domingo, 10 de novembro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Mais do que nunca se torna necessário uma aliança em torno de alguém que represente o que chamo de um centro liberal, democrático e progressista.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, O Globo, 10/11/2019

Merval Pereira - Lula ataca

- O Globo

Para Bolsonaro, é sopa no mel ter Lula como adversário, especialmente para reaglutinar eleitores que podem voltar a tê-lo como uma saída contra o Petismo

O mais relevante, do ponto de vista prospectivo, da fala de ontem do ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo foi a conclamação para que o povo siga o exemplo do Chile: “A gente tem que atacar, não se defender”.

Juntamente com a exaltação dos governos esquerdistas da América Latina, que voltam a se reorganizar na Argentina, na Bolívia, na Venezuela, Lula se referiu ao Chile como um país “que o Guedes” (Paulo Guedes, ministro da Economia) quer copiar.

A volta da união dos governos de esquerda na região, e o apelo à revolta popular, alimentam a reação da extrema-direita, já prenunciada pelo comentário de um dos Bolsonaro sobre a necessidade de volta de um novo AI-5 se a esquerda radicalizasse.

O problema dessa confrontação permanente, que já vem desde a eleição de 2018, é que o país fica refém de posições antagônicas, petista ou antipetista, como se não houvesse vida política fora dos extremismos. Ou se a Guerra Fria tivesse voltado em uma máquina do tempo.

O centro, que não tem um candidato visível com competitividade, como não teve na eleição presidencial, vai ser esmagado novamente se não acontecer a união dessas forças centristas que, embora majoritárias, não conseguem se exprimir unitariamente em torno de uma ideia-força que faça surgir uma liderança.

Míriam Leitão - A modernidade é um projeto inteiro

- O Globo

O aumento da eficiência do Estado não pode servir a um projeto de retrocesso institucional. Não existe meia modernidade

No mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro levou ao Senado três projetos de emenda à Constituição que prometem reformar o Estado brasileiro, ele fez questão de participar de uma reunião com garimpeiros. Bolsonaro prometeu a eles que a lei que permite queimar equipamento apreendido não será cumprida e perguntou quem era o funcionário do Ibama responsável pelos atos dos quais eles reclamavam. Uma autoridade que publicamente intimida servidor e estimula o ilegal vai modernizar o Estado?

Há sempre a imagem de médico e monstro quando se quer referir a uma pessoa com atitudes opostas. No caso de Bolsonaro, a imagem não se encaixa, porque ele raramente é o médico. Dias atrás ele falou em mandar para a “ponta da praia”, ou seja, para lugar de execuções de presos políticos na ditadura, um servidor que não aprovava a licença ambiental para um empreendimento de um empresário amigo do governo.

Na última terça-feira, na conversa com garimpeiros, ele prometeu, mais uma vez, que os equipamentos apreendidos na prática de crimes ambientais não seriam mais queimados. A lei autoriza queimar quando não se pode remover o equipamento. “Se a máquina entrou lá, ela sai. Já dei a dica para vocês, se entrou, sai.” Mas onde essas máquinas estão entrando? Em terra pública e de forma criminosa. Os agentes do Ibama, portanto, estão cumprindo seu dever de autuar. Seria prevaricação se não o fizessem. Depois o presidente perguntou aos garimpeiros: “Quem é o cara do Ibama que está fazendo isso no estado lá?” E lá é no Pará, um estado onde há uma luta renhida, de anos, entre o legal e o ilegal. Nesse mesmo dia, em que Bolsonaro incentivou o descumprimento da lei, e intimidou publicamente um servidor, ele foi ao Senado para entregar projetos que sua equipe econômica preparou para melhorar as contas públicas em todos os níveis da federação.

Bernardo Mello Franco – Lula mostra as cartas

- O Globo

Depois de 580 dias preso, Lula vestiu um figurino moderado e disse sair da cadeia “sem ódio”. De volta ao jogo, ele aponta a mira contra o pacote de Paulo Guedes

Depois de 580 dias preso, Lula está livre para fazer política. Aos 74 anos, o ex-presidente volta à cena no papel de líder da oposição. Ele deve bater firme no governo, mas quem apostar numa radicalização corre o risco de quebrar a cara.

Na sexta-feira, o petista começou a mostrar as cartas. Ao deixar a sede da Polícia Federal, ele vestiu um figurino moderado e disse que saía da cadeia “sem ódio”. “Aos 74 anos, meu coração só tem espaço para o amor”, gracejou.

Lula desabafou contra a Lava-Jato e provocou Bolsonaro, mas indicou que seu alvo prioritário será outro: a política econômica de Paulo Guedes. “Depois que eu fui preso, o Brasil não melhorou. O Brasil piorou”, disse.

Na semana em que o governo promoveu um megaleilão do pré-sal, o ex-presidente prometeu “lutar para não permitir que esses caras entreguem o país”. Ele ligou o projeto neoliberal ao aperto na vida dos mais pobres. “O povo tá passando mais fome, o povo tá desempregado, o povo não tem mais trabalho com carteira assinada”, discursou.

Na quarta-feira, o IBGE mostrou que a extrema pobreza cresceu pelo quarto ano seguido e atingiu 13,5 milhões de brasileiros em 2018. A crise foi gestada na gestão de Dilma Rousseff, mas seus efeitos se agravaram depois do impeachment. Isso favorece a tática de comparar o Brasil de hoje com o que ele governou.

Elio Gaspari - Lula livre

- O Globo | Folha de S. Paulo

Ideia de vida política sem ex-presidente foi eterna enquanto durou

A ideia de uma vida política sem Lula e sem o PT foi eterna enquanto durou. Desde o dia do seu encarceramento e da derrota do candidato petista à Presidência, seus adversários tiveram uma oportunidade para demonstrar seu anacronismo. Jogaram o tempo fora.

Jair Bolsonaro, o cavaleiro do antipetismo, governa o Brasil há quase um ano testando uma agenda desnecessariamente radical. Sergio Moro, o Justiceiro de Curitiba, tornou-se um ministro subserviente e inócuo. Os procuradores da Lava-Jato enredaram-se nas próprias armações, reveladas pelo The Intercept Brasil.

Disso resultou que Lula saiu de Curitiba maior do que entrou. Desde que ele foi para a cadeia, muitas foram as radicalizações surgidas na política nacional. Nenhuma partiu dele.

Há uma pergunta no ar: o que ele fará? Isso só ele sabe.

Recuando-se no tempo, sabe-se que a última cadeia de Lula deu-se em 1980, quando ele era visto pelo governo como um líder sindical incendiário. O barbudo entrou na cela do Dops paulista no dia 18 de abril. Duas semanas depois ele continuava lá, quando o coronel Romeu Antônio Ferreira, segundo homem do DOI do Rio de Janeiro, recebeu uma proposta de atentado contra um show organizado pela esquerda que se realizaria no Riocentro no dia 1º de maio. A ideia era jogar uma bomba na casa de força, para cortar a energia. O coronel vetou o projeto. Um ano depois, quando Romeu estava na Escola de Comando e Estado Maior, a ideia foi retomada. A bomba jogada contra a casa de força pifou e outra explodiu no colo de um sargento do DOI, ferindo o capitão que o acompanhava.

Passaram-se quase 40 anos e Lula continua sendo visto como um radical. As vezes ele o é, mas até hoje seu papel foi mais de bombeiro do que de incendiário.

Hoje, como em 1980, Lula pode ser temido por radical, mas ele não é o único da cena.

O governo acredita nas suas lorotas
Segundo o Bolsonômetro, o presidente Jair Bolsonaro faz uma declaração imprecisa ou falsa a cada quatro dias. Perde de longe para seu colega Donald Trump (22 por dia), mas bate todos seus antecessores brasileiros. Até aí, seria apenas um mau jogo, mal jogado, mas a prática disseminou-se e cristalizou-se. Bolsonaro acredita que tem uma relação especial com os Estados Unidos. Entregou o que prometeu, mas não recebeu em troca nem aquilo com que contava. Em algum momento, acreditou que poderia liderar uma onda conservadora na América do Sul. Produziu um inédito isolamento.

Luiz Carlos Azedo - A jararaca está de volta

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Lula pretende percorrer o país para lutar contra o que chamou de “banda podre” do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e, é claro, contra o presidente Bolsonaro”

Para usar uma expressão do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num ato político no Sindicato dos Bancários de São Paulo, após uma condução coercitiva determinada pelo então juiz federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, hoje o ministro da Justiça do governo Bolsonaro, a jararaca está solta. Sim, porque foi com espírito de jararaca que Lula deixou a prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, na sexta-feira, e anunciou que pretende percorrer o país para lutar contra o que chamou de “banda podre” do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e, é claro, contra o presidente Jair Bolsonaro, cuja eleição disse que foi “roubada”, embora não se possa questionar a legitimidade do pleito de 2018.

Quando Lula falou que a eleição fora roubada, numa alusão à derrota do candidato petista Fernando Haddad, não estava se referindo à lisura da votação e contagem dos votos pelo sistema eletrônico, que o presidente Jair Bolsonaro, diga-se de passagem, colocara em suspeição durante a campanha. Não, Lula se referia ao fato de não poder participar da disputa, por ter sido condenado em segunda instância e ter sua candidatura cancelada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A propósito, sua candidatura catapultou Haddad para o segundo turno, porém, ao mesmo tempo, lhe roubou qualquer identidade e limitou a possibilidade de tecer alianças mais amplas.

A libertação de Lula projeta um cenário de polarização com o presidente Bolsonaro para 2022. Simultaneamente, é um tremendo déja vù político, pois a saída da cadeia não absolve nem devolve os direitos políticos ao ex-presidente petista, cassados em razão da Lei da Ficha Limpa. Com duas condenações e réu em mais sete ações criminais, para que possa ser candidato, são necessárias absolvições, anulação de sentenças e a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. É pasta fora do tubo.

Lula passou 580 dias preso sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, no Guarujá (SP), como propina paga pela OAS, em troca de três contratos com a Petrobras. Apesar de negar sistematicamente esses crimes, a condenação foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com pena de oito anos, 10 meses e 20 dias. Também foi condenado em primeira instância no caso do sítio de Atibaia (SP), por receber vantagens indevidas das empreiteiras Odebrecht e OAS em troca de favorecimento às empresas em contratos da Petrobras. As reformas e benfeitorias realizadas pelas construtoras no sítio frequentado por Lula configuraram prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Ricardo Noblat - O que Bolsonaro tem a aprender com a luta de boxe do século

- Blog do Noblat | Veja

Muhammad Ali x George Foreman, 1974
Queriam o quê? Que Lula, menos de 24 horas depois de ter sido solto, falasse moderadamente para um país que não o ouvia há 580 dias? Que fosse mais Lulinha paz e amor do que a jararaca que ficou enjaulada tanto tempo e que se diz inocente?

Lula reapareceu em São Bernardo com um único objetivo: retomar o comando de sua tropa. Foi para ela que falou, não falou para os que o detestam, nem mesmo para os que no futuro poderão ou não segui-lo. Um general de pijama, sem tropa, não vale nada.

Falou o que ela esperava ouvir. Mexeu com seus brios. Animou-a. E avisou aos interessados que passará os próximos 20 dias preparando um pronunciamento que fará ao país. Algo mais bem pensado e que dessa vez não contemple apenas os convertidos.

Estava em boa forma. Reinseriu os pobres na agenda de discussões que passa ao largo deles desde que Bolsonaro e Paulo Guedes subiram a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez. Ensinou que sem povo nas ruas as coisas ficam como estão.

Horas antes do reencontro de Lula com os petistas de raiz, Bolsonaro comportara-se mais ou menos da mesma forma. Convocou os seus a se reagruparem para combater “o canalha” que fora solto. Não citou o nome de Lula, nem precisava.

Dorrit Harazim - Frisson bilionário

- O Globo

Bloomberg teria currículo para apaziguar, de uma só tacada, Wall Street, os grandes doadores democratas, e a base centrista do partido

Havia quem achava que o requisito básico para ser eleito presidente dos Estados Unidos é ser canhoto, não importa se republicano ou democrata. Isso porque, além de Donald J. Trump, que adora sua tonitruante assinatura em black negrito com a mão esquerda, seis dos seus sete antecessores na Casa Branca também nasceram canhotos: Barack Obama, George Bush pai, Bill Clinton, Ronald Reagan (forçado a virar destro na escola), Jimmy Carter e Gerald Ford. Não é pouca coisa, considerando-se que apenas 10% da população americana são canhotos.

Desde sexta-feira, quando o nome de Michael Bloomberg voltou a irromper de ultimíssima hora na renhida disputa democrata para disputar a Presidência com Trump em 2020, há quem ache que ser bilionário pode ser mais decisivo. Bloomberg é peso-pesado. Chega tarde à disputa intrapartidária que já teve 26 pretendentes e hoje se afunila em quatro, no máximo cinco nomes. Em compensação, o retardatário chega como alternativa de emergência para o eleitorado antitrumpista alarmado com as propostas explicitamente transformadoras dos senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Acima de tudo, Bloomberg chega como o único liberal moderado capaz de substituir quem por nove meses liderou todas as pesquisas nacionais, mas cuja força mobilizadora despenca a cada dia — Joe Biden.

Segundo seus apoiadores, Bloomberg, além de canhoto, teria currículo para apaziguar, de uma só tacada, Wall Street, os grandes doadores democratas, e a base centrista do partido: foi popular como prefeito de Nova York por três mandatos, construiu um império global de mídia, tecnologia e finanças que porta o seu nome, e tornou-se um bilionário/filantropo de alto impacto e visibilidade nacional. Suas iniciativas contra o porte de armas no país, incentivos à indústria voltada para a modernidade ambiental, e financiamento de campanhas populares lhe rendem dividendos múltiplos.

Eliane Cantanhêde - Corredor polonês

- O Estado de S.Paulo

Com sociedade entre Lula e Bolsonaro, centro progressista produz tertúlias e ‘papers’

Já nos primeiros instantes do fim da prisão após segunda instância, com a volta da impunidade, confirmou-se que o objetivo não era o princípio da “presunção de inocência” nem favorecer cinco mil, mil, cem ou dez condenados, mas apenas um: Luiz Inácio Lula da Silva. Todas as peripécias, jeitinhos e ousadias foram em nome do “Lula Livre”, que embaralha o jogo político e recrudesce a polarização entre a velha esquerda e a nova direita.

O símbolo desse esforço concentrado é o ministro Gilmar Mendes, que de petista não tem nada, mas produziu as mais sinceras manifestações ao longo do ano. “Chega, já está na hora de tirar o Lula da cadeia.” “O País está devendo um julgamento justo para Lula.” E, na véspera, quando o resultado de 6 X 5 era dado como líquido e certo, mas havia fiapos de dúvidas quanto à “modulação”, o ministro só tinha uma certeza: “Lula vai ser solto”. E foi.

Vera Magalhães - O PhD de Guedes

- O Estado de S.Paulo

Com volta de Lula, agenda do ministro pode ser sacrificada no altar da polarização

A semana começou com Paulo Guedes no centro da cena, fazendo uma longa e densa explanação sobre a proposta do governo de Jair Bolsonaro para reformar o Estado e o Orçamento, revendo a relação entre União, Estados e municípios, criando mecanismos novos (alguns draconianos) de responsabilidade fiscal e atacando de frente a corporação dos servidores. E terminou com Lula em cima de um palanque, solto, embora não livre, prometendo percorrer o Brasil para bombardear a agenda liberal do ministro para a economia. Com a volta da polarização entre bolsonarismo e lulopetismo ao seu grau máximo de exacerbação, Guedes corre sério risco de se tornar boi de piranha.

Todo mundo sabe que a fé de Bolsonaro no credo liberal é nenhuma. O próprio Posto Ipiranga demonstra que vem aprendendo a entender as leis da política. Os ventos de 2018 levaram a uma conversão sem convicção do velho nacionalista corporativista do baixo clero aos fundamentos da Escola de Chicago.

Afinal, a nova matriz econômica de Dilma Rousseff levara o País ao buraco, o PT era o inimigo a ser batido e o mercado comprou Bolsonaro na alta da facada e se convenceu de que ele era o Cavalo de Troia para levar o Brasil a cruzar os portões do livre mercado e da ortodoxia fiscal.

Mas ventos mudam, e os da política com maior velocidade e imprevisibilidade que os da natureza. Já escrevi neste mesmo espaço a respeito de como a revolta inesperada e violenta da população do Chile com a desigualdade social e os privilégios dos ricos recomendava atenção das autoridades brasileiras à necessidade de se colocar o povo na equação do necessário ajuste.

Essa preocupação, inclusive, transpareceu na fala de Guedes no lançamento da fase dois das reformas, quando disse que Bolsonaro não o autorizou a pisar demais no acelerador.

Rolf Kuntz - A guerra à cultura, o culto a Trump e a pauta fiscal

- O Estado de S.Paulo

Enquanto Bolsonaro se curvava a seu guru, Guedes cuidava de uma agenda de racionalização

Só falta sacar a arma e repetir a frase famosa da peça escrita em 1933 pelo alemão Hanns Johst: “Quando ouço a palavra cultura, solto a trava de minha Browning”. Quanto à arma, tudo bem. É parte central do programa de governo do presidente Jair Bolsonaro. Quanto à peça, nem tanto. Sob a direção de Johst, a Academia Alemã de Poesia foi um firme centro de apoio ao nazismo. E o nazismo, como explicaram Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo em Israel, na porta do Museu do Holocausto, foi um movimento de esquerda. Esquerda, nem pensar. E quem precisa da memória de Hitler quando pode cultuar a figura de um Brilhante Ustra? Enfim, nem foi preciso, ainda, recorrer a uma Browning, ou a uma brasileiríssima Taurus, para enfrentar o problema.

Primeiro a cultura foi jogada no Ministério da Cidadania, um notável saco de gatos administrativo. Depois, já esbofeteada e humilhada, foi transferida para o Ministério do Turismo, chefiado por Marcelo Álvaro Antonio, acusado pelo Ministério Público de Minas Gerais de envolvimento num esquema de candidaturas laranjas do PSL. Para comandar o setor recém-agregado ao Turismo o presidente escolheu o dramaturgo Roberto Alvim, famoso por haver atacado publicamente a atriz Fernanda Montenegro. O jovem personagem da peça de Johst aplaudiria. Goebbels e Göring, muitas vezes citados como autores da frase, também poderiam aprovar, embora filiados a um partido de esquerda, como ensinaram mais de uma vez Bolsonaro e Araújo.

Quanto à pureza ideológica do presidente brasileiro, tem sido provada de forma inquestionável, mesmo quando parecem faltar apoio e reconhecimento de seu guia espiritual, agora submetido a um processo de impeachment nos Estados Unidos. Talvez a intenção do guru Donald Trump seja testar a fidelidade e a firmeza do seguidor. Divindades e portadores da revelação podem fazer isso de vez em quando.

Janio de Freitas - Em mau estado

- Folha de S. Paulo

Não há Estado de Direito onde o poder militar quer definir o destino judicial

“Lula livre” se insere em momento muito particular da difícil batalha pela democracia na América Latina.

O povo chileno explode como uma bomba de retardamento contra a opressão econômica, e inovações justiceiras são inevitáveis. No Equador, o eleitorado traído de Lenín Moreno tomou-lhe as forças e cobra a dívida multissecular.

Na Argentina renasce uma ideia de solidariedade latino-americana contra a sufocação imposta pelas políticas econômicas elitistas. O México reencontra com López Obrador uma concepção de soberania real e sentido de democracia. Esse tabuleiro parecia ter uma casa reservada para Lula, em lugar estratégico.

Até onde permanecerá a liberdade de Lula é a primeira incógnita que sua nova condição propõe. Não só pela combinação de pendências judiciais e má disposição de parte do Ministério Público e do Judiciário quanto a esses processos, e outros imagináveis.

O bolsonarismo, no Congresso e fora dele, teve uma derrota que afinal lhe contrapõe um obstáculo na paisagem política, até aqui verdejante, da sua perspectiva.

Além disso, duas manifestações (duas até a elaboração deste texto) transmitem a contrariedade do segmento militar com a nova situação que também o derrota. A liberdade de Lula tem inimigos ativos.

O comentário do vice e general Hamilton Mourão ao restabelecimento do princípio constitucional da presunção de inocência, até que completado o trâmite do processo penal, foi claro na mensagem e no destinatário: “O Estado de Direito é um dos pilares da nossa civilização, assegurando que a lei seja aplicada igualmente a todos, mas hoje, 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o Estado de Direito no Brasil? Ao sabor da política?”.

Hélio Schwartsman - Democracia qwerty

- Folha de S. Paulo

Paulo Guedes apresentou bode vistoso ao propor extinção de municípios com pouca sustentabilidade financeira

Ciente das dificuldades do governo para unificar forças no Congresso, o ministro Paulo Guedes optou por apresentar um pacote de medidas econômicas cuja marca é a redundância (com inevitáveis contradições) e que se faz acompanhar de um belo rebanho caprino. Um dos bodes mais vistosos é a proposta de extinção de municípios com pouca sustentabilidade financeira.

