sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Como criar campeões da indústria

Por Cherif, Hasanov e Schlorke* - Valor Econômico

O Estado atuou basicamente como um investidor de capital de risco para catalisar o novo setor. Institutos públicos lideraram um grande esforço de pesquisa e desenvolvimento, junto com investimentos em treinamento e construção de relacionamentos com multinacionais

Para muitas empresas de economias emergentes e em desenvolvimento, emular o sucesso de empresas como a Samsung e a Hyundai pode parecer um sonho impossível. Mas o rápido crescimento econômico do Japão, da Coreia do Sul e de outros países asiáticos na segunda metade do século XX mostra que isso pode ser feito.

Japão e Coreia do Sul, por exemplo, já foram países pobres que se esforçavam para alcançar o status de países de alta renda o mais rápido possível. Cada um alcançou esse objetivo por meio de fortes intervenções estatais, como políticas industriais que ajudaram as empresas domésticas a se aventurarem em setores sofisticados e a competirem mundialmente.

O “milagre asiático” foi em grande medida o resultado de uma estratégia em três partes. Primeiro, o Estado estabeleceu metas ambiciosas e as alcançou ao incentivar e apoiar empresas privadas para que se concentrassem em entrar rapidamente em setores industriais de alta tecnologia. Em seguida, os governos entenderam que seus países tinham que desenvolver setores de exportação fortes para poder subir para o escalão superior das economias de alta renda. Finalmente, os formuladores de políticas precisavam estimular uma cultura de concorrência empresarial robusta, bem como uma prestação estrita de contas sobre o apoio que as empresas recebiam. A simbiose resultante entre o Estado e o mercado mostrou-se bem-sucedida e tornou-se um modelo para outros países em desenvolvimento.

As exportações tornaram-se a medida de sucesso para as economias da Ásia. Em toda a região, as empresas evoluíram sistematicamente de negócios domésticos de baixa tecnologia para fabricantes mundiais de alta tecnologia em automóveis, navios e eletrônicos. Como precisavam justificar o apoio que recebiam, elas se adaptaram rapidamente à evolução nas condições do mercado. As empresas que administraram bem essa transformação tiveram um enorme sucesso, enquanto as que tiveram desempenho inferior acabaram por ser reestruturadas.

Um exemplo muito claro disso pode ser percebido nos destinos contrastantes da Hyundai, da Coreia do Sul, e da Proton, empresa nacional de automóveis da Malásia. Os malaios tinham um plano ambicioso de criar um aglomerado de fornecedores locais. Mas, embora o empreendimento fosse bem-sucedido em muitos aspectos, a Proton estava protegida em seu mercado doméstico e não tinha incentivos para exportar em quantidades substanciais e enfrentar a concorrência internacional. Como resultado, a Malásia não desenvolveu um grupo automotivo inovador.

A Hyundai, por outro lado, construiu uma marca global e desenvolveu carros que foram essenciais para o sucesso das exportações da Coreia do Sul - um feito que se deve em grande parte às políticas do governo. O Estado sul-coreano apostou em vários conglomerados familiares, conhecidos como chaebols, para desenvolver a indústria automotiva do país. Mas isso não impediu a reestruturação dessas empresas quando necessário, e apenas algumas delas acabaram tendo sucesso.

A Hyundai era inicialmente uma empresa familiar do setor de construção, focada em um mercado doméstico modesto. Mas, a partir de meados da década de 1960, com forte apoio e incentivos do Estado, a empresa começou a operar no exterior e entrou em setores de alta tecnologia, como construção naval e fabricação de automóveis, mesmo sem ter experiência anterior nessas áreas. A pressão para exportar e competir obrigou a Hyundai a acelerar a pesquisa e o desenvolvimento e atualizar suas tecnologias. Em 1991, a empresa já tinha projetado e produzido seu primeiro motor de automóvel (da mesma forma, a Samsung, também da Coreia do Sul, comercializava produtos alimentícios, como macarrão, antes de se voltar para o setor eletrônico).

O desenvolvimento bem-sucedido do setor eletrônico de Taiwan destaca ainda mais o potencial das empresas de países em desenvolvimento para se tornarem líderes mundiais nos setores de alta tecnologia. Além disso, esse salto tecnológico ocorreu muito cedo, quando o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do país era cerca de 20% do nível dos Estados Unidos - mais ou menos onde a Tunísia está hoje. O Estado atuou basicamente como um investidor de capital de risco para catalisar o novo setor. Institutos públicos estabelecidos no início da década de 1970, como o Instituto de Pesquisa em Tecnologia Industrial, lideraram um grande esforço de pesquisa e desenvolvimento, junto com investimentos em treinamento e construção de relacionamentos com multinacionais estrangeiras.

Esses institutos deram origem a inúmeras startups do setor eletrônico, e no início foram suas equipes que as lideraram. Algumas dessas novas empresas, como UMC e TSMC, cresceram e se tornaram grandes multinacionais do setor de semicondutores.

O rápido crescimento precoce das economias milagrosas da Ásia ressalta a importância do papel das empresas privadas no desenvolvimento econômico de um país. Embora a “mão condutora” do Estado tenha sido fundamental nos estágios iniciais, empresas como Hyundai, Samsung e TSMC tiveram a ambição de se tornarem operadoras mundiais em setores sofisticados. Hoje, muitas empresas nos países em desenvolvimento poderiam tomar emprestada essa receita e tentar criar milagres econômicos próprios e, nesse processo, fornecer retornos atraentes para seus países e para os investidores. (Tradução de Lilian Carmona)


*Reda Cherif é economista sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Fuad Hasanov é economista sênior do FMI e professor adjunto de Economia da Universidade de Georgetown.
Sabine Schlorke é gerente global de manufatura da International Finance Corporation.Copyright: Project Syndicate, 2020.
www.project-syndicate.org

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