domingo, 15 de setembro de 2019

‘Maior trincheira da democracia é a Carta de 1988’, diz Werneck Vianna

Luiz Werneck Vianna, sociólogo da PUC-Rio, vê reação da sociedade civil ao que ele define como um avanço do ‘capitalismo iliberal’

Tulio Kruse | O Estado de S. Paulo

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUCRio), vê a democracia brasileira como se estivesse atrás de trincheiras. Se há risco de ruptura institucional, há também a reação de entidades para mantê-la protegida e imune a ataques. “A ameaça nos ronda, ela está presente em nós, mas foi identificada”, diz Werneck em entrevista ao Estado, em referência ao que chama de “capitalismo iliberal” no mundo.

“A defesa da democracia, que está contida no texto constitucional, é muito poderosa para ser removida”, completa ele, autor de livros sobre a formação política do País, como A Democracia e os três Poderes no Brasil.


A semana que precedeu este 15 de setembro, Dia Internacional da Democracia, foi marcada por intenso debate sobre o tema. A declaração do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que “por vias democráticas” a transformação do País não acontecerá “na velocidade que almejamos” gerou críticas na Câmara, no Senado e do presidente em exercício, Hamilton Mourão.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu “esforço para impedir que a democracia morra”, enquanto o ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, defendeu a independência do Ministério Público – após Bolsonaro dizer que indicou Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República (PGR) por seu alinhamento de ideias com o governo. Questionado sobre as reações, Carlos respondeu que sua frase foi mal interpretada.

Werneck vê essas manifestações como “resistência” a tentativas de se enfraquecer órgãos independentes e pilares da República. Ao Estado, ele enumerou o que considera sinais de resiliência da democracia no País.

Reação. “Acho que a resposta da nossa sociedade já foi dada”, diz o professor sobre a reação à mensagem postada pelo filho do presidente. Ele acredita que declarações que colocam em dúvida a validade do processo democrático têm sido rebatidas pela sociedade civil, por instâncias do Judiciário, do Congresso e do MP. “A maior trincheira que a democracia brasileira tem hoje é a Carta de 1988”, diz ele. “Ela tem uma concepção democrática muito forte, muito consistente, e que tem 30 anos de vida. Poucas constituições brasileiras duraram tanto.”

Partidos. Também parte da reação, segundo ele, seria uma eventual aproximação entre partidos de centro e de centro-esquerda. O objetivo neste caso seria se colocar como alternativa ao eleitor que não se identificaria mais com a polarização. “A fisionomia que isso vai assumir mais à frente ainda não está inteiramente definida. Mas se sabe o contorno”, ele diz. “O contorno é de um liberalismo progressista.”

Mundo. “Capitalismo iliberal” é a definição que Werneck e outros estudiosos da ciência política dão a linhas ideológicas que, segundo eles, uniriam Bolsonaro a outros líderes mundiais, como Donald Trump nos EUA, Viktor Orbán na Hungria, Boris Johnson no Reino Unido e Matteo Salvini na Itália, entre outros. Em comum, eles têm um discurso nacionalista e contra organismos internacionais. “Na Inglaterra, o (Boris) Johnson está emparedado. Na Itália, a tentativa de capitalismo iliberal, pelo menos por ora, foi varrida do mapa. Está lá uma coalizão de centro-esquerda”, diz. “Por falta de sustentação social, esses arautos do capitalismo iliberal, do tipo de (Steve) Bannon, não têm encontrado guarida”, diz ele sobre o ex-estrategista de campanha de Donald Trump nos EUA, que hoje coordena o grupo O Movimento, do qual o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é representante no Brasil.

PGR. A indicação de Aras à PGR – visto no Ministério Público Federal como uma sinalização de que a escolha levou mais em conta o alinhamento com o governo – preocupa pouco o sociólogo. Ele lembra que Bolsonaro não é obrigado legalmente a escolher um nome da lista tríplice eleita por membros da entidade, e que Aras estará “sob estrita vigilância da sua corporação”. “Como ele vai poder operar em desconcerto com a esmagadora maioria da sua corporação? De algum modo, vai ser obrigado a atuar dentro de certos parâmetros constitucionais. Se violar, caberá a nós denunciar.”

Militares. “Acho que eles não vão cair em aventuras. Se o Mourão servir de termômetro para alguma coisa, eles não entrarão numa aventura liberticida.”

Luiz Sérgio Henriques* - A luta hegemônica, hoje

- O Estado de S.Paulo

Vivemos em primeira pessoa um dos paradoxos mais agudos da democracia, que é o de permitir que antidemocratas às vezes triunfem

Um diagnóstico expressivo sobre situações de crise estrutural, dessas que nos dão a impressão de se arrastarem indefinidamente e trazem só a certeza de que, depois de se estabilizarem, nada será como antes, chama a atenção para o perigoso interregno entre o velho, que já está morto, e o novo, que ainda não nasceu ou mal se deixa entrever. Esse interregno – diz o diagnóstico formulado nos anos 1930 por intelectual da esquerda marxista – estará povoado de fatos e ações incompreensíveis, movimentos fora dos padrões “normais” e até fenômenos patológicos, dotados, por isso mesmo, de carga explosiva.

Naqueles anos, áreas reducionistas da esquerda supunham que fantasmas e assombrações surgiam só de um lado. Vivia-se, segundo o esquema mais simples, a era da transição entre modos de produção radicalmente antagônicos e a reação contra esse horizonte revolucionário é que entorpeceria a razão e geraria monstros como o fascismo e o nazismo. Correntes mais atentas às lições da História passaram progressivamente a entender que o século das massas, agrupadas em partidos e sindicatos, não seria necessariamente um tempo de revoluções catastróficas, podendo constituir, ao contrário, rara oportunidade de ampliação e mudança do mundo liberal, com o enriquecimento da pauta original dos direitos civis com novos direitos sociais e econômicos.

Ao contrário do que pensavam os autoritários dos anos 1930, aquilo que por convenção chamamos Ocidente político, com sua sociedade civil rica e diversificada, iria afirmar-se nas décadas “gloriosas” do pós-guerra como um modelo que contém em si elementos de universalidade. Nesse Ocidente não haveria, por exemplo, lugar para o choque frontal de adversários irredutíveis, uma vez que todos – indivíduos e grupos sociais – têm sempre algo valioso a perder. Por exemplo, a ideia de produtividade do conflito. Longe de dilacerar o tecido social e arruinar os países, esse conflito, balizado por regras institucionais, seria antes sinal de vitalidade, renovação e progresso. O caos aparente das democracias, sua vida muitas vezes conturbada constituíam a razão básica da atração praticamente universal que irradiavam – atração que nós, brasileiros, pudemos muito bem sentir nos longos períodos de autoritarismo.

Celso Lafer* - Os discursos do Brasil na ONU

- O Estado de S.Paulo

O discurso na ONU é uma importante oportunidade de contribuir para a definição da agenda global e, nesse âmbito, formular como ela enseja a tradução das necessidades internas em possibilidades externas

A ONU é a grande expressão do multilateralismo. O multilateralismo começou a tomar forma no início do século 20. Resultou da dinâmica das transformações que unificaram a humanidade, para o bem e para o mal, tornando o mundo finito e interdependente.

Foi o que passou a exigir mecanismos institucionalizados de cooperação entre os Estados por meio de organizações internacionais. Estas criam tabuleiros diplomáticos que geram normas e pautas de conduta, elaboradas coletivamente pelos Estados para regerem suas recíprocas relações. Essas pautas e normas expressam em distintas conjunturas o possível da cooperação e do entendimento internacional. São sempre uma contínua, porém esquiva, conquista da razão política.

O Brasil participou dos momentos inaugurais da diplomacia multilateral: a Conferência de Paz de Haia em 1907 e a Conferência de Paris de 1919, a qual, ao término da 1.ª Guerra Mundial, levou à criação da Sociedade das Nações. A partir dessas experiências, o pensamento diplomático brasileiro identificou no multilateralismo um dos caminhos para a ação da política externa do País. Avaliou que um país como o nosso, de escala continental, sem “excedentes de poder” – como dizia o chanceler Saraiva Guerreiro –, mas com “interesses gerais” na dinâmica de funcionamento do mundo que o afeta, é nos tabuleiros do multilateralismo que sua voz encontra espaço para efetiva articulação.

Merval Pereira - País trapaceado

- O Globo

Quase à surdina, um projeto de reorganização da legislação partidária e eleitoral foi aprovado na Câmara e está a ponto de ser votado no Senado

O país está sendo trapaceado à luz do dia por aqueles que deveriam representar os cidadãos brasileiros, deputados e senadores. O Congresso, que havia começado a recuperar sua credibilidade junto à opinião pública, liderando o projeto de reformas do Estado, dilapida seu patrimônio em reconstrução adotando medidas em benefício próprio, sem debates com a sociedade.

Quase à surdina, um projeto de reorganização da legislação partidária e eleitoral foi aprovado na Câmara e está a ponto de ser votado no Senado, num ritmo sumário que, mais uma vez, impede o amplo debate.

Entidades de combate à corrupção, como a Transparência Partidária, fizeram estudos e divulgaram um documento alertando para os prejuízos que esse projeto pode trazer.

Mais dinheiro público está prestes a ser gasto, se aprovado esse projeto. Ele permite o pagamento, com dinheiro público, de advogados para políticos acusados de corrupção; permite o pagamento de advogado em processo de “interesse indireto” do partido; permite o pagamento de passagens aéreas com recurso do Fundo Partidário para qualquer pessoa, inclusive não filiados.

As multas por desaprovação das contas só podem ser aplicadas se ficar comprovada conduta dolosa, ou seja, intencional. Em consequência, as prestações de contas ainda não transitadas em julgado em todas as instâncias serão anistiadas.

Para facilitar as coisas para nossos candidatos a parlamentar, pessoas físicas poderão pagar despesas de campanha com advogados e contadores sem limite de valor, o que abre margem para caixa dois e lavagem de dinheiro público.

Bernardo Mello Franco - A CPI que preocupa o PSL

- O Globo

O partido do governo quer melar uma CPI sobre o uso das redes sociais na eleição de 2018. Há poucos dias Bolsonaro, disse: “Eu nada fiz de errado durante a campanha”

Nos últimos dias, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) conheceu a fúria das milícias virtuais. Presidente da recém-instalada CPI Mista das Fake News, ele virou alvo de insultos e ameaças de morte. A mensagem mais agressiva, encaminhada à Polícia Legislativa, prometia “encher sua boca de chumbo”. “É um negócio assustador. Nunca vi nada parecido”, diz o parlamentar, que entrou na política há 31 anos como prefeito de sua cidade natal.

A comissão começou a funcionar na última terça. Foi uma estreia tumultuada. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que prefere atuar nos bastidores, assumiu o papel de líder da tropa de choque do governo. Ele se esforçou para barrar a convocação de um representante do WhatsApp, o aplicativo de mensagens instantâneas que mudou a forma de fazer campanha.

“Eu perguntei qual o fato determinado. Não existe”, alegou o primeiro-filho, apesar das múltiplas provas de uso do zap para disseminar notícias falsas e manchar reputações. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) tentou socorrê-lo com uma tese curiosa. Alegou que o WhatsApp seria uma “rede social privada”, e por isso não teria a obrigação de prestar contas ao Congresso“ As pessoas conversam, entre WhatsApp e Telegram, coisas privadas. Há de se diferenciar as redes sociais”, disse, sem convencer os colegas de outros partidos.

Míriam Leitão - MP infiel e a democracia

- O Globo

Democracia é a soma de inúmeros detalhes formando um mosaico. Ela corre riscos quando é atacada em cada uma das suas partes ou princípios

O evento marcante da semana passada foi o alerta de que a democracia corre riscos. Pelo aviso em si e pelo local: plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi dito não apenas pela pessoa que se despedia do cargo, a procuradora-geral, Raquel Dodge, mas pelo decano ministro Celso de Mello. O ministro começou a semana com uma nota de condenação à censura, e na quinta-feira estava listando o que o Ministério Público é e o que não pode ser. A democracia é a soma de inúmeros detalhes formando um mosaico. Ela corre riscos quando começa a ser atacada em cada uma das suas partes ou princípios.

O que estava em questão naquela sessão era o Ministério Público. Como ele deve ser, segundo a Constituição. Em resumo, o decano disse que o Ministério Público não serve a governos, a pessoas, a grupos ideológicos. Não se curva à onipotência do poder. Não deve ser o representante servil da vontade unipessoal, nem pode ser instrumento contra as minorias. “Sob pena de o Ministério Público ser infiel a uma de suas mais expressivas funções (...) que é a de defender a plenitude do regime democrático.” Foi assim, toda pontuada de recados, a fala do decano. A sessão fora aberta com declarações do ministro Dias Toffoli nesta mesma linha. O que parecia ser apenas uma formalidade ganhou força de recado e alerta.

Ascânio Seleme - ‘O senhor não pode errar’

- O Globo

Houve quem visse nas conversas de Augusto Aras com senadores um certo ar de independência do escolhido por Jair Bolsonaro para chefiar a Procuradoria-Geral da República. Confesso que enxerguei a coisa de maneira inteiramente oposta. Ao tentar argumentar a favor da liberdade que terá para exercer a função, que de resto lhe garante a Constituição, o nomeado acabou de maneira inequívoca mostrando quem vai mandar mesmo na PGR quando seu nome for aprovado pelo Senado.

A frase de Aras ao senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), captada pelo microfone do repórter cinematográfico Marcione Santana, da TV Globo, não mostra altivez do indicado e tampouco um aviso ao presidente de que, empossado, seria ele quem daria as cartas de maneira livre e soberana, como se supôs. Ao contrário, na afirmação gravada pela câmera do cinegrafista, Aras avisava a Bolsonaro que era melhor ele escolher para o posto alguém alinhado porque, de outra forma, não teria qualquer controle sobre a PGR.

Foi explícito. Aliás, nunca se viu antes de maneira mais clara um candidato à vaga de procurador-geral afirmando a um presidente da República por que é melhor ir logo escolhendo um dos seus para a função. A frase de Aras não deixa muita dúvida. “Eu disse ao presidente exatamente isso: presidente, o senhor não pode errar (...) porque o Ministério Público, o procurador-geral da República, tem garantias constitucionais, que o senhor não vai poder mandar, desmandar ou admitir a sua expressão. Tem a liberdade de expressão para acolher ou desacolher qualquer manifestação. O senhor não vai poder mudar o que for feito”.

Dorrit Harazim - Réquiem

- O Globo

Incêndio no Badim foi, mais uma vez, ‘apenas’ uma aposta de risco que deu errado numa cidade já castigada ao máximo

As duas tragédias não poderiam ser mais distintas. O atentado terrorista às Torres Gêmeas de Nova York interrompeu o mundo que conhecíamos até aquela manhã de 11 de setembro de 2001. Teve dimensão planetária, fez 2.977 mortos diretos e quase dez mil vítimas que continuam morrendo aos poucos devido à inalação de toxinas. O ataque teve, sobretudo, precisão cirúrgica. “Quando você quer humilhar um império, você mutila suas catedrais, símbolos de sua fé”, resumiu à época a jornalista Nancy Gibbs. Para os terroristas do grupo Al-Qaeda, destruir as Torres Gêmeas fincadas no coração de Wall Street, nas barbas da Estátua da Liberdade, e atingir a fortaleza de concreto que abriga o Pentágono em Washington significava acertar os santuários econômico e militar da maior potência mundial.

Já o incêndio de quinta-feira no Hospital Badim, Zona Norte do Rio de Janeiro, teve o destino reservado a faits divers trágicos do noticiário internacional — acabou espremido entre o avanço das queimadas no Brasil, o curso delirante do Brexit, o enterro do ex-presidente do Zimbábue, o debate entre candidatos à sucessão de Donald Trump. Visto de longe, foi mais uma horrenda fatalidade não intencional, com um saldo inicial de 11 mortos. No calendário das tragédias cariocas de 2019, a desta semana veio se somar ao incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo (fevereiro, 10 mortos), o desmoronamento de um condomínio na Muzema (abril, 24 mortos).

A infâmia está justamente nessa cruel diferença: o incêndio do Badim não foi arquitetado nem planejado ao longo de anos para ferir de morte ou colocar de joelhos um inimigo colossal. Foi, mais uma vez, “apenas” uma aposta de risco que deu errado numa cidade já castigada ao máximo por quem faz dela seu feudo privado. Até o fechamento deste texto, as investigações sobre a origem do incêndio e prováveis lacunas no protocolo de emergência do hospital estavam apenas no início. É possível, senão provável, que a habitual cadeia de atalhos no cumprimento de normas segurança, inspeção e prevenção apareça lentamente, muito depois dos enterros, das missas de sétimo dia, dos aniversários de morte. É possível, bastante provável, que responsabilidades não conseguirão ser punidas no cipoal jurídico em que tragédias deste porte costumam ficar enredadas.

Elio Gaspari* - Moro desculpou-se, mas não se arrependeu

- O Globo | Folha de S. Paulo

A única coisa verdadeira na carta do então juiz da Lava Jato era a data

No dia 29 de março de 2016, o juiz Sergio Moro pediu "escusas" ao Supremo Tribunal Federal por ter liberado a divulgação do áudio de um telefonema da presidente Dilma Rousseff a Lula. Os 95 segundos da conversa detonaram a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil e deram mais um empurrão na derrubada do governo petista.

Moro escreveu o seguinte: "Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo."

Mensagens e grampos reunidos por uma equipe da Folha e do Intercept Brasil mostraram que a única coisa verdadeira na carta de Moro era a data.

Moro e os procuradores quiseram, e conseguiram, criar a polêmica e constrangimento.

A ARMAÇÃO, ATÉ AS 13H32 DO DIA 16
Aos fatos:

A pedido de Moro, os telefones usados por Lula estavam grampeados pela Polícia Federal desde o final de fevereiro. No dia 15 de março, a equipe que ouvia as conversas concluiu um relatório com 42 transcrições. A última havia ocorrido às 19h17 do dia 14.

Desde o dia 9 o procurador Deltan Dallagnol sabia que Dilma havia oferecido a chefia da Casa Civil a Lula. A informação veio de um agente da PF e às 19h25 Deltan solicitou ao delegado Igor Romário de Paula que lhe conseguisse um CD com os grampos: "Estou sem nada para ouvir no carro rsrsrs."

No dia seguinte, falando com o delegado, Deltan pediu para receber todo o conjunto que "pode ser importante para indicar riscos à segurança e à condução". Era voz corrente que Lula poderia ser preso.

No dia 13, Moro alertou Dallagnol para a possibilidade de mudança de foro do processo de Lula caso ele virasse ministro. De fato, os grampos do dia seguinte informavam que Lula iria a Brasília para conversar com Dilma, precisando de "meia hora sozinho com ela".

Luiz Carlos Azedo - Sob o signo de Jano

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“É preciso defender uma sociedade na qual a comunicação cotidiana e o discurso da vontade possibilitem uma vida melhor e mais segura, num ambiente de plena liberdade”

O mito romano de Jano (do latim Janus ou Ianus) era representado com duas cabeças, simbolizando os términos e os começos, o passado e o futuro, o dualismo relativo de todas as coisas. No seu templo, as portas principais ficavam abertas em tempos de guerra e eram fechadas durante a paz. Era o deus tutelar de todos os começos, patrono de todos os finais. O principal monumento em sua glória se encontra em Roma, no Museu do Vaticano: o busto Ianus Geminus. Não à toa, Jano acabou escolhido para representar o primeiro mês do ano do calendário romano (janeiro, do latim januarius), pelo imperador Numa Pompílio (715-672 a.C.).

Sua representação de caras opostas, uma olha para frente e outra olha para trás, pode ser entendida como se examinasse as questões por todos os seus aspectos. O filósofo e sociólogo alemão Jüngen Habermas, um dos expoentes da famosa Escola de Frankfurt e da tradição da teoria crítica e do pragmatismo, em novembro de 1984, numa palestra no parlamento espanhol, invocou a imagem de Jano para falar sobre o caráter inacabado da modernidade. Habermas dedicou a vida ao estudo da democracia, especialmente por meio de suas teorias do agir comunicativo, da política deliberativa e da esfera pública.

Àquela época, estudava a crise do Estado de bem-estar social e o esgotamento das energias utópicas, tema que abordou no seu discurso, intitulado a Nova obscuridade, cujas notas estão reunidas numa coletânea de textos publicada com o mesmo nome no Brasil, pela Editora Unesp (2011). Passaram-se quase 35 anos, desde então, suas previsões se consolidaram em muitos aspectos. De fato, houve uma mudança de paradigma da sociedade do trabalho para a sociedade da comunicação. Essa mudança explica muito do que está acontecendo hoje no Brasil, principalmente na política.

Eliane Cantanhêde - Big brother?

- O Estado de S.Paulo

Controle de dados pode servir, além da defesa de aliados, para ataque de adversários?

O mais novo temor em Brasília é que a Lava Jato original possa ser trocada por uma Lava Jato particular, em que os dados não seriam mais compartilhados por uma força-tarefa de juízes, procuradores, auditores e delegados para o combate à corrupção, mas, sim, centralizados num único gabinete: o do presidente da República.

Quando se questiona essa investida simultânea na PF, no antigo Coaf e na Receita, suspeita-se que tudo isso é para a proteção de filhos, parentes, amigos e poderosos dos três Poderes. Que tal olhar para o outro lado da moeda? E se, em vez de ser exclusivamente de defesa, uma intervenção nas instituições de investigação servir também para o ataque?

Em tese, já imaginaram o que pode representar a PF nas mãos de um filho do presidente, eventualmente escrivão de polícia; um secretário da Receita Federal disposto a mudar tudo e a centralizar os dados e investigações para dividi-las com o poder; um chefão do Coaf que admita compartilhar informações sobre movimentações financeiras com o Planalto?

Significa que, sempre em tese, uma única pessoa, o presidente da República – atual ou futuro – teria a sua disposição um mapeamento detalhado da vida pessoal, da folha policial e dos dados fiscais e bancários de todos os seus desafetos de qualquer área. Além de defender o amigo X, ele poderia facilmente atacar o adversário Y.

Vera Magalhães - Piada no exterior

- O Estado de S.Paulo

Vexames internacionais recomendam atenção ao discurso de Bolsonaro na ONU

Jair Bolsonaro diz que irá a Nova York para fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU nem que seja de maca ou de cadeira de rodas. Mais do que encarar o compromisso como um desafio físico, algo já delicado diante de sua recuperação de mais uma cirurgia na região do abdome, o presidente deveria ter em mente a importância simbólica da ocasião, e se preparar tecnicamente para ela, caso resolva mesmo ir a qualquer custo.

