quinta-feira, 16 de abril de 2020

Martin Wolf* - Durante uma pandemia, nenhum país é uma ilha

- Folha de S. Paulo

Um micróbio anulou nossa arrogância e atirou a produção global em queda livre

Em seu mais recente Panorama Econômico Mundial, o FMI chama o que está acontecendo agora de o "Grande Bloqueio". Eu prefiro o "Grande Desligamento": essa expressão capta a realidade de que a economia global entraria em colapso mesmo que os formuladores de políticas não estivessem impondo bloqueios, e poderá continuar em colapso após o fim dos bloqueios.

No entanto, como quer que a chamemos, uma coisa é clara: é a maior crise que o mundo enfrentou desde a Segunda Guerra Mundial e o maior desastre econômico desde a Depressão da década de 1930. O mundo chegou a este momento com divisões entre suas grandes potências e incompetência de proporções aterradoras nos mais altos níveis de governo. Vamos passar por isso, mas para o quê?

Em janeiro, o FMI não tinha ideia do que estava prestes a nos atingir, em parte porque as autoridades chinesas não haviam se informado entre si, e muito menos ao resto do mundo. Agora estamos no meio de uma pandemia com vastas consequências. Mas muito permanece incerto. Uma incerteza importante é como os líderes míopes responderão a essa ameaça global.

Segundo qualquer previsão, o FMI sugere agora que a produção global per capita se contrairá 4,2% neste ano, muito mais que o 1,6% registrado em 2009, durante a crise financeira global. Noventa por cento de todos os países experimentarão um crescimento negativo do Produto Interno Bruto real per capita neste ano, contra 62% em 2009, quando a robusta expansão da China ajudou a amortecer o golpe.

Em janeiro, o FMI previu crescimento suave neste ano. Agora prevê uma queda de 12% entre o último trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020 nas economias avançadas, e queda de 5% nos países emergentes e em desenvolvimento. Mas, de modo otimista, está previsto que o segundo trimestre será o ponto mais baixo. Posteriormente, o FMI espera uma recuperação, apesar de previsões de que a produção nas economias avançadas fique abaixo dos níveis do quarto trimestre de 2019 até 2022.

Essa "linha de base" pressupõe a reabertura econômica no segundo semestre de 2020. Nesse caso, o FMI prevê uma contração global de 3% em 2020, seguida de uma expansão de 5,8% em 2021. Nas economias avançadas, a previsão é de contração de 6,1% neste ano, seguida por uma expansão de 4,5% em 2021. Tudo isso pode ser excesso de otimismo.

O FMI oferece três cenários alternativos preocupantes. No primeiro, os bloqueios duram 50% a mais do que na linha de base. No segundo, há uma segunda onda do vírus em 2021. No terceiro, esses elementos se combinam. Sob bloqueios mais longos neste ano, a produção global é 3% menor em 2020 do que na linha de base. Com uma segunda onda de infecções, a produção global ficaria 5% abaixo da linha de base em 2021. Com os dois infortúnios, a produção global ficaria quase 8% abaixo da linha de base em 2021.

Sob a última possibilidade, os gastos públicos em economias avançadas seriam 10 pontos percentuais mais altos em relação ao PIB em 2021, e a dívida pública, 20 pontos percentuais a mais em médio prazo do que na linha de base já desfavorável. Não temos uma ideia real de qual se mostrará mais correta. Pode ser ainda pior: o vírus pode sofrer mutação; a imunidade para as pessoas que o tiveram pode não durar; e uma vacina pode não estar disponível. Um micróbio derrubou toda a nossa arrogância.

O que devemos fazer para gerenciar esse desastre? Uma resposta é não abandonar os bloqueios antes que a taxa de mortalidade seja controlada. Será impossível reabrir as economias com uma epidemia violenta aumentando o número de mortos e levando os sistemas de saúde ao colapso. Mesmo que fôssemos autorizados a consumir ou voltar ao trabalho, muitos não o fariam. Mas é essencial preparar-se para esse dia, criando capacidades bastante aprimoradas para testar, rastrear, colocar em quarentena e tratar as pessoas. Nenhuma despesa deve ser poupada nisso ou em investimentos na criação, produção e uso de uma nova vacina.

Acima de tudo, como afirma o ensaio introdutório de um relatório do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, sobre o papel essencial do Grupo dos 20 principais países: "Simplificando, na pandemia de Covid-19, a falta de cooperação internacional significa que mais pessoas vão morrer". Isso é verdade na política de saúde e na garantia de uma resposta econômica global eficaz. Tanto a pandemia quanto o Grande Desligamento são eventos globais.

A ajuda na resposta à saúde é essencial, como destaca no relatório Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do FMI. No entanto, o mesmo acontece com a ajuda econômica para os países mais pobres, via alívio da dívida, doações e empréstimos baratos.

É necessária uma enorme nova emissão dos direitos especiais de saque do FMI, com a transferência de alocações desnecessárias para os países mais pobres.

O nacionalismo econômico de soma negativa que conduziu Donald Trump ao longo de seu mandato como presidente dos EUA e até emergiu na União Europeia é um sério perigo. Precisamos que o comércio flua livremente, especialmente (mas não exclusivamente) em equipamentos e suprimentos médicos. Se a economia mundial for fragmentada, como aconteceu em resposta à Depressão, a recuperação será arruinada, se não morta.

Não sabemos o que a pandemia ainda nos trará ou como a economia reagirá. Sabemos o que devemos fazer para superar esse tumulto aterrorizante com o menor dano possível.

Temos que controlar a doença. Devemos investir maciçamente em sistemas para gerenciá-la após o término das quarentenas atuais. Devemos gastar o que for necessário para proteger nosso pessoal e nosso potencial econômico das consequências. Devemos ajudar bilhões de pessoas que vivem em países que não podem resistir sem ajuda. Devemos lembrar acima de tudo que em uma pandemia nenhum país é uma ilha. Não conhecemos o futuro. Mas sabemos como devemos tentar moldá-lo. Faremos isso? Essa é a pergunta. Eu temo muito a nossa resposta. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

*Martin Wolf, comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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