sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Ninguém pede para sair

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Fala-se em Onix ir para a Educação e Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro e ao guru Olavo de Carvalho”

Em outros governos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o mais desprestigiado no Palácio do Planalto, já teria pego o boné e ido embora; e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o mais criticado por causa das trapalhadas na pasta, já teria sido exonerado. Mas, no governo Bolsonaro, ninguém é demitido por pressão externa, as críticas parecem ser uma espécie de salvo-conduto para permanecer na Esplanada. Tem até ministro que briga com a imprensa e o Congresso para agradar ao presidente da República e se segurar no cargo. Ninguém pede para sair.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às vésperas da retomada dos trabalhos legislativos, fez duras críticas ao ministro da Educação, cuja gestão classificou como um desastre. “O ministro da Educação atrapalha o Brasil, atrapalha o futuro das nossas crianças, está comprometendo o futuro de muitas gerações. Cada ano que se perde com a ineficiência, com um discurso ideológico de péssima qualidade na administração, acaba prejudicando os anos seguintes. Mas quem demite e quem nomeia ministro é o presidente”, afirmou Maia, que participou de um seminário sobre desenvolvimento em São Paulo.

Weintraub é um casca-grossa da turma do confronto do governo, Bolsonaro gosta do estilo e prestigia seu ministro, mas os fatos são teimosos. Os erros administrativos se repetem, o desgaste do governo na Educação aumenta. O ministro tem a seu favor a implantação das escolas militares, mas isso é muito pouco diante dos desafios da educação no país. Entretanto, a narrativa de combate ao método Paulo Freire, adotado em todo mundo para erradicar o analfabetismo, e as críticas ao chamado “marxismo cultural” vão mantendo o ministro no posto, mesmo havendo, dentro do próprio governo, crescente insatisfação com seu péssimo desempenho. Como a Educação é uma área muito sensível do ponto de vista político, vai ser difícil para o ministro sobreviver ao bombardeio que virá do Congresso. As declarações de Maia foram a senha para que os demais deputados passem à ofensiva contra Weintraub.

Eliane Cantanhêde - Uma bagunça

- O Estado de S.Paulo

‘DO’ descartável: demite, readmite e demite de novo, com o PPI de galho em galho

Mesmo quando acerta, o presidente Jair Bolsonaro acaba errando. Incrível! Parece viciado em notícias e declarações bombásticas e, quando passa um dia sem disparar uma delas, sofre de abstinência e manda ficha. Lá vem manchete e lá vem a horda bolsonarista caindo em cima do mensageiro, leia-se, da mídia.

Bolsonaro acertou ao demitir sumariamente o tal Vicente Santini, que era do segundo escalão da Casa Civil, estava temporariamente como ministro e se sentiu no direito de convocar um Legacy da FAB para ir à Índia. Não é só ridículo, custa uma fortuna aos cofres públicos. E é você, leitor, leitora, quem paga a farra.

Se o presidente estava certo e até os críticos reconheceram isso, por que readmitir Santini na mesma Casa Civil e com um salário apenas R$ 383 mais baixo? Sua audácia até que saiu baratinha, mas só para ele.

Bolsonaro não tem saída. Ou foi ele quem readmitiu o assessor, depois de se encontrar pessoalmente e acertar tudo com o próprio, ou não foi ele e é sinal de que não manda nada, não sabe de nada e qualquer um faz o que bem entende dentro do Palácio do Planalto, sob suas barbas. Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.

Ricardo Noblat - Um governo em vertigem

- Blog do Noblat | Veja

As bolas da vez

Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro foi capaz de demitir o mesmo funcionário duas vezes em menos de 24 horas, é arriscado dizer que ela fará isso ou aquilo. De resto, gosta de contrariar previsões. É capaz de adiar o que faria de imediato só para que não digam que ele agiu pressionado. Cada um com suas manias.

Depois de demitir o 02 da Casa Civil da presidência da República por causa do ato “complemente imoral” de voar à Europa e à Ásia em jatinho da FAB, Bolsonaro voltou a empregá-lo a pedido dos filhos. Tão logo seu gesto foi reprovado nas redes sociais que ele tanto preza, acabou convencido a demiti-lo outra vez.

E foi então que aproveitou o momento para esturricar o 01 da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que estava de férias nos Estados Unidos e que, ali, aproveitou o ócio para visitar o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru dos Bolsonaro. Lorenzoni foi o primeiro político a comprar ações da candidatura de Bolsonaro a presidente.

Mas o que isso importa a essa altura? Amizade e política nem sempre andam juntas – salvo quando se trata de parentes. Bolsonaro começou a desidratar Lorenzoni ao subtrair-lhe sua mais importante função – a de coordenador político. Ontem, esvaziou o resto dos seus poderes.

Dora Kramer - Dupla do barulho

- Revista Veja

A plateia sofre, mas presidente e ministro se divertem no esquete

O presidente pode demitir o ministro da Justiça? Pode, mas sabe que não deve. Uma que Sergio Moro não dá motivo, outra que ele tem mais a perder que a ganhar. O ministro da Justiça pode se demitir? Pode, mas está ciente de que não deve. Uma que os pretextos criados por Jair Bolsonaro lhe soaram até agora insuficientes, outra que ele tem mais a perder que a ganhar; a visibilidade do cargo é essencial, sejam quais forem seus planos futuros.

Portanto, salvo alguma loucura presidencial incontornável, ainda não será neste nem no próximo Carnaval que Bolsonaro e Moro brincarão separados. A performance do morde e assopra tem feito bem a ambos. Ao ministro, as mordidas só proporcionaram consolidação da popularidade; ao presidente, os assopros propiciam recuos usados como “provas” das intrigas de oposição.

A depender da preferência política do freguês, são vistos alternadamente nos papéis do “bom” e do “mau”. Assim vão caminhando ambos ao molde de um esquete de humor nem sempre de bom gosto. Nenhum dos dois se aflige, enquanto na plateia (dentro e/ou fora do governo) os desesperados se contorcem, de regozijo ou dissabor, a cada novo episódio da série cujo epílogo ainda está para ser escrito.

Ainda não é agora que Moro e Bolsonaro vão brincar o Carnaval separados

Não é que se trate de uma encenação com roteiro bem pensado e escrito a quatro mãos. Há evidentes e reais insatisfações, desconfortos e divergências de parte a parte. Estas estão patentes no noticiário desde o capítulo inicial, em fevereiro de 2019, do veto a uma indicada (Ilona Szabó) de Moro para suplente no Conselho Nacional de Política Criminal.

Elena Landau* - Contabilidade criativa

- O Estado de S.Paulo

O Estado está presente onde não se justifica e é ausente onde ele é necessário

A Constituição, no seu artigo 173, definiu que a presença do Estado na atividade produtiva é exceção e não regra. Privatizar, além de seguir o princípio constitucional, reduz o déficit público e permite que o Tesouro use os recursos para fins socialmente justificados. Um bom programa de privatização deve também estimular a concorrência e trazer ganhos de produtividade e eficiência.

O programa do governo atual conta qualquer operação de venda como privatização: venda de subsidiárias, de posições acionárias, de projetos de infraestrutura, leilões de óleo e vendas de campos da Petrobrás – tanto faz. A nova contabilidade criativa disfarça a timidez e lentidão da desestatização do governo Bolsonaro. A frustração é grande. O R$ 1 trilhão virou piada, e mesmo sabendo-se que Bolsonaro é contra a privatização, a expectativa era que Guedes conduzisse um programa ousado para cumprir a promessa de redução dramática da dívida pública com recursos das vendas das estatais.

Mas o processo, hoje, se resume ao desinvestimento em participações minoritárias e de subsidiárias das estatais- mãe. Não se discute que o enxugamento de ativos e o uso do desinvestimento para reduzir o endividamento e dispersão de atividades das estatais é uma estratégia positiva. “Melhor do que nada”, diriam alguns. Mas é pouco perto do que precisamos.

Essa estratégia não contribui para a redução da dívida, nem para reforma do Estado. Os recursos obtidos ficam à disposição dos dirigentes das empresas- mãe. É só na eventualidade de pagamento de dividendos, para a União e minoritários, que chegam aos cofres públicos.

O Estado continua onipresente e limitando a liberdade do mercado. Petrobrás mantém seu monopólio no gás; Banco do Brasil, a exclusividade no crédito agrícola; e a poupança dos trabalhadores continua compulsoriamente administrada pela Caixa.

Reinaldo Azevedo - Mercado do obscurantismo

- Folha de S. Paulo

Se o presidente cismar em derrubar metade da Amazônia, o negócio é comprar papéis de alguma madeireira

A existência de um mercado forte no Brasil sempre funcionou como uma barreira de contenção a governantes com parafusos a menos. Ou por outra: “Não fale e não faça besteira, ou os indicadores econômicos degringolam, as expectativas se deterioram, o pessimismo aumenta, e tudo se complica”.

É assim, mais marcadamente, desde a redemocratização. A rigor, os estertores do regime militar já traziam os indicadores de mercado a dizer: “Acabou o ciclo; hora de voltar para a casa e deixar que a sociedade se vire”. Em síntese: os mercados atuavam como agentes civilizadores da política.

Ainda que o capital, por si, seja amoral e não olhe a cor dos gatos desde que cacem ratos, o fato é que, há muitos anos, no Brasil, os mercados resolveram apreciar a democracia. Se seus valores são referendados pelas forças políticas influentes, sobe o preço dos ativos; se o contrário, então o contrário. Há muitos anos não é bom negócio especular contra direitos fundamentais e valores civilizatórios.

Um fenômeno, no entanto, se dá com o governo de Jair Bolsonaro — a rigor, manifestou-se já desde a sua candidatura — que consiste num completo descolamento entre a política e a economia. Uma hora, é claro, isso acaba. E muita gente pode ser surpreendida pelo estouro da bolha. Por enquanto, não há sinais de que vá acontecer.

Bruno Boghossian – Agitando o serpentário

- Folha de S. Paulo

Atritos no Planalto e no MEC irritam parlamentares e podem dificultar vida de Bolsonaro

Não é pouca coisa o fato de que a crítica mais cortante ao caos no Ministério da Educação tenha partido do presidente da Câmara. Nem que o presidente do Senado tenha feito circular uma ameaça de retaliação ao governo diante do desmanche da Casa Civil. O Planalto já não tem apoio firme no Congresso, mas a situação sempre pode piorar.

Jair Bolsonaro assiste a disputas de poder em postos-chave de sua gestão, envolvendo diretamente os interesses de caciques políticos que podem facilitar ou dificultar sua vida. O presidente amplia o risco de turbulências a poucos dias do retorno das atividades parlamentares.

Dirigentes de siglas alinhadas à agenda do governo ficaram atônitos com a humilhação pública a que Bolsonaro submeteu Onyx Lorenzoni nos últimos dias. A decisão de esvaziar ainda mais a já debilitada estrutura da Casa Civil reacendeu insatisfações com o trabalho desastrado de articulação política do Planalto.

Hélio Schwartsman - Ilusão de controle

- Folha de S. Paulo

Brexit alimenta a narrativa de que britânicos decidirão seu futuro sem a interferência de estrangeiros

Às 23h desta sexta-feira (31/1), o Reino Unido se separa oficialmente da União Europeia (UE), pondo fim a uma novela que se estendeu por mais de três anos.

No plano econômico, o divórcio é um tiro no pé. Os britânicos estão abrindo mão de acesso privilegiado a um mercado de mais de 500 milhões de pessoas e criando “ex nihilo” sérias dificuldades para suas empresas. A aventura custará ao Reino Unido entre dois e oito pontos do PIB até 2034, segundo estimativa do próprio governo.

Se é tão ruim assim, por que os britânicos decidiram sair? Europeístas até podiam afirmar que os eleitores foram enganados no plebiscito de 2016, no qual a campanha pelo brexit abusou das fake news. Mas não vejo como insistir neste argumento após a vitória de Boris Johnson em dezembro. O brexit foi o tema dominante na eleição, que teve lugar após anos de debates. A matéria estava madura para ir a voto.

Vinicius Torres Freire – Frituras, fraturas e baderna

- Folha de S. Paulo

Um quarto da cúpula da gestão Bolsonaro foi frita neste verão de desesperança

Generais-ministros com salas próximas à de Jair Bolsonaro, amigos sem cargo do presidente e a filhocracia ajudam a preencher noticiário fraco do recesso político com frituras de ministros. A mumunha envolve quase um quarto do ministério.

Nem tudo é mera fofoca; a intriga não brota da cabeça dos jornalistas. Tem ministro e assessor graduado que telefona para espalhar o óleo quente. A gente não pode fingir que não ouviu ou não leu a mensagem.

Onyx Lorenzoni acaba de entrar nessa roda do infortúnio. Ministros que trabalham no Planalto querem que o chefe da Casa Civil volte oficialmente à sua irrelevância de costume na Câmara dos Deputados. Seu ministério já é uma casca vazia.

É apenas o caso mais recente de fritura, motivado pela demissão, readmissão e redemissão de um sub de Onyx, aquele que brincava no play dos Bolsonarinhos e viajou de aviãozinho para a Índia.

Note-se de passagem que é mais um “aliado de primeira hora” de Bolsonaro que vai ficando por último na apreciação presidencial (vide o caso dos escorraçados Magno Malta, Santos Cruz e Gustavo Bebianno).

A cadeira de Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) é disputada desde fins do ano passado. Tentam passar-lhe a rasteira antes da volta dos trabalhos no Congresso. Aliados parlamentares de Bolsonaro acham que o cargo tem de ser “político” (deles).

Ruy Castro* - A fala da múmia

- Folha de S. Paulo

Proponho que, ao morrer, Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro sejam embalsamados

A Universidade de Londres acaba de realizar uma façanha: “devolveu” a fala a um sacerdote egípcio morto e embalsamado há 3.000 anos. O religioso se chamava Nesyamun e, como se lê nas inscrições em seu sarcófago, não queria que a morte interrompesse seu diálogo com os deuses. A atual falta de deuses não impediu que os cientistas o fizessem “falar”, usando técnicas nunca até então tentadas.

O trabalho consistiu em criar uma versão em 3D do espaço entre a boca e a garganta de Nesyamun, aplicar-lhe uma laringe eletrônica e gerar uma onda sonora que, passando pelo seu trato vocal, criasse um som compatível com os que este emitia. Parece simples, mas a operação levou três anos, envolveu tomógrafos, sintetizadores e 3Ds de última geração e só foi possível porque o trato vocal de Nesyamun continuou intacto através dos milênios.

E o que ele disse para os cientistas? Nada de mais —apenas sons de “a” e “e”. Mas isto já é revolucionário. Os britânicos confiam em que logo poderão extrair palavras inteiras de Nesyamun, talvez frases, conceitos, narrativas complexas. Todo um passado perdido virá à tona. Empolgado pela notícia, atrevo-me desde já a sugerir que nossos presidentes vivos —Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, Bolsonaro— também sejam escrupulosamente mumificados ao morrer para que, um dia, possamos arrancar deles a verdade sobre seus governos.

José de Souza Martins* - O triunfo da barbárie

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Indução de suposta legitimação da exclusão social dos diferentes e dos que estão à margem incita ao justiçamento como apropriada decorrência de concepção fascista de ordem política

O Brasil continua a ser, provavelmente, o país que mais lincha no mundo. É que temos fatores diferenciais para que aqui o linchamento tenha se tornado uma modalidade cotidiana de violência coletiva. Em outros países, em que ele ocorre de modo intermitente, existem circunstâncias não cotidianas, que o favorecem, como as de situação de guerra e de conflito político.

Há cinco anos, no Brasil, havia um linchamento ou tentativa de linchamento por dia. Hoje, são cerca de dois, em média. Uma área mais ampla do território nacional foi incluída na geografia do justiçamento. Linchamos, aliás, desde o século XVI.

Que a violência coletiva persista depois de cinco séculos, indica que é desencadeada pelo modo como está organizada a sociedade brasileira e que, nestes cinco séculos, o país não conseguiu dar passos decisivos em direção à civilização.

Criamos uma sociedade sociologicamente superficial, determinada por deficiências crônicas, decorrentes da sobrevivência de referências de conduta de quando apenas ensaiávamos o que seria a sociedade brasileira que nascia. Uma carta do padre Manuel da Nóbrega, do século XVI, nos dá preciosas indicações nesse sentido.

Fernando Abrucio* - A luta entre desigualdade e moralismo

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Se o arco que vai do centro à esquerda quer lutar contra os retrocessos atuais, terá de mostrar que o combate à desigualdade pode ser o alicerce de uma nova ética pública

O Brasil é um dos países mais complexos do mundo. A variedade de seus problemas torna muito difícil escolher um único caminho ideológico como remédio a todos os males. Só que a disputa política geralmente produz a contraposição de visões de mundo. No momento, predominam duas delas que resumem bem as soluções colocadas à mesa. De um lado, um grupo que vai da esquerda até parte do centro defende que a agenda básica deve ser o combate à desigualdade. De outro, um agrupamento que capta parte da centro-direita e chega até à extrema-direita propõe que a questão central deve ser a reordenação moral da sociedade e do Estado brasileiros.

Obviamente que nenhuma liderança política vai dizer que é a favor da corrupção ou defender que não haja políticas públicas para os mais pobres. Posições tão extremas não estão em questão. Mas o embate político pode ser sintetizado pela luta entre a visão centrada no combate à desigualdade versus uma concepção mais orientada por questões morais, tanto públicas como privadas.

Somada à luta contra o autoritarismo, a redemocratização teve como slogan o resgate da dívida social. O país havia tido uma enorme transformação econômica desde o varguismo, porém, mantivera uma enorme desigualdade. Para mudar essa realidade, a sociedade levou uma série de demandas represadas aos constituintes e as lideranças políticas criaram aquilo que Ulysses Guimarães acertadamente chamou de Constituição cidadã. Assim, um cardápio amplo de direitos foi criado, buscando aumentar o acesso aos serviços públicos, principalmente aos mais pobres.

César Felício* - A pedra angular

- Valor Econômico

Aliança pelo Brasil ganha ares confessionais

Na concepção de poder bolsonarista, existem pilares de sustentação, que o alicerçam no liberalismo econômico exacerbado, com Paulo Guedes; e no jacobinismo das classes médias, com Sergio Moro. E há a pedra angular, aquela que se destaca no centro dos arcos de construções antigas, mantendo toda a estrutura de pé e com capacidade para suportar os pesos laterais.

Trata-se aqui, evidentemente, do ativismo evangélico no exercício da política. Tal como se descreve no versículo 22 do salmo 118, a pedra que os construtores do passado rejeitaram tornou-se a pedra angular. São os evangélicos imbuídos do propósito de construir um projeto de poder que fazem o elo entre Bolsonaro e a parcela mais pobre do eleitorado.

Há muitos ministros evangélicos neste governo, mas uma única pessoa está lá exclusivamente por este motivo. Muito subestimada ao longo de 2019, é a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves que estrutura o bolsonarismo nesta faixa de público.

A pauta de Damares não é a da arena pública, não são estratégias globais de saúde, educação, crescimento sustentável, distribuição de renda, longe disso. Sua agenda se conecta com assuntos de ordem moral, que estão da porta para dentro dos lares, não fora. A recente polêmica sobre a abstinência sexual é um exemplo. Ou não está no rol de preocupação de toda mãe a sexualização precoce e a gravidez ainda na adolescência?

Além de estabelecer estas faixas de sintonia, a ministra também parece disposta a fazer política. Em entrevista à jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, Damares falou que um de seus propósitos é colocar mais mulheres na vida pública. Ela se queixou de que há 1,3 mil cidades no Brasil sem sequer uma vereadora. Prometeu uma “revolução” na ocupação de espaço político e incentivar a eleição de pelo menos uma mulher por municípios. Como fará isso, não disse.

Claudia Safatle* - Amazônia passa ao topo da agenda do governo

- Valor Econômico

Ministro promete debater regulamentação da mineração em terra indígena

Foi do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a ideia de se criar, no governo, uma coordenação para as políticas de desenvolvimento e preservação ambiental da Amazônia. Esta seria a resposta inicial à opinião pública e às pressões de investidores internacionais. Segundo relato de Salles, ele conversou com o presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira da semana passada e disse que gostaria de levar o tema Amazônia para ser discutido na reunião ministerial convocada para o dia seguinte, terça-feira, no Palácio da Alvorada.

O argumento do ministro fazia todo sentido, já que o assunto é de grande complexidade e envolve vários ministérios, não sendo suficiente, portanto, a atuação da pasta do Meio Ambiente. A coordenação também não poderia ficar em suas mãos, pois deveria vir de uma instância superior para que os demais ministros envolvidos no assunto a ela se submetessem.

A agenda da bioeconomia é uma interação entre o que faz o MMA e o Ministério da Economia. A fiscalização é feita por Ibama e ICMbio (Instituto Chico Mendes) em complemento com a Força Nacional de Segurança do Ministério da Justiça. O monitoramento é da alçada do Ministério da Defesa e de parte do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Tem ainda a área de regularização fundiária, que é da competência do Incra, no Ministério da Agricultura.

Merval Pereira - Governar com o estômago

- O Globo

Gabinete Civil da Presidência da República sempre teve papel de destaque nos diversos governos brasileiros

A confusão provocada pela demissão de um assessor do Gabinete Civil da Presidência da República que utilizou um avião da FAB inteirinho só para viajar de Davos, na Suíça, para a Índia, revelou a um só tempo a gestão deficiente do governo e a interferência não profissional dos filhos do presidente Bolsonaro em assuntos do governo.

O Gabinete Civil da Presidência da República sempre teve papel de destaque nos diversos governos brasileiros, inclusive durante a ditadura militar. Em vários casos teve um papel político fundamental; em outros, transformou-se em centro da gestão do governo.

Na maioria deles, porém, apesar de críticas que possam merecer, os ocupantes foram personalidades de destaque, políticos de renome, executivos de qualidade. Isso só não aconteceu em alguns momentos, ou no governo Collor, que colocou no lugar um diplomata seu cunhado, e agora com Bolsonaro, que tem, por enquanto, Onyx Lorenzoni.

Bernardo Mello Franco - Rodízio na frigideira

- O Globo

Prestes a voltar das férias, Onyx foi lançado na frigideira. O caso mostra que os aliados de Bolsonaro podem cair em desgraça da noite para o dia. Só os filhos dele estão a salvo

O governo Bolsonaro inventou o rodízio de fritura política. Na semana passada, o presidente chamuscou o ministro da Justiça, Sergio Moro. Agora é a vez do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O ministro foi torrado nos últimos dias de férias. Pelo Twitter, Bolsonaro comunicou a demissão de seus dois auxiliares mais próximos. Além disso, transferiu o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para o Ministério da Economia.

Onyx frequenta a frigideira desde o sexto mês de governo, quando o presidente entregou a articulação política ao ministro Luiz Eduardo Ramos. Deputado de cinco mandatos, perdeu o posto de negociador para um general recém-chegado a Brasília.

As mudanças de ontem esvaziam de vez a Casa Civil, que já foi a pasta mais poderosa da Esplanada. “É a pá de cal”, resume um dirigente do DEM. Ele explica que o poder de um ministro da área política se mede pela influência sobre o Orçamento e sobre as nomeações federais. “O Onyx ficou sem as duas canetas”, sentencia.

Míriam Leitão - O vírus ameaça as cadeias globais

- O Globo

Na economia, o temor do coronavírus é de uma paralisação prolongada na China que afete as cadeias globais de produção

O mundo ficou muito mais conectado, a produção, mais distribuída pelos países, e as economias são mais dependente da China desde que uma epidemia — a Sars, em 2003 — provocou uma redução de 2% do PIB chinês. Hoje, a China é o grande fornecedor e também o grande comprador mundial. Se a paralisação das atividades se prolongar, o prejuízo será enorme e o impacto, muito maior. É o que dizem os especialistas da área de comércio.

Com o anúncio de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência global para o novo coronavírus, e a informação de que houve transmissão entre humanos nos Estados Unidos, os mercados tiveram outro dia de volatilidade. O dólar no Brasil bateu R$ 4,27 e depois fechou em R$ 4,25. Esses movimentos de preços de ativos podem se reverter facilmente. No fim do dia, as bolsas do Brasil e dos EUA fecharam no equilíbrio, mas o Ibovespa chegou a cair mais de 2%. É que se considerou que a OMS não recomendou restrições duras como se temia. Mas o fato é que o mundo está diante de uma enorme incerteza e por isso continuará havendo dias de quedas e de altas súbitas em vários ativos. Há neste momento a consciência de que ainda não se sabe como conter o vírus e que o único remédio para mitigar seus efeitos é parar a economia mais dinâmica do planeta.

Nelson Motta - Profissionalismo é isso aí

- O Globo

A cada novo governo muda a História do país

Ninguém sabe o autor, mas algum machista debochado cunhou a célebre máxima da falta de profissionalismo dos brasileiros: “É o país onde puta goza e cafetão tem ciúmes”.

Mas hoje a pergunta é: qual o problema se elas conseguem unir o útero ao agradável? O cliente só tem a ganhar, em prazer e orgulho de sua virilidade.

E o que impediria um cafetão de se apaixonar por uma agenciada? Ou só elas podem se apaixonar por eles, como no velho clichê de bas-fond?

Com a explosão da cocaína e do tráfico no Rio nos anos 80, foi acrescentada à lista de falta de profissionalismo nacional mais um item: “onde o traficante é viciado”.

E Tim Maia completou: e pobre é de direita.

Atualizando. É onde o presidente diz que o nazismo era de esquerda. E um secretário de Cultura queria criar um nazicristianismo tropical. E 11 milhões de cidadãos acreditam que a Terra é plana. E outros milhões que a ditadura foi boa para o Brasil.

A cada novo governo muda a História do país. Até para trás. Aqui até o passado é incerto, ensina o professor Pedro Malan.