Bolsonaro chegará à ONU com os olhos do mundo voltados para o Brasil. E as razões para isso são, principalmente, decisões, ações, falas e comportamentos do presidente brasileiro e de expoentes de seu governo. O centro da geleia geral externa produzida pelo bolsonarismo nos últimos meses é a questão ambiental.

Janio de Freitas - Lavar a Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Não há quem investigue os maus investigadores, acusadores e julgadores

Só com uma Lava Jato da Lava Jato, uma Lava Jato honesta para investigar a Lava Jato deformada, sob manipulação de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, para interferências políticas e eleitorais. E ainda para ganhos pecuniários pessoais.

As revelações do site The Intercept Brasil, quase todas em associação com a Folha, tornam impossível qualquer dúvida respeitável sobre o desvirtuamento, passível de configuração criminal, do ataque à corrupção. Mas, dada a gravidade das revelações, provoca uma outra dúvida: a de que haja, entre as instituições apropriadas, ao menos uma capaz de investigação tão profunda e consequente quanto necessário.

O Ministério Público, no qual se enquadram a Procuradoria-Geral da República e os procuradores, já fez muitas exibições do seu corporativismo, um apego de proteção mútua entre os integrantes, com mais serviços aos próprios do que ao interesse geral. Seu Conselho Nacional é um exemplo admirável de omissão por coleguismo: nunca viu um desmando nas acusações públicas e sem provas, nas fake news de inúmeros vazamentos, nas entrevistas insolentes com o Supremo e o Congresso.

Vinicius Torres Freire - O grande acordão do governo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

No tumulto aparente, se ajeitam interesse de família, de elites econômicas e dos Poderes

A gritaria ultrajante do bolsonarismo e as crises de governo criadas pelo próprio governo produzem queimadas e fumaças políticas que obscurecem acontecimentos da selva brasileira. Os casos da Amazônia, do teto de gastos e da CPMF são sintomáticos. Mas, desde a aprovação da reforma da Previdência, faz dois meses, há certa ordem notável sob o tumulto que é o Brasil sob Jair Bolsonaro. Por exemplo:

1) quase no mesmo instante da votação favorável da Previdência, Bolsonaro passou a radicalizar no ultraje, no mandonismo, na aproximação com os neopentecostais, no elogio da ditadura e deixou ainda mais claro que está em campanha eleitoral;

2) parte pequena da elite econômica, de resto quase toda acomodatícia e tolerante das barbaridades, passou a insinuar que o presidente é um risco também para a economia. O projeto da "centro-direita" para 2022 reapareceu. Ainda assim, a maioria se cala, por colaboracionismo, gosto, cinismo ou interesse cru. Bolsonaro ainda seria preço razoável a pagar por "reformas";

Bruno Boghossian – Diplomacia do submundo

- Folha de S. Paulo

Método da diplomacia brasileira empurra país para margem do debate internacional

Em sua mais recente investida contra o que chama de “climatismo”, o chanceler Ernesto Araújo recorreu a uma notícia sensacionalista que viralizou nas redes e citou um cientista controverso, que era financiado pela indústria do petróleo.

O discurso do ministro na última quarta (11) na Heritage Foundation, centro de estudos conservador nos EUA, cimentou a tentativa do governo de dar tons ideológicos à discussão sobre a preservação ambiental. Nas palavras de Araújo, a questão das mudanças climáticas ganha contornos de conspiração global.

Em dado momento, o chanceler alertou: políticos e a mídia começam a demonizar o consumo de carne. “Alguém sugeriu”, disse ele, “que nós deveríamos recorrer ao canibalismo para salvar o planeta, deixando de comer carne bovina, que destrói a Amazônia, na narrativa deles”.

Ricardo Noblat - É a lei, estúpidos!

- Blog do Noblat | Veja

O que Deltan Dallagnol e Sérgio Moro esqueceram
Alguns pontos chamam atenção na entrevista por escrito dada por Deltan Dallagnol, chefe da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba, ao jornal Correio Braziliense, e publicada no último fim de semana.

