segunda-feira, 13 de julho de 2020

Celso Rocha de Barros* - O acordão de Jair Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Vagas no STF servem de moeda de troca por sentenças para bolsonaristas

Jucá, Jucá, minha pobre criança, alma inocente, escoteiro idealista, aprenda com Jair Bolsonaro como se faz acordão com Supremo, com tudo.

O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e a sua esposa, até então foragida. Noronha disse que soltou Queiroz porque ele é idoso, doente e corria risco de saúde durante a epidemia. Já tinha negado o mesmo direito a réus que não se escondiam na casa do advogado do presidente da República.

Segundo reportagem do Globo, seus colegas do STJ acham que Noronha soltou Queiroz para receber de Bolsonaro uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Até outro dia, os bolsonaristas usavam a decisão de soltar presos durante a epidemia como argumento para fechar o STF. Agora dependem disso para não serem presos, e não podem fechar o STF enquanto ele for a principal moeda de troca por sentenças.

Diminuiu a pressão para que Queiroz faça delação premiada e entregue o presidente da República. Se essa opção tivesse sido dada a Paulo Roberto Costa ou Marcelo Odebrecht, a Lava Jato não teria prendido ninguém.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, também fez seu jogo. Declarou guerra à força-tarefa da Lava Jato de Curitiba, brigou por acesso a informações sigilosas da operação e agora pretende unificar a ação anticorrupção em suas próprias mãos. Se der certo, a PGR, já completamente aparelhada, vai ter o poder de melar as investigações contra Bolsonaro.

O clima é de acordão. Mas há duas grandes diferenças entre o acordão de Bolsonaro e, por exemplo, o de Romero Jucá. Bolsonaro manobrou seu acordão por dentro da onda de indignação popular. Nomeou Moro ministro, a única maneira que alguém encontrou de neutralizá-lo. Ninguém da força-tarefa de Curitiba criticou Bolsonaro antes do começo da crise que derrubou Moro.

A participação do ex-juiz em um governo que faz guerra aberta à imprensa livre enfraqueceu a aliança entre a Lava Jato e a imprensa, tão forte em 2015-2018. Cooptados pelo corporativismo, os generais tuiteiros, que tinham opiniões tão fortes sobre decisões das cortes superiores, não se manifestaram na semana passada.

Por outro lado, Jucá tentava o acordão quando as expectativas com uma “nova era da política brasileira” eram altas. Bolsonaro já reduziu tanto nossas expectativas, degradou tanto a democracia brasileira, ameaçou tantos golpes de Estado, que já tem gente achando que um acordão que o domestique pode ser o cenário menos pior.

Eu duvido. Lembre-se, a única maneira de manter Bolsonaro moderado ainda é mantê-lo em silêncio, agora por atestado médico. O que talvez descubramos em breve é que instituições que se vendem não precisam ser fechadas.

No fim das contas, vai ter muita gente para dizer que acordão é instituição funcionando. Bom, não é o tipo de instituição que Acemoglu e Robinson juram que promove o desenvolvimento, mas, vejam bem, tradição conta como instituição?

Se contar, as instituições estão funcionando que é uma beleza, da tradição de conchavos pelo alto até a tradição de autoritário que também é envolvido com o crime organizado.

Enquanto isso, os radicais do Olavo olham para os lados em busca do bode expiatório, não veem ninguém, e já começam a entender o que isso significa.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

Nenhum comentário:

Postar um comentário