sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Linha cruzada – Editorial | Folha de S. Paulo

Chefe da Secom confunde interesses ao manter empresa ligada a grupos de mídia

A empresa FW Comunicação e Marketing presta serviços a algumas das maiores emissoras de televisão do país e a agências de publicidade que têm contratos com ministérios e estatais.

O dono do negócio, Fabio Wajngarten, assumiu em abril do ano passado o cargo de secretário de Comunicação do governo Jair Bolsonaro, função que lhe dá poderes para influir na distribuição das verbas para a propaganda oficial.

Não é preciso muito esforço para perceber que é difícil conciliar as duas atividades sem ofender os princípios que regem a administração pública, entre os quais está a obrigação de evitar que interesses particulares se misturem com os da função exercida no governo.

Wajngarten achou que bastava se afastar formalmente da administração de sua empresa para resolver o problema, como disse nesta semana depois que a Folha revelou sua ligação com a FW. Trata-se de um equívoco.

Com 95% das cotas da empresa, criada em 2003, o secretário continua o principal beneficiário dos ganhos obtidos com suas atividades, o que o torna diretamente interessado no relacionamento que a FW mantém com seus clientes.


Wajngarten aumentou a confusão ao nomear como seu braço direito no Palácio do Planalto o irmão do empresário Fabio Liberman, escolhido para cuidar da administração da FW dias antes de assumir sua posição no governo. E em vez de manter-se longe dos clientes de sua empresa, o secretário reuniu-se com eles frequentemente nos últimos meses.

Números da Secom mostram que duas emissoras que pagam pelos serviços de sua firma, a Record e a Band, viram suas receitas com publicidade do governo federal se multiplicar durante sua gestão, enquanto a Globo, líder de audiência, teve a fatia reduzida.

Como de hábito, Bolsonaro reagiu com truculência às revelações sobre o secretário. Atacou a Folha, mandou uma repórter do jornal se calar, defendeu o assessor e bateu em retirada sem dar nenhuma resposta sobre a atitude do secretário.

Fiel ao estilo do chefe, Wajngarten mostrou que não compreende seu papel como funcionário público, evitando prestar esclarecimentos sobre as atividades e a carteira de clientes de sua empresa.

Ao se pronunciar, ele se recusou a responder perguntas e fez ameaças, sugerindo que as portas do governo seriam fechadas a grupos que questionassem sua atuação.

Caberá aos órgãos encarregados de fiscalizar o governo, entre eles a Comissão de Ética da Presidência e a Corregedoria-Geral da União, examinar os negócios de Wajngarten com rigor e aplicar ao secretário a disciplina que a legislação impõe a casos como o seu.

Juiz de garantias recebe choque de realidade – Editorial | O Globo

Ministro Dias Toffoli é sensato ao adiar a criação do novo magistrado, o que permite se avaliar a ideia

Os desdobramentos da criação da figura do juiz de garantias, por emenda feita na Câmara ao pacote anticrime, confirmam a impossibilidade de a ideia ser executada da forma como engendrada por parlamentares interessados em dificultar o trabalho da primeira instância do Judiciário.

Não desejam que a primeira instância atue a plenos poderes, sem entraves, na deliberação sobre processos que tratem de corrupção. Foi engenhosa a importação desta nova figura para tratar da instrução do processo (testemunhos, provas etc.), ficando com outro juiz a tarefa de dar o veredicto. Pelo menos algum atraso provocará. Mas o grande desafio é executar a ideia.

Mantida a emenda na lei anticrime pelo presidente Jair Bolsonaro — mais uma mancha na imagem que procurou construir de paladino anticorrupção —, foram encaminhados ao Supremo pedidos de liminares contra a criação desta nova figura pelos partidos Podemos, Cidadania (ex-PPS) e PSL, e ainda por entidades de magistrados (AMB e Ajufe).

Plantonista no Supremo durante o recesso do Judiciário, o presidente do STF, Dias Toffoli, defensor da inovação, rejeitou todas as arguições, e na quarta, na condição de presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estuda o assunto, adiou por seis meses a criação do novo juiz — a lei fixara o dia 23 para isso — e ainda limitou o alcance da medida.

Foi sensato recuar, e assim confirmou a grande dificuldade que é fazer uma alteração dessas, tirada da cartola, com objetivos corporativistas, sem qualquer reflexão séria sobre as implicações práticas da mudança.

Atendendo a entidades de juízes e à Procuradoria-Geral da República, Toffoli excluiu da duplicidade de juízes processos instaurados com base na Lei Maria da Pena, relacionada à violência contra a mulher. São casos em que a Justiça precisa agir com rapidez para a proteção das vítimas. E é claro que o julgamento binário retarda o trabalho do Judiciário, queiram ou não. O mesmo ocorrerá com os casos do Tribunal do Júri e da Justiça Eleitoral.

Fica também adiada por tempo indeterminado a atuação do novo juiz em processos de competência originária no Supremo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais. Neste âmbito, tramitam processos contra autoridades com foro especial.

Outra demonstração de bom senso foi a decisão de Toffoli de que o dispositivo legal que cria o juiz de garantias não retroagirá. Vale apenas para os novos processos.

É muito provável que no prazo adicional de 180 dias aberto pelo presidente do STF novos empecilhos venham a ser detectados. Talvez seja até necessário mais tempo para que a máquina de grandes proporções da Justiça consiga absorver a duplicação de juízes em muitos processos, sem aumento de custos e criação de mais burocracia.

Nacionalismo, risco global – Editorial | O Estado de S. Paulo

Com a trégua assinada pelos governos de Estados Unidos e China, o risco de um ano conturbado por disputas comerciais parece atenuado, mas é muito cedo para relaxar. Continuam no horizonte as ameaças de turbulência geopolítica, de confrontos econômicos entre grandes potências, de ações unilaterais, de polarização política interna e internacional, de entraves ao comércio e de enfraquecimento da economia global. Esses alertas aparecem no Relatório 2020 de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, normalmente divulgado uma semana antes do encontro anual em Davos. As limitações ao comércio, já presentes em 2019, dificultam a reativação dos negócios. Mas há mais motivos para preocupação, segundo o relatório.

Munição para prevenir uma recessão escasseia. Seis das sete maiores economias do mundo – a japonesa é a exceção – já desaceleraram no terceiro trimestre de 2019. Mais de metade da produção mundial provém dessas potências. Num quadro de endividamento recorde, cresce o estresse financeiro e é difícil dizer se os governos têm condições fiscais de produzir suficiente estímulo, repetindo a ação de dez anos atrás, na pior fase da última grande crise. Com juros muito baixos e risco de instabilidade financeira, também as possibilidades da política monetária parecem esgotadas, como têm advertido especialistas e dirigentes de grandes bancos centrais.

Na última grande crise, espalhada pelo mundo em 2008, a ação coordenada de governos, bancos centrais e instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, facilitou a recuperação econômica. As possibilidades de cooperação e coordenação parecem hoje muito menos claras, com o ressurgimento do nacionalismo e a rejeição, por muitos governantes, dos padrões de ordenamento multilateral.

Não há citação de nomes, mas é evidente a referência às políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e de governantes de alguns países europeus, como a Hungria. Na lista de seguidores de Trump o primeiro poderia ser o presidente Jair Bolsonaro.

Essa configuração do quadro internacional ocasiona incertezas também quanto às formas de assimilação e de uso das novas tecnologias. Em maio de 2019, assinala o relatório, os 36 países-membros da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, adotaram princípios comuns a respeito da inteligência artificial (IA).

Por esse acordo, esses países se comprometeram a promover uma inteligência artificial “inovativa, confiável e respeitosa dos direitos humanos e dos valores democráticos”. O relatório menciona em seguida um comentário de Eleonore Pauwels, do Centro Universitário das Nações Unidas para Política de Pesquisa: “O ressurgimento de agendas nacionalistas em várias partes do mundo pode sinalizar uma capacidade minguante do sistema multilateral de desempenhar um papel significativo na governança global da IA”.

Os problemas econômicos, políticos, geopolíticos e tecnológicos aparecem no relatório como riscos de curto prazo destacados pela maioria dos cerca de 800 líderes empresariais e formuladores de políticas consultados na pesquisa do Fórum. Confrontos econômicos, polarização política interna, ataques cibernéticos e protecionismo são citados por mais de 75% dos entrevistados. Mas há também riscos de longo prazo, com impacto previsível nos próximos dez anos. Aqui surge uma novidade.

