segunda-feira, 30 de março de 2020

Bruno Carazza* - Um novo 7 a 1?

- Valor Econômico

Bolsonaro abandona a retranca e parte para o tudo ou nada

No dia 07 de julho de 2014, véspera da semifinal da Copa do Mundo de futebol, o técnico Felipão realizou o último treino tático antes do confronto com a Alemanha. Naquele dia, após analisar os jogos anteriores dos adversários, os auxiliares técnicos Roque Júnior e Gallo haviam entregue ao comandante da equipe um relatório. Comparando os dados e as estatísticas dos dois times, os ex-jogadores sugeriam que o Brasil deveria encarar os alemães numa postura mais defensiva. Sem Neymar, machucado, a ideia era reforçar o meio-campo, deixando Fred no banco e escalando Paulinho e Willian em seus lugares.

A tese de Roque Júnior e Gallo era compactar a defesa e o meio-campo da seleção brasileira para tentar conter a velocidade e as rápidas trocas de passe entre Schweinsteiger, Kroos, Özil, Müller e cia. Cabeça-dura, Felipão não acatou a sugestão. Quando entrou no gramado, o Brasil veio com uma formação ofensiva, com Hulk, Fred e o jovem Bernard no ataque. Com 30 minutos de bola rolando os alemães já venciam por 5x0, e o resto da história o mundo todo conhece.

No dia seguinte ao maior vexame de nossa história esportiva, o técnico Luiz Felipe Scolari admitiu que nunca havia treinado a seleção com a escalação que levou a campo no Mineirão. A opção por Bernard, o garoto que tinha “alegria nas pernas”, seria uma tentativa de surpreender o técnico alemão Joachim Löw. Questionado por que não havia testado os titulares com Bernard na véspera do jogo, o técnico justificou-se dizendo que sua estratégia era “despistar” os rivais.

Jair Bolsonaro se encontra diante do adversário mais perigoso desde que assumiu o comando do país. Embora nas entrevistas o presidente sempre tenha minimizado a sua força, a verdade é que para chegar até aqui o coronavírus derrubou economias muito mais poderosas do que a nossa. 

Acompanhando com atenção as estatísticas e as tentativas das outras nações de conterem o rápido ataque da covid-19, o auxiliar Luiz Henrique Mandetta sugeriu que o Brasil enfrentasse o rival fechado na defesa, buscando ganhar tempo nos momentos iniciais da partida até que o sistema de saúde conseguisse equilibrar o jogo.

Jogar na retranca, porém, não é a tática preferida de Bolsonaro. Insuflado por parcela importante da torcida, o ex-capitão planeja mudar o esquema de jogo e ser mais arrojado na movimentação do seu time. Em lugar do conservador isolamento horizontal proposto por Mandetta, Bolsonaro tem ensaiado jogadas com Paulo Guedes para implantar em breve um inovador lockdown vertical. Mas alterar a estratégia com a bola rolando pode ser extremamente arriscado.

Na “entrevista” concedida à XP Investimentos na noite de sábado (28/03), Paulo Guedes apresentou as medidas desenhadas em sua prancheta para conduzir a economia até a recuperação da atividade.

No pacote de aproximadamente R$ 750 bilhões (em torno de 4,8% do PIB), estão incluídos a injeção de liquidez por meio da redução das exigências de compulsórios e outras regras prudenciais do Banco Central (R$ 200 bilhões) e empréstimos com taxas reduzidas a serem concedidos pela Caixa, BNDES e Banco do Brasil (R$ 150 bilhões).

Ainda com o objetivo de tentar evitar o estrangulamento do capital de giro, Guedes confirmou a linha de crédito especial do Bacen para pequenas e médias manterem os salários em dia nos próximos dois meses (R$ 40 bilhões) e a complementação, pelo Tesouro, da folha de pagamentos das empresas (R$ 50 bilhões).

Na linha de socorro da população mais pobre, o Ministério da Economia já anunciou o reforço do Bolsa-Família, a antecipação do abono salarial e do 13º salário para aposentados e pensionistas, a transferência dos valores não sacados do PIS/Pasep para o FGTS (R$ 147,7 bilhões) e o auxílio emergencial de R$ 600 mensais (mais R$ 50 bilhões). Para fechar a conta, Paulo Guedes ainda sinalizou a rolagem de dívida para Estados e municípios, acrescendo mais R$ 88 bilhões ao pacote.

Tendo perdido um precioso tempo negando a força do adversário e o seu poder de ataque sobre a economia brasileira, o time de Bolsonaro enfrentará a falta de ritmo de jogo para tentar virar o placar contra o coronavírus. Até chegarem ao bolso de cidadãos e ao caixa das empresas, as medidas anunciadas por Paulo Guedes precisam ser articuladas em diferentes níveis. O auxílio emergencial, por exemplo, ainda depende de aprovação no Senado e sanção presidencial, assim como a ajuda para Estados e municípios, que requer lei complementar para ser efetivada - sem falar na ausência de previsão legal ou regulamentar para a linha de crédito do Banco Central e as garantias do Tesouro para a folha de pagamentos.

No caso das transferências para a população mais pobre, a equipe de Guedes terá que atuar improvisada numa posição para a qual não está acostumada a jogar. Tendo passado o primeiro ano do governo desarticulando programas sociais e reduzindo sua dotação orçamentária, terá poucos dias para zerar a fila do Bolsa-Família e driblar a burocracia governamental e da Caixa Econômica Federal para fazer o dinheiro chegar a pessoas que não estão abrigadas pelo INSS e nem inscritas no Cadastro Único.

Atordoado com a velocidade com que a covid-19 envolve seu governo, Bolsonaro se vê tentado a seguir a estratégia de Felipão no fatídico “mineiraço” de 08/07/2014. Desprezando os dados, a observação do que acontece no restante do mundo e a recomendação dos especialistas, o presidente deseja partir para o tudo ou nada do decreto do fim do isolamento social. Com todas as nossas fragilidades expostas, assistiremos novamente, estupefatos, a uma goleada causada pelas tabelas mortais entre o colapso do sistema de saúde, de um lado, e a recessão econômica, na outra ponta.

A grande diferença entre o fiasco de Felipão e a tragédia anunciada de Bolsonaro, porém, será que o choro da derrota vai se revelar muito mais dolorido do que um simples vexame num campeonato de futebol.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.

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