sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Vinicius Torres Freire - O arrochão é a sobrevida de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Sem aprovar emenda de talho emergencial de gastos, governo balança em 2021

A sobrevida política de Jair Bolsonaro depende de pelo menos uma votação no Congresso neste 2020. Trata-se da emenda constitucional que permite o arrochão do gasto com servidores federais, entre outras contenções de despesas obrigatórias, uma guerra política em potencial.

O talho de gastos começaria ainda neste ano, como previsto na emenda constitucional que foi ao Congresso em novembro passado, a “PEC Emergencial”, ora esquecida depois da ressaquinha da Previdência e do pilequinho da ideia do PIB “bombando na nova era”.

O arrochão é quase tão importante para a sobrevivência econômica do governo quanto a reforma da Previdência em 2019. Dado que não haverá aumento relevante de imposto, se algum, sem esse arrochão o gasto do governo vai bater no teto constitucional em 2021. Haveria então tumulto, da quase paralisação da máquina federal a alguma balbúrdia no mercado financeiro.

Sim, na hipótese de a economia e a receita crescerem 4% neste 2020 e no ano seguinte, o problema seria adiado. Mas fantasia grande é coisa de Carnaval.

Em seu primeiro relatório do ano, a Instituição Fiscal Independente (IFI) refresca a memória do tamanho crítico da pindaíba. A IFI é um órgão de análise das contas públicas, ligado ao Senado.

A dívida bruta do governo deve ter parado de crescer em 2019, perto de 77% ou 78% do PIB, mas graças a medidas e receitas extraordinárias. Para que não volte a crescer sem limite, ainda será preciso arrumar dinheiros extraordinários, além de contenções de despesas e aumentos de receitas regulares, duradouros.

A dívida parou de crescer porque: 1) o governo fez o BNDES pagar o que devia; 2) os juros baixaram; 3) o déficit diminuiu um pouco; 4) se venderam reservas em dólar.

Para que permaneça controlada, embora em nível alto, seria preciso: 1) fazer o BNDES pagar logo o resto do que deve; 2) aprovar o arrochão; 3) o governo mandar lei que reduza os benefícios tributários (reduções de impostos, grosso modo, para empresas e famílias, como desconto de saúde e educação no IR), prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, coisa de R$ 35 bilhões por ano; 4) fazer muita privatização, o que não fez até agora; 5) talvez aumentar imposto.

Sim, a situação continua muito crítica, e as soluções para o problema são muito graves. O gasto discricionário (operação do governo e investimentos) cairá neste ano a níveis críticos, quase de paralisia. A gente não nota, distraída demais pelo disparate presidencial diário nas saidinhas do Alvorada.

O arrochão seria acionado sempre que o governo estivesse fazendo dívida em valor maior do que a despesa de investimento, acumulados em 12 meses; duraria por dois anos. Essa já é a situação do governo, faz tempo. Assim, aprovada a PEC, o arrochão entraria logo em vigor.

Ainda que as taxas de juros da dívida pública fiquem em nível historicamente baixo, em algum momento elas subirão (2021?). Ainda que a dívida pública se estabilize, seu nível é alto. Qualquer chacoalhada na economia, com queda de receita, do PIB e alta de juros, o endividamento voltaria a explodir.

Pelo menos essa é sabedoria econômica convencional. Goste-se ou não, para todos os efeitos práticos é a conversa dominante dentro e fora do governo. De resto, as alternativas na praça são malucas ou programas ainda mal explicados em números.

Logo, a conversa político-econômica de 2020 é o arrochão, ano dois, e seus efeitos sociais e político-partidários.

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