segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Bruno Carazza* - A corrida do ouro

- Valor Econômico

Super Terça indica para onde vai o dinheiro nos EUA

Super Terça. A expressão já começou a pipocar nos noticiários, e a ouviremos cada vez mais até a sua data fatídica: 03/03. Nesse dia, eleitores de 14 Estados americanos, incluindo os mais populosos - Califórnia e Texas - definirão suas preferências entre os pré-candidatos dos partidos Democrata e Republicano. No complexo sistema de primárias das eleições americanas, cada Estado tem um peso, e o fato de que vários deles se posicionam no mesmo dia dá à Super Tuesday o título de grande prévia sobre o que poderá ocorrer até as Convenções Nacionais dos partidos, que apontarão oficialmente os dois nomes que aparecerão nas cédulas eleitorais em 03/11/2020.

Um exemplo da importância da Super Terça na definição dos destinos da eleição americana aconteceu no pleito anterior. Em 2016 o partido republicano iniciou a disputa com 17 pré-candidatos, até então a maior divisão em um único partido na história americana. Entre as opções, os senadores Ted Cruz, Marco Rubio, Rand Paul e Rick Santorum, o governador Jeb Bush, a super executiva Carly Fiorina (ex-HP) e Donald Trump.

As primárias iniciais (Iowa, New Hampshire, Carolina do Sul e Nevada) haviam surpreendido com um bom desempenho de Trump, mas até a realização da Super Terça, em 01/03, ele sofria uma perseguição acirrada de Ted Cruz e Marco Rubio. Após o fechamento das urnas, porém, Trump celebrou a vitória em 7 dos 11 Estados, e se colocou como o nome forte do partido republicano. Nas semanas seguintes, seus adversários foram abandonando a peleja, um a um, até a Convenção Nacional do Partido ratificar seu nome em 19 de julho.

Uma medida de como esse evento é um divisor de águas na eleição americana é o fluxo de doações para os comitês de cada um dos candidatos. Em 2016, até a realização da Super Terça, Trump havia recebido 16,6% de todas as contribuições feitas aos candidatos republicanos. Após a sua vitória, a maré virou: nas semanas seguintes ele capitaneou nada menos que 79,4% do dinheiro destinado ao seu partido.

Neste ano, o cenário se inverteu. Enquanto Trump reina absoluto no lado republicano, são os democratas que se dividem numa profusão de pré-candidatos. A disputa começou com um recorde de 29 alternativas, sendo que a essa altura ainda permanecem 8 pretendentes. Além do número elevando de competidores, houve uma grande confusão na prévia de Iowa, quando o sistema de coleta e contagem de votos contratado pelos Democratas simplesmente não funcionou. Como resultado, o partido segue em direção à Super Terça com um futuro totalmente incerto.

De acordo com os dados divulgados pela Federal Election Commission (FEC), o órgão do governo americano encarregado de organizar as eleições, o fluxo de dinheiro entre os candidatos indica o quanto a indefinição democrata movimenta as bolsas de apostas. Nem bem começou a corrida eleitoral e já foi doado US$ 1,2 bilhão para os candidatos, o equivalente a quase 80% de todo o dinheiro movimentado no ciclo eleitoral de 2016. A maior fatia desse montante (US$ 991 milhões) concentra-se entre os candidatos do partido democrata.

Neste ciclo eleitoral, vemos diferentes padrões aflorarem no perfil de arrecadação de cada um dos candidatos. Entre os democratas, despontam os bilionários Tom Steyer e Michel Bloomberg, que até agora já gastaram do próprio bolso US$ 200 milhões cada um para impulsionar suas candidaturas. Na sequência, entre os democratas que recorrem ao público e a empresários para financiar suas campanhas, vêm o senador Bernie Sanders (com US$ 109 milhões recebidos até agora), Elizabeth Warren (US$ 82 milhões), Pete Buttigieg (US$ 76,8 milhões) e Joe Biden (US$ 62 milhões). Do outro lado, Trump já levantou US$ 211,3 milhões - e, ao contrário de 2016, quando aplicou US$ 18 milhões do seu próprio patrimônio para fazer propaganda política, neste ano Trump ainda não despendeu nenhum centavo de sua carteira.

Outra forma interessante de observar os dados de financiamento eleitoral é observar como os setores se movimentam conforme os ventos eleitorais vão mudando. A organização Open Secrets Center for Responsive Politics se debruça sobre os dados fornecidos pela FEC, mapeando a quais setores da economia se vinculam os doadores - nos Estados Unidos, as contribuições devem vir acompanhadas não apenas da indicação de nome e endereço do doador, mas também de seu vínculo empregatício. Os dados coletados pela Open Secrets indicam que, até agora, os setores financeiro, de eletrônica e comunicações e escritórios de advocacia lideram o ranking investidores no jogo eleitoral.

Decompondo as contribuições por setor e candidato, vemos que Trump domina amplamente as preferências na maioria deles, com destaque para o agronegócio, construção, energia e bancos - indicando uma coerência entre suas políticas e seus principais financiadores. A única área de destaque na qual o atual presidente não prevalece é a de comunicação e eletrônica (em outras palavras, o Vale do Silício), que claramente se posiciona a favor dos democratas, na seguinte ordem de preferências: Sanders, Buttigieg e Warren.

Ao que tudo indica, 2020 baterá o recorde de mobilização de dinheiro nas eleições presidenciais americanas, muito provavelmente superando pela primeira vez a casa de US$ 2 bilhões. Até aqui, o recorde pertence a 2008, com US$ 1,8 bilhão. Nesse ano, Barack Obama surpreendeu e atraiu US$ 778 milhões para se tornar o primeiro presidente negro da história do país. O sucesso de Obama esteve em combinar tanto um volume imenso de doações de pequeno valor, feitas por crowndfunding e via internet, quanto expressivos aportes de bilionários do Vale do Silício e de Manhattan.

Num cenário de tanta incerteza a respeito da indicação do partido Democrata para a eleição presidencial, todos os olhos - e bolsos - estarão concentrados na Super Terça.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.

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