sábado, 4 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

O ‘Estado’ reafirma seus valores – Editorial | O Estado de S. Paulo

O jornal O Estado de S. Paulo completa hoje 145 anos. Ao longo dessa história, testemunhou guerras mundiais, revoluções e crises profundas sem jamais renunciar a seus compromissos fundadores. Aqui, desde o primeiro número, o Brasil encontra a defesa intransigente dos valores republicanos, razão pela qual estas páginas nunca darão guarida a liberticidas nem voz a quem atenta contra a verdade dos fatos.

É essa firmeza inabalável que há quase um século e meio faz do jornal O Estado de S. Paulo o porto seguro da razão contra os que, de tempos em tempos, tentam desorientar a opinião pública com vistas a pavimentar o caminho para projetos autoritários de poder. Mais do que nunca, tal compromisso é essencial para uma sociedade cada vez mais à mercê da anarquia informativa proporcionada pelas redes sociais, em que a própria ideia de verdade parece ultrapassada.

Já na edição inaugural, em 4 de janeiro de 1875, quando ainda era chamado de A Província de São Paulo, o jornal se dispunha a dizer o que precisava ser dito e a defender o que acreditava ser o certo. Aquela edição explicava que a prometida imparcialidade não seria “a imparcialidade do silêncio”. Ciente de seu papel, o jornal teria sempre a “independência de uma opinião séria” diante do governo e da sociedade, razão pela qual suas páginas são mais do que um testemunho preciso dos principais acontecimentos – são a consciência crítica de seu tempo.

Foi com a força de seus princípios e a disposição de defendê-los que A Província de São Paulo tomou corajosamente a linha de frente dos movimentos abolicionista e republicano. Depois da consagração da liberdade individual, com o fim da escravidão, consumava-se a tão almejada liberdade política, cuja defesa fora amplamente patrocinada por este diário.

Com a República, o jornal passou a se chamar O Estado de S. Paulo, posicionando-se sempre radicalmente contra o populismo, a demagogia e os extremismos. O desafio de construir um país livre e justo encontrou nas páginas deste diário o espaço para o necessário debate de ideias, apoiando todos os que se propusessem a modernizar o Brasil dentro do mais absoluto respeito ao Estado Democrático de Direito.

Assim, o mesmo jornal que esteve na vanguarda do movimento pela República transformou-se rapidamente em crítico do governante que a proclamou, o marechal Deodoro da Fonseca, quando este revelou seu autoritarismo; o mesmo jornal que apoiou Getúlio Vargas nas eleições e na Revolução de 1930 em razão de suas promessas democráticas também não hesitou em denunciar seu caráter autoritário, pagando preço alto por essa independência – a ditadura Vargas, por intermédio do malfadado interventor federal Ademar de Barros, assumiu o controle do Estado entre 1940 e 1945; o mesmo jornal que vocalizou a preocupação da maioria dos brasileiros com a leniência do presidente João Goulart em relação a grupelhos comunistas que ameaçavam a ordem constitucional no País e, por isso, apoiou o levante militar que derrubou aquele governo, em 1964, denunciou a violação das liberdades por parte do regime instalado pelos generais e sofreu as consequências dessa ousadia na forma de uma censura brutal; o mesmo jornal que protagonizou desde cedo o movimento pela redemocratização do Brasil não deixou de protestar, ao noticiar a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, contra o fato de o novo presidente deixar de mencionar em seu discurso o gravíssimo problema da corrupção e da crise moral, cuja superação, para o Estado, sempre foi condição para a resolução dos demais problemas; por fim, o mesmo jornal que foi crítico acerbo dos desmandos da era lulopetista igualmente não aceita que, em nome do combate ao terrível legado do PT, se cometam desmandos de igual ou maior gravidade, muito menos os que recendem a arbítrio.

O Estado teve participação relevante nos últimos 145 anos da história do Brasil porque assumiu a defesa intransigente de valores mais caros a uma sociedade democrática. O leitor sabe desde sempre o que encontrará neste jornal, seja em suas páginas, seja em seu site na internet, seja em qualquer outro meio que ainda virá – e sabe que pode contar com o Estado como fiel porta-voz de seus anseios de justiça e liberdade.

Populismo penal – Editorial | O Estado de S. Paulo

Entre novembro e dezembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro tomou duas decisões que beneficiam corporações cujos votos sempre cortejou em seus 30 anos de trajetória política – policiais federais, policiais civis, policiais militares, policiais rodoviários e bombeiros.

A primeira decisão foi o envio ao Congresso de um projeto de lei com regras para anistiar e isentar de punições – por meio do chamado excludente de ilicitude – integrantes de forças de segurança que atuaram e atuam em operações da chamada Garantia da Lei e da Ordem. Previsto pela legislação penal, o excludente de ilicitude é o instituto jurídico que exclui a culpabilidade de condutas ilegais de agentes policiais em determinadas circunstâncias. Segundo o artigo 24 do Código Penal, “não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa e em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.

O projeto de Bolsonaro amplia o alcance desse artigo, determinando que também “não haverá crime” se os excessos cometidos por um agente policial “decorrerem de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O anúncio do envio do projeto para o Congresso foi feito pelo presidente em discurso que pronunciou na convenção de lançamento de seu novo partido, o Aliança pelo Brasil.

A segunda decisão foi a sanção da Lei n.° 13.967, ocorrida um dia após o Natal. Ela alterou o Decreto-Lei n.° 667 que entrou em vigor em 1969, tendo por objetivo reorganizar as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal. Com quatro artigos, a Lei n.° 13.967 alterou o dispositivo desse decreto que tipifica e classifica sanções disciplinares aplicáveis aos membros das duas corporações e regulamenta o funcionamento do Conselho de Ética e Disciplina Militares. A principal alteração foi a extinção de penas disciplinares que implicam “medidas privativas e restritivas de liberdade”. Em linguagem não jurídica, a lei extinguiu a pena de prisão disciplinar para policiais militares e bombeiros. E fixou o prazo de doze meses para que os Estados e o Distrito Federal implementem essa decisão.

As duas decisões tomadas por Bolsonaro são perigosas para o funcionamento do Estado de Direito. Isso porque, ao reduzir as punições aplicáveis a agentes armados pelo poder público que exorbitam de suas prerrogativas, elas ampliam ainda mais a discricionariedade desses profissionais. E o resultado pode ser trágico, na medida em que essas mudanças legais tendem a aumentar a impunidade justamente de quem tem a responsabilidade de zelar pela ordem pública.

Infelizmente, as duas decisões adotadas por Bolsonaro são uma espécie de endosso a um extenso rol de reivindicações irresponsáveis e inconsequentes que têm sido apresentadas nos últimos anos por corporações de policiais militares ao Executivo e ao Legislativo. O caso mais ilustrativo ocorreu em 2017, quando os policiais militares do Espírito Santo deflagraram uma greve ilegal. A paralisação deixou um rastro de violência e criminalidade. Diante de tamanha afronta à lei, a corregedoria da Polícia Militar abriu 2,6 mil processos administrativos contra os grevistas. Mas, pressionada pela corporação, a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade um projeto enviado pelo chefe do Executivo concedendo anistia aos amotinados. Nos meses seguintes à concessão da anistia, várias corporações policiais estaduais, sabendo até onde podia ir sua indisciplina, tentaram fazer o mesmo que seus colegas capixabas.

As duas decisões de Bolsonaro, portanto, não podem ser vistas apenas como meras concessões populistas para angariar votos dos membros das corporações militares. Acima de tudo, a consequência natural do alargamento do conceito de excludente de ilicitude e de revogação de penas disciplinares de policiais que cometem excessos constitui uma ameaça às instituições.


Comércio exterior expõe fragilidades da economia – Editorial | O Globo

Não há desequilíbrios graves, mas existem dependências que precisam ser reduzidas

A economia brasileira acumulou no ano passado um superávit no comércio externo de US$ 46,7 bilhões, o menor em quatro anos. Os números não assustam, ainda mais se colocados no contexto da economia mundial.

Os problemas estão no que eles sinalizam. Continuar a acumular superávits comerciais, tendo US$ 370 bilhões nas reservas, e compensando o saldo negativo em contas correntes — comércio mais serviços — pelos investimentos diretos vindos de fora, dá grande segurança. Se o déficit em contas correntes chega a 3% do PIB, os investimentos alcançam os 4%.

Exportações e importações se retraíram — uma queda de 7,5% nas vendas, que alcançaram US$ 224 bilhões, e uma perda de 3,3% nas importações de US$ 177,3 bilhões. A retomada do crescimento em curso na economia ainda não foi capaz de elevar substancialmente as compras no exterior.

O comércio externo brasileiro não poderia deixar de refletir os efeitos negativos na economia mundial decorrentes da guerra tarifária deflagrada pelos Estados Unidos de Trump contra a China, e respondida com as mesmas armas pelo governo de Xi Jinping.

O confronto entre a primeira e a segunda economias do mundo criaria inexoráveis ondas de impacto intercontinentais.

A razoável dependência brasileira das exportações agropecuárias cria dificuldades. O Brasil tem grande poder de competição neste mercado, o que é muito positivo.

Mas quando ocorre alguma dificuldade neste segmento do comércio, estreita-se o campo de manobra do país.

A guerra comercial entre americanos e chineses parece se encaminhar para um desfecho positivo. Os dois países assinarão no dia 15, na Casa Branca, a primeira parte do entendimento. A segunda será negociada em Pequim com a presença de Trump.

Por paradoxal que possa parecer, este acordo ajuda o comércio mundial, mas cria problemas para o Brasil. Porque faz parte do entendimento que a China aumentará a compra de grãos de fornecedores americanos. O que significará a perda de negócios que agricultores brasileiros haviam conquistado com a guerra comercial entre Washington e Pequim.

Outra grande dependência é das exportações de manufaturados para o mercado argentino, em processo de encolhimento devido à recessão. No mês de agosto, por exemplo, o embarque de veículos, item de peso no comércio com a Argentina, diminuiu 47%, em comparação a 2018.

Terceiro parceiro comercial do país, a Argentina é o maior importador de manufaturados do Brasil.

Como a economia do país é fechada e continua pouco integrada a cadeias globais de suprimento, parte da indústria brasileira não tem acesso a novas tecnologias. Portanto, não é competitiva e, por isso, não há como redirecionar essas vendas.


EUA de Trump não conseguem se desvencilhar do Iraque – Editorial | O Globo

Ataque contra o segundo nome do Irã é considerado tão importante quanto a operação de Bin Laden

Místicos chamam de maldição o que os especialistas consideram frutos de uma política externa errática. Mas, quando os Estados Unidos em um surto de isolacionismo decidem se retirar do Oriente Médio, mais uma vez são forçados a se embrenhar na região. Por falhas próprias. Donald Trump, que se elegeu com a promessa de se fechar para realizar o sonho da “América, primeiro”, patrocinou um ataque nas imediações do aeroporto de Bagdá, em que morreu o general iraniano Qassem Soleimani, o homem mais forte do Irã depois do aiatolá Ali Khamenei.

Esteve à frente de milícias xiitas na Síria, fazia o mesmo no Iraque. Comandava as forças especiais Al-Quds, dos Guardiões da Revolução, era acusado de ser o cérebro de ações terroristas iranianas. Em capacidade de gerar desdobramentos o fato se compara ao ataque do comando americano que matou no Paquistão Osama bin Laden.

O resultado será o oposto do prometido por Trump: os EUA, que haviam anunciado retirada de tropas da região, precisarão recuar. Já despacharam ontem mais 3 mil soldados para a região.

O governo de George W. Bush decidiu tirar Saddam Hussein do poder, um ditador laico para os padrões da região, sob o argumento de que ele detinha armas de destruição em massa, para além de artefatos químicos, e protegia Bin Laden. Duas inverdades.

Porém, a queda do deplorável Hussein abriu espaço no Iraque para sunitas e xiitas sectários, que lutam há séculos num confronto de raiz religiosa. Os americanos prepararam o terreno para ficar na região, a fim de não deixar o Oriente Médio pegar fogo de vez, interrompendo grande parte do suprimento mundial de petróleo, que trafega na região.

Para dar retoques finais ao drama, Trump, muito próximo do conservadorismo religioso do israelense Nethanyahu e do sunismo do reino saudita, rompeu o acordo nuclear com o Irã, costurado pelo antecessor Barack Obama, ao lado de Grã-Bretanha, França, Alemanha, Rússia e China, tomando explicitamente o lado da sunita Arábia Saudita. Isso consolidou o país persa como grande inimigo do Ocidente. Cercado de duras sanções, o Irã assumiu sua proverbial agressividade.

Nessas circunstâncias, o Oriente Médio é uma região adequada para produzir faíscas em área inflamável. O ataque de um braço armado dos persas, a milícia Kataib Hezbollah, a uma base dos EUA no Iraque, com a morte de um americano, levou à forte retaliação. A escalada foi rápida. Depois da tentativa de invasão da embaixada dos EUA em Bagdá, veio a morte de Qassem Soleimani. A História no Oriente Médio vai se repetindo, cada vez de forma mais trágica.

Alta tensão – Editorial | Folha de S. Paulo

Ataque dos EUA resulta em morte de general do Irã e dá novo patamar a conflito

O ataque ordenado pelo presidente americano, Donald Trump, que resultou na morte do general Qassim Suleimani, o grande comandante de operações militares e de inteligência do Irã no exterior, elevou a temperatura do cenário de hostilidades e tensões que já se observava no Oriente Médio.

Os Estados Unidos e seus aliados, entre os quais Israel e Arábia Saudita, travam uma guerra não declarada, mas visível, contra as tentativas iranianas de expandir sua influência na região.

Nos últimos anos, o país persa apoiou milícias e partidos antiamericanos no Iraque, defendeu o ditador Bashar al-Assad na guerra civil síria e sustentou os houthis contra os sauditas no Iêmen —além de patrocinar o grupo Hezbollah, partido político e braço armado do Líbano, inimigo de Israel.

O acirramento dos conflitos subiu de patamar a partir de maio de 2018, quando o governo Trump formalizou o abandono do acordo, na prática pouco eficiente, que havia sido firmado com o Irã e potências europeias para conter o programa nuclear daquele país.

Mais recentemente, o ataque de drones, perpetrado em setembro, contra instalações petrolíferas da Aramco, na Arábia Saudita, soou como ameaça perturbadora para americanos e israelenses.

O cinematográfico atentado contra Suleimani, também com o uso de drones, representou uma mudança de grau —e foi classificado de terrorismo pelo Irã.

Trata-se, afinal, de autoridade de um Estado constituído e reconhecido internacionalmente, à diferença de Bin Laden, por exemplo, notório líder de facção terrorista.

Promessas de vingança por parte das autoridades iranianas não devem ser minimizadas, bem como repercussões negativas nos mercados e nos humores globais. Deve-se evitar alarmismo maior, contudo.

Para Trump e o premiê isralense, Binyamin Netanyahu, o agravamento da contenda contra o Irã poderá ter um aspecto favorável.

Alvo de um processo de impeachment no ano em que disputa a reeleição, o republicano pode transformar a adversidade em apoio nacionalista. Netanyahu, por sua vez, tem a oportunidade de desviar as atenções dos escândalos de corrupção em que se vê envolvido.

É cedo para avaliar as consequências políticas e econômicas, embora nada, obviamente, indique que possam ser benéficas para o mundo. A tendência é que se crispem as relações entre os EUA e seus adversários —como Rússia, China e Coreia do Norte, além do Irã.

Ao governo brasileiro cabe por ora evitar posicionamentos desnecessários com base em simpatias ideológicas. O presidente Jair Bolsonaro, infelizmente, precipitou-se em apoiar a ofensiva de Trump.

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