sábado, 28 de março de 2020

José Márcio Camargo* - Confinar: mas como?

- O Estado de S.Paulo

Algumas peculiaridades de países como o Brasil são especialmente preocupantes

Como enfrentar a pandemia do novo coronavírus? Essa a questão que domina hoje o debate no Brasil e no mundo. Confinamento horizontal, com todas as pessoas recolhidas em casa e um mínimo de contato físico entre elas, ou confinamento vertical, quando apenas as pessoas que fazem parte do grupo de risco, acima de 60 anos e que tenham um histórico de doenças anteriores, ficam confinadas?

Com o rápido aumento do contágio e do número de mortes em diferentes países, a solução pelo confinamento horizontal tem sido recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pela maioria dos países ocidentais. Entretanto, os casos mais bem-sucedidos, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Japão, adotaram uma estratégia diferente: incentivar o distanciamento social (manter pelo menos dois metros de distância de outra pessoa), maximizar o número de testes e isolar os infectados.

Independentemente da estratégia adotada, a dinâmica da pandemia é a mesma: rápido aumento do número de pessoas contagiadas no início, que, eventualmente, leva a um rápido aumento do número de mortes. O Brasil está neste estágio. A questão é qual a estratégia mais eficiente no sentido de minimizar os custos pessoais, econômicos e sociais, para fazer com que o número de infectados pare de crescer e entre em trajetória de queda.

As duas estratégias têm custos. No confinamento horizontal, como as pessoas não podem sair de casa, a economia é quase totalmente paralisada, com forte queda da produção, do emprego e da renda. Dependendo do tempo necessário para fazer com que a curva de contaminação estabilize – o que não sabemos –, o custo econômico, social e até mesmo de vidas humanas é muito elevado.

No caso do confinamento vertical, a economia continua funcionando, certamente a uma taxa menor. A questão é qual a evolução da curva de contágio e qual o número de mortes. A OMS tem declarado que os custos, em termos de vidas humanas perdidas, nesta estratégia podem ser significativamente maiores, em razão da maior probabilidade de contágio.

Algumas peculiaridades de países como o Brasil são especialmente preocupantes. Nas grandes cidades brasileiras, uma boa parte da população vive em favelas. Nessas comunidades, famílias de quatro, cinco ou mais pessoas, de diferentes idades (crianças, adultos e idosos), vivem em residências de um cômodo, com menos de dez metros quadrados, muitas vezes sem janelas e, em alguns casos, sem as mais básicas condições de higiene. O potencial de transmissão e de letalidade do vírus neste ambiente deve ser extremamente elevado. Antes de impor um confinamento horizontal, o poder público deveria isolar o grupo de risco, por exemplo, transferindo os idosos para hotéis ociosos ou abrigos públicos.

Como as residências são pequenas, com pouca ventilação, é praticamente impossível permanecer dentro de casa durante o dia. Esta, certamente, é uma das razões pelas quais as ruas de muitas das favelas do País, durante o dia, continuam cheias. Neste contexto, será que as crianças estão menos expostas ao vírus nas comunidades ou nas escolas?

Como a decisão de confinar generalizadamente as pessoas começou a ser implementada no Brasil há aproximadamente dez dias, poderemos ver um trágico aumento do número de contaminados e de mortes nessas comunidades nas próximas semanas.

Considerando que, no início, a dinâmica da contaminação é similar nas duas estratégias; que cada país está num diferente estágio da evolução da doença; que alguns dos países bem-sucedidos não fizeram confinamento horizontal; além da precariedade das condições de moradia e higiene nas comunidades pobres das cidades brasileiras, não temos como saber, com certeza, qual das duas estratégias terá o menor custo em termos de vidas humanas no Brasil. Entre outras razões, porque não sabemos quanto tempo o confinamento terá de persistir para que a curva de transmissão se estabilize.

*Professor do departamento de economia da puc/rio, é economista chefe da genial investimentos

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