Sobre as mensagens trocadas por ele com seus colegas procuradores e com o ex-juiz Sérgio Moro, e divulgadas pelo site The Intercept, disse Dallagnol que elas foram “descontextualizadas e até mesmo editadas”. Recomenda a leitura dos diálogos como a melhor forma para se concluir que nada revelam de criminoso.

Quer dizer: ele se nega a confirmar a autenticidade das mensagens quando acompanhadas de comentários a respeito, mas os diálogos em estado bruto, e somente eles, não. Foram tantas as mensagens divulgadas até aqui que Dallagnol poderia ter apontado uma, pelo menos uma, que tenha sido editada ou manipulada. Não o fez.

A Polícia Federal ainda investiga se os hackers de Araraquara, que capturaram as mensagens e as repassaram ao The Intercept, foram pagos ou não pelo serviço. Eles negam que tenham sido pagos. Mas Dallagnol, que condena a interpretação apressada que se dá às mensagens de sua autoria, logo se apressa em sugerir:

“Um dos presos tem longa ficha criminal que aponta a prática de crimes por dinheiro. Um dos envolvidos chegou a dizer que o plano era de vender as mensagens. É razoável supor que ele possa ter recebido para passar minhas mensagens adiante. Até porque ele teve movimentações de ordem milionária (…)”.

Como é um bom moço, preocupado antes de tudo em fazer justiça, tem o cuidado de acrescentar:

“Mas é preciso aguardar o desfecho das investigações para saber exatamente o que ocorreu. Confiamos na PF.”

Houve exageros na divulgação das operações policiais ao longo da força-tarefa da Lava-Jato? – perguntou o jornal. Os crimes praticados é que foram exagerados, respondeu Dallagnol. “Prestamos informações públicas para a imprensa porque respeitamos sua importância na democracia”, justificou-se.

A imprensa tem a obrigação de transmitir ao distinto público tudo o que possa lhe interessar – de informações oferecidas pelos procuradores da Lava Jato a informações descobertas sobre o modo como eles se conduziram à frente da operação. Erraria gravemente se transmitisse umas e escondessem outras.

Dallagnol queixou-se da imprensa:

“O que vemos é o enfraquecimento do direito à privacidade e ao sigilo profissional para viabilizar a divulgação de fofocas, opiniões pessoais, cogitações e mesmo de estratégias, planos e atos de investigação legítimos. Isso tem prejudicado investigações em curso que tramitam sob sigilo. Não há interesse público nisso”.

O que pensa a mídia – Editoriais

- Editorias de hoje

Defesa da lei e da democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Na última sessão de Raquel Dodge como procuradora-geral da República no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), vários discursos lembraram a elevada missão do Ministério Público. Como a Constituição estabelece no art. 127, compete-lhe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Longe de ser uma questão protocolar, é de grande importância reafirmar, especialmente nestes tempos confusos, a missão institucional do Ministério Público, que deve submissão apenas à lei.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, lembrou que o Ministério Público é “o guardião independente da integridade da Constituição e das leis”. Ou seja, ele “não serve a governos, ou a pessoas, ou a grupos ideológicos, não se subordina a partidos políticos, não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República, nem deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja ou o instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias”, disse o ministro Celso de Mello.

Para que o Ministério Público possa cumprir bem o seu papel de defesa da ordem jurídica, é imprescindível que ele seja de fato independente, não sujeito a interesses pessoais ou corporativos. “Sem um Ministério Público forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate à corrupção, os valores democráticos e republicanos propugnados na Constituição de 1988 estariam permanentemente ameaçados”, disse o presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

A independência do Ministério Público não diz respeito, portanto, apenas à instituição ou aos seus membros. Tal prerrogativa é do interesse de todos os cidadãos, pois, cumprindo sua missão institucional, o Ministério Público assegura a todos o exercício das liberdades e garantias fundamentais.

Poesia | Paulo Mendes - Sentimento do tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce