segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Alex Ribeiro - Copom dá pesos iguais às metas de 2020 e 2021

- Valor Econômico

Pausa anunciada no ciclo de corte de juros, porém, não tem relação com deslocamento de alvo da política monetária

Vários analistas econômicos ficaram incomodados com o foco que o Banco Central passou a dar, de forma mais prematura do que de costume, para a meta de inflação do ano que vem, embora este ano mal tenha começado. Para alguns, seria apenas um expediente para não reduzir ainda mais os juros básicos agora, quando as projeções de inflação para 2020 indicam um bom espaço para a meta de taxa Selic cair abaixo dos atuais 4,25% ao ano.

A explicação mais provável: o Banco Central não abandonou a meta de 2020, mas também está de olho na meta de 2021. A política monetária, neste momento, foca com peso iguais os dois anos. É como se o alvo imediato fosse a média entre a meta de inflação deste ano, de 4%, e a do próximo, de 3,75%. O que levou o Comitê de Política Monetária (Copom) a anunciar a interrupção do ciclo de distensão monetária, na verdade, parece ter sido um balanço de riscos assimétrico, que atribui um peso maior aos fatores potencialmente altista da inflação do que os potencialmente baixistas.

Ao longo dos meses, o Banco Central desloca gradualmente o alvo da política monetária de um ano para o outro. Isso é feito com trocas sutis de termos e na ordem das palavras dos documentos oficiais do Copom, quase imperceptíveis a olhos menos atentos. Primeiro, o BC avisa que o foco da política “inclui, em menor grau, o ano seguinte”. Depois, diz que inclui o ano seguinte “de forma crescente, mas em menor grau”. Mais adiante, diz apenas que “inclui de forma crescente” o ano seguinte. Por fim, tira o ano corrente do radar e diz que o foco é só o ano seguinte.

Na ata de sua reunião mais recente, divulgada na semana passada, o Copom queimou uma etapa nesse ritual de comunicação. Disse que estava focando “de forma crescente” em 2021, sem dizer “em menor grau”, como a esta altura do campeonato costumava fazer. A quebra do padrão levou analistas do mercado a acreditarem - com razão - que algo mudou na comunicação do BC e, portanto, na execução da política monetária. Uma interpretação muito comum, que não está correta, é que o Banco Central jogou a toalha sobre a meta de inflação deste ano, de forma prematura. A inflação está projetada em 3,5% para 2020, bem abaixo da meta, de 4%, o que significa que havia espaço para baixar a Selic ainda mais, sem colocar em perigo o cumprimento do alvo deste ano. Mas a margem para juros menores desaparece se o Copom tiver deslocado o seu foco para apenas 2021. As projeções oficiais indicam uma inflação entre 3,7% e 3,8% no próximo ano, ante uma meta de 3,75%. Essas projeções significam que, se os juros caírem, a inflação ficará acima do alvo.

O pano fundo das queixas é que, na visão de muitos analistas do setor privado, o Copom está sendo conservador demais na condução da política monetária. Depois de uma safra de indicadores mais forte de retomada da economia em fins de 2019, os dados mais recentes voltaram a decepcionar. A inflação corrente segue muito baixa, e os núcleos, que excluem ruídos de curto prazo e mostram a tendência dos índices de preços, são benignos. Há, ainda os primeiros sinais de queda das expectativas de inflação de 2021, que estariam a um passo de se desancorarem. Cerca de 20% dos analistas já preveem inflação abaixo de 3,75% no ano que vem; as projeções ficaram mais dispersas; e as estimativas atualizadas mais recentemente têm uma tendência de baixa.

A pausa anunciada pelo BC no ciclo de corte de juros, porém, não tem relação com o deslocamento de alvo da política monetária. A ata do Copom informa que o ano-calendário de 2021 tem peso crescente nas decisões de política monetária, mas não está dito que abandonou o ano de 2020 à própria sorte. O que mudou na comunicação do Copom foi deixar de dizer, como fizera em anos anteriores, que o ano de 2021 tem peso crescente, “mas menor” no manejo da política monetária. Isso significa que o colegiado está atribuindo pesos iguais para as metas dos anos calendário de 2020 e de 2021.

Em termos práticos, como já dito, o Copom está mirando algo como a média das metas de inflação desses dois anos. Como a média das projeções de inflação está abaixo da média das metas de inflação, em tese há espaço para cortar mais ainda a taxa básica de juros.

Se, de fato, o Copom vai cortar, é outra história. O colegiado tem indicado que o balanço de riscos pende mais para o lado negativo, por isso hoje o Copom vê suas projeções de inflação no cenário básico com uma dose de cautela. Vistos juntos, a soma das projeções e o balanço de riscos levou o Copom, de forma consensual, a decidir por uma interrupção nos cortes de juros a partir de março e a comunicar que precisa de alguns meses para observar o cenário econômico. O que o colegiado vai fazer depois desse período é, hoje, incerto. Há um embate de visões de membros do Copom entre conservadores e moderados. Alguns receiam que a capacidade ociosa da economia poderá se esgotar mais rápido do que o previsto e outros enfatizam que os baixos núcleos de inflação mostram um bom espaço para a economia crescer sem causar pressão exagerada nos preços.

Por que o BC passou a dar peso a 2021 nas suas decisões mais cedo do que o costume? O Brasil está num processo de convergência para meta de inflação mais baixas, saindo de 4,5% em 2018 para provavelmente 3% até 2024. Isso provoca um problema prático na condução da política monetária. Se a inflação estiver muito baixa num ano, o BC deve procurar acelerá-la, cortando os juros. Mais adiante, deve subir os juros, para cumprir a meta mais baixa do ano subsequente. Essa era teoria seguida até agora no BC, que focava nos anos-calendário. A abordagem é boa para a credibilidade da política monetária, pois fica fácil o Copom comunicar seus objetivos. O inconveniente é a volatilidade na taxa de juros, ora baixando para depois subir.

A nova forma de atuar do Banco Central, focando em alguns momentos em um ponto intermediário das metas de dois anos-calendário, atenua a volatilidade dos juros. Mas pode levar a alguns mal entendidos, como mostra a forma como analistas receberam a comunicação recente do Copom.

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