segunda-feira, 29 de junho de 2020

Celso Rocha de Barros* - Uma semana sem Jair

- Folha de S. Paulo

Instituições aproveitaram que presidente estava fugindo da polícia e deram uma funcionada

Na semana passada, as instituições aproveitaram que o presidente estava fugindo da polícia e deram uma funcionada.

O Congresso aprovou o marco do saneamento básico, que talvez seja o começo de uma solução para um problema difícil. Os militares conseguiram desalojar os olavistas da direção do MEC, e, sim, o novo ministro mentiu que tinha doutorado, mas o outro cara era o Weintraub, o novo já seria melhor se só soubesse ver hora.

Ao longo da semana, ninguém falou em golpe de Estado, ninguém agrediu jornalista, ninguém fingiu que Olavo de Carvalho era uma opinião a ser levada em conta no debate.

Tudo isso parece ridículo diante da total imobilidade do Estado frente a dezenas de milhares de brasileiros mortos, mas as expectativas no Brasil de 2020 são muito baixas.

Nas semanas anteriores, Bolsonaro ameaçou um golpe de Estado para tentar parar as investigações contra ele e sua família. Os militares não se empolgaram com a ideia de um golpe para abafar um esquema com rachadinhas, milicianos e seja lá o que for que Wassef seja.

Sem golpe, as investigações vão longe, a não ser que sejam interrompidas. Talvez ainda sejam, como vimos na decisão que deu foro privilegiado a Flávio Bolsonaro na quinta-feira.

Enquanto não foram, ganhamos uma semana de silêncio presidencial. A rodada de golpismo fracassou, resta o acobertamento, e isso não é feito diante das massas.

Nessa semana de silêncio, duas coisas foram notáveis. Primeiro, só foi possível controlar Bolsonaro impondo-lhe silêncio total. Ninguém conseguiu fazer com que ele ao menos recitasse coisas razoáveis.

Em segundo lugar, na hora em que o bolsonarismo precisou fingir que comandava um governo normal, só lhe restou mentir: Bolsonaro mentiu que foi ele quem fez a transposição do rio São Francisco. Guedes está tentando dar um jeito de dizer que foi ele quem fez o Bolsa-Família. O novo ministro da Educação mentiu que fez doutorado.

Em postagem recente, o cientista político Christian Lynch argumentou que a nomeação de um ministro da Educação não-olavista foi o início do “governo Mourão”, uma tomada de poder pelos generais do governo para garantir-lhe a sobrevivência e, talvez, o ressurgimento mais à frente. É um cenário possível. Lynch inclusive se pergunta se Bolsonaro sobreviverá ao governo Mourão.

Sugiro cautela: faz pouco tempo, suspirávamos aliviados porque os generais haviam conseguido segurar Mandetta na saúde. Durou só uma semana. Os generais fracassaram, Mandetta caiu, a mortandade explodiu, e estava perpetrado o maior crime que a Presidência da República brasileira já cometeu.

E não sabemos o quanto o arranjo da semana passada é estável. Bolsonaro vai ficar em silêncio até o final de seu mandato? Não vai tentar novas manobras para interferir nas investigações? Se escapar das investigações, não vai tentar novos atentados contra a democracia? Se não escapar, vai cair e voltar para o Recreio dos Bandeirantes pacificamente? Vai ter acordão?

E nós, brasileiros, vamos também ficar em silêncio? Vamos normalizar o fato de não termos Poder Executivo funcional durante a pandemia, por culpa única e exclusiva do presidente da República? Vamos todos fingir que não vimos o presidente da República tentando um golpe de Estado?

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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