Pela primeira vez nessa consulta, iniciada na edição de 2007, temas ambientais aparecem nos cinco primeiros lugares da lista: condições extremas de tempo, fracasso na ação climática, desastres naturais, perda de biodiversidade e desastres ambientais provocados pelo homem. Também a prevenção desses perigos será dificultada, alerta o relatório, pelo ambiente desfavorável à cooperação e à coordenação internacionais. Com o multilateralismo em xeque, ficam em xeque também a prosperidade e a estabilidade econômica, a segurança geopolítica e a preservação ambiental. Dificilmente haveria um apelo mais forte em favor do retorno ao bom senso das políticas civilizadas.

Governo retoma projeto ousado de privatizações – Editorial | Valor Econômico

Uma questão importante no debate é saber qual o melhor momento para os governos se desfazerem das companhias

Um dos principais e mais chamativos princípios econômicos do governo Jair Bolsonaro, consubstanciado nas declarações do ministro Paulo Guedes desde o início da atual gestão federal, é a privatização de um amplo espectro de empresas. Essa intenção de reduzir o tamanho do Estado, abrindo caminho para maior participação do setor privado, justifica o apoio de boa parte do mundo corporativo ao governo federal - por isso mesmo, houve certa decepção no ano passado com o ritmo dos projetos de desestatização, considerado por muitos como lento.

Na terça-feira, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, veio a público apresentar como meta para 2020 a venda de participações de empresas estatais no volume de R$ 150 bilhões. Esse valor refere-se às mais de 300 companhias que ele prevê que o governo privatize, total ou parcialmente, ou que se desfaça de participações minoritárias, de um total de 624 firmas ainda existentes.

Como o próprio Mattar reconheceu, é uma meta ousada, ainda mais que nesta conta não estão incluídos Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. Ele disse especificamente que essas três estatais, as mais atraentes para os investidores, estão fora da linha de intenções de venda de Brasília. Uma empresa sobre a qual pairam dúvidas são os Correios. A simples liquidação está fora de cogitação, disse.

No momento, uma orientação que está sendo obedecida pelos técnicos do governo federal é buscar informações sobre investimentos que se revelaram errados. Ele citou dois exemplos. O Banco do Brasil tem participação em um banco no Egito e a Caixa comprou participação em banco na Venezuela. Segundo Mattar, essa instituição venezuelana quebrou, “virou pó”, e já foi lançada em prejuízo.

No ano passado, o balanço das ações de redução do Estado apontou que a União se desfez totalmente de participações em 71 empresas, sendo 13 subsidiárias, 39 coligadas e 19 simples participações. Mattar reconheceu que o processo de privatização é naturalmente lento, burocrático e tem que ser feito com cuidado porque afinal se trata de bens que pertencem à população, aos contribuintes.

Mattar, disse que o governo pretende enviar em fevereiro o projeto de “fast track” (atalho) para as privatizações. Segundo ele, o projeto está pronto e prevê que obrigatoriamente as empresas privatizáveis sejam incluídas diretamente no Plano Nacional de Desestatização (PND), sem passar pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), etapa de avaliação sobre a conveniência de se privatizar ou não determinada companhia.

Essa intenção do governo, particularmente do secretário nomeado para tocar o projeto de desestatização, de tentar acelerar o ritmo das vendas de ativos poderá atenuar as críticas que estão sendo feitas por muitos especialistas sobre a demora na concretização desse plano. Recentemente, por exemplo, a economista e advogada Elena Landau, uma das responsáveis pelo programa de privatizações dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, disse à “Folha de S. Paulo” que o governo atual não tem obtido grandes avanços que possam ser considerados uma agenda verdadeiramente liberal na área econômica. Um dos pontos negativos da atual administração seria o atraso na redução das participações em empresas.

Não há dúvidas de que no Brasil existem muitas empresas controladas pelo governo federal, com atuação em áreas nas quais de forma geral o setor privado se sai melhor na prestação de serviços à população. Uma questão importante no debate é saber qual o melhor momento para os governos se desfazerem das companhias (especialmente no caso daquelas de capital aberto, com ações na bolsa de valores) e como será a transferência dos serviços prestados pela empresa em processo de privatização sem que os usuários e clientes tenham perdas.

Levantamento recente do Observatório das Estatais da Fundação Getulio Vargas indica que o país tem 138 empresas estatais federais. Se contabilizadas as companhias que pertencem a Estados e municípios, e não apenas à União, o total passa de 400. Outro estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com dados de 2015, indica que as 134 estatais federais que o Brasil tinha na época colocavam o país em quarto lugar num ranking internacional, atrás de Índia (270), Hungria (370) e China (51.341).

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