Monica de Bolle* - Coronavírus

- Revista Época

Penso no que uma epidemia é capaz de fazer com o discurso nacionalista e identitário mundo afora

Confesso que sempre tive fascínio por epidemias — a não linearidade dos processos de transmissão, o que revelam sobre a interconectividade entre as pessoas, o que ilustram sobre nossa ignorância coletiva. Lembro de um estudo publicado em 2009 em que dois físicos tentaram modelar a progressão das epidemias a partir de um website americano que rastreava notas de US$ 1 (para os interessados, o site chama-se WheresGeorge.com). As notas eram carimbadas e quem as recebia era convidado a visitar o site para registrar o número da cédula. A partir das informações coletadas, era possível saber exatamente como determinada cédula havia circulado, quanto viajara desde seu primeiro registro. Como as notas de US$ 1 circulavam por meio do contato entre pessoas, usar seu rastreamento para formular um modelo para a transmissão de doenças contagiosas me pareceu genial. Tão genial que, logo após a publicação do paper científico, escrevi um artigo sobre o tema para o extinto O Globo a Mais. Hoje, o paper original integra a lista de leituras de meu curso sobre crises financeiras na Escola de Estudos Internacionais Avançados (Sais, na sigla em inglês) da Universidade Johns Hopkins.

Mas, voltando ao fascínio por epidemias, parece realmente incrível que com todo o progresso da medicina e da tecnologia possa aparecer um novo vírus capaz de gerar as mais severas consequências, ainda que venha a se revelar futuramente menos grave do que o vírus da gripe. A consequência perversa mais presente no momento — afora os temores de cada um — é a intensidade do risco para a economia mundial. Ainda que a China consiga conter a propagação global em larga escala do coronavírus, as quarentenas, a paralisação do transporte doméstico e internacional, além de outros efeitos e medidas, deverão afetar a economia do país. O problema é que hoje a China é três vezes mais importante para o PIB mundial do que em 2002 e 2003, o pico da epidemia causada pelo vírus da Sars. Se em 2002 o PIB chinês representava cerca de 5% do PIB global em termos nominais, hoje ele responde por uns 15%. Portanto, o abalo de uma paralisação chinesa seria potencialmente enorme, algo que o Brasil, com sua recuperação mambembe, não pode se dar ao luxo de ignorar.

O que a mídia pensa – Editoriais

Apagão gerencial – Editorial | Folha de S. Paulo

Falha no Enem se soma a demais erros do governo que afetam milhares de pessoas

Parece não ter fim a desastrosa saga do Enem sob o governo Jair Bolsonaro. A pressa em retificar os erros nas notas de milhares de alunos que prestaram a prova fez com que o Inep, órgão do MEC a cargo do exame, deixasse de cumprir uma das etapas do processo de correção.

Ainda que o desempenho dos estudantes tenha, de fato, sido reavaliado após a falha vir à tona, não se recalculou, a partir dos novos índices de acerto, os parâmetros que balizam os pesos das diferentes questões do exame, conforme revelou reportagem desta Folha.

Tal aspecto afigura-se crucial, pois o Enem adota uma metodologia na qual o nível de dificuldade das perguntas é definido pelo desempenho dos alunos. O resultado final depende tanto do número de acertos como de quais questões foram assinaladas corretamente.

Promover essa recalibragem da prova, avaliam técnicos do MEC ouvidos pela reportagem, poderia produzir alterações nas notas capazes de modificar a lista de aprovados nos cursos mais concorridos.

O procedimento, contudo, tornaria mais longo o tempo de reanálise dos resultados, que obrigaria o governo a atrasar o cronograma do Sisu, o sistema que seleciona alunos para as universidades federais pela nota do exame.

Poesia | Mario Quintana - Jardim interior

Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Eugênio Bucci* - A democracia brasileira vai mal, só uma frente pode salvá-la

- O Estado de S.Paulo

Se abrirem mão de suas picuinhas fratricidas, as oposições serão úteis ao Brasil

Acaba de sair o Democracy Index 2019, preparado pela revista inglesa The Economist. Não se trata de uma publicação socialista ou “de esquerda”. Ao contrário, o semanário secular é uma das mais sólidas referências liberais no mundo democrático. A Economist, que gosta de se identificar como um “jornal” (um newspaper), era até outro dia a bíblia periódica da política mundial na opinião de muita gente que hoje apoia o governo brasileiro. Essa gente deveria ler outra vez “o” Economist e entender por que, segundo o Democracy Index 2019, a democracia brasileira não vai nada bem.

O levantamento aponta um declínio das garantias democráticas em escala global, mas a situação do nosso país é particularmente preocupante. De 2018 a 2019 o Brasil registrou uma queda de 6,97 para 6,86 na pontuação (a escala vai de 0 a 10) e vem classificado como “democracia falha”. Um dos pontos críticos para essa nota ruim é o tópico “funcionamento do governo”, um dos cinco avaliados pelo ranking. Nesse quesito, a nota brasileira marcou apenas 5,36 pontos.

Não que a gente precise das métricas da Economist para saber que a coisa não anda direito no governo brasileiro. Outro dia, autoridade federal responsável pela área da cultura gravou um vídeo macaqueando um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. Em sua imitação mal feita, o então secretário conclamou os concidadãos a uma estética nacional-populista-patriotária e usou como fundo musical de seu pronunciamento-decalque um trecho da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, o predileto de Adolf Hitler. Para ele, o nacionalismo brasileiro dança conforme a linha melódica cultuada pelo III Reich.

William Waack - Decidindo o dilema

- O Estado de S.Paulo

O Legislativo está decidindo pelo Executivo qual é agora a reforma prioritária

Para um governo que demonstra dificuldades em afinar o foco, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez um grande favor. Quer que a reforma tributária comece a ser tratada como prioridade já na semana que vem, quando termina o recesso parlamentar. Se o Executivo ponderava ainda com qual começar entre as várias ambiciosas reformas que pretende, o Legislativo definiu.

Encontros para tratar de um texto único (são três conjuntos de propostas, mas a conhecida como PEC 45, do tributarista Bernard Appy) envolvendo relatores, deputados, senadores e especialistas – o cerne de uma Comissão Especial – começaram na terça-feira e vão pelo fim de semana. A ambição: votar até junho. Depois são férias e, na sequência, os senhores parlamentares vão se dedicar às eleições municipais. Ou seja, o prazo é dos mais apertados.

O sentido de urgência aumentou também com as demandas dos governadores, para os quais o socorro financeiro proposto pela União dentro de um novo Pacto Federativo foi por eles declarado insuficiente, e terá de ser reexaminado em função do impacto que simplificação e/ou novos tributos terão sobre arrecadação. Junte-se a isso reforma administrativa e PEC Emergencial, que pretendem, por outras vias, lidar com a questão fiscal, e tem-se o tamanho do trabalho político para o governo.

José Pastore* - Você perderá seu emprego para a automação?

- O Estado de S.Paulo

Entre 2020 e 2022, estima-se que 42% dos conhecimentos requeridos pelas profissões atuais serão modificados

Os estudos sobre os impactos das tecnologias sobre o trabalho são contraditórios. Ao lado dos catastrofistas que preveem uma grande destruição de empregos nos próximos dez anos (Carl B. Frey e Michael A. Osborne, The future of employment, 2013), há os otimistas que enxergam mais empregos gerados do que eliminados (Philippe Aghion e colaboradores, What are the labor and product market effects of automation?, 2020).

Na semana passada, os especialistas reunidos no Fórum Econômico Mundial assumiram duas posições realistas. Na primeira, reconheceram haver um consenso sobre a necessidade de requalificar os trabalhadores para o mundo do futuro. Na segunda, apontaram a importância da participação das empresas nesse processo. E, de modo ousado, lançaram a meta de requalificar 1 bilhão de trabalhadores entre 2020 e 2030!

Durante o encontro foram citados vários exemplos de participação das empresas, tais como o movimento Pledge to America’s Workers, nos Estados Unidos, no qual 400 firmas estão requalificando 15 milhões de trabalhadores; o programa de requalificação da British Telecom (BT), que faz o mesmo com 10 milhões de profissionais; e a empresa PwC, que está investindo US$ 3 bilhões em requalificação de funcionários e usuários de seus serviços.

Luiz Carlos Azedo - O poder das intrigas

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Quanto mais poderosos seus protagonistas, mais perigosas são as disputas palacianas, agora operadas com fake news, por meio das redes sociais.”

Um dos episódios mais espantosos da política brasileira foi a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, uma data simbólica: o Dia do Soldado. Às voltas com um Congresso dominado pela oposição, após ter sido denunciado, na televisão, pelo seu maior eleitor, o governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo, precipitando o Brasil numa crise sem precedentes, que não foi contida pelo seu sucessor, João Goulart, e acabou desaguando no golpe militar de 1964.

A sua renúncia tem duas interpretações relevantes: uma é a dele próprio, seis meses antes de morrer, em 1991, em depoimento ao neto homônimo, autor da biografia Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil. Depois de 50 anos de silêncio, disse que a renúncia não deveria ter existido: “A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela seria de fato executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana. O maior erro que já cometi…”

Jânio arquitetou um plano que julgava infalível, em meio a intrigas palacianas protagonizadas por assessores muito próximos, que se digladiavam. Primeiro, mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China, para afastá-lo das articulações políticas. Presidente e vice podiam ser eleitos por partidos diferentes, até adversários (Goulart elegeu-se com 36% dos votos, graças a uma manobra dos sindicalistas paulistas, que montaram a chapa pirata “Jan-Jan”). Jânio escreveu a carta-renúncia no dia 19 e entregou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Estava confiante de que não haveria ninguém para assumir o cargo e, por isso, voltaria ao poder mais forte, nos braços do povo, com apoio dos governadores e dos militares.

Maria Hermínia Tavares* - De sapato na praia

- Folha de S. Paulo

Em Davos, Paulo Guedes adotou o arcaico discurso sobre a incompatibilidade entre crescimento e preservação ambiental

Na mesma semana em que o Fórum Econômico Mundial, reunido em Davos, colocou a crise ambiental no centro de sua agenda, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) de Basileia chamou a atenção dos bancos centrais para o imperativo de se prepararem para os graves prejuízos financeiros certamente provocados pelas catástrofes climáticas que se avizinham.

A discussão não é nova. Em 2006, o Relatório Stern, que levou o nome do economista e parlamentar que presidiu uma comissão criada pelo governo britânico sobre o aquecimento global, estimou pela primeira vez as perdas econômicas dele resultantes —demonstrando serem bem maiores que os custos de evitá-lo.

À época, o impacto do trabalho se restringiu a especialistas e militantes da causa ecológica. Desde então, porém, a rapidez da degradação ambiental e o acúmulo de evidências científicas sobre suas causas e seu alcance mudaram os termos do debate e multiplicaram o número de pessoas e organizações internacionais nele envolvidas.

Fernando Schüler* – Deirdre

- Folha de S. Paulo

Livre fluxo de ideias e inventividade humana, não capital, geopolítica ou educação formal, estão na base da prosperidade

Deirdre McCloskey visita o Brasil nesta semana. Concorde-se ou não com suas ideias, é alguém que merece atenção. Ela é autora de uma trilogia monumental, “Bourgeois Virtues”, sobre a formação do mundo moderno, e recentemente lançou “Why Liberalism Works”, com um bom resumo de suas visões, ainda sem tradução no Brasil.

Não faço ideia da razão pela qual a palestra que daria na Petrobras foi cancelada. O que é irrelevante, visto que todos, como sempre, já sabem de tudo, não é mesmo? Mas o episódio me dá uma boa pista sobre como começar explicando quem é a sra. McCloskey.

Em primeiro lugar, é uma liberal em tempo integral. Não brinca com essa história de separar a liberdade econômica das liberdades na cultura e nos costumes. O liberalismo nasce do direito de dizer “não”. Ponto. Seu vértice é a “igualdade de consideração e respeito.”

Vem daí seu horror a qualquer forma de reacionarismo, à esquerda e à direita, e seu mau humor com o bolsonarismo. Em especial sua ideia de inflexionar políticas públicas para a “maioria cristã”, real ou imaginária.

O liberalismo, na sua visão, não se situa em algum ponto intermediário entre esquerda e direita. Socialistas e conservadores gostam do Estado, por diferentes razões. Liberais gostam do fluxo espontâneo da vida. Isso vale tanto para quem quer enquadrar aplicativos de transporte na CLT, padronizar as escolas ou dizer que tipo de arte vale e qual a estrutura “verdadeira” de uma família.

Vinicius Torres Freire – Gasto militar aumenta com Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Investimento em Defesa é o maior do governo

O investimento em obras e compras de equipamentos do governo federal aumentou no ano passado.

Por fora, bela viola: foi surpresa grande, pois se esperava queda feia dessas despesas. Por dentro, pão bolorento: o investimento cresceu porque o governo aumentou em mais de R$ 10 bilhões o capital de três estatais: Emgepron, Infraero e Telebras. Em suma, porque os gastos militares cresceram bem.

A Emgepron é uma estatal da Marinha que, basicamente, faz navios. Em 2019, o governo colocou R$ 7,6 bilhões na empresa a fim de construir corvetas (navios de guerra) e um barco para uso na Antártida.

No total, o gasto federal em investimento foi de R$ 57,3 bilhões no ano passado, 2,3% mais do que em 2018, já descontada a inflação.

Desse total, o Ministério da Defesa ficou com 28,7% (R$ 16,5 bilhões, incluídas as “inversões financeiras” do aumento de capital da Emgepron), um aumento de 36% em relação a 2019. Em segundo lugar ficou o Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 10,5 bilhões), seguido pela Infraestrutura (R$ 9,2 bilhões).

Ressalte-se que se trata aqui do gasto em investimento, que equivale a apenas 3,9% do gasto federal total, que foi de R$ 1,47 trilhão (não inclui a despesa com juros, que desde 2014 nem é parcialmente paga, apenas rolada).

Bruno Boghossian – Dedo podre

- Folha de S. Paulo

Máquina pública continua refém de obsessões ideológicas e desavenças particulares

Dias antes de demitir Ricardo Vélez, o presidente disse achar “bastante claro” que as coisas não estavam dando certo no Ministério da Educação. Em três meses no cargo, o professor colombiano provocou um apagão na pasta e tentou obrigar crianças a recitarem o slogan de campanha do chefe. Até Jair Bolsonaro precisou admitir que faltava ao auxiliar capacidade de gestão.

Nenhuma lição foi aprendida naquele episódio, como se vê. O presidente exaltou a própria coragem ao se livrar de um ministro incapaz, mas decidiu substituí-lo pelo indivíduo que agora pilota o caos do Enem.

As demissões e trocas de comando executadas por Bolsonaro neste seu período inicial no poder foram tão improdutivas quanto muitas de suas nomeações. A máquina pública continua sequestrada pelas obsessões ideológicas e desavenças particulares do presidente.

Ricardo Noblat - De namoradinha do Brasil a primeira-dama da Cultura

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro seduziu Regina, e não o contrário

Questões de fé não se discutem. Cada um tem o direito de acreditar no que quiser e deve ser respeitado por isso – ponto final.

A atriz Regina Duarte já acreditou que Fidel Castro, o ditador cubano, foi um grande estadista – e na época, ninguém a contrariou.

Confessou que Lula lhe causava medo quando apoiou em 2002 a candidatura a presidente de José Serra (PSDB).

No ano passado, por declarar-se conservadora, votou em Jair Bolsonaro para presidente. Ele lhe inspirava confiança, como disse.

Natural que tenha aceitado o convite dele para namorar, noivar e proximamente casar, como anunciou, ontem, o presidente.

Tanto mais porque, para ela, comandar a Secretaria de Cultura é uma missão divina. “Recebi um chamado”, ela comentou com seus filhos.

São três filhos: a atriz Gabriela Duarte Franco, o produtor André Duarte Franco e o cineasta João Ricardo Duarte Gomez.

De alguma forma, os três se sacrificarão pela mãe. Imagine se um deles se beneficiasse de incentivos concedidos pela Secretaria de Cultura.

Maria Cristina Fernandes - Pressão sobre o MEC contamina federação

- Valor Econômico

Escolha do substituto de Weintraub definirá, em grande parte, se, no segundo ano de governo, Bolsonaro optará por fazer entregas ou se continuará a fazer muito barulho por nada

O desastre do Enem deu clamor nacional ao epicentro da crise que abrirá o ano legislativo. Se o país está na contagem regressiva para a saída do ministro Abraham Weintraub, é o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que mais inquieta os parlamentares.

É lá que está o cofre do MEC. Tirando a folha de salários da Pasta, o resto passa pelo FNDE, do ônibus escolar à compra de laptops. O orçamento deste ano é de R$ 30 bilhões, o que o equipara ao do Bolsa Família. Seu comando é mais volátil do que o do MEC. Teve três titulares ao longo do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. O primeiro foi um professor da FGV, indicado por militares. Às vésperas da aprovação da reforma da Previdência, o condomínio DEM/PP emplacou um ex-presidente da Funasa, o “ministério que fura poço”, da gestão Michel Temer, e próximo tanto do secretário de Transportes Metropolitanos do governo de São Paulo, Alexandre Baldy (PP) quanto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).

Maia, Guedes e governadores contra Weintraub
Na última semana do ano, Weintraub mexeu de novo. Colocou no comando uma das diretoras do fundo, concursada do MEC. A troca azedou o Natal de muita gente no Congresso. O FNDE sempre foi domínio do DEM. O balcão foi derrubado na gestão petista mas acabou remontado nos achaques que marcaram a trepidante segunda gestão de Dilma Rousseff.

O gabinete do presidente do FNDE é um dos mais procurados pelas caravanas de prefeitos em Brasília e pelos parlamentares que os ciceroneiam. Juntos, destravam tanto verbas de municípios bloqueados por erros nas prestações de contas quanto de outros que mantêm redes viciadas de fornecedores de merenda ou uniforme escolares. Weintraub espicaçou ambos ao entregar, durante o recesso, ônibus escolares viabilizados por emendas parlamentares de anos atrás sem avisar aos seus autores.

Ribamar Oliveira - Parlamentarismo orçamentário

- Valor Econômico

Agora, é o ministro que vai atrás do parlamentar

O Congresso criou, nos últimos anos, o que já está sendo chamado na área técnica de “parlamentarismo orçamentário”. Além de toda a peça orçamentária ter se tornado impositiva, mais de 50% dos investimentos da União foram alocados no Orçamento de 2020 por meio de emendas parlamentares. Isto significa que deputados e senadores vão dizer, neste ano, na maioria dos casos, onde e em que obras as verbas serão gastas.

A nova realidade orçamentária abrirá a primeira crise entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional neste início de ano legislativo. Já está negociada pelas principais lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado a derrubada do veto do presidente da República ao artigo 64-A da lei 13.957, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020.

A lei 13.957 torna obrigatória as emendas ao Orçamento feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral. O artigo 64-A, motivo da disputa entre Executivo e o Congresso, determina que a execução das programações das emendas deverá observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.

Traduzindo o economês, o parlamentar é que vai indicar o órgão para onde os recursos de suas emendas serão destinados, as obras ou serviços que serão realizados e, em caso de contingenciamento das dotações orçamentárias, qual é a ordem de prioridade. O parlamentar será, portanto, o verdadeiro gestor do recurso orçamentário.

Merval Pereira - Errando por último

- O Globo

Outra peculiaridade do nosso Supremo, os ministros dão opiniões públicas sobre temas que vão julgar

O ministro Luiz Fux, relator do processo sobre o juiz de garantias, está empenhado em entregar seu voto para deliberação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda na gestão do presidente Dias Toffoli, com quem teve uma discordância jurídica a respeito do assunto que levou mais uma vez a uma disputa pública entre seus membros.

