sábado, 26 de outubro de 2019

Opinião do dia – Eros Grau*

Fui relator do processo no julgamento que decidiu que a Constituição deve ser lida, e zelar o que está escrito no artigo 5.º. Está lá no inciso LVII que a prisão é só quando o processo estiver transitado em julgado.

A Constituição tem de ser cumprida. E nesse caso, o preceito é muito claro. Não tem como ser interpretado de modo diverso. (A interpretação do art. 5.º da Constituição) é uma coisa mais do que clara, nítida, cristalina, como a luz solar.

*Eros Grau, jurista, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em O Estado de S. Paulo, 26/10/2019

Marco Aurélio Nogueira* - Tempestade perfeita

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro planta ventos e fogueiras. Poderá levar o País a um beco sem saída

A crise que ameaça dizimar o PSL expôs as entranhas do governo de Jair Bolsonaro e de seus filhos, que ao abrirem fogo contra o partido no qual estavam abrigados evidenciaram os desencaixes e atritos que a embriaguez provocada pelo sucesso eleitoral teimava em ocultar.

Até as eleições de 2018 o PSL era um pequeno feudo controlado por Luciano Bivar. A vitória nas urnas foi bombástica e o partido tornou-se a segunda maior bancada da Câmara, repleta de deputados eleitos no embalo de Bolsonaro. Permaneceu como um agregado sem visão de mundo clara, sendo levado a trafegar pela direita para acompanhar as circunstâncias. Insinuou-se como base de um governo que carecia de sustentação parlamentar.

O crescimento não é processo indolor. Nos partidos políticos costuma vir acompanhado da ampliação das disputas internas por espaços de poder e influência, que invariavelmente se traduzem em lutas pelo controle da máquina partidária, a começar do diretório nacional e chegando aos cargos de liderança em âmbito estadual e no Legislativo. As alas mais fortes tendem a subordinar as demais.

Bastou que o clã Bolsonaro apresentasse suas pretensões imperiais, e o fizesse com a delicadeza e a sutileza que o caracterizam, para que o PSL começasse a soltar fumaça por todas as ventas. A sujeira veio para fora de uma só vez.

O atrito repercutiu no heterogêneo território da extrema direita, uma força que crescia desde o governo Dilma Rousseff e foi repentinamente projetada para o primeiro plano da política nacional. De emergente que era, o movimento ganhou musculatura e autoconfiança, ingredientes com os quais passou a se sentir “dono do País”.

Acontece que a extrema direita no Brasil nem de longe se aproxima de suas congêneres europeus e norte-americanos. Faltam-lhe, antes de tudo, uma doutrina, um pensamento, um grupo de intelectuais minimamente qualificados, órgãos de divulgação e formação de quadros. A própria base material em que opera lhe é adversa: não há imigrantes, estrangeiros “perigosos”, ameaças iminentes à “Pátria imaculada”, o supremacismo não casa com a sociedade brasileira, o racismo não provoca orgulho em ninguém. Sua casa são as redes sociais, onde ela deita e rola, os templos evangélicos e os bolsões fanatizados de lealdade ideológica. Seu negócio é a guerra cultural e a retórica agressiva.

João Domingos - O desafio do Supremo

- O Estado de S.Paulo

Há muita culpa de dirigentes do STF na pressão que seus ministros sofrem

Qualquer pessoa de qualquer país que der uma lida no noticiário político ou se aventurar pela selva das redes sociais, verá que o Supremo Tribunal Federal (STF) está diante de um desafio sem igual na história recente: decidir, sob violenta pressão, se é constitucional ou inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Pelas contas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase 5 mil presos podem ser beneficiados se o STF concluir que a prisão só pode ocorrer depois de todo o trânsito em julgado do processo. Pelo que se pode observar, dos mais variados presos, o interesse todo se volta para um, o ex-presidente Lula. A depender do que o STF decidir, ele pode ser solto.

A jurisprudência do STF a respeito da prisão em segunda instância é de 2016. Ela teve como fundamento principal o fato de que cabe apenas às instâncias ordinárias (Varas, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) o exame dos fatos e das provas. Portanto, são essas instâncias que fixam a responsabilidade criminal do acusado. Nos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo, a discussão diz respeito apenas a questões legais ou constitucionais.

Tal jurisprudência foi fundamental para o sucesso da Operação Lava Jato. Permitiu que o então juiz Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, mandasse para a cadeia um sem número de empresários, políticos muito poderosos, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral, ambos do MDB do Rio de Janeiro, dirigentes partidários e Lula, um líder popular e carismático. Derrubar agora a prisão em segunda instância seria um golpe quase fatal na Lava Jato ou no avanço do combate à corrupção. A polarização política, que já é imensa, tende a ficar ainda maior.

Adriana Fernandes - O não à reforma tributária

- O Estado de S.Paulo

A reforma tributária é a primeira vítima do desacerto político

O caldo entornou de vez entre a Câmara e o Senado por conta da proposta de reforma tributária.

As lideranças das duas Casas não conseguem chegar a um acordo nem mesmo sobre o comando da comissão mista informal que seria criada para buscar uma convergência entre as duas propostas de reforma que tramitam no Congresso: a PEC 45, patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a PEC 110, bancada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

A coluna apurou que a Câmara propôs ao Senado a presidência da comissão mista para o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e a relatoria da proposta para o líder da maioria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O Senado disse não e não. O acordo pode naufragar. Aguinaldo é o atual relator da PEC de reforma da Câmara e Rocha, da proposta do Senado.

A criação da comissão mista faz parte do acerto dos presidentes Maia e Alcolumbre com o ministro da economia, Paulo Guedes, para a divisão da forma de tramitação das próximas reformas que serão enviadas pelo governo, depois da previdenciária aprovada na última semana.

Apesar do acordo para as reformas de gastos, do Pacto Federativo e administrativa (serviço público), a tributária ficou sem rumo certo e acabou sendo postergada para 2020.

O descontentamento foi grande com a iniciativa do líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), de anunciar no meio da semana um acordo para o adiamento da reforma tributária para o ano que vem. “Não tem acordo”, reagiu Aguinaldo em conversa com a coluna.

2ª instância opõe visões sobre a Constituição ‘Não existe interpretação intermediária’

Enquanto um grupo defende o texto, outro considera hipótese de interpretá-lo

Tulio Kruse | O Estado de S. Paulo

A possibilidade de revisão do entendimento do Supremo Tribunal Federal(STF) sobre prisões após condenações em segunda instância, aberta anteontem a partir do voto da ministra Rosa Weber, reascendeu a discussão entre os que defendem os preceitos da Constituição e aqueles que consideram interpretá-lo em nome do combate à criminalidade. Interrompido com placar de 4 a 3 a favor da condenação em segunda instância, o julgamento está previsto para ser retomado em novembro.

Relator do julgamento que garantiu o direito de recorrer de uma condenação em liberdade até a última instância, em 2009, o ex-ministro do STF Eros Grau diz que não há margem para interpretação. Para ele, o artigo 5.º da Constituição é claro em estabelecer que a prisão deve ocorrer após o trânsito em julgado.

Já o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, considera que o texto constitucional não é absoluto e que prisão após condenação em segunda instância é “salutar”. Segundo ele, a Constituição diz que ninguém pode ser considerado culpado até o fim do processo penal, mas não diz claramente que o réu não pode ser preso.

Para o jurista Eros Grau, ex-ministro do Supremo, abrir a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância é descumprir o art. 5º da Constituição, que prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“Fui relator do processo no julgamento que decidiu que a Constituição deve ser lida, e zelar o que está escrito no artigo 5.º. Está lá no inciso LVII que a prisão é só quando o processo estiver transitado em julgado.”

“A Constituição tem de ser cumprida. E nesse caso, o preceito é muito claro. Não tem como ser interpretado de modo diverso”, avaliou. Segundo o ministro, o entendimento de que é possível prender um réu condenado em segunda instância foi firmado em 2o16 porque os ministros “não estão cumprindo o dever de respeito à Constituição, que é o dever do magistrado.” “(A interpretação do art. 5.º da Constituição) é uma coisa mais do que clara, nítida, cristalina, como a luz solar.”

Para juristas, mudança via Congresso é inconstitucional

Texto da lei que aborda presunção de inocência é cláusula pétrea, que só pode ser modificada por Assembleia Constituinte

Dimitrius Dantas | O Globo

Cogitada por defensores da prisão após a condenação em segunda instância, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitisse a execução provisória da pena é vista com dúvidas por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Segundo eles, uma alteração na lei poderia atingir diretamente uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada nem pelo Congresso. Assim, seria inconstitucional. Atualmente, há apenas um projeto estudado pela Câmara, de autoria do deputado

Alex Manente (Cidadania/SP). A proposta, contudo, planeja mudar um dos incisos do artigo 5º da Constituição. Entre juristas, no entanto, é praticamente unanimidade que esse trecho da Constituição é inalterável.

— A discussão trata do artigo 5º. Se quiser mudar essa situação por uma PEC, teria que ir de encontro ao artigo 5º e, do ponto de vista jurídico, seria flagrantemente inconstitucional — afirma o advogado Evandro Fabiani Capano, professor de Direito Penal da Mackenzie.

As cláusulas pétreas servem para proteger direitos fundamentais presentes na Constituição, listados neste artigo, além de outros direitos e a organização da democracia, como o voto direto, a separação entre os Poderes e a forma federativa do Estado.

O trecho em discussão prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. No Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros discutem se essa definição exige ou não a necessidade do esgotamento dos recursos para a prisão.

—É inconstitucional (uma PEC) porque a presunção de inocência é uma cláusula pétrea. Ou seja, ela é imutável mesmo por emenda à Constituição.

Somente a convocação de uma nova Assembleia Constituinte pode alterar cláusula pétrea que protege direitos fundamentais — afirma Rodrigo Pacheco, defensor público-geral do Rio.

PROPOSTA DE PELUSO
Na quinta-feira, em evento em São Paulo, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge chegou a sugerir a possibilidade da apresentação de uma PEC que permitisse a mudança. A tramitação da proposta do deputado Alex Manente foi acelerada por deputados próximos à Operação Lava-Jato, como o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Felipe Francischini (PSL-PR).

Míriam Leitão - O amigo oculto e a sala da maldade

- O Globo

Parte da comunicação do presidente é clandestina e age de forma ilegal tendo como prática crimes de calúnia e difamação


Os que até recentemente orbitavam em torno do bolsonarismo têm feito revelações que o país precisa ouvir. São alertas importantes das sombras que cercam o novo poder no Brasil. Fabrício Queiroz negocia cargos públicos, como revelou O GLOBO. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) confirma o que tem sido dito pela imprensa. Que dentro do Palácio do Planalto funciona um escritório de atividades ilegais de ataque aos supostos adversários do governo. O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) alerta sobre a gravidade de o presidente oferecer vantagens para quem apoiasse o filho na liderança.

Só há um caminho seguro: esclarecer todas as sombras que cercam a presidência de Jair Bolsonaro. A administração tem mais de três anos pela frente e já deu para entender que ela trabalha com dois padrões de julgamento: condena nos outros as irregularidades que aceita para si e para os seus.

O que é preciso para que as autoridades que combatem a corrupção no Brasil entendam o caso Queiroz? Ele foge de depoimentos, o MP se contenta com um documento escrito do suspeito, ele se esconde, é encontrado pela imprensa, e agora este jornal traz um áudio incontornável. Nele, o ex-assessor comprova com todas as letras sua continuidade delitiva. Oferece nomeações políticas e pede dinheiro para isso. “20 continho aí pra gente”. Segundo ele disse, “há mais de 500 cargos” no Congresso e pode-se nomear sem que apareça a vinculação “ao nome”. Revela que sabe o cotidiano do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ele estava sendo investigado, fora exonerado há meses, e exibiu sua influência sobre nomeações políticas.

Julianna Sofia – Minidireitos

- Folha de S, Paulo

Operadoras de planos de saúde querem baratear produtos. Quebrou a perna? Vá ao SUS

Foi em 2003 a última vez que os planos de saúde individuais tiveram reajuste abaixo da inflação. Desde lá, a Agência Nacional de Saúde vem autorizando anualmente as operadoras a cobrarem dos usuários aumentos que superam a variação dos índices de preço em geral.

Nos últimos anos, com a economia ladeira abaixo e o desemprego ladeira acima, o peso desses reajustes sobre as mensalidades empurrou 3 milhões de usuários de planos para as filas do SUS. Hoje, os contratos individuais e familiares não chegam a 20% do universo atendido pelo setor.

O lobby das operadoras, no entanto, atua para anuviar mais o cenário para quem precisa de assistência médica e paga plano. As empresas pressionam o Congresso a afrouxar as normas de reajuste em meio a uma discussão no Legislativo de recriar a comissão especial que já tentou mudar o regramento vigente.

Demétrio Magnoli* - Da revolução à revolta

- Folha de S. Paulo

Os governos nascem das urnas; as revoltas, das ruas

Vladimir Putin atribuiu a revolução ucraniana de 2014 a um complô americano. O governo chinês menciona a “mão negra” da Casa Branca quando fala das manifestações em Hong Kong. Segundo Filipe Martins, o sábio assessor internacional do Planalto, “os recentes movimentos de desestabilização de países sul-americanos” derivam de “uma estratégia definida pela ditadura cubana, por sua proxy venezuelana e pela rede de solidariedade que as sustenta”. Quando o temível Foro de São Paulo estala os dedos, milhares erguem barricadas em Quito e Santiago...

A razão conspiratória é o lar compartilhado por regimes ditatoriais e ideólogos primitivos. A agitação social não se restringe à América do Sul. No Líbano e no Iraque, protestos de massa coincidiram com as mobilizações chilenas. Bem antes do Equador, os “coletes amarelos” conflagraram as cidades francesas, motivados também por aumentos nos combustíveis. Há algo aí, além da coincidência temporal.

São histórias singulares, países diferentes, modelos distintos. Numa ponta, a França social-democrata, com desigualdades moderadas e taxas letárgicas de crescimento econômico. Na outra, o Chile liberal, com rápida expansão econômica e fortes contrastes sociais. Porém, em todos os casos, a centelha da revolta são cortes de subsídios de transportes, elevações de preços da gasolina, tributos sobre produtos ou serviços de consumo geral. No Líbano, a faísca foi uma taxa sobre ligações por WhatsApp.

A primeira década do século, um longo ciclo de expansão mundial, deixou um rastro de gastos públicos insustentáveis. Os ajustes em curso, que refletem a redução do crescimento global e se destinam a reequilibrar as contas públicas, são os alvos das manifestações. Não é pelos 20 centavos: o conflito organiza-se em torno de contratos sociais em mutação. Como repartir a conta da austeridade? A pergunta, cedo ou tarde, chegará ao Brasil, como uma mancha de óleo. Tomem nota, Bolsonaro e Guedes.

Roberto Simon* - Chile é o teste para a região

- Folha de S. Paulo

Democracia chilena oferecerá respostas à desilusão da massa?

Apesar da Cordilheira dos Andes e dos níveis de renda mais elevados, o Chile não está isolado e os eventos dos últimos dias —da explosão das manifestações ao pacote de medidas proposto por Sebastián Piñera— tocam em vários desafios comuns a outros países da América Latina. Um ponto, porém, merece atenção especial: se nem a mais avançada democracia latino-americana conseguir dar conta das demandas criadas por uma nova classe média, cada vez mais desiludida, é difícil imaginar quem, na região, consiga.

Nos primeiros dias da crise, parecia que a corte de Maria Antonieta havia se instalado em Santiago. Na quinta-feira (17), o presidente Piñera apareceu no Financial Times dizendo que o Chile era um “oásis” numa América Latina em convulsão. 24 horas depois, em meio a confrontos no centro de Santiago, seu gabinete, no Palácio la Moneda, cheirava a gás lacrimogêneo e o sistema de transportes da capital havia sido paralisado.

Jornalistas estranharam a ausência de Piñera em uma entrevista coletiva sobre os distúrbios. Uma foto nas redes sociais revelou seu paradeiro: uma pizzaria gourmet, celebrando o aniversário da neta. Quando ficou claro que a suspensão da alta no preço do metrô seria insuficiente para desarmar os protestos, Piñera declarou que o Chile estava “em guerra”. O general a cargo do estado de emergência discordou: “sou um homem feliz, não estou em guerra contra ninguém”.

Marcus Pestana - Uma última palavra sobre as privatizações

- O Tempo (MG)

Quanto mais o debate das privatizações abandonar o terreno ideológico e ganhar objetividade, tanto melhor. Vamos lembrar a máxima do Plano Diretor da Reforma do Estado: “nem tudo que é estatal é público, nem tudo que é público tem que ser estatal”. Mostra disso é apropriação do espaço estatal ao longo da história por interesses patrimonialistas manifestos na corrupção, no clientelismo e no nepotismo. Por outro lado, existem milhares de entidades filantrópicas que exercem funções públicas sem serem estatais.

As privatizações podem atender a diversos objetivos: contribuir com o ajuste fiscal, ganhar eficiência para a economia como um todo, atrair investimentos privados inalcançáveis para o setor público, estancar transferências do governo para empresas deficitárias e concentrar as energias das políticas públicas.

Já aqui, neste espaço, manifestei minha posição totalmente aberta às privatizações no setor elétrico. Não há nenhuma perda pelo setor ser gerido pela iniciativa privada se houver uma boa modelagem da desestatização, com metas qualitativas e quantitativas claras, e boa regulação pública dos serviços concedidos. Como Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações presenciei de perto o “day after” da privatização das telecomunicações. Na época havia a mesma discurseira ideológica: “vai beneficiar apenas os ricos”, “vai ameaçar a segurança nacional”, “vai encarecer os serviços”. Mais de vinte anos depois, o que vemos? Saímos de três milhões de celulares para mais de 230 milhões. A realidade derrotou os argumentos daqueles que ferozmente combateram a privatização da TELEBRAS.

Huck defende doações privadas em campanha eleitoral e parlamentarismo

Cotado para disputar Presidência, apresentador falou a políticos e empresários em evento em São Paulo

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Cotado para concorrer à Presidência da República em 2022, o apresentador Luciano Huck despistou sobre seus planos, mas falou muito de eleições e política em um evento nesta sexta-feira (25) em São Paulo. Ele defendeu mudanças no financiamento de campanhas, disse apoiar o voto distrital e demonstrou simpatia pelo parlamentarismo.

“Acho que a gente tem que rever doações. Com critérios, mas não pode ser única e exclusivamente um fundo público que vá sustentar os partidos e as eleições”, afirmou em seminário da Comunitas, organização independente que atua em parceria com governos e iniciativa privada.

“Você limitar o financiamento político-partidário e eleitoral só a um fundo público, no montante que ele está hoje, gerido e administrado por quem está dentro dele, eu não acho que seja o sistema mais eficiente e democrático”, disse.

Para ele, o que existia “no passado, de você poder doar para todo mundo, a qualquer tempo, independentemente da sua ideologia e da sua crença, não funcionou. Tem que trazer isso para o debate de novo”. As doações privadas foram proibidas em 2015.

O apresentador da TV Globo, que não está filiado a nenhum partido, afirmou ter ressalvas sobre a possibilidade de autorização para candidaturas independentes no Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) fará audiência pública sobre o tema em dezembro e julgará uma ação sobre a possibilidade de permitir a candidatura de pessoas sem filiação.

“Não sei se candidaturas independentes, neste momento, com mais de 30 partidos, iriam contribuir”, considerou Huck. Ele apontou a necessidade de uma reforma política ampla, para instituir o sistema de voto distrital puro ou misto e fortalecer os partidos.

“Para que [as legendas] sejam em menor número, para que não sejam plataformas fisiológicas de venda de tempo na televisão, ou de pura e simplesmente negociações políticas”, argumentou. O parlamentarismo, analisou, também poderia ser um modelo viável no Brasil, para aperfeiçoar "a relação do Poder Executivo com o Legislativo e com sociedade como um todo".

Huck evitou comentar o governo Jair Bolsonaro (PSL), depois que o presidente rebateu críticas anteriores dele e o acusou de ser “parte do caos” por ter comprado um jatinho com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

‘O que acontece no Chile tem de ser lição’, diz Huck

Apresentador, apontado como presidenciável, afirma que se o governo ‘não cuidar das pessoas’, o Brasil ‘vai implodir porque é muito desigual’

Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo

Indagado sobre a possibilidade de ocorrerem no Brasil manifestações de rua semelhantes às que têm balançado o Chile nos últimos dias, o apresentador Luciano Huck, apontado como possível candidato à Presidência em 2022, disse que, se o Estado brasileiro não aliar políticas sociais eficientes às ações liberais, o País pode sofrer uma convulsão social em médio prazo.

“O Chile, quando você conversa com os liberais, até 15 dias atrás era o ‘state of art’ (estado de arte). Só que esqueceram das pessoas. Então virou exemplo de eficiência sem afetividade. O que está acontecendo no Chile tem que ser uma lição”, disse durante o 12.º Encontro de Líderes da Comunitas realizado ontem, em São Paulo. “É óbvio que a gente tem que tentar construir um País eficiente em termos de gestão, mas ele tem que ser afetivo. Se a gente não cuidar das pessoas, este País vai implodir porque ele é muito desigual”, disse Huck.

Diante de uma plateia composta por governadores e alguns dos mais importantes empresários do País, Huck disse que o Chile, até pouco tempo apontado como exemplo de eficiência fiscal e de sucesso do modelo liberal, deve servir de exemplo para o Brasil. “Não acho que vá eclodir alguma manifestação popular no curto prazo no Brasil, mas se a vida não melhorar para valer...”, disse.

Marcha reúne 1,2 milhão para reivindicar mudanças no Chile

- O Globo

SANTIAGO - Enormes multidões tomam as ruas de diversas cidades chilenas nesta sexta-feira, na manifestação que foi apelidada de “a maior marcha do Chile” , após sete dias de tensões provocadas por protestos que levaram o presidente Sebastián Piñera a decretar estado de emergência no último sábado, militarizando a segurança pública e impondo toque de recolher em várias cidades. Inicialmente motivados por um aumento da passagem do metrô de Santiago , os protestos foram engrossados por demandas mais amplas, incluindo reformas nos sistemas de aposentadoria, educação e saúde.

Na capital, o ato, que foi convocado pela internet com a hashtag #MarchaMasGrandedeChile e acontece sem uma liderança clara, já leva mais de um milhão de pessoas à Praça Itália, segundo cálculos da polícia. Os números são os maiores já registrados em uma manifestação no país. A região metropolitana de Santiago tem 6,3 milhões de habitantes, um terço da população chilena de 18 milhões.

A intendente da região de Santiago, Karla Rubilar, indicada pelo Executivo, mas que recentemente deixou a Renovação Nacional, partido de Piñera, disse em sua conta no Twitter: "O Chile vive hoje um dia histórico. A região metropolitana é protagonista de uma marcha pacífica de cerca de 1 milhão de pessoas que representam o sonho de um novo Chile, de maneira transversal e sem distinção. Mais diálogo e marchas pacíficas exige o nosso país". Ela acrescentou, em outra mensagem, que "o que funcionou há 30 anos já não funciona mais, temos que estar à altura".
Protestos pacíficos acontecem em dezenas de outras cidades, incluindo o balneário de Viña del Mar e Punta Arenas, última cidade da Patagônia chilena.

Os manifestantes caminham pelas ruas, cantando músicas da resistência à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e portando bandeiras e faixas. As palavras de ordem incluem "O Chile despertou!" e "O povo unido, jamais será vencido". A ausência de lideranças impede uma pauta totalmente definida, mas eles exigem melhores serviços públicos e reformas econômicas, além da apuração de abusos cometidos pela polícia e pelas Forças Armadas desde que o estado de emergência passou a vigorar.

— Provavelmente será a maior manifestação de todos os tempos. Pedimos justiça, honestidade, ética no governo, não é que desejemos socialismo, comunismo. Queremos menos empresas privadas, mais Estado. As propostas que ele [Piñera] fez vão arruinar o orçamento para subsidiar empresas privadas — disse à AFP Francisco Anguitar, 38 anos, desenvolvedor de programas de computadores, referindo-se à "agenda social" lançada pelo presidente.

Famílias inteiras, incluindo muitas crianças, estavam presentes nos protestos.

— Aqui no Chile, se você não tem dinheiro, não pode optar por nada de qualidade, saúde ou educação. Eu expliquei isso aos meus filhos e é por isso que viemos hoje — disse à Reuters Agustín Valenzuela, 44 anos, na marcha de Santiago. — Tudo aqui é privatizado, é um sistema que enriquece às custas de todos nós. Existem muitas injustiças, são baixas pensões, problemas de saúde, tudo é um negócio.

Mais de 1 milhão de pessoas saem às ruas em Santiago mesmo após concessões de Piñera

Presidente voltou atrás com proposta de aumento da tarifa do transporte público, que culminou no início dos protestos há uma semana; manifestantes pedem sua renúncia

- Redação, O Estado de S.Paulo

SANTIAGO - A capital do Chile é palco de um protesto que reúne mais de 1 milhão de pessoas nesta sexta-feira, 25, na Plaza Itália, principal ponto de encontro dos manifestantes que há uma semana vão às ruas de Santiago e de todo o país para protestar contra o governo do presidente Sebastián Piñera e a falta de condições econômicas para a população mais pobre.

A informação foi confirmada pela Intendência Metropolitana. Mais cedo, a governadora da região metropolitana, Karla Rubilar, considerada uma "outsider" do grupo político de Piñera, publicou um tuíte onde se posicionou a favor dos protestos.

“A RM (Região Metropolitana) é protagonista de uma pacífica marcha de cerca de 1 milhão de pessoas que representam o sonho de um novo Chile, de forma transversal sem distinção”, escreveu no Twitter.

Bandeiras chilenas, apitos, cartazes e panelas são levados pelos manifestantes, que se concentram em uma marcha pacífica. O país está marcado pelo alto nível de repressão dos protestos, que já deixaram ao mínimo 19 mortos, somente em uma semana, enquanto denúncias de torturas e agressões feitas pela polícia e pelo Exército são feitas por institutos de proteção aos direitos humanos.

Pelo Twitter, Piñera reconheceu a manifestação em Santiago como "alegre e pacífica, onde os chilenos pedem um Chile mais justo e solidário, abre grandes caminhos de futuro e esperança. Todos escutamos a mensagem", escreveu. O presidente ainda acrescentou que com a "união e ajuda de Deus, recorreremos ao caminho a esse Chile melhor para todos".

O alto índice de feridos e mortos fez com que a Alta-Comissária para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, decidisse enviar uma equipe para investigar as denúncias. O convite foi feito pelo próprio Piñera.

Grande marcha toma Santiago em 8º dia de protestos no Chile

Segundo a polícia, mais de 1,2 milhão de pessoas se reúnem na praça Itália

SANTIAGO | REUTERS E AFP | FOLHA DE S. PAULO

No oitavo dia de protestos no Chile, a temperatura seguiu altíssima nas ruas. Mais de 1,2 milhão de pessoas se reuniram em uma manifestação pacífica na praça Itália —um dos principais locais dos atos, próxima ao palácio presidencial em Santiago.

Mais de um quinto da população da cidade (5,6 milhões de habitantes) ocupou as ruas, na maior manifestação no país desde o retorno da democracia, em 1990.

A cifra foi divulgada por um órgão da capital vinculado ao Ministério do Interior e da Segurança Pública.

A convocação para a mobilização desta sexta (25), chamada pelos ativistas de "a maior marcha do Chile", foi feita pelas redes sociais, já que os movimentos que assolam o país não têm uma liderança clara.

Ocorreram alguns confrontos isolados nas proximidades do palácio de La Moneda, sede da Presidência do Chile, também em Santiago. As forças de segurança usaram jatos de água e bombas de gás lacrimogêneo para afastar os manifestantes do local.

Em mensagem divulgada em uma rede social, o presidente Sebastián Piñera elogiou a manifestação. "Todos nós escutamos a mensagem. Todos nós mudamos", afirmou ele.

A 110 km dali, na cidade costeira de Valparaíso, o Congresso Nacional foi esvaziado por volta do meio-dia de sexta por ordem do presidente da Câmara dos Deputados, Iván Flores, devido aos confrontos com a polícia que ocorriam do lado de fora.

Ele disse que a medida foi preventiva e que não havia muitos funcionários no prédio, onde ocorria uma sessão da Comissão de Trabalho. "Não é uma evacuação, mas sugeri que eles [os parlamentares] voltassem para casa", disse Flores, acrescentando que a tensão social que o país vive é "sem precedentes".

Há uma semana, um protesto estudantil contra o aumento do preço das passagens de metrô resultou em uma explosão social sem precedentes, a mais grave em quase 30 anos desde o final da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Segunda instância já é divisor de águas para Justiça – Editorial | O Globo

A execução antecipada da pena revigorou o respeito não só ao Judiciário, mas às instituições

Suspenso no final da tarde de quinta para ser retomado no início de novembro, o julgamento da possibilidade de prisão ao ser confirmada a sentença em segunda instância tem seu desfecho praticamente definido —de que cairá a execução antecipada da pena seguida pela maioria da Corte desde 2016.

Pelos votos já lidos, e considerando-se as tendências expressas por ministros, o 4 a 3 de quinta-feira pela prisão na segunda instância se transformará em 6 a 5 pela posição contrária. Mas não convém considerar o resultado garantido, porque ministros podem mudar o voto a qualquer momento, antes de promulgado o resultado. Mas será difícil acontecer.

Porém, há ainda a possibilidade de o presidente da Corte, Dias Toffoli, que se converteu à tese de que pena só pode ser cumprida depois do “transitado em julgado”, ficar numa posição “média” e formular, como já mencionara, a proposta de que o condenado em segunda instância possa recorrer uma vez à instância seguinte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), antes de ser preso. Não é inédita a busca pelo presidente da Corte de veredictos intermediários em temas polêmicos.

Poesia | Joaquim Cardozo - Tarde no Recife

Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Maxime,
Cais do Abacaxi. Gameleiras.

Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita;
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um camelô gritando: — alerta!
Algazarra. Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes,
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem dos fidalgos
[holandeses,
Que assistem agora ao movimento das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem dos aviões para as costas
[do Pacífico;
Recife romântico dos crepúsculos das pontes
E da beleza católica do rio.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.6-7