sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Opinião do dia – Norberto Bobbio (sobre incompletitude em Gramsci)

Não, Gramsci não é um escritor fragmentário; para quem escreve fragmentos, o fragmento é um fim em si mesmo. Nas notas gramscianas, aquilo que parece ser um fragmento para o leitor de hoje nada mais é do que a peça de um mosaico cujo desenho final o autor jamais perde de vista. O que dá um caráter fragmentário às notas dos Cadernos é pura e simplesmente a incompletitude, isto é, o fato de que o mosaico, ou melhor, os mosaicos (pois as pesquisas empreendidas por Gramsci eram diversas, ainda que coligadas entre si), permaneceram incompletos. Se Gramsci tivesse sido verdadeiramente um escritor fragmentário, seria ilegítima toda e qualquer extrapolação de teses gerais, ou mesmo de teorias, das suas notas. Em vez disso, a importância da obra gramsciana está precisamente no fato de que a recomposição dos assim chamados fragmentos possibilitou a reconstrução de verdadeiras teorias (ainda que às vezes mais esboçadas do que finalizadas) sobre a relação entre filosofia e política, entre teoria e práxis, entre Estado e sociedade civil, entre partido e massa, entre intelectuais e política etc.; estas teorias ou esboços de teorias constituem a novidade e ao mesmo tempo o interesse de uma leitura global e sistemática de suas notas do cárcere. Excetuando o fato de que Gramsci jamais escreve o fragmento pelo fragmento, algumas notas por si mesmas já contêm teorias in nuci, para as quais faz-se necessário um estilo sintético, em que Gramsci é mestre.

*Norberto Bobbio (18/10/1909-9/1/2004), filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e foi senador vitalício italiano. “Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil”, p. 136. Editora Paz e Terra, S. Paulo, 2002

José de Souza Martins* - O triunfo do poder pequeno

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

O efeito devastador da pequenez do seu protagonista, nos gestos, nos discursos, nas ações, começou a mostrá-lo como o que é: aquém, incapaz e impatriota, redutivo e alienado

As eleições de 2018 confirmaram a vitória do poder pequeno, o que começou a ficar visível com as denúncias do mensalão, em 2004. O poder pequeno vem robustecendo-se e apoderando-se lentamente do poder do Estado nos últimos quase 20 anos. Uma novidade silenciosa, que nos torna politicamente ínfimos. Com ele, abriu-se o caminho para a ascensão política e a tomada do poder pelo pequeno homem do poder pequeno.

O pequeno protagonista do poder pequeno revela-se em sua notória incapacidade de usar as vestes apertadas do grande poder, o da pluralidade e da diversidade do que é consagrado pela Constituição. O pequeno homem do poder pequeno é o que briga todo o tempo com o poder do Estado porque pretende ajustá-lo à sua pequenez. Não sabe lidar com o tamanho próprio das instituições políticas e com os poderes da República, não os compreende.

Gente originária dos redutos do poder pequeno, que são os quartéis, as igrejas, os movimentos sociais, os grupos de pressão, os lobistas, as variantes do que o canadense Erving Goffmann definiu como instituições totais. As que respondem pela ressocialização redutiva e minimizante dos sujeitos, não raro com o explícito intuito de fazê-los instrumentos da sujeição do Estado às concepções e aos ditames do poder que representam. É o que estamos vivendo no Brasil neste momento: o triunfo do poder pequeno.

Esse poder começou a se constituir e a ter alguma eficácia nas contradições do regime militar de 1964. Com o enquadramento da limitada ação política no bipartidarismo: um partido do Brasil da ditadura contraposto a um partido residual do Brasil da democracia, que reunia até mesmo grupos populistas e fisiológicos, democráticos apenas por oposição.

O verdadeiro e invisível partido antiditatorial teve a existência e o perfil identificados e apontados, em 1980, pelo general Golbery do Couto e Silva, intelectual do regime, em conferência na Escola Superior de Guerra, no mesmo dia da primeira visita do papa João Paulo II ao Brasil. Justificou ele aos oficiais ali presentes as razões da abertura política gradual.

Reprimidos os partidos, a sociedade criara seus canais de expressão e contestação nos grupos e movimentos sociais antagônicos ao regime e no deslocamento da militância política para o abrigo de igrejas. Referia-se ele à conversão das demandas sociais em demandas políticas, sobretudo pela Igreja Católica. A abertura devolveria a política ao seu leito natural e anularia a função partidária que a igreja passara a desempenhar.

Fernando Abrucio* – O futuro do país corre o risco

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

O melhor presidente em 2022 será aquele capaz de olhar para frente, algo que Bolsonaro se recusa a fazer, embora esteja criando piores perspectivas institucionais, na educação, cultura e meio ambiente

Ninguém pode dizer que Jair Bolsonaro é incapaz de criar fatos. Desde que começou seu governo, ele já falou dos mais diversos e inusitados assuntos, mexeu em políticas públicas e instituições até então estáveis, brigou com atores políticos nacionais e internacionais, em suma, o presidente dá a impressão que está fazendo uma enorme transformação. Enquanto isso, a mídia e os analistas procuram saber como o povo está reagindo a esta tempestade. Mas talvez seja importante ir além do dia a dia e perguntar: de que maneira Bolsonaro trata o futuro do país?

O debate político tem se concentrado principalmente nas consequências imediatas dos atos e palavras do presidente. É evidente que a discussão sobre a conjuntura é importante. O entendimento do país passa pelo acompanhamento de temas como o andamento da reforma da Previdência, a escolha do novo procurador-geral da República, a indicação do filho do presidente - o zero três - para a embaixada brasileira nos Estados Unidos ou a briga com o presidente Macron.

Só que uma boa análise política é aquela capaz de fazer a ponte entre o presente e o futuro. No campo do embate político, obviamente que Bolsonaro já está pensando em sua reeleição. Suas pancadas em Doria e Huck, num tom que só era usado contra o PT, revela que o presidente pretende queimar todas as candidaturas que venham do centro ou da centro-direita. Quer continuar como o paladino antipetista que permitiu sua eleição em 2018, mantendo a polarização como a lógica do sistema político.

Mas a leitura das tendências futuras da competição política deve ir além de nomes e brigas. O que será a agenda da reeleição de Bolsonaro? O que pretendem trazer de novo os candidatos que lutam para reorganizar o centro? E as esquerdas, que programas irão apresentar no cenário do pós-lulismo?

Sabe-se pouco ainda sobre os projetos e ideias para 2022. No entanto, já é possível analisar os possíveis efeitos das políticas públicas de Bolsonaro para o futuro do país. No plano econômico, seu governo é, em boa medida, continuidade da gestão de Temer na Presidência, tendo como foco principal o ajuste fiscal e a reforma da Previdência, uma medida necessária para que nossos filhos e netos tenham esse benefício.

Não há, contudo, uma agenda clara para recuperar o crescimento da economia. Muitas ideias aparecem, projetos são propostos, outros são cancelados ou desmentidos, e, ao final, ainda há muitas dúvidas sobre o que o bolsonarismo pretende fazer para mudar o estágio de estagnação econômica que tomou conta do Brasil desde a era Dilma. A ideia da carteira verde e amarela, bem como outras medidas de reformulação trabalhista, não apresentam com clareza qual será a fórmula para retirar mais de 11 milhões de pessoas do desemprego, afora a enorme massa de trabalhadores informais.

Fernando Gabeira* - Isso passa

- O Estado de S.Paulo

Trump e Bolsonaro são fenômenos novos, mas suas sociedades podem torná-los passageiros

As pesquisas sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro mostram claramente que o nível de expectativa em torno de um presidente é mais alto do que se supõe.

Bolsonaro não acredita em pesquisas. Ele acha que sabe o caminho, não se importa muito com o que acontece na realidade. Navega com otimismo sobre a economia com base, sobretudo, na reforma da Previdência. Ignora, talvez, que seus frutos demoram. E que o momento é muito delicado.

Lendo a história da renúncia de James Mattis, secretário da Defesa de Donald Trump, sinto que é possível estabelecer um paralelo com a figura de Bolsonaro. Mattis é um general da Marinha, o mais respeitado dos Estados Unidos. Discordava de Trump e de sua política de afastamento de alianças tradicionais.

Trump disse que Mattis estava parecendo democrata e que entendia da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) mais do que seu secretário da Defesa. Acontece que Mattis já foi o chefe supremo das forças da Otan.

Mattis teria dito a amigos que Trump tem dificuldades cognitivas. Mas talvez uma causa dessa dificuldade seja exatamente supor que saiba o que não estudou, não ouviu.

Para Mattis, o modelo é George Washington, para quem era necessário ouvir, aprender, ajudar e, depois, liderar. Na verdade, esse modelo de certa forma prevalece até a ascensão de líderes populistas. Hoje está em frangalhos, tanto aqui como nos EUA.

Bolsonaro anunciou que pretende anistiar os autores dos massacres do Carandiru e de Carajás. Vai se chocar com a lei. É um ato simbólico, pois há poucos presos.

No entanto, isso vai afundar mais a imagem do Brasil no exterior. Não porque as pessoas sejam defensoras ardorosas de direitos humanos, ou mesmo de esquerda ou de direita. É porque um marco civilizatório é rompido, entramos na fronteira da barbárie.

Segurança jurídica não significa licença para matar. De que adiantam a lei e o júri, se o presidente anistia?

Eliane Cantanhêde – Metralhadora giratória

- O Estado de S.Paulo

A grande dúvida é aonde Bolsonaro quer chegar e para onde isso vai nos levar

Quanto mais atordoado, mais o presidente Jair Bolsonaro dá asas ao que há de pior na sua personalidade e mais amplia suas frentes de batalha, internas e externas. O ambiente é de perplexidade com o presente e de dúvidas quanto ao futuro, enquanto vai ficando gritante o fosso entre um presidente que só cria problemas e um Congresso afinado com a área econômica para resolver problemas.

Depois de França, Alemanha, China, mundo árabe, Argentina, Cuba, Noruega, Dinamarca e mais uns tantos, Bolsonaro desvia sua metralhadora giratória para o Chile, onde uniu governo e oposição, direita e esquerda, contra ele. A imagem brasileira no exterior se deteriora na mesma proporção da popularidade do presidente.

Bachelet é presidente eleita e reeleita no Chile, tem biografia admirável, é filha de um militar respeitável e atual alta-comissária para Direito Humanos da ONU. Engana-se Bolsonaro ao dizer que se trata de um carguinho para quem não tem o que fazer. Ao contrário, tem prestígio e não é para qualquer um – ou uma.

O ataque a Bachelet, inoportuno em si, carrega agravantes. O pior é o conteúdo. Assim como remexeu a profunda dor do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, cujo pai foi torturado até a morte e é listado como “desaparecido”, Bolsonaro comemora o fato de o pai de Bachelet, de alta patente, ter sido torturado e morto pela ditadura chilena, que depois torturou também sua filha.

Os “crimes” do general Bachelet – “comunista”, segundo Bolsonaro – foram patriotismo, legalismo, respeito à democracia e coragem pessoal para reagir a um golpe de Estado que se transformou no circo dos horrores, como se viu. Bem, os ídolos do presidente brasileiro são Brilhante Ustra, Pinochet e Stroessner. (Sem falar em Trump, caso bem diferente.)

Outro agravante é que, ao atingir Bachelet, Bolsonaro mexeu com os brios e as cicatrizes do Chile e empurrou o presidente Sebastián Piñera para o campo de batalha. Em pronunciamento formal, com a bandeira do país, ele declarou que não concorda, em absoluto, com o tratamento dispensado a sua antecessora (e, diga-se, adversária). E quem é Piñera? Inimigo? Esquerdista? Não, simplesmente um presidente de centro-direita que vinha tentando mediar o conflito Bolsonaro-Macron. Logo, Bolsonaro acaba de perder uma peça importante na sua mesa de operações de guerra.

'Ela é feia mesmo', diz Guedes sobre mulher de presidente da França

Mais tarde, em nota divulgada à imprensa, ministro pediu desculpas pela brincadeira

Marcel Rizzo | Folha de S. Paulo

FORTALEZA - O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o comentário ofensivo do presidente Jair Bolsonaro à primeira-dama francesa, Brigitte Macron.

Em evento nesta quinta-feira (5), em Fortaleza, Guedes afirmou que Bolsonaro apenas reagiu às críticas de Emmanuel Macron sobre os recentes incêndios na Amazônia.

"Estamos fazendo tudo isso na economia, mas a preocupação é se xingaram a [ex-presidente do Chile Michelle] Bachellet, se xingaram a mulher do Macron", afirmou Guedes.

"O Macron falou que estão colocando fogo na Amazônia. O presidente [Bolsonaro] devolveu, falou que a mulher do Macron é feia. O presidente falou a verdade, ela é feia mesmo. Mas não existe mulher feia, existe mulher observada do ângulo errado. E fica essa xingação", disse o ministro.

No dia 24 de agosto, Bolsonaro endossou em uma rede social um comentário ofensivo contra a primeira-dama francesa.

Ao comentar uma publicação do mandatário brasileiro em sua página no Facebook, o seguidor Rodrigo Andreaça escreveu: "É inveja presidente do Macron pode crê (sic)".

A mensagem foi publicada junto a uma imagem, na qual se vê uma foto de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle Bolsonaro, abaixo de um retrato do presidente francês, Emmanuel Macron, e de sua mulher, Brigitte.

Ao lado das fotos dos casais, há os dizeres: "Entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?".

O perfil de Bolsonaro respondeu a Andreaça: "Não humilha, cara. Kkkkkkk", dando a entender que as recentes críticas de Macron ao presidente brasileiro seriam motivadas por inveja da esposa do brasileiro.

Guedes participou nesta quinta da palestra “A Nova Economia do Brasil”, promovida pelo Sistema Jangadeiro, grupo de comunicação com emissoras de TV e rádio afiliadas ao SBT e à Rede Bandeirantes.

Guedes zomba de Brigitte Macron: ‘É feia mesmo’

Declaração foi feita em evento com empresários. Mais tarde, ministério divulgou nota com pedido de desculpas, ressaltando não ter havido qualquer intenção de ofensa. Especialistas criticam ‘ruído’ e consideram comentário inadequado

Marina Falcão*, Manoel Ventura, Ramona Ordoñez e Leo Branco | O Globo

FORTALEZA, BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO - Em palestra para 600 empresários em Fortaleza, o ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou a cobertura da imprensa sobre o governo e afirmou que Bolsonaro não mentiu em comentário sobre a mulher do presidente francês, considerado ofensivo. À noite, Guedes pediu desculpas em nota.

Oministro da Economia, Paulo Guedes, comentou ontem as declarações do presidente Jair Bolsonaro dirigidas à primeira-dama da França, Brigitte Macron. Em palestra a cerca de 600 empresários em Fortaleza, listou ações da equipe econômica e afirmou que, apesar dos avanços, a imprensa prefere noticiar atos polêmicos do presidente.

—O que vejo nos jornais é que ele xingou a (Michelle) Bachelet , que chamou a mulher do (presidente Emmanuel) Macron de feia — disse. —É feia mesmo, não é nenhuma mentira. A plateia riu. Ele emendou: —Não existe mulher feia. O que existe é mulher vista pelo ângulo ruim.

Na semana passada, o presidente francês criticou as queimadas na Floresta Amazônica. Em uma rede social de Bolsonaro, um seguidor publicou uma montagem de fotos dos dois casais, com a legenda: 

“Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?” O presidente brasileiro respondeu: “Não humilha cara. Kkkkkkk.” No dia seguinte, Bolsonaro afirmou não ter endossado nada, tendo apenas pedido para o internauta “não falar besteira”.

Depois do evento, perguntado por repórteres sobre sua declaração, Guedes disse ter falado em tom de brincadeira. E ressaltou que Macron havia chegado a falar em internacionalização da Amazônia.

No início da noite, o Ministério da Economia divulgou nota com um pedido de desculpas. “O ministro Paulo Guedes pede desculpas pela brincadeira feita em evento público em Fortaleza

“É feia mesmo, não é nenhuma _ mentira” Paulo Guedes, ministro da Economia, sobre Brigitte Macron

(CE), quando mencionou a primeira-dama francesa Brigitte Macron. A intenção do ministro foi ilustrar que questões relevantes e urgentes para o país não têm o espaço que deveriam no debate público. Não houve qualquer intenção de proferir ofensas pessoais.”

Para a economista Elena Landau, que atuou nas privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso, Guedes “deu um tiro no pé”:

—Ele levantou o assunto de uma maneira totalmente deselegante. Deveria fazer o contrário, não tocar no assunto. É absolutamente inadequado. Não é questão de feminismo, é educação, postura, liturgia do cargo.

Elena disse ainda que a declaração de Guedes demonstra que as pessoas estão perdendo a crença no avanço das reformas. Segundo ela, foram anunciadas mudanças na política de óleo e gás, mas até agora não foi divulgada a legislação a respeito, entre outras medidas.

—É muito ruído, e muito varejo. Por isso as pessoas sentem que as reformas não estão andando, são muitas promessas, mas nada acontecendo —disse Elena.

Merval Pereira – Vetos equilibrados

- O Globo

Lei de abuso ficará mais equilibrada que a apresentada, mas governo terá que negociar muito para preservar seus vetos

É um bom sinal o anúncio do presidente Bolsonaro de que apôs 19 vetos a 36 pontos da lei de abuso de autoridade aprovada pelo Congresso. Desta vez Bolsonaro agiu como raramente faz, pensando no país, de maneira mais ampla, como presidente da República.

Dentre os vetos, Bolsonaro rejeitou trechos que tratavam da restrição ao uso de algemas, o que parece ser consensual, prisões em desconformidade com a lei, o que já está previsto no Código Penal, de constrangimento a presos e o que pune criminalmente quem desrespeitar prerrogativas de advogados.

Há vetos também a dispositivos sobre perda do cargo como punição, obtenção de prova de forma ilegal, indução a pessoa para praticar infração penal com o fim de capturá-la, iniciar investigação sem justa causa e negar ao interessado acesso aos autos de investigação.

Todos esses pontos foram destacados pelo “centrão” de Bolsonaro: a Advocacia-Geral da União (AGU), a Corregedoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Especialmente os capítulos com definição muito ampla do que sejam ilegalidades ou crimes, que colocariam em risco decisões e poderiam paralisar as investigações.

Mas parte do Congresso não está gostando, e tem força e vontade para derrubar alguns vetos. Acredito que, no final, a lei ficará mais equilibrada do que a apresentada, mas o governo vai ter que negociar muito para preservar seus vetos.

O Congresso também ficará em situação delicada, pois a percepção de que a nova lei limita o combate à corrupção trabalha a favor do ministro Moro, o mais bem avaliado do governo.

Bernardo Mello Franco - Aparelhamento na Procuradoria

- O Globo

Augusto Aras fez de tudo para agradar Bolsonaro. Ele pode não confirmar todos os desejos do presidente, mas assumirá a PGR com a imagem de quem rastejou pela cadeira

Augusto Aras fez de tudo para agradar Jair Bolsonaro. Nos últimos meses, o subprocurador repetiu o discurso do presidente contra os direitos humanos, o ambientalismo e o fantasma da “ideologia de gênero”. Foi premiado com a indicação para comandar a Procuradoria-Geral da República.

Em campanha pelo cargo, Aras enfrentou a desconfiança de militantes bolsonaristas. Para convencê-los, radicalizou nas entrevistas. Chegou a defender a impunidade de fazendeiros que atiram em invasores de terra — uma temeridade num país com longa tradição de pistolagem e violência no campo.

O ministro Jorge Oliveira afirmou que o subprocurador foi escolhido porque “apresentou um programa que se alinha ao governo”. Se o indicado cumprir o que prometeu, teremos um procurador-geral submisso às vontades do Planalto.

Rogério Furquim Werneck - Riscos de uma aposta crucial

- O Globo | O Estado de S. Paulo

É preciso dar condições para que agências reguladoras zelem pelo cumprimento dos contratos de concessão

A proposta orçamentária para 2020 não deixa margem a dúvidas quanto à severidade da restrição fiscal que o governo federal terá de continuar a enfrentar, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. O que se prevê é que, em 2020, o investimento público federal ficará reduzido a não mais que 0,3% do PIB, metade do nível já extremamente baixo observado em 2018.

Para assegurar a viabilidade de tal contração no esforço de formação de capital do governo, a equipe econômica conta com o sucesso da pesada aposta que vem fazendo no programa de privatização e nas possibilidades de ampla substituição do investimento público por investimento privado em projetos de infraestrutura. Tanto o vigor da retomada da economia como as perspectivas de crescimento sustentado do país dependem em grande medida do sucesso dessa aposta.

Empenho, disposição e vontade política são requisitos fundamentais para que o programa de privatização e os investimentos privados em projetos de infraestrutura deslanchem tão logo quanto possível. E nada disso parece faltar ao governo. Mas há um ingrediente adicional, essencial para o sucesso da aposta, a que o governo, por enquanto, não vem dando a devida atenção.

Ainda falta muito para que a incerteza regulatória, inerente à privatização de determinados segmentos do setor público e ao investimento em infraestrutura, seja reduzida a níveis que não afugentem investidores. E não basta aprimorar as licitações e a legislação pertinente. É preciso dar lastro técnico, independência e estabilidade às agências reguladoras para que possam de fato zelar, com isenção e previsibilidade, pelo cumprimento, de parte a parte, dos contratos de concessão.

Dessa perspectiva, o que preocupa, de um lado, é o descaso com que o governo vem lidando com o desafio de dotar as agências reguladoras de condições adequadas para bem desempenhar o papel fundamental que lhes cabe. E, de outro, os efeitos deletérios que a truculência do estilo “quem manda aqui sou eu”do presidente da República vêm tendo sobre a incerteza regulatória.

O que não poderá aprontar numa mera agência reguladora um presidente que, sem maiores preocupações com os limites institucionais de sua atuação, interfere com tamanha sem-cerimônia na Polícia Federal e na Secretaria da Receita Federal? Em que medida sua desastrada intervenção em decisões da Petrobras sobre preços de derivados poderá vir a afetar a privatização de refinarias?

Quanto ao descaso, sobram evidências. Um caso emblemático é o do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), principal órgão de proteção à concorrência do país, paralisado há meses pela vacância de quatro das sete vagas do colegiado, sem maiores preocupações com as decisões de investimento que vêm sendo entravadas. O governo chegou até a considerar a possibilidade de tripular o Cade com gente séria. Mas os nomes indicados acabaram frivolamente incinerados na pira do nepotismo, quando o Planalto se convenceu de que o loteamento das vagas a preencher aumentaria a chance de aprovação pelo Senado da indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixador em Washington.

Não adianta fechar os olhos e tentar jogar o jogo do contente. Não haverá um surto de investimento privado em infraestrutura sem que essas dificuldades sejam devidamente superadas. Tampouco faz sentido arguir que não são dificuldades novas. Que já vinham sendo observadas em governos anteriores. E que a relação de Lula e Dilma com as agências reguladoras também era extremamente problemática.

Míriam Leitão – Teto voador assombra equipe

- O Globo

Idas e vindas sobre o teto de gastos mostram que Bolsonaro não tem convicção alguma sobre a questão-chave que divide hoje o seu governo

A equipe econômica já havia conversado com o presidente Bolsonaro, explicando que a pressão que ele estava recebendo de alguns ministros para abandonar o teto de gastos não fazia sentido. Ela pensava estar tudo resolvido, até que Bolsonaro disse na quarta-feira que era uma questão “matemática” sugerindo que o teto tinha que ser mudado. O porta-voz confirmou. Ontem Bolsonaro amanheceu nas redes sociais com a declaração inversa. Ou seja, a matemática mudou durante a noite. E o que ele realmente pensa sobre o assunto?

O problema é maior do que parece. Não é apenas se vai ser adotada uma medida econômica ou outra. Se o teto cair, sem nada no lugar, será uma licença para gastar, o abandono do ajuste fiscal e a derrota completa do ministro Paulo Guedes.

O que ele chegou dizendo: que zeraria o déficit no primeiro ano, que acabaria com os subsídios e renúncias fiscais que chegam a R$ 300 bilhões por ano, que venderia R$ 1 trilhão de imóveis e de empresas estatais. E que desindexaria, desobrigaria e desvincularia as despesas. Que faria um pacto federativo em torno da desvinculação.

No mercado financeiro, em momento típico de autoengano, muita gente repetia que o ministro Paulo Guedes, liberal e sofisticado, levaria o presidente Jair Bolsonaro — defensor do fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique por ter privatizado — para o bom caminho. A declaração grosseira de Guedes ontem sobre Brigitte Macron não tem nada a ver com economia, mas mostra que é Guedes quem anda absorvendo o estilo e as ideias do chefe. Também como o chefe, disse depois que era “brincadeira”.

Hélio Schwartsman - Por um triz

- Folha de S. Paulo

O Brasil estaria em outro lugar se Adélio Bispo tivesse tido sucesso em seu intento macabro?

Há um ano, Jair Bolsonaro era esfaqueado por Adélio Bispo, num atentado que quase custou a vida ao então candidato à Presidência. Se Bispo tivesse tido sucesso em seu intento macabro, o Brasil estaria em outro lugar? Líderes fazem diferença?

Essa é uma das mais pungentes polêmicas da historiografia. De um lado estão aqueles que, como Thomas Carlyle, afirmam que a História nada mais é do que a história das decisões e atos de grandes homens. Do outro, estão autores mais deterministas, notadamente os marxistas, para os quais líderes têm pouca ou nenhuma relevância, já que processos econômicos, sociais e políticos prevalecem sobre ações individuais.

Até o início deste século, a controvérsia era objetivamente indecidível. Mas aí veio uma turma que acha que é possível trazer um pouco de matemática à historiografia e começou a investigar experimentos naturais, isto é, a comparar eventos semelhantes num número razoável de países e épocas para extrair, se não uma resposta definitiva, ao menos uma tendência que valha sob certas condições.

Bruno Boghossian - Bolsonaro achou seu procurador

- Folha de S. Paulo

Aras deu sinais de submissão ao presidente; lava-jatistas temem blindagem à família

Na disputa pela cadeira de procurador-geral da República, venceu aquele que se curvou mais a Jair Bolsonaro. O cargo deveria ser marcado pela independência, mas Augusto Aras ficou com o posto depois de ter dado sinais claros de submissão à agenda do presidente.

Decidido a não participar da eleição interna da associação de procuradores, Aras tentou chamar a atenção do responsável direto pela escolha. Ele destoou de algumas missões do Ministério Público e lançou uma plataforma na língua de Bolsonaro em temas como o meio ambiente, os direitos individuais e a Lava Jato.

Aras não se vestiu de verde-amarelo, mas assumiu a retórica da soberania nacional. “A proteção das minorias, inclusive indígenas, passa por interesses econômicos relevantes, internos e externos”, declarou à Folha, antes da crise na Amazônia.

O então candidato disse também que as políticas de preservação do meio ambiente “não podem ser radicalizadas”. Parecia responder a um anúncio de emprego: Bolsonaro dizia que o chefe da PGR não poderia ser “um xiita ambiental”.

Reinaldo Azevedo - Moro ou Bolsonaro? A Constituição!

- Folha de S. Paulo

Sob o pretexto de caçar corruptos contingentes, escolheu-se a corrupção permanente

O Papol (Partido da Polícia) —que reúne braços do MPF (e associados locais), da PF, da Receita, do Coaf (rebatizado de UIF) e do Judiciário— entrou em colapso. O lance mais estrepitoso da turma é a renúncia coletiva dos procuradores da Lava Jato lotados na Procuradoria-Geral da República.

A pressão não é feita sobre Raquel Dodge, que está saindo. É endereçada a Augusto Aras, que vai assumir a PGR. A operação manda um recado ao próprio Bolsonaro: "Cuidado, pode haver rebelião!".

Mas pode? A ver. Na coluna da semana passada, escrevi logo nas primeiras linhas: "Duas concepções de Estado policial que viveram um enlace amoroso que se pretendia duradouro estão em choque: a da Lava Jato e a do presidente Jair Bolsonaro".

O dito "Mito" percebeu logo nos primeiros dias de governo que ou deglutia Sergio Moro ou seria deglutido por ele. Na primeira leva de diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil, os colegas de Deltan Dallagnol constataram que Sergio Moro assumiria o Ministério da Justiça com poderes inéditos.

Adicionalmente, havia a declarada intenção do ex-juiz de levar a Lava Jato para dentro do governo, o que ele considerava uma evolução do modo como resolveu levar adiante a suposta luta contra a corrupção. Nota à margem: por que "suposta"? Não se combateram os malfeitos? Também. Mas uma corrupção maior, no sentido agostiniano --de Santo Agostinho--, se consolidou: a da ordem legal.

Sob o pretexto de caçar corruptos contingentes, nefastos e sempre presentes nas sociedades --e têm de ser combatidos--, escolheu-se o caminho da corrupção permanente, que é aquela que toma as instituições e nos empurra para um jogo sem regras.

Vinicius Torres Freire – O teto e o chão de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Para economistas do governo, crise do teto passou e arrecadação começa a melhorar

O governo arrecadou mais em agosto, dizem pessoas próximas de Jair Bolsonaro —os números oficiais do mês ainda não saíram. O terço final do ano será melhor no PIB (Produto Interno Bruto) e na receita de impostos, dizem, saindo da asfixia para o sufoco.

Esses dinheiros e umas gambiarras da arrecadação devem “evitar o pior” dos cortes de despesas previstos até agora, mais de R$ 32 bilhões. Mais do que isso, a melhorazinha na receita deve jogar água na fervura da discussão sobre o teto de gastos, nas palavras de gente do Ministério da Economia.

No governo, mesmo a hipótese de estudar um aumento do limite de gastos, mudança constitucional, teria sido “enterrada”.

Na quarta-feira (4), Jair Bolsonaro, seu porta-voz e gente do Planalto diziam que o presidente solicitara estudos a respeito. No mesmo dia, Rodrigo Maia disse não. Maia, presidente da Câmara e premiê do Comitê Central do Partido Reformista (por assim dizer), fazia tabelinha com o ministro Paulo Guedes (Economia), secretário-geral do Comitê.

Às 7h43 da manhã desta quinta (5), Bolsonaro tuitava “Temos que preservar a Emenda do Teto” (sic) e dava uma indireta ao ministério, para que não se queixem mais dos cortes de despesas (“Parabéns a nossos ministros pelo apoio às medidas econômicas do Paulo Guedes”).

Lu Aiko Otta - A hora e a vez da reforma tributária

- Valor Econômico

Cenário para votação é o melhor em 30 anos

Bernard Appy já completou bodas de prata com a reforma tributária. Era um jovem economista quando, em 1994, deu sua primeira consultoria sobre o tema. Tentou, sem sucesso, mudar o sistema de impostos e contribuições do país entre 2003 e 2010, quando foi o número dois do Ministério da Fazenda e, depois, assessor especial da Presidência para cuidar só da reforma. Hoje, vê um cavalo selado passando pelo gramado seco da Esplanada dos Ministérios.

"É uma oportunidade de ouro de fazer a reforma", afirmou. "Hoje nós temos os 27 governadores pedindo o fim do ICMS e sua substituição pelo IBS [Imposto sobre Bens e Serviços]."

Na próxima semana, deve chegar ao Congresso uma proposta de emenda à reforma tributária com a chancela das 27 unidades da Federação. Provavelmente, será apresentada nas duas casas do Legislativo, pois cada uma tem uma proposta em tramitação.

É possível também que o governo federal finalmente apresente sua proposta. O presidente Jair Bolsonaro já esteve duas vezes no Ministério da Economia para discuti-la. E passou a admitir um tributo sobre transações, desde que haja alguma compensação.

O momento é inédito também na visão de Luiz Carlos Hauly, envolvido com o tema tributário há 32 anos, 28 dos quais como deputado federal pelo Paraná. "Sem paixão, pragmaticamente, acho que sim", afirmou, ao ser questionado se esse é um momento particularmente favorável para a reforma.

Appy e Hauly são os autores, respectivamente, das propostas de reforma em tramitação na Câmara e no Senado. São as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/19 e a 293/04. Há fatores técnicos e políticos que explicam o otimismo desses dois calejados reformistas.

"O governo tem vontade de fazer a reforma. Os presidentes da Câmara e do Senado, também - o que é importante. Os líderes querem", descreveu Hauly. Para os deputados e senadores, aprovar a reforma tributária é um contraponto à votação da reforma da Previdência, avaliou. Enquanto a última é impopular, a mudança nos tributos é algo pedido pela sociedade.

Armando Castelar Pinheiro* - Liberdade e crescimento econômico

- Valor Econômico

A agenda liberal é uma escolha política. O fracasso em gerar crescimento pode levar ao seu abandono

Ser um liberal é acreditar na liberdade de escolha, nos valores, nas preferências sexuais, na economia etc. Por ser economicamente antiliberal, a esquerda acredita tanto na tutela do Estado sobre o cidadão, cerceando sua liberdade de empreender. Não foi diferente nos governos do PT. No governo de Dilma Rousseff, em especial, o que se viu foi a dependência do empresariado do crédito subsidiado, dos programas de conteúdo nacional, dos incentivos tributários, do PAC, dos projetos de campeões nacionais etc.

Talvez em reação a isso, desde então o Brasil implementou um amplo programa liberal em sua economia. Em particular, se deu mais liberdade para empreender, enquanto se conteve a influência do Estado na economia.

São vários os indicadores dessa revolução liberal em curso em nosso país. O mais óbvio é a contenção do crescimento das despesas públicas, formalizada pela criação do Teto de Gastos. Também se contiveram os subsídios creditícios, com a aprovação da Taxa de Longo Prazo e a devolução dos empréstimos que o Tesouro deu aos bancos públicos no governo Dilma. A reforma da Previdência vai ajudar a consolidar esse processo.

Essas medidas permitiram derrubar as taxas de juros, curtas e longas, e trazer a inflação para baixo. As grandes empresas hoje se financiam a custos competitivos no mercado de capitais doméstico, pondo fim a uma deficiência crônica da nossa economia. Várias empresas têm inclusive captado recursos para pré-pagar o BNDES e não rolar dívidas externas.

A privatização também avançou. A Petrobrás vendeu participações majoritárias em algumas de suas grandes subsidiárias, com destaque para a BR Distribuidora. A CEF também vendeu participações acionárias, inclusive na Petrobras. Agora se aguarda o BNDES deslanchar a venda das ações em sua carteira. E, claro, finalmente a Eletrobras ser privatizada, após o bem sucedido programa de privatização de suas subsidiárias na área de distribuição.

Na infraestrutura a privatização também avançou, via programa de concessões. Em aeroportos e portos houve vários leilões bem sucedidos. Mas ainda há muito a fazer.