Com isso, pretende colocar um ponto final nas especulações de que “sentaria em cima” do processo, para somente levá-lo ao plenário quando e se quisesse, pois em setembro assumirá a presidência do Supremo, em substituição a Toffoli.

Evidente que o que aconteceu nas últimas semanas, com plantonistas anulando-se um ao outro com liminares absolutamente desnecessárias, não é espetáculo bom de se ver na mais alta Corte do país, a que tem o direito de errar por último, segundo Rui Barbosa.

Mas tem havido muito erro junto, e com constância, apenas para fazer com que a posição individual prevaleça. Não é à toa que as decisões monocráticas são maioria no Supremo, e por isso há propostas no Congresso para limitar o número de vezes num ano em que os ministros do Supremo poderão utilizar esse recurso.

Míriam Leitão - A verdade não cabe numa caixa-preta

- O Globo

Erros do BNDES já eram conhecidos, mas Bolsonaro prometeu abrir uma tal caixa-preta e perdeu

O presidente Jair Bolsonaro queria encontrar algo escandaloso no BNDES para justificar o discurso de campanha, a demissão espalhafatosa de Joaquim Levy e a nomeação de um amigo dos filhos para o banco. Gustavo Montezano foi com a missão de encontrar a tal “caixa-preta” para alegrar o chefe. Não encontrou por vários motivos. Um deles é que o BNDES vinha aumentando o grau de transparência nas últimas gestões. A auditoria pode ter encontrado tudo no lugar nos seus pormenores, mas uma visão mais ampla sempre mostrará que custaram muito caro os erros dos governos do PT no BNDES.

O Tesouro se endividou em R$ 500 bilhões a juros altíssimos para transferir para o BNDES e ele emprestar para as empresas a taxas mais baixas. Os beneficiários dos maiores créditos foram escolhidos com o delírio dirigista que repetia a mesma ideologia da ditadura militar de subsidiar o capital para que ele fosse a alavanca do crescimento do país.

As operações com o grupo J&;F foram escandalosas. Mesmo que não houvesse corrupção —e houve, pelo que disse Joesley Batista —elas teriam sido. Os delatores do grupo disseram que não houve ato errado dos funcionários. Os servidores dizem que seguiram as diretrizes dadas por seus superiores. Como foram várias dessas operações? O grupo emitia debêntures, o banco comprava uma grande parte ou quase tudo. Com o dinheiro em caixa, a companhia adquiria ativos no exterior.

No caso da Pilgrim’s Pride, 99,9% do capital da aquisição foi do BNDES. Isso é escandaloso em si. Qual o sentido de usar o dinheiro subsidiado — fruto de endividamento público ou vindo de poupança compulsória do trabalhador (o FAT) — para que um grupo familiar fique muito mais rico e gere empregos e renda no exterior? Claro que a empresa pode fazer isso, mas não com dinheiro público. O resultado foi que o JBS ficou com mais ativos fora do que aqui dentro. A administração Maria Silvia impediu que o grupo transferisse sua sede fiscal para a Irlanda. Isso, se consumado na época, seria o golpe final no bolso do contribuinte.

Ascânio Seleme - Não dá para tirar férias

- O Globo

Com o governo Bolsonaro é bom nunca relaxar

Você imaginou que em janeiro, com aquele calorzão que deixa todo mundo meio anestesiado, não iria acontecer nada, e saiu de férias. Quatro semanas depois, abismado, se deu conta de que perdeu assuntos quentíssimos que renderiam pelo menos uma dúzia de artigos e colunas. Você se esqueceu de que com o governo Bolsonaro é bom nunca relaxar. Foi da turma federal que saíram os casos mais esquisitos de janeiro, mas não se pode ignorar as boas colaborações de Crivella, Witzel e até de Lula. Vejamos.

CARNAVAL EM JANEIRO — Para começar, o prefeito Marcelo Crivella antecipou o início do carnaval para janeiro. Mudar o calendário de Momo foi um oportunismo político em ano eleitoral do bispo que odeia o carnaval. Além de deixar Copacabana irada, a festança fora de hora acabou em caos e violência.

ABSTINÊNCIA — A inacreditável Damares Alves recomendou abstinência de sexo como forma de evitar gravidez precoce. A ministra genial não conseguiu oferecer contribuição melhor para a educação sexual de jovens.

MUITAS LETRAS — O presidente Bolsonaro reclamou que livros didáticos no Brasil “têm muita coisa escrita”. Disse que é preciso suavizar. Pode? Pode. E, pior, anunciou que vai trocar letras por imagens da bandeira do Brasil. Prato cheio para um artigo.

EX-LULINHA — E o Lula sepultou oficialmente seu alter ego Lulinha Paz e Amor. Ele rejeitou recomendação do PT para moderar o seu discurso. O sapo barbudo voltou.

CENSURA — O desembargador Benedicto Abicair censurou filme do Porta dos Fundos. Mais um aloprado julgando sem o apoio da lei. A censura foi derrubada por instância superior. Dava ou não pano para manga?

Bernardo Mello Franco - O novo papel de Regina Duarte

- O Globo

Regina Duarte aceitou colar sua imagem a um governo que flerta com a censura e hostiliza a classe artística. Agora ela será pressionada a endossar o sectarismo no poder

Para Jair Bolsonaro, foi um ótimo negócio. O presidente trocou um auxiliar obscuro, que desgastou o governo ao imitar um nazista, por uma das atrizes mais populares do país. Para Regina Duarte, talvez não seja. Ela parece empolgada com o novo papel, mas correrá riscos que nunca enfrentou nas novelas. Por vontade própria, deixará o mundo encantado das celebridades para se lançar na arena selvagem da política.

Em poucos dias, a atriz já sofreu dois arranhões em sua reputação. Primeiro surgiu a pensão de R$ 6,8 mil, bancada pelos cofres públicos. Ela perdeu o pai militar em 1981, quando já era uma das estrelas mais bem pagas da TV. No fim de semana, a revista “Veja” revelou que Regina tem pendências com a Lei Rouanet. Ela recorre para não devolver R$ 319 mil ao Tesouro.

Enquanto se dizia “noiva” do presidente, Regina escondeu o jogo. Agora que selou o casamento, terá que dizer o que pensa. Há oito meses, ela deu algumas pistas. No “Conversa com Bial”, disse que Bolsonaro a “fascinou” e que sempre foi conservadora. Na mesma entrevista, condenou o ódio na política: “Não pode xingar, não pode ser agressivo. Todo mundo tem direito a falar tudo”.