quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Sérgio Abranches* – A antipolítica

• A antipolítica é uma regra?

“Se formos pegar o período pós-militar, todos os candidatos tentaram de alguma forma se apresentar como fora do establishment: o Collor era o caçador de marajás; Fernando Henrique, o pai do Plano Real; Lula, o cara que veio da pobreza; a Dilma era a gerente e o Bolsonaro, apesar de tantos anos como deputado, também se vendeu como antipolítica.”

*Cientista Político, em entrevista, O Globo 24/12/2019

Ricardo Noblat - Bolsonaro alerta sobre novas denúncias que podem atingi-lo

- Blog do Noblat | Veja

Inferno astral antes da hora
Se tivesse dito: “Estamos terminando 2019 sem qualquer denúncia de corrupção dentro do governo”, o presidente Jair Bolsonaro estaria certo, e esse já seria um bom motivo para orgulhar-se de sua obra. Mas, não. Bolsonaro disse: “Estamos terminando 2019 sem qualquer denúncia de corrupção”. Ao ser vago, foi abrangente em excesso e derrapou.

Abriu a brecha para ouvir como resposta: 2019 termina com a nova família imperial do Brasil acossada pelo Ministério Público do Rio que investiga o mau uso de dinheiro público no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Ali, durante muitos anos, funcionários foram obrigados a devolver ao deputado parte dos seus salários.

Poucas horas antes de se vangloriar da pureza do seu governo na mensagem de Natal dirigida à Nação, Bolsonaro havia outra vez perdido as estribeiras em entrevista à BAND e acusado o Grupo Globo de persegui-lo e também ao seu filho. “Isso é um crime, o que eles estão fazendo. Tentaram armar para mim colocando o caso Marielle no meu colo”, acusou.

“O processo [de Flávio] está correndo em segredo de Justiça. O que justifica esse vazamento [de informações] para aquela grande rede de televisão?”. Em seguida, concluiu: “A nova intenção deles, não tenho como comprovar, é fazer busca e apreensão na casa de um filho meu. E fraudando provas! É o inferno da grande mídia”.

O Jornal Nacional ignorou o novo ataque de Bolsonaro ao Grupo Globo. A edição impressa do jornal O Globo desta quarta-feira não trouxe uma linha a respeito. Desde a semana passada que Bolsonaro pede a atenção de todos para o que estaria por vir: novas revelações capazes de acuar ainda mais a sua família e a ele. Do que se trata?

Certamente não foi a quebra do sigilo telefônico de ex-funcionários do gabinete de Flávio, conhecida ontem, mas decretada há dias. Bolsonaro disse mais de uma vez que gravaram dois milicianos conversando sobre dinheiro transferido à sua família. Chamou-os de vagabundos. Seria só isso? Queiroz resolveu falar? Havia uma terceira pessoa no carro dos assassinos de Marielle?

Bolsonaro aniversaria em 21 de março. Desta vez seu inferno astral começou mais cedo.

Rosângela Bittar - Meia-sola

- O Estado de S.Paulo

No momento final do processo de votação do impeachment houve sério risco à democracia

Se fossem selecionadas, para escolher uma, as invenções políticas brasileiras de maior impacto e desapontamento, da década que se encerra, nenhuma criação desbancaria do primeiro lugar a sentença de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, aquela de 2016 que é possível cunhar como a “sentença Lewandowski”.

Preparada na calada da noite anterior à votação, engendrada por uma seleta roda de advogados e políticos coordenados por Renan Calheiros, presidente do Senado, além de Lewandowski, presidente do Supremo, a manobra foi o ápice da teatralidade daquele momento de ruptura. Presidindo o processo como presidente do Supremo Tribunal Federal que era, então, o ministro Ricardo Lewandowski consumou uma transgressão à Constituição que viria superar todas as arbitrariedades de que hoje o STF é acusado.

O que fez o magistrado foi mais simples que uma receita de bolo: pegou o artigo 52 da Constituição, separou em duas a indivisível pena ao condenado por crime de responsabilidade, de perda do cargo com suspensão dos direitos políticos por oito anos, colocou uma parte em votação, primeiro (afastamento do cargo), e a outra parte (perda dos direitos políticos) submetida ao escrutínio, depois.

Na primeira, a ré foi condenada; na segunda, absolvida. Uma compensação política, apesar da Constituição, que provocou tanta surpresa e uma certa paralisia na reação pela perplexidade que invadiu a capacidade de ação dos parlamentares.

Ou Dilma não era culpada, e não poderia sofrer nenhuma sanção, ou era culpada, e tinha que ter seu mandato cassado e a elegibilidade suspensa.

Vera Magalhães - Natal isentão a todos

- O Estado de S.Paulo

Que a política não mele o amigo secreto e a harmonia familiar

A esta altura, quando você está lendo este texto, de ressaca e se preparando para esquentar as sobras do peru para o almoço, já aconteceu a parte 1 do Natal, a reunião da véspera, para a Ceia. Espero, portanto, que não chegue atrasada e o poncho já não tenha sido entornado.

Desejo a todos um feliz Natal, sem tretas familiares por conta de política, futebol, do formato da Terra, a presença ou não de uva passa nos preparos ou se o novo Star Wars é um clássico ou uma fraude. Em resumo: um Natal isentão para todos!

Esse adjetivo tão 2019 surgiu como uma tentativa de estigmatizar o centro. Se você não estava firmemente agarrado a qualquer um dos polos do debate político, tascando hashtag #LulaLivre até em post de gatinhos ou cantando o melô do MC Reaça no banho, você estava condenado a ser “xingado” de isentão.

Só isso já é um sintoma eloquente dos tempos bizarros que vivemos hoje: ser isento deveria ser uma qualidade desejável, não uma pereba. No aumentativo, então: nossa, você é isento mesmo, uma espécie de fada sensata.

Maioria dos partidos se identifica como de centro

Vinte siglas se classificam como fora dos extremos no espectro político em meio a um cenário polarizado; apenas uma legenda, o PSL, se considera de direita

Vinícius Passarelli / Paulo Beraldo | O Estado de S. Paulo

Vinte dos 33 partidos políticos existentes no País se identificam como de centro, enquanto apenas o PSL se diz de direita. É o que mostra levantamento feito pelo Estado com todas as siglas registradas no TSE. Outros sete partidos se consideram de esquerda – e cinco informaram se enquadrar em “outras concepções ideológicas”. O termo “liberal” aparece com frequência nas autodefinições das siglas.

Em meio a um cenário polarizado, mais da metade dos partidos políticos brasileiros se diz de centro, enquanto apenas um – o PSL, até pouco tempo atrás a legenda do presidente Jair Bolsonaro – se considera de direita e sete se colocam como de esquerda. É o que aponta levantamento feito pelo Estado com os 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A reportagem questionou as siglas como elas se autodefinem em relação à orientação ideológica. “O PSL é um partido liberal, de direita”, informou a legenda. Partido hegemônico na esquerda do País há pelo menos 30 anos, o PT saiu de sua última convenção nacional, realizada em novembro, como uma agremiação “de esquerda democrática e libertária”.

Já outros partidos deram respostas “curiosas” quando questionados sobre qual orientação ideológica seguem. O Solidariedade, por exemplo, se declara uma sigla que segue os preceitos do “humanismo sistêmico”, enquanto a Rede se enxerga como um partido “sustentabilista progressista.”

O levantamento mostra que, diante da narrativa de polarização que coloca, de um lado, parte da direita aglutinada em torno do bolsonarismo e, do outro lado, a esquerda tendo como núcleo o petismo representado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os partidos buscam se afastar dos extremos se colocando, de alguma forma, no centro do espectro político.

Dez partidos se declaram puramente como de centro: PMB, MDB, PL, PSD, PTC, DC, PROS, Avante, Patriota e Podemos. De centro-direita são PTB, Progressistas, PSC, PRTB e Republicanos. Já PDT, PSB, Cidadania, PV e PMN se encontram na centro-esquerda, segundo eles mesmos.

Mais pobre chega ao Natal com pouco otimismo na economia, diz Datafolha

Baixa renda tem mais dificuldade que rico em retomar confiança, segundo pesquisa

Emilio Sant'Anna, Eduardo Cucolo | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - “Daqui eu vejo tudo. Quem está comprando para o Natal e sai com sacola de marca e quem só pode tomar um café mesmo”, diz o senhor que se apresenta apenas como Luda, 66, e há oito anos passa as tardes em seu banquinho, tocando clarinete, em frente ao shopping Pátio Higienópolis, no bairro homônimo de classe alta, em São Paulo. “Sou uma espécie de barômetro da economia.”

O músico, porém, vê mais do que isso. Pela calçada, ao seu lado, passam entregadores, motoristas de aplicativos e ambulantes —que não se fixam em frente ao shopping. Assim como ele, todos tentam se virar de alguma forma.

Alguns deles, tão ou mais jovens que Gabriel Obelino de Souza, 19. A Folha o encontrou, na quarta-feira (18), em frente ao shopping Cidade de São Paulo, na avenida Paulista. Diariamente, o vendedor de balas percorre toda a via. No fim do mês, nunca leva pra casa mais do que R$ 800 —dinheiro que sustenta ele, a mãe, que está impedida de trabalhar por uma cardiopatia, e o irmão de oito anos.

A ceia de Natal de sua família: arroz, feijão e uma mistura (a depender do resultado das vendas), diz.

Para o próximo ano, o jovem morador de Cidade Tiradentes, na zona leste paulistana, não espera mais do que isso. Tampouco acredita que poderá pagar com um pouco mais de folga os R$ 400 de aluguel ou que chegará ao Natal de 2020 em condição melhor. “Pra gente, com o Bolsonaro, só piorou. A única coisa que ele faz é falar de arma. Emprego mesmo não tem”, afirma.

A falta de perspectivas narrada por Gabriel retrata o estado de ânimo de boa parte da parcela mais humilde da população brasileira. Ao longo do primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (sem partido), formou-se um cenário no qual quanto menor a renda, mais forte foi ficando o pessimismo e mais tímido o otimismo com a recuperação da economia.

Bruno Boghossian – Retrospectiva turbinada

- Folha de S. Paulo

Balanço mostra que o principal interesse do governo foi agradar suas bases

O governo preparou um embrulho vistoso para divulgar o balanço de realizações do primeiro ano de Jair Bolsonaro no poder. O conteúdo do pacote, como se vê ao desatar o laço, é bem mais mixuruca que o marketing presidencial.

A retrospectiva com as “principais entregas do governo”, anunciada na segunda (23), é um compêndio das confusões administrativas do Planalto. Há números maquiados, propostas que jamais serão aprovadas e até manifestações de órgãos públicos sem nenhum efeito prático.

Uma análise feita pela Folha mostrou que o governo lista como um de seus feitos um resultado positivo de R$ 30,2 bilhões nas contas públicas em janeiro. Bolsonaro tentou pegar carona numa herança contábil da gestão de Michel Temer e escondeu o fato de que os cofres ficaram no vermelho nos meses seguintes.O presidente nem precisava recorrer a essa tapeação. Bastava mencionar que o rombo no Orçamento vem caindo em comparação com anos anteriores. Mas a decisão de pinçar um dado revela a compulsão do governo em distorcer o que for possível.

Bolsonaro incluiu na propaganda oficial uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso e perdeu a validade. O balanço também foi inflado pela proposta de isentar de punição os militares e agentes de segurança que cometerem crimes durante operações de garantia da lei e da ordem. O projeto é considerado abusivo por deputados e senadores, que tendem a engavetá-lo.

Hélio Schwartsman - Disciplina militar

- Folha de S. Paulo

É especialmente na infância e na juventude que as pessoas devem ser livres para experimentar

Antes mesmo de o programa do governo federal de militarização de escolas públicas engrenar, a moda se espalhou e fincou raízes Brasil afora. Como mostrou reportagem da Folha, só na Bahia já são 83 as instituições que adotaram esse modelo, em que a parte pedagógica da escola segue sob comando de professores, mas policiais militares aposentados recebem um ordenado complementar para cuidar das questões disciplinares.

Para mim, o tipo de disciplina imposto aos alunos, com continências, uniformes, padrões para corte de cabelo e maquiagem, além da vigilância extrema, é um cenário de pesadelo. É especialmente na infância e na juventude que as pessoas devem ser livres para experimentar. É claro que escolas precisam de um pouco de ordem para funcionar, mas não penso que seja necessário convocar militares para estabelecê-la. Um bom diretor é em tese capaz de fazê-lo.

Também me parece preocupante que muitas dessas escolas exijam que o aluno arque com o custo das fardas, quando não pedem uma contribuição voluntária às famílias. Isso, aliás, explica parte dos tão propalados efeitos acadêmicos positivos da militarização. A correlação entre renda e performance educacional é conhecida e robusta. Assim, um modo eficaz para melhorar o desempenho de uma instituição é aumentar suas mensalidades, excluindo os alunos mais pobres.

Elio Gaspari - O Natal do papa Francisco

- O Globo | Folha de S. Paulo

O padre que criou os Legionários de Cristo agia como um miliciano

Num dos mistérios do Natal, a ordem mexicana dos Legionários de Cristo penitenciou-se pelos crimes de pedofilia cometidos por seu fundador e por outros 32 padres de seu culto.

Um dia antes, o papa Francisco obteve a renúncia do cardeal Angelo Sodano da posição de decano do Sacro Colégio. Aos 92 anos, ele já não votava no conclave que elege os papas. Durante os pontificados de João Paulo 2º e de Bento 16, Sodano foi um dos homens mais poderosos de Roma, secretário de Estado do Vaticano durante 14 anos.

Sua vida foi de diplomata, ex-núncio em Santiago, teve boas relações com o general Augusto Pinochet. Em 2005, quando o cardeal Ratzinger foi eleito, Sodano teve quatro votos no primeiro escrutínio. Pouca gente soube, mas um argentino chamado Jorge Bergoglio foi o segundo mais votado em todos os quatro escrutínios.

O pontificado de Ratzinger durou sete anos, Bergoglio virou Francisco e no mesmo fim de ano em que a Netflix apresenta o filme "Dois Papas", de Fernando Meirelles, ele congelou Sodano e desentulhou o lixo do padre Marcial Maciel, fundador e dono da ordem dos Legionários de Cristo.

Bernardo Mello Franco - A política do balde de tinta

- O Globo

João Doria mandou pintar as escolas paulistas com as cores de seu partido. Na era das redes sociais, os políticos ainda usam baldes de tinta para fazer campanha com dinheiro público

No início dos anos 90, o velho Maracanã levou um banho de tinta. A parte externa do estádio foi pintada de azul, vermelho e branco. Eram as cores do PDT, partido do então governador Leonel Brizola. Na gestão seguinte, o vermelho sumiu, e as cadeiras inferiores ganharam tons azuis e amarelos. Eram as cores do PSDB, partido de Marcello Alencar.

Em 2004, o prefeito Cesar Maia percebeu que a Comlurb era o órgão municipal mais admirado pelos cariocas. De repente, o laranja usado pelos garis passou a enfeitar placas, quiosques e até uniformes escolares. Meses depois, Cesar disputou a reeleição. Numa curiosa coincidência, o laranja dominou todas as suas peças de campanha.

Há seis meses, o governador de São Paulo, João Doria, mandou tingir mais de duas mil escolas de azul e amarelo. O tucano mal entrou no Palácio dos Bandeirantes e já quer se mudar para o Planalto. A imagem de criancinhas felizes entrando em colégios com as cores de seu partido cairia como uma luva na campanha presidencial.

Zuenir Ventura - Cada vez mais atual

- O Globo

Chico Mendes precisou morrer assassinado para ser reconhecido como um herói

Há 31 anos, às vésperas do Natal de 1988 — exatamente às 18h45m do dia 22 de dezembro —, o Brasil perdia um dos mais importantes personagens de sua História moderna: Chico Mendes, o líder seringueiro que mobilizou o país e o mundo para a defesa da Floresta Amazônica.

Ele ficou famoso e respeitado por ter desenvolvido táticas pacíficas de resistência contra a ação violenta de latifundiários, madeireiros e dos projetos agropecuários que viviam da derrubada da floresta para substituí-la por pasto.

Por sua luta, Chico conquistou a admiração internacional (foi considerado pelo “New York Times” como um “símbolo de todo o planeta”) e foi o primeiro brasileiro a receber da ONU o Prêmio Global 500. Mas precisou morrer assassinado para ser reconhecido como um herói trágico, o protomártir da causa ambiental.

Papai Noel poderia aproveitar e dar de presente ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o excelente e oportuno livro “Chico Mendes —Um grito no ouvido do mundo”, recém-publicado, em que o sociólogo Nilo S. Melo Diniz mostra em profundidade como a imprensa, inclusive a internacional, cobriu a luta dos nossos Povos da Floresta.

Roberto DaMatta - Crônica do Natal

- O Globo | O Estado de S. Paulo

Em memória de Alba Zaluar

Vários amigos do coração me perguntaram como seria esta escrita de Natal. Um dia no qual no nosso mundo nominalmente cristão deveríamos —honrando a invenção dos Reis Magos — nos presentear mutuamente porque o “dar com o receber” — o reciprocar — é o berço do amor e a manjedoura da paz solidária que tanto procuramos.

É trégua, porque a vontade — com seus desejos, projetos, fantasias, calúnias, traições, doenças e sonhos — está em febril movimento e sempre nos traz de volta a frustração da nossa humanidade.

O acontecimento mais marcante do ano tem sido a continuidade do desmascaramento em todos os níveis, incluindo a presidência desempenhada por um péssimo ator. Mas há um claro desmonte do poder à brasileira. Um modo de dominação pessoal que hoje enfrenta uma implacável crítica aberta e, principalmente, a lei impessoal inerte para com os poderosos, mas que passou a ser tenazmente implementada, desmascarando partidos populares e aristocráticos, gente grande e comum, bem como magos, atletas, ateus e escovados malandraços.

O que tem ocorrido no Brasil — e, também nos países que os subsociólogos julgavam resolvidos ou “adiantados” — é o insólito presente do desmascaramento. Realmente, num planeta globalizado, movido a Facebooks e fake news —bem como true news! —, repleto de câmaras com onipotência divina, criou-se a contragosto e a despeito da malandragem como um valor uma inexorável demanda coletiva de transparência e honestidade. Um desejo coletivo de desmascarar e desmistificar tanto de um lado quanto do outro, tanto de cima quanto de baixo.

Míriam Leitão - Varejo melhora e aguarda reforma

- O Globo

Gasto médio neste Natal avança e vendas em 2020 devem voltar ao nível pré-crise no setor, que espera pela reforma tributária

Nesta longa crise que atingiu o Brasil, o Natal será um ponto importante. Apesar de as vendas no ano crescerem menos do que em 2018, é previsto que o gasto médio do consumidor neste Natal tenha retomado o nível de cinco anos atrás. Durante a recessão, o varejo encolheu 20%. Desse baque foi se recuperando devagar e apenas em 2020, se a projeção se confirmar, as vendas voltarão ao nível de 2014.

A Confederação Nacional do Comércio revisou para 5,2% a estimativa de alta nas vendas neste Natal. Em 2014 as famílias foram às compras sem saber o tamanho da recessão que o país enfrentaria. Depois das grandes quedas de 2015 e 2016, o consumidor ficou arisco. Agora, o gasto médio esperado é de R$ 489 por família, o que levará o faturamento do setor a R$ 36,3 bilhões no período natalino.

No geral, 2019 terá um crescimento de 1,9% nas vendas do comércio. É menos do que a alta de 2,3% de 2018. Isso porque este ano teve dois períodos distintos. O primeiro semestre foi de frustração, explica Fabio Bentes, da CNC. Os erros do governo, os ruídos que ele produziu, tiraram o vigor da economia. Já a segunda parte de 2019 foi positiva. Em 2020 a alta esperada é de 3%. E se não houver novos sustos, o país poderá dizer que a atividade de fato engrenou.

— Três fatores foram mais importantes para a melhora. A inflação baixa garantiu o poder de compra dos consumidores. No crédito, as taxas ainda são absurdamente altas, mas os prazos estão mais longos e o que o brasileiro leva em consideração mesmo é o preço da prestação. O terceiro ponto foi a liberação do FGTS, que ficou concentrada neste fim de ano e impulsionou a Black Friday e o Natal — explica Bentes.

O ano em que o capitalismo se tornou fofo

Mundo dos negócios parece ávido por se provar um agente social construtivo

Andrew Edgecliffe, Johnson Attracta Mooney | Financial Times / Folha de S. Paulo

NOVA YORK E LONDRES - Milton Friedman teve um ano difícil. O economista de Chicago morreu em 2006, mas seu legado persistiu nos conselhos das grandes empresas.

Isso mudou em 2019, quando presidentes-executivos de companhias em todo o mundo dos negócios anglo-saxão parecem ter formado fila para renegar a doutrina que o economista laureado com o Nobel popularizou em um ensaio histórico publicado em 1970: a de que a única responsabilidade de uma companhia é a de produzir lucros para seus acionistas.

Em seu lugar surgiu uma visão nova e mais acolhedora do capitalismo, sob a qual executivos ansiosos por atender às necessidades de todas as partes interessadas (“stakeholders”) deram posição central em seus modelos de negócios ao conceito de “propósito”; ofereceram aulas de “mindfulness”, café de boa qualidade e recapacitação profissional ao seu pessoal; e agiram antes dos governos relutantes para melhorar a situação dos imigrantes, enfrentar a questão da violência armada e salvar o planeta do aquecimento.

“O capitalismo tal qual o conhecemos está morto”, disse Marc Benioff, presidente-executivo da Salesforce, em uma conferência em outubro. Um novo modelo de negócios estava tomando seu lugar, propelido por valores, ética e cuidar dos trabalhadores —não “o capitalismo de Milton Friedman, que cuida só de ganhar dinheiro”.

MUDANÇA NO CERNE E GESTOS GENEROSOS
Uma década depois de uma crise financeira mundial que destruiu a confiança nas grandes companhias, as pessoas que as dirigem estão ansiosas por se reposicionarem como agentes sociais construtivos.

Sede do Porta dos Fundos é atacada com coquetéis molotov no Rio

Atentado ocorre em meio a polêmica com Jesus gay em programa especial de Natal

Júlia Barbon | Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - A sede do programa de humor Porta dos Fundos foi alvo de um atentado na madrugada desta terça (24), véspera de Natal. Por volta das 4h, dois coquetéis molotov foram atirados contra a fachada do edifício onde funciona a produtora, no Humaitá, zona sul do Rio de Janeiro. Segundo a assessoria de imprensa do grupo, um dos seguranças conseguiu controlar o princípio de incêndio e não houve feridos. O caso foi registrado como crime de explosão na delegacia de Botafogo, bairro vizinho.

A Polícia Civil disse que realizou uma perícia no local e que a equipe do Esquadrão Antibombas arrecadou fragmentos dos artefatos explosivos para análise. Informou também que diligências estão em andamento para esclarecer o caso.

O Porta dos Fundos afirmou que já disponibilizou as imagens das câmeras de segurança para as autoridades e que espera que os responsáveis sejam encontrados e punidos. "Contudo, nossa prioridade, neste momento, é a segurança de toda a equipe que trabalha conosco", ressaltou em nota.

A assessoria do programa disse ainda que condena qualquer ato de violência: "Seguiremos em frente, mais unidos, mais fortes, mais inspirados e confiantes que o país sobreviverá a essa tormenta de ódio e o amor prevalecerá junto com a liberdade de expressão".

O atentado ocorre em meio a uma polêmica com a exibição do "Especial de Natal Porta dos Fundos: a Primeira Tentação de Cristo". O filme retrata um Jesus gay (Gregorio Duvivier), que se relaciona com o jovem Orlando (Fábio Porchat), e um Deus mentiroso (Antonio Tabet) que vive um triângulo amoroso com Maria e José.

Indulto de Bolsonaro para policiais é 'ornitorrinco jurídico' e 'excesso de poder', diz coordenador da PGR

Presidente concedeu benefício a policiais condenados por crimes culposos

Vinicius Sassine | O Globo

BRASÍLIA — O decreto do presidente Jair Bolsonaro que perdoa a pena aplicada a policiais e a outros agentes de segurança pública condenados por crimes culposos – quando não há a intenção de ser praticado – é um "ornitorrinco jurídico", um "excesso de poder" por parte do presidente e, numa análise inicial, uma violação à Constituição Federal. É o que afirma ao GLOBO o subprocurador-geral da República Domingos Sávio da Silveira, coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria-Geral da República (PGR).

A subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal, um segundo colegiado da PGR responsável por assuntos relacionados a crimes cometidos por militares, também critica o decreto de indulto assinado ontem por Bolsonaro e publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União. Para ela, o mais preocupante do decreto é a extensão do perdão de pena a agentes de segurança que tenham sido condenados por ato cometido "mesmo que fora de serviço", como consta no texto assinado pelo presidente.

Os integrantes das duas câmaras vão analisar os detalhes do decreto e podem provocar o procurador-geral da República, Augusto Aras, para que conteste o decreto no Supremo Tribunal Federal (STF). Integrantes da cúpula da PGR lembram que este tipo de contestação já ocorreu por parte de um procurador-geral.

Em dezembro de 2017, Raquel Dodge ingressou no STF com uma ação direta de inconstitucionalidade contra decreto de indulto do presidente Michel Temer, que ampliava possibilidades de perdão em casos de condenação por corrupção. A ministra Cármen Lúcia suspendeu no dia seguinte, por liminar, os efeitos do decreto. Quase um ano e meio depois, o plenário do STF derrubou a liminar.

O que a mídia pensa – Editoriais

Linha dura – Editorial | Folha de S. Paulo

Queda de homicídio anima discurso; agenda bolsonarista felizmente avança pouco

As estatísticas compiladas pelo Ministério da Justiça indicam que a elevadíssima taxa de homicídios do Brasil voltou a diminuir neste ano, acentuando uma tendência iniciada nos últimos meses de 2017.

No primeiro semestre, o número de vítimas de assassinatos caiu 22% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados ainda preliminares das polícias estaduais. Nos seis meses iniciais de 2018, a queda havia sido de 9%.

Crimes contra o patrimônio, incluindo roubos de veículos e assaltos a bancos, também apresentam declínio, assim como os latrocínios.

Os especialistas ainda se mostram inseguros ao buscar explicações para o fenômeno. Polícias estaduais mais efetivas e a dinâmica das disputas entre facções criminosas estão entre os motivos apontados com mais frequência, mas inexiste diagnóstico consensual.

O governo Jair Bolsonaro se apressou a reivindicar parte dos louros, apontando o isolamento dos líderes das facções após sua transferência para presídios federais e o discurso duro adotado pelo presidente contra os criminosos.

Poesia | Vinicius de Moraes - Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:

Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.