Há também uma agenda de promoção da competição. Nesta destaca-se o tratado de livre comércio do Mercosul com a União Europeia, que promove ampla abertura comercial de nossa economia. Não apenas pela dimensão da economia europeia, mas também porque ele nos estimula a fazer tratados semelhantes com outras economias. Também dignas de nota são as propostas de vender algumas das refinarias da Petrobras e liberalizar o mercado de gás.

Por fim, mas não menos importante, há uma agenda de reformas institucionais voltadas para simplificar o ambiente de negócios e dar maior segurança jurídica aos contratos. Refiro-me aqui à reforma trabalhista e à MP 881, a MP da Liberdade Econômica, entre várias outras medidas. A reforma tributária pode ser outra importante medida nessa agenda, se focada em reduzir ineficiências, o custo de cumprir as obrigações tributárias e a discricionariedade com que as normas tributárias podem ser alteradas.

Na prática, claro, essas medidas não foram tomadas de forma tão concatenada como descrito acima. Foi mais uma sequência de reações a problemas pontuais, que encontraram por trás o pensamento liberal daqueles que as propuseram, defenderam e aprovaram. O Congresso Nacional, em especial, tem tido um papel destacado em definir essa linha de reforma.

Humberto Saccomandi - Democratas têm dilema sobre o rival de Trump

- Valor Econômico

Principais candidatos têm vulnerabilidades eleitorais

O Partido Democrata americano está numa sinuca. Seus três principais candidatos a desafiar o presidente Donald Trump nas eleições de 2020 têm vulnerabilidades eleitorais. E nenhum candidato alternativo se destacou até agora. Ainda há tempo para isso acontecer, mas essa janela está se fechando.

Após três desistências, 20 pré-candidatos, um recorde, ainda estão na disputa para liderar a chapa democrata na eleição presidencial do ano que vem. Isso sugere que os políticos do partido estão otimistas com a possibilidade de derrotar Trump.

Segundo todas as pesquisas, o ex-vice-presidente Joe Biden lidera a corrida para ser o candidato democrata. Ele é o preferido dos quem dizem que votarão nas primárias, as prévias do partido. Essa liderança varia muito de acordo com a pesquisa, indo de 4 a 18 pontos, levando em conta apenas as sondagens divulgadas nos últimos 30 dias.

O site Realclearpolitics, que faz uma média de pesquisas, aponta Biden com 30,4% da preferência. Em segundo lugar há um empate técnico entre os senadores Elizabeth Warren, com 17,1%, e Bernie Sanders, com 16,3%. Num distante quarto lugar aparecem, em empate técnico, a senadora Kamala Harris, com 6,6%, e Pete Buttigieg, prefeito de uma cidade em Indiana, com 4,6%.

À parte as oscilações habituais das pesquisas, as principais mudanças recentes nesse cenário foram a ascensão de Warren a partir de junho, e a coincidente queda de Harris, a partir de julho.

Assim, a disputa parece estar entre Biden, Warren e Sanders. Os três, porém, são vistos como candidatos arriscados por analistas políticos dos EUA.

Dora Kramer - A polarização não desenha necessariamente mau cenário

- Revista Veja

Pela régua da burrice unânime, há inteligência em opiniões extremadas

Sem querer contrariar as aparências, e já contrariando, o ambiente de opiniões polarizadas que assola o Brasil não desenha necessariamente um mau cenário. Pela régua de Nelson Rodrigues que atribui burrice à unanimidade, seríamos até muito espertos na divisão em 30% que apoiam Bolsonaro, uma terça parte que o repudia e um terço que lhe é indiferente.

Condenada no mesmo tribunal da opinião pública que a pratica com vigor, a chamada polarização tem seus encantos. Serve ao exercício da crítica, essencial às sociedades democráticas, interdita comportamentos autoritários por parte de governantes e ainda dá às pessoas acesso barato ao contraditório.

O lado escuro da coisa é a grosseria, a falta de educação, a simplificação argumentativa, a ausência absoluta de autocrítica. Com muita relutância, devo admitir que faz parte, embora não compartilhe do método nem do palavreado. Digamos que seja o preço a pagar pela vibração do debate, não obstante a pobreza de alegações, tais como as que aludem a uma suposta demência para justificar interrupção de mandato.

Perdem-se tempo e energia por aí. Jair Bolsonaro não é louco. Sua maneira desmiolada objetivamente não o enquadra nos quesitos previstos para impeachment. Por ora, ao menos. Sendo tosco, faz o que aprendeu na vida, como de resto muitos dos que reagem a ele nos mesmos termos, aos palavrões e piadas bobocas. Atribuir grave alteração mental ao presidente dá margem a considerá-lo inimputável.

O ponto em questão aqui é outro: a divisão radicalizada de opiniões e o efeito de seu contrário, a unanimidade, no público pagante de impostos em relação a seus governantes. É bom não termos divergências? Diria que é ruim. O exercício do antagonismo fortalece os músculos e prepara a sociedade para uma vigilância constante.

Raul Jungmann* - É vital uma Polícia Federal realmente autônoma

- Revista Veja

Há pressões de todos os lados, mas é essencial a independência da PF — desde que existam controles externos eficazes, de modo a não infundir suspeitas

Está de volta ao debate público uma questão: a Polícia Federal deve ou não ter autonomia plena, que vem sempre acompanhada dos adequados mecanismos de controle? De um lado, seus integrantes lutam pela autonomia, com o apoio de boa parte da opinião pública. E, de outro, políticos, Ministério Público e Judiciário defendem controles mais eficazes. Nos termos em que se desenvolve a discussão, ela é recorrente, polarizada e parcial, dado que a Polícia Judiciária Federal já é autônoma, de fato, ao longo do ciclo de atividades do processo penal; porém, com um controle externo frágil.

Ancorada constitucionalmente no Executivo, noves fora quando age como polícia administrativa, a PF tem um status único, pois sai integralmente da tutela do Ministério da Justiça e Segurança Pública e passa ao Judiciário quando por este requisitada.

Vamos a um exemplo pessoal. Em 8 de julho de 2018, um domingo, deu-se o vai e vem do prende e solta do ex-¬presidente Lula, decorrente de um conflito de competências entre desembargadores do TRF4. Para me informar a respeito, liguei para o presidente do tribunal, desembargador Thompson Flores, que me pediu que solicitasse ao superintendente da PF no Paraná que não agisse até ter em mãos a decisão final. Declinei, de imediato, pois se assim o fizesse poderia ser acusado de obstrução de Justiça e prevaricação, e pedi a ele que ligasse pessoalmente para o delegado Maurício Valeixo, então o chefe da PF no Estado do Paraná.

Em termos mais abrangentes, nenhuma autoridade da República pode interferir nas ações e atividades da PF em uma investigação ou inquérito, à exceção do juiz que o preside ou do Ministério Público — esse último desde que tenha sua petição acatada pelo primeiro. Nesse quadro, ao Executivo, via ministério, restam a supervisão finalística, isto é, a aferição da conformidade da PF com a lei, e a tomada de decisão quanto ao seu orçamento e organização funcional. Logo, para tudo o mais que impacta a sociedade em matéria penal, a PF é rigorosamente autônoma.

Na realidade, a questão é outra. Ou melhor, encontra-se em outro lugar. Quem pede a autonomia pede que seja dado à PF o poder de se auto-organizar e de decidir quanto ao seu orçamento e sua alocação.

Ricardo Noblat - Autonomia mandada às favas

- Blog do Noblat | Veja

Um governante sem freios
Se nem ao povo que o elegeu o presidente Jair Bolsonaro deve lealdade cega, como ele mesmo disse ontem, a quem de fato deve? Às suas escassas e controversas ideias a respeito de como governar bem? Aos que o cercam? Ou somente àqueles que o cercam sempre dispostos a concordarem com ele em tudo e por tudo?

A escolha do novo Procurador-Geral da República foi mal recebida até por uma parcela dos devotos fanáticos de Bolsonaro – algo como 12% que o apoiam incondicionalmente, segundo o Datafolha. Augusto Arias, o escolhido, foi acusado de ser petista, ou de ter sido porque reuniu petistas para uma festa há muitos anos.

Bolsonaro replicou com a ameaça de mandar apagar os comentários contra Arias em suas páginas nas redes sociais. Nelas só serão acolhidos comentários elogiosos ao seu dono e ao que ele faça. Vão brincar de expressar livremente suas opiniões nas páginas dos outros, na do capitão, não. Ali, ele cobra acatamento.

Pouco se lhe dá que a escolha de Arias tenha sido rejeitada pela maioria dos nomes de peso entre os procuradores da República que se recusam a trabalhar com ele – ou que dizem que se recusarão, a conferir mais adiante. Bolsonaro fez o que prometeu: optou por um nome que julga 100% alinhado com seus propósitos.

Tais propósitos resumem-se num só: fazer o que ele mandar. Se ele quiser que determinados processos sejam arquivados, serão. Se quiser que outros sejam abertos para embaraçar seus adversários, serão também. Não precisa que Arias seja “terrivelmente evangélico”. Basta que seja “terrivelmente obediente”.

O mesmo critério será aplicado à escolha do novo diretor-geral da Polícia Federal – obediência acima de tudo, só abaixo de Deus, e olhe lá. A Pátria corre riscos. O mundo quer tomar a Amazônia. Os terroristas estabelecidos na região da tríplice fronteira podem aprontar um atentado a qualquer momento. E a família…

Pois é. No caso, a nova família imperial brasileira formada por Bolsonaro, seus filhos e agregados terá de ser protegida. O mal costuma assumir várias formas. As milícias, por exemplo, nem sempre foram uma das faces do mal. Serviram para defender a população dos traficantes de drogas, segundo Bolsonaro.

Mas os inimigos do presidente, dos seus filhos e agregados querem ligá-los às milícias pelo lado mal das milícias, não pelo lado bom ou tolerável. Daí a necessidade da proteção reclamada por Bolsonaro. Sérgio Moro já não lhe inspira tanta confiança. Melhor pôr um homem de sua confiança no comando da Polícia Federal.

Isso significa desrespeito à autonomia que sempre desfrutaram a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal? Claro que sim, mas Bolsonaro está pouco se lixando. O Procurador-Geral da República dos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso foi na prática um engavetador de processos. Esqueceram?

Bolsonaro continuará testando todos os limites oferecidos pela lei e pelos costumes com o objetivo de alargá-los ao seu gosto, ou, se for o caso, rompê-los. Assim será até o último dos seus dias na presidência. Resta aos que se preocupam com a democracia impedir que ela se deteriore a um ponto de não retorno.

Uma fenda no Titanic

O que pensa a mídia – Editoriais

Mudar teto de gastos é retrocesso, com alto risco – Editorial | O Globo

Resultado político seria jogar pela janela todo o esforço de ajuste fiscal realizado nos últimos anos

Palavras têm consequências, sobretudo quando ditas pelo presidente da República. Na quarta-feira, Jair Bolsonaro defendeu a revisão do limite aos gastos públicos. Na manhã de ontem, ele recuou e defendeu a preservação do teto de gastos em mensagem divulgada por uma rede social: “Temos que preservar a ‘emenda do teto’. Devemos sim, reduzir despesas, combater fraudes e desperdícios. Ceder ao teto é abrir uma rachadura no casco do transatlântico.”

Talvez tenha se convencido e, também, a alguns seguidores, mas o estrago já estava feito. Emulou discussões no governo e no Congresso sobre “alternativas” para mudar a base de cálculo das despesas públicas.

Pela legislação em vigor, o aumento de gastos de um ano fiscal deve ter correção limitada à inflação do exercício anterior. Ou seja, sem crescimento real, acima da inflação. Mudar isso, hoje, representa retrocesso, com alto risco implícito de
instabilidade política e econômica.

Poesia | Ferreira Gullar - Neste leito de ausência

Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho — o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.