidas semelhantes para conseguir chegar até o fim deste ano.

Em 2020, as dificuldades financeiras da administração pública federal continuarão. Para cumprir o teto de gastos, instituído pela emenda constitucional 95/2016, o governo será obrigado a manter as chamadas despesas discricionárias (que são os investimentos e os gastos de custeio da máquina) do mesmo tamanho deste ano, ou, até mesmo, em nível menor, como informam os técnicos oficiais.

Como as despesas obrigatórias não param de subir (principalmente os benefícios previdenciários e assistenciais e o pagamento de servidores), o governo será obrigado, mais uma vez, a cortar as discricionárias. No próximo ano, os investimentos da União serão os menores da história. Isto ocorrerá mesmo que a receita tributária seja melhor que neste ano.

Ricardo Noblat: Bolsonaro brinca com fogo e queima seu governo

- Blog do Noblat | Veja 

Decreto para inglês ver...
À falta de ideias melhores para enfrentar a crise ambiental desatada por sua culpa, sua culpa, sua exclusiva culpa, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, a ser publicado, hoje, no Diário Oficial, que suspende por 60 dias em todo o território nacional qualquer permissão para que se toque fogo no mato.

Daqui a 60 dias, terá início a temporada de chuvas torrenciais na Amazônia que acabarão com as queimadas por lá. O que está pegando fogo agora é o que já foi derrubado entre fevereiro e maio últimos. Não haverá tropa militar o suficiente para apagar os milhares de focos de incêndio que atraíram a atenção do planeta.

O decreto do fogo seria igual a outro que proibisse a chuva – inócuo. A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo, e motivo de justo orgulho para o país. Ela já proíbe que se toque fogo em áreas protegidas como é o caso da maior parte da Amazônia. E, no entanto, se toca desde tempos imemoriais.

Somente entre 1985 e 2018, o Brasil perdeu 89 milhões de hectares de cobertura natural – o equivalente a 20 vezes a área do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo dados do projeto MapBiomas. No mesmo período, a pecuária se expandiu por mais de 86 milhões de hectares. O que mudou então – e para pior?

Mudou o governo com a posse, em janeiro, de Bolsonaro na presidência da República. Assumiu um presidente que se elegeu prometendo afrouxar as regras de preservação do meio ambiente para facilitar o avanço da pecuária, da agricultura e da extração de riquezas minerais. Um antiambientalista de carteirinha.

Resultado? Do início do ano até anteontem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais já detectou 43.421 focos de incêndio. Somente neste mês foram 27.497 –valor mais alto que a média para o mês inteiro registrada nos últimos 21 anos. Não fosse a gritaria internacional que só faz crescer, ficaria tudo por isso mesmo.

Em meio à alta do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama, apontado como a tropa de elite do instituto para o combate ao crime organizado na área ambiental, não foi a campo neste ano para combater crimes desse tipo. Por que não foi? Porque não teve recursos para tal.

Pelo mesmo motivo, despencou o número de autuações do Ibama na Amazônia. Até o último dia 23 foram aplicadas 1.639 multas por crimes contra a flora na região – uma queda expressiva de 42% em relação ao mesmo período do ano passado. Foi também a menor quantidade de multas aplicadas desde 2010.

Bolsonaro brincou com fogo e queimou seu governo para sempre.

O que pensa a mídia | Editoriais

A política do confronto não pode continuar: Editorial | O Globo

Crise expõe à retaliação o agronegócio, que responde por 26% do Produto Interno Bruto

Há nuvens no horizonte. É preocupante, por exemplo, o anúncio feito pelo ministro das Finanças da Suécia, Per Bolund, de que o avanço do desmatamento na Amazônia impõe imediata revisão de todos os investimentos feitos no Brasil por seus fundos de pensão públicos. Eles administram R$ 650 bilhões em ativos e financiam a aposentadoria de 10,2 milhões de pessoas, isto é, toda a população sueca.

Já a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, lamentou o “péssimo momento” do acordo de livre comércio com o Mercosul, na terçafeira. Os noruegueses fazem parte de uma associação de países fora da União Europeia.

Os problemas com os europeus se multiplicam desde a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia.

A incontinência verbal levou o presidente Jair Bolsonaro à ciclotimia. Da euforia inicial passou, rapidamente, aos choques com Angela Merkel, chanceler alemã, e, desde a semana passada, se mantém em conflito aberto com Emmanuel Macron, presidente francês. Não é demais lembrar que Alemanha e França são pilares da Comunidade Europeia. E os europeus são os principais investidores no Brasil e no Mercosul, além de maiores compradores dos produtos exportados pelo Brasil.

A crise provocada pelo crescente desflorestamento da Amazônia entrou para listas de alerta operacional em instituições financeiras como J.P. Morgan.

Avança com protestos e sinais de boicote ao “Made in Brazil”, disseminando apreensão em segmentos agroindustriais como o de couros, cujo faturamento (R$ 8 bilhões ao ano) depende em 80% do mercado externo.

O governo continua a lidar de forma errática com uma situação grave, emitindo sinais de dissociação da realidade com uso de desinformação e até desconsideração à posição dos estados amazônicos, como se viu em reunião no Palácio do Planalto.

Com o histórico recente de alternância de comportamento governamental, seria recomendável cuidados redobrados para que a situação não se torne mais crítica nos próximos dias, quando Bolsonaro vai falar na Assembleia da ONU.

É evidente a escassez de competência na condução da diplomacia. Nas circunstâncias, Bolsonaro deveria se espelhar no exemplo do presidente argentino Mauricio Macri, que conduziu com habilidade e total pragmatismo a assinatura do acordo com a União Europeia, encerrando um impasse político de duas décadas. E, também, escutar o líder chileno Sebastián Piñera, que tenta construir uma saída política.

A política do confronto deixou exposto à retaliação o agronegócio, responsável por 26% do Produto Interno Bruto. É hora de empresas se mobilizarem para induzir o governo à mudança de curso. O país não pode se arriscar a enfrentar uma “tempestade perfeita” em meio à conjuntura marcada pela reestruturação da dívida argentina e a guerra comercial entre EUA e China.

Poesia || Manuel Bandeira - Trem de ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria o que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa fumaça
corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo na fornalha
que preciso
Muito força
Muita força
Muita força

Aô ...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De inagaseira
Debruçada
No riacho
Que vontade de cantar

Aô ...
Quando me prendera
No canaviá
Cada pé de cana
Era um ofício
Aô ...
Menina bonita
Do vestido verde
Me da sua boca
Pra mata minha sede
Aô ...
Vou mimbara vou mimbara
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricirri

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente .