terça-feira, 7 de julho de 2020

Marli Olmos - À espera de mais uma licença para poluir

- Valor Econômico

Com a pandemia, indústria automobilística pede ao governo adiamento de novas regras de controle de emissões

O Brasil está prestes a entrar em uma nova fase de controle de emissões de poluentes veiculares. Mas, com a pandemia, os dirigentes da indústria automobilística decidiram pedir ