quinta-feira, 4 de junho de 2020

Crises em série abalam força eleitoral de Trump – Editorial | Valor Econômico

Trump é uma ameaça à democracia e enfrenta dificuldades para se reeleger

Os maiores protestos desde a campanha pelos direitos civis dos negros, na década de 60, traçaram um retrato do estado atual dos EUA e outro, completo, de como agem populistas como o presidente Donald Trump em momentos de crise. A morte cruel, por asfixia, de George Floyd, pela polícia de Minneapolis, desencadeou manifestações ao redor do mundo, protestos em mais de uma centena de cidades americanas, em um rastro de ódio, violência, saques e depredações que ainda não terminou. Depois de brincar com a morte e com a cloroquina, Trump se depara com mais de 100 mil americanos mortos por coronavírus e as maiores metrópoles do país em pé de guerra, a cinco meses das eleições.

As eleições serão teste decisivo para a sorte de autocratas como Trump. Se conquistar um segundo mandato, ganhará carta branca para continuar sua missão de destruir política e institucionalmente vários dos pilares da democracia americana. Dar mais quatro anos ao mais despreparado dos presidentes do país da história recente tornará o mundo ainda pior, e mais perigoso.

O ambiente para uma conflagração como a atual se prepara há muito tempo. Os negros, mesmo após um deles, Barack Obama, ter assumido a presidência dos EUA, continuam sendo cidadãos de segunda classe e vítimas eternas da brutalidade policial - algo ainda mais chocante no país mais rico do mundo e que se vê como um modelo de democracia.

Além disso, um clima de antagonismo e radicalização prosperou desde a eleição de Barack Obama, quando os movimentos mais à direita do Partido Republicano conquistaram seu comando e se opuseram em bloco a toda e qualquer iniciativa tomada pelo presidente democrata em seus dois mandatos.

A intransigência de seus líderes e a mudança da atmosfera política abriram caminho para a chegada ao poder de um embusteiro como Donald Trump. A rigor, ele sequer era republicano, mas abriu seu caminho para concorrer pela legenda humilhando a máquina dirigente. Com raras exceções, as lideranças republicanas deram aval a todas as tristes proezas do presidente.

Como seus imitadores baratos ao sul do Rio Grande, Trump manteve seu estado de negação sobre a pandemia até quando ela já causava devastações no país, para então mudar de comportamento - e tomar hidroxicloroquina. Incapaz de se deter sobre a complexidade dos assuntos que têm de tratar, Trump tentou disfarçar sua incompetência com uma barragem de insultos à China e uma guerra contra a Organização Mundial da Saúde. Os ataques buscam ganhar votos em novembro.

Diante da indignação de centenas de milhares de pessoas com a morte de Floyd, o tuiteiro Trump ameaçou não a polícia de Minneapolis, mas cidadãos americanos com tiros e “cães ferozes”. Durante dias, azucrinou os governadores para que usassem a Guarda Nacional e pusessem fim aos protestos a qualquer custo, sob a pena de parecerem uns “babacas”. Depois ameaçou com o uso de forças do Exército para a missão.

Na segunda-feira, encenou um espetáculo estarrecedor de desprezo pela opinião alheia e pelos direitos democráticos. Saiu da Casa Branca a pé, ordenou que a polícia despejasse gás lacrimogêneo em um protesto pacífico, para que pudesse ir até a Igreja Episcopal de São João e posar para uma foto com a Bíblia na mão. Na manhã de quarta, diante da diminuição de saques e depredações, Trump concluiu que a noite ocorrera sem problemas: “Força esmagadora. Dominação”, tuitou.

O secretário de Defesa, Mark Esper, um dos que acompanharam o presidente no ofensivo passeio à igreja, discordou em público do uso das Forças Armadas contra os manifestantes, permitida pelo Ato contra Insurreição, de 1807. Disse que só deveria ocorrer “como último recurso” em situações-limite. O ex-presidente George Bush, republicano que mandou bombardear o Iraque, diz que era importante ouvir a voz dos que se sentiam magoados e que os que querem silenciá-la “não entendem o sentido da América ou como ela se tornou um lugar melhor”.

Como seus imitadores no Brasil, Trump é uma ameaça à democracia e enfrenta dificuldades para se reeleger. Sua conduta na pandemia, e agora, deu 10 pontos de vantagem nas pesquisas a seu rival democrata, Joe Biden. Suas tiradas racistas garantiram que o eleitorado negro volte em número recorde às urnas, como fez para eleger Obama. Se Trump perder, as urnas confirmarão a máxima de Abraham Lincoln de que “é impossível enganar todo mundo o tempo todo”.

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