quinta-feira, 4 de junho de 2020

Agenda ‘bolsonarista’ atrapalha união das oposições

Ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro defende frente ampla contra Bolsonaro, mas reconhece dificuldades para a aproximação de antigos desafetos

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - Ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff, o filósofo e professor da USP Renato Janine Ribeiro, 70 anos, recorre à famosa passagem do romance “Por quem os sinos dobram” para ilustrar o dilema que vive hoje progressistas e liberais, democratas de esquerda e de direita, petistas e antipetistas, que buscam superar as diferenças para formar uma frente ampla de oposição ao presidente Jair Bolsonaro.

Em sua opinião, no entanto, a recomendação deve ser oposta à da obra na qual o escritor americano Ernest Hemingway sugere que, numa guerra, é mais importante quem está do seu lado do que a própria causa por que se luta. “Nesse momento, eu diria que é quase o inverso. É importante ter do seu lado gente com quem você não concorda. No Hemingway, o mais importante é estar do seu lado gente que você admira, que são seus aliados. Mas hoje o crucial é expandir a oposição ao Bolsonaro, juntando gente em quem você não confia, de quem se tem mágoa, porque sabemos que é necessário uma aliança para mudar o governo”, defende.

Signatário do manifesto intitulado “Estamos Juntos”, que ganhou adesão de antigos adversários políticos e centenas de milhares de apoiadores desde o último fim de semana, Janine Ribeiro destaca a relevância do engajamento, ainda que tardio, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), num momento em que as instituições, a seu ver, reagem muito pouco ao avanço antidemocrático do bolsonarismo.

Afirma que a trincheira contra os abusos do governo federal, até agora, vinha sendo ocupada quase que exclusivamente por grupos de esquerda e “por alguns indivíduos” como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello. “O Rodrigo Maia tem colocado limites no Bolsonaro, mas o presidente do Senado [Davi Alcolumbre, DEM-AP], não. O Celso de Mello e o Alexandre de Moraes [ministro do STF] colocam, mas o presidente do Supremo, Dias Toffoli, não. Esse pessoal no poder precisa ser limitado”, analisa.

Para o ex-ministro, que não tem filiação partidária, o campo progressista não pode exigir perfeição dos antibolsonaristas. O mais importante é aumentar a base política contra o governo federal até porque, afirma, “a esquerda está fraca e não vai conseguir tirar Bolsonaro do poder sem se aliar com outros setores”. A adesão de FHC é bem-vista, embora receba considerações. “Só agora o Fernando Henrique disse uma coisa mais severa contra Bolsonaro. É um cara muito difícil de entender. Foi muito silencioso. Mas teria grande chance de ser líder do movimento e tem compromisso com a história do Brasil. Entre os ex-presidentes é o que está mais preocupado com a imagem que terá nos livros de história”, diz o filósofo.

Janine Ribeiro lembra que o manifesto foi assinado pelo ex-prefeito de São Paulo e derrotado à Presidência no segundo turno de 2018, Fernando Haddad, e pelo deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), expoentes do petismo.

Mas considera compreensível a recusa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em cerrar fileiras ao lado de desafetos, apesar da necessidade de união. Afirma que ele foi vítima de “todo esse procedimento que culminou no Bolsonaro e no [ex-juiz] Sergio Moro, no golpe parlamentar que levou ao impeachment de Dilma, e na prisão de Lula”. Em sua opinião, há razões suficientes para que o petista não se sinta confortável de estar perto de FHC ou de Moro, que o condenou e é apontado como um presidenciável em 2022.

“O que se fragmentou a partir do PSDB é muito simpático ao Moro e ao [ministro da Economia] Paulo Guedes. Então, você tem uma direita brasileira que toparia uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro”, diz. O ex-ministro afirma que isso torna a aproximação muito difícil e acrescenta: 

“Como vai fazer uma aliança entre direita e esquerda, com reformas, reduzindo salários? Isso não dá. Quando o Lula diz que não tem nenhum direito trabalhista sendo considerado no manifesto, ele tem razão. Isso me leva a considerar que nenhuma central sindical deveria apoiar o manifesto”.

Ainda assim, argumenta Janine Ribeiro, seu apoio ao “Estamos Juntos” e a outros abaixo-assinados - “Assinaria quantos viessem - leva em conta a urgência do momento e as ameaças nem tão veladas de uma intervenção militar. “O Brasil está vivendo uma situação semidemocrática ou semiditatorial. O governo viola a lei e a Constituição o tempo todo, e o Legislativo e o Judiciário reagem muito pouco”, critica.

O ex-ministro lamenta ainda a existência de um empresariado muito condescendente com Bolsonaro, mesmo com as notícias de que o capital internacional está se afastando cada vez mais do país. “Parece que não tem noção. Mas aqui temos um capitalismo que funciona em busca da proteção do governo, apesar da agenda supostamente liberal”, diz.

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