O problema é real. Estima-se que 80% das 5.570 cidades brasileiras não arrecadem, através de impostos municipais, nem 10% do que gastam. Para os políticos locais, é mais fácil sobreviver de repasses feitos pela União e por estados do que indispor-se com o eleitor aumentando as alíquotas de IPTU, ITBI e ISS, os três tributos sob seu controle.

Bruno Boghossian – Lula e a polarização

- Folha de S. Paulo

Presidente desenha linha de ação baseada em antagonismo absoluto com Bolsonaro

Antes de passar sua última noite preso, Lula disse a um líder do MST que deixaria a cadeia “mais à esquerda” do que quando chegara lá. Embora alguns petistas temam que o aumento da polarização favoreça Jair Bolsonaro, o ex-presidente deu todos os sinais de que pretende investir nesse antagonismo para tentar reativar suas bases políticas.

Lula quer atiçar uma oposição que considera “acomodada”, segundo dirigentes do PT. Nos discursos após a saída da prisão, couberam palavras para atenuar desejos de revanche, mas também desenhou-se uma linha de ação baseada na rivalidade.

Esse elemento está presente em três pontos a que o petista deu carga acentuada nos últimos dias: 1) o enfrentamento direto com o próprio presidente, associando seu governo a interesses de milícias; 2) os ataques à Lava Jato, cujo trabalho fez questão de vincular à vitória de Bolsonaro na eleição de 2018; e 3) os ataques à agenda econômica liberal.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro vs. Lula: vai ter jogo?

- Folha de S. Paulo

Polarização é hipótese simples para futuro próximo, mas talvez baseada demais no passado

As consequências políticas de Lula fora da prisão parecem indubitáveis para os cientistas sociais das mídias e das redes insociáveis.

Segundo a intepretação predominante, “Lula livre” ou “Lula solto”, a depender do gosto ideológico, vai ressuscitar a polarização que se viu na deposição de Dilma Rousseff, em 2015-16, ou suscitar a reprise da eleição de 2018.

De um lado, os dissidentes do bolsonarismo e os arrependidos em geral voltariam a dizer “ruim com Bolsonaro, pior com Lula”. Por outro, a esquerda seria reanimada pelo petista-mor. Alternativas e ilusões centristas morreriam antes de brotar.

Pode ser. Mas talvez essa operação política tenha complicações.

O que vai significar “polarização”, em termos políticos mais práticos? Em 2015-2016, um “polo” tratou de derrubar Dilma Rousseff. Em 2018, parte da mesma coalizão ou do mesmo eleitorado tratou de derrotar um PT ainda forte. Agora, o que vai ser? Não há eleição de fato nacional ou algo como um impeachment à vista.

Haverá campanhas e embates ideológicos agudos, com desqualificação terminal da parte contrária como, digamos, em 1935-37 ou 1963-64? A ameaça de “perigo vermelho” e uma frágil agitação de esquerda suscitaria tentações de algum tipo de golpe?

Deixando as alturas ou hipóteses de farsas históricas e voltando à terra plana de 2019-20, conviria pensar nos problemas políticos, econômicos e sociais mais imediatos. Lula pode voltar a ser preso em poucos meses? O Congresso vai instituir a prisão de condenados em segunda instância?

Segundo, como vão se organizar as coalizões? As alianças para a eleição de 2020 vão dizer alguma coisa sobre a força política de Bolsonaro e de Lula? Isto é, vão se organizar blocos “polarizados” ou certo desprestígio dos dois lados e o caráter municipal da eleição vão redundar em um quadro político com mais divisões?

Oscar Vilhena Vieira* - A Constituição não permite atalhos

- Folha de S. Paulo

Fez bem o Supremo Tribunal Federal em rever o seu próprio erro

Ao Supremo Tribunal Federal cumpre a difícil missão de guardar a Constituição. Não é sua atribuição corrigir o poder constituinte, por mais que seus ministros discordem de seus dispositivos. A tarefa de corrigir a Constituição só cabe ao Congresso Nacional e, mesmo assim, dentro dos estritos limites estabelecidos pela própria Constituição.

Nesse sentido, mais do que correta a decisão do STF que declarou constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, uma vez que esse dispositivo, que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, encontra-se em absoluta conformidade com a letra da Constituição, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Ainda que tardia, a decisão do Supremo restabelece o direito dos réus, inclusive do ex-presidente Lula, de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que se encontrem pendentes, pois é isso que determina a Constituição.

Por mais que se discorde da opção de política criminal escolhida pela Constituinte em 1988, o seu significado é simples: enquanto houver a disponibilidade de recursos, a pessoa não dever ser considerada culpada e, salvo em circunstâncias excepcionais, não poderá ser presa. O Supremo apenas confirmou o que está expresso na Constituição.

Repensar o Brasil é uma tarefa fundamental. Entrevista especial com Antonio Risério*

Por: João Vitor Santos | Edição: Patricia Fachin | 06 novembro 2019 | IHU On-Line

A tarefa mais urgente para nós, brasileiros, diante de uma das maiores crises políticas que o país enfrenta, é “repensar o Brasil”, diz o antropólogo Antonio Risério à IHU On-Line. Isso significa, explica, “rever com serenidade e lucidez — com conhecimento, acima de tudo — a experiência nacional brasileira. Esta é uma tarefa básica, fundamental. Temos de nos conhecer, em vez de ficar repetindo clichês esquerdistas falsificadores de nossa trajetória no tempo”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Risério denuncia a substituição de uma historiografia nacional baseada em mitos e mistificações, que tentou definir uma “identidade nacional” a partir da colonização portuguesa, por uma nova historiografia encampada pela esquerda brasileira nos anos 1970, em que “o colonizador português era o mal — e o bem se encarnara, aqui, em pretos e índios”. Segundo ele, em sua revisão historiográfica, a esquerda brasileira “se empenhou mal” e “não tratou de realmente encarar, em toda a sua complexidade, a experiência nacional”. Ao contrário, afirma, ela “optou pelo maniqueísmo, pela visão do Brasil como um filme de bandido e mocinho. Então, repetiu a velha história oficial, só que invertendo tudo. Passamos a ter então, basicamente, as figuras do negro sempre luminosamente libertário, do índio ecofeliz e do português genocida”, afirma.

Nesta entrevista, o antropólogo também reflete sobre a crise política brasileira, que tem origem nos “partidocratas”, e assinala que ela é fortalecida pela “polarização extremista entre o autoritarismo de esquerda e o autoritarismo de direita, ambos populistas”. Na avaliação dele, a crise da representatividade política, denunciada pela sociedade nas manifestações de Junho de 2013, já se manifestava na reabertura democrática, porque “de Sarney aos governos petistas, a sociedade foi percebendo gradualmente que as eleições iam se convertendo num rito vazio e que ela, sociedade, não contava para nada na hora da formulação e execução das políticas públicas nacionais”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O Brasil de hoje, especialmente o campo da esquerda, compreendeu as transformações que ocorreram desde 2013? Quais os desafios para apreender essas transformações em suas complexidades?

Antonio Risério - O problema inicial é que os políticos profissionais, partidocratas, parecem não entender ou não querer entender o próprio 2013. Tivemos uma coisa fundamental ali, que foi a exposição pública da crise da representação partidocrata. Na verdade, de Sarney aos governos petistas, a sociedade foi percebendo gradualmente que as eleições iam se convertendo num rito vazio e que ela, sociedade, não contava para nada na hora da formulação e execução das políticas públicas nacionais. Ou seja, o próprio sistema político se encarregou de corroer a representatividade e fragilizar a democracia. Isso foi escancarado na reeleição de Dilma Rousseff, que foi eleita dizendo uma coisa e, assim que recebeu o resultado das urnas, passou a fazer outra. A população viu então com clareza que o jogo era cínico, manipulador.

2013, ao colocar em questão o sistema político, com a sociedade afirmando que os partidos não a representavam, abriu a possibilidade de virar a página e de que a gente entrasse no capítulo inaugural de uma nova cultura política e um novo sistema de poder. Vale dizer, no capítulo inaugural da construção de uma nova democracia brasileira, coisa que não interessou a Fernando Henrique e a Lula, que tiveram a oportunidade histórica de dar o pontapé inicial nessa partida e não o fizeram. Isso foi sufocado por dois processos, que vieram com a irrupção da Lava Jato e as manobras para depor Dilma, uma trapalhona quase tão confusa quanto Bolsonaro. Com as atenções voltadas para os escândalos da corrupção e do “impeachment”, essa grande discussão política foi adiada.

Na campanha presidencial de 2014, todos os candidatos evitaram 2013. Mas parece difícil rasurar do mapa o que aflorou ali.

Na época, Marco Aurélio Nogueira disse algo mais ou menos assim: estava em marcha uma espécie de revolução sem revolução, com a sociedade ultrapassando o sistema político e pondo em xeque o partidocratismo. O que ficou claro ali era que as pessoas não se contentariam com uma reforma política pontual, com cláusulas de barreira, listas fechadas, tipos de voto. O que esteve na origem das movimentações de 2013 foi coisa distinta. O que se defendeu, de modo breve, mas nem por isso irrelevante, foi a necessidade de configuração de uma nova cultura política brasileira. Uma política de militância cidadã, com a cidadania se constituindo como tendência à autorrepresentação, sem tomar conhecimento do partidocratismo profissional e seus expedientes surrados, apodrecidos. A mudança não aconteceu. Mas o que há é uma reivindicação adormecida, não extinta. Que, mais cedo ou mais tarde, promete voltar acesa ao centro do palco.

‘Não temos um Mandela neste país. É preciso lucidez’, diz Boris Fausto

Historiador aponta que o principal desafio é superar a polarização, que vê como inevitável

Naira Trindade | O Globo

BRASÍLIA - O historiador Boris Fausto não está otimista com o cenário político brasileiro que se apresenta após a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com Lula num clima de revanche e um governo que se apoia na instabilidade política , Fausto acredita que a polarização vai aumentar e ficará mais difícil superá-la. Em entrevista ao GLOBO, O historiador aponta que a saída precisa ser pactuada entre diferentes atores num programa que ataque as desigualdades brasileiras.

• Com Lula solto, a polarização na política aumenta?

A polarização vai acontecer e será inevitável. O que se deve fazer, do ponto de vista da ação, é construir alguns centros com intenções e conteúdo marcadamente social em um país com tantas desigualdades. Se vão ter clarividência para fazer isso, quem é que sabe? Mas acho que isso é inevitável e imprescindível.

• E como construir isso?

É difícil num clima que se criou. De um lado, o Bolsonaro falando que tem um canalha que foi solto, de outro lado o PT partindo para revanche. Nós não temos Mandela neste país. O Mandela é uma exceção. As tendências de polarização são muito fortes e navegar é preciso. É preciso um pouco de lucidez. Até quando vamos continuar nisso? A oposição estava completamente desorganizada e agora tem condições de se mobilizar. O líder reapareceu. Só que o Lula não tem condições, mesmo saindo da cadeia e tendo a militância que tem, de encarnar uma perspectiva democrática, social, que olhe para frente e diga: bom vamos garantir liberdade, e atacar seriamente as questões iníquas que existem neste país, desigualdade social e de gênero, combater o racismo.

• Por que o senhor diz que Lula não tem condições?

Primeiro, ele tem ficha suja, não tem condições legais para se candidatar. Ah, mas o julgamento dele pode ser anulado porque o Supremo vai reconhecer uma suspeição do Moro. Tudo pode acontecer atualmente, mas acho esse cenário excluído. Ele não tem condições de ser candidato, mas ele pode ter um papel atuante nas eleições. Então, é uma situação muito delicada. Uma coisa é certa, né, o Lula é uma figura, entenda, não estou defendendo a figura dele, longe disso, mas não é o homem que possa encarnar uma solução democrática.

Ex-ministros do Supremo rebatem ataques à Corte

Sydney Sanches vê ‘bravatas’. Para Eros Grau, Estado Democrático de Direito só existe quando a Constituição é respeitada

Bernardo Mello | O Globo

Embora tenham divergências sobre a prisão em segunda instância, ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo GLOBO convergiram na defesa da autonomia da Corte após uma série de ataques nas redes sociais. Terminado o julgamento de quinta-feira, que estabeleceu a necessidade de se esgotarem todos os recursos antes do cumprimento da pena, o vice-presidente Hamilton Mourão sugeriu, em suas redes sociais, que o Estado de Direito estava “ao sabor da política”.

Para o ex-ministro Eros Grau, relator da votação que havia estabelecido, em 2009, a inconstitucionalidade da prisão antes do chamado “trânsito em julgado”, a decisão desta semana do STF “retoma o texto literal” da Constituição. A Corte havia mudado seu entendimento e autorizado a prisão em segunda instância em 2016, no auge da Operação Lava-Jato. Nesta semana, por seis votos a cinco, a atual composição do STF voltou à interpretação anterior.

—O Estado Democrático de Direito só existe quando a Constituição é respeitada. Isto foi seguido pelo STF. Não é por impactar o ex-presidente Lula que o julgamento teve esse desfecho. É porque os magistrados seguiram os limites do texto constitucional — avaliou Eros Grau.

A decisão do STF levou à soltura do ex-presidente Lula, que havia sido condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos de prisão no caso do tríplex do Guarujá. Em abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu a pena para oito anos e dez meses. Por ter cumprido um sexto da pena, Lula já tinha direito à progressão para o regime semiaberto.

Para o centro, discurso de Lula reforça radicalismo e reaglutina a direita

Painel | Folha de S. Paulo

Interdependentes Os primeiros sinais emitidos por Lula alarmaram políticos de centro, confirmando os temores de que o petista apostaria no embate direto com Jair Bolsonaro, reacendendo a polarização. Esse grupo entende que, ao mencionar os protestos no Chile e convocar a esquerda a voltar às ruas, o ex-presidente abriu caminho para a reaglutinação da direita, com o antipetismo superando a rejeição aos erros e excessos do governo e reduzindo o espaço de discursos não radicais.

Futebol sem bola “O radicalismo se retroalimenta. Ou o centro toma coragem e reage, ou o Brasil vai sofrer mais do que poderia imaginar”, diz Aécio Neves (PSDB-MG), citado pelo ex-presidente no discurso deste sábado (9).

Deixa estar Alguns dos aliados mais próximos de Lula reconhecem que ele poderia ter usado um tom mais moderado e ensaiam uma conversa sobre o assunto. A expectativa é a de que, tão logo consiga digerir a saída da prisão, o petista acomode seu discurso.

Pisando em ovos Esse grupo diz que, com processos criminais em curso e à espera do julgamento no Supremo da ação sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, não dá para apostar só no radicalismo.

De volta Embora tenha dito de início que pretendia passar uma semana com a família antes de mergulhar nas conversas políticas, o ex-presidente marcou encontros para esta semana. Ele voltará a despachar do Instituto Lula.

Governo quer evitar holofotes a petista; FH pede aliança do centro

Para se contrapor a Lula, Planalto deve priorizar pacote anticrime de Moro

Jussara Soares, Gustavo Maia e Silvia Amorim | O Globo

Anova conjuntura política e eleitoral que se anuncia com a soltura do ex-presidente Lula mobiliza opositores do petista. Ao afirmar que não vai dar espaço e nem contemporizar com Lula, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou ontem que vai evitar o confronto direto, para minimizar o espaço do ex-presidente no debate público. Por ora, o governo quer aproveitar a libertação de Lula para dar ênfase ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, que condenou o petista quando era juiz. No PSDB, o o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu uma aliança do centro “liberal, democrático e progressista”.

Na definição de um auxiliar, a estratégia do governo Bolsonaro de evitar o confronto “resolve o problema sem alarde”. Aos seus subordinados, Bolsonaro tem insistido para que não entrem no campo de batalha. No entendimento do presidente, a reação a Lula dá ao petista os holofotes que ele quer. Desde então, todos têm acatado a ordem e os posicionamentos têm sido tímidos, sem mencionar diretamente Lula. A exceção foi o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, que acusou o petista de “incitar a violência”.

