quinta-feira, 16 de abril de 2020

Vinicius Torres Freire - No fundo do inferno, vendas sobem degraus

- Folha de S. Paulo

País também precisa de monitor da economia na UTI, para planejar guerra e reconstrução

Imagine-se que, um dia vivendo sobre a terra de um país estagnado, descemos subitamente 52 degraus, para perto do que parece ser o fundo do buraco do inferno. Ressalte-se: parece ser, talvez, por ora. Suponha-se então que um mês depois subimos uns 10 degraus.

Grosso modo, é o que parece ter acontecido com as vendas no varejo desde que começou o fechamento da economia, o pânico, a descida ao fundo das profundas.

As vendas com cartão caíam a mais de 50% na semana final de março (em relação a fevereiro). Em abril, a baixa está em torno de 40%.

Certamente ainda estamos no inferno. Tampouco se pode dizer que a situação despiorou, nem de longe, nem sendo desvairadamente otimista. O próprio fato de as vendas e a produção terem despencado de modo desesperador ainda vai ter consequências em cascata, ora impossíveis de estimar.

No entanto, talvez agora se possa ter uma primeira medida do impacto do meteoro viral. Neste caso, os dados são da Cielo, empresa de cartões, para o varejo. O valor das vendas com cartões equivale a cerca de 40% do “consumo das famílias”. Equivale a uns 25% do PIB.

Os economistas do departamento de pesquisa macroeconômica do Itaú têm números que também indicam uma subida dos degraus nas profundezas do desastre econômico. Criaram índices diários de atividade econômica a fim de verificar como cada país está se saindo na crise da epidemia. Os dados oficiais demoram e algumas medidas estão até suspensas, na epidemia.

O que dizem?

“A China parece começar a sentir a pressão resultante da desaceleração global, enquanto EUA e Europa se estabilizaram em nível baixo. No Brasil, os dados apontam melhora gradual, algo que é consistente com evidências anedóticas de empresas retomando atividades e maior fluxo de pessoas nas cidades, a despeito da tendência de alta dos casos reportados."

No final do mês passado, a atividade econômica caíra a cerca de 55% do que era no final da semana do fechamento (16 a 20 de março). Agora, estaria em torno de 70% do que era.

Pelos dados das vendas pelo cartão, débito ou crédito, ao menos um setor está azul, na verdade com alta de vendas em relação a fevereiro, caso de mercados e hipermercados.

Em vários setores, o tamanho do desastre diminuiu um pouco, com exceção, na prática, de bares, restaurantes, turismo e lojas de vestuário. O grupo variado de móveis, eletrodomésticos e lojas de departamento teve alguma despiora mais notável (sempre lembrando: ainda no inferno).

Os dados são imprecisos, recentes, precários. Então, por qual motivo tomar essas medidas? Para dizer que precisamos de acompanhamento extraordinário do desempenho econômico, sem o que não teremos como fazer o planejamento dos socorros e a verificação de sua eficácia.

Precisamos de medidas novas e urgentes na economia, assim como precisamos de medidas melhores da epidemia e seus remédios: quantas UTIs estão ocupadas, quantos ventiladores respiratórios temos e vamos arrumar. Países vizinhos, aqui da América do Sul, têm um acompanhamento melhor do que o nosso.

Na economia, precisamos de monitores de batimentos cardíacos, oxigenação e temperatura, aparelhos de UTI, de medidas de alta frequência. Não é brincadeira estatística. É instrumento para planejar a economia de guerra nos meses que virão (anos?).

Não vai bastar socorrer. Desde já, é preciso pensar na reconstrução, até para evitar desânimo ainda maior.

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