Com Lula solto, aliados aconselham Huck a ampliar diálogo com centro-esquerda

Painel | Folha de S. Paulo

Coração de mãe A saída de Lula da prisão foi debatida entre Luciano Huck e aliados de partidos de centro, como o DEM. Em flerte com a política, o apresentador foi aconselhado a ampliar ainda mais seu campo de diálogo, incluindo a centro-esquerda.

Coração de mãe 2 Um dos interlocutores de Huck defendeu que o grupo que o apresentador se posiciona para liderar dialogue mais com PDT e PSB.

Centro político não vê fim do mundo com Lula

Coluna do Estadão | Estado de S. Paulo
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A despeito da agudização provocada pela saída de Lula do cárcere, nem todas as lideranças de centro dão como líquida e certa a manutenção do império da polarização em eleições vindouras. Um bom termômetro foram as apenas singelas manifestações de rua contra e a favor do petista no dia do julgamento.

“O cenário das redes sociais não está sendo uma cópia fiel da vida real. Minha impressão é de que PT e governo (Bolsonaro) vão se equilibrando no ombro um do outro, mas as coisas estão acalmando”, diz o ex-governador Paulo Hartung.
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Hartung, exgovernador do Espírito Santo, atua hoje como um dos principais articuladores do centro, além de ser forte amigo de Luciano Huck.
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Ele tem se aproximado de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e é quem está ajudando a consolidar a reforma social, proposta pelo presidente da Câmara.
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Para Hartung, mesmo com Lula radicalizando o discurso, será crescente na sociedade a parcela dos insatisfeitos que, na eleição de 2018, optaram pelo voto útil.
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Em São Paulo, os tucanos não estão tão otimistas no curto prazo. Avaliam que a volta de Lula ao ringue diário do debate público favorece, além dos nomes do PT, os candidatos a prefeito à direita de Bruno Covas (PSDB).
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Quem esfrega as mãos com a soltura de Lula é Joice Hasselmann (PSL), dona de um histórico de embates com o PT. O mesmo não se pode dizer do apresentar José Luiz Datena, que já viveu em lua de mel com o ex-presidente.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O Brasil precisa de juízo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Uma das últimas visitas que Lula da Silva recebeu na cadeia, em Curitiba, foi a do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Paulo Rodrigues. Foi por Rodrigues que o chefão petista mandou dizer que sairia da prisão “mais à esquerda” do que quando entrou. A mensagem – cujo emissário não podia ser outro, considerando-se que Lula já designou o MST como um “exército” a seu serviço – dá a entender que o ex-presidente está disposto a radicalizar seu discurso.

Faz sentido. Com a imagem arruinada pelos seguidos escândalos de corrupção e pela desastrosa administração da economia no governo de Dilma Rousseff, o PT hoje só existe como contraponto aos radicais de direita que ascenderam ao poder justamente com o discurso de combate ao petismo. Os dois lados dessa porfia nada têm a oferecer ao País senão um antagonismo vazio, que se presta somente a excitar militantes nas redes sociais. Mais tempo e energia serão gastos inutilmente nas barricadas virtuais, com o único propósito de mobilizar a atenção do País para, desse modo, tentar ampliar o capital eleitoral de parte a parte.

Ao se dizer “mais à esquerda” agora do que antes, Lula veste o figurino de “radical” – personagem que não condiz nem um pouco com a do político que, ao longo de quase toda a sua trajetória, não se furtou a negociar com quem quer que fosse, desde que isso o ajudasse a chegar ao poder ou a nele permanecer.

Poesia | Joaquim Cardozo - Imagens do Nordeste

Sobre o capim orvalhado
Por baixo das mangabeiras
Há rastros de luz macia:
Por aqui passaram luas,
Pousaram aves bravias.

Idílio de amor perdido,
Encanto de moça nua
Na água triste da camboa;
Em junhos do meu Nordeste
Fantasma que me povoa.

Asa e flor do azul profundo,
Primazia do mar alto,
Vela branca predileta;
Na transparência do dia
És a flâmula discreta.

És a lâmina ligeira
Cortando a lã dos cordeiros,
Ferindo os ramos dourados;
– Chama intrépida e minguante
nos ares maravilhados.

E enquanto o sol vai descendo
O vento recolhe as nuvens
E o vento desfaz a lã;
Vela branca desvairada,
Mariposa da manhã.

Velho calor de Dezembro,
Chuva das águas primeiras
Feliz batendo nas telhas;
Verão de frutas maduras,
Verão de mangas vermelhas.

A minha casa amarela
Tinha seis janelas verdes
Do lado do sol nascente;
Janelas sobre a esperança
Paisagem, profundamente.

Abri as leves comportas
E as águas duras fundiram;
Num sopro de maresia
Viveiros se derramaram
Em noites de pescaria.

Camarupim, Mamanguape,
Persinunga, Pirapama,
Serinhaém, Jaboatão;
Cruzando barras de rios
Me perdi na solidão.

Me afastei sobre a planície
Das várzeas crepusculares;
Vi nuvens em torvelinho,
Estrelas de encruzilhadas
Nos rumos do meu caminho.

Salinas de Santo Amaro,
Ondas de terra salgada,
Revoltas, na escuridão,
De silêncio e de naufrágio
Cobrindo a tantos no chão.

Terra crescida, plantada
De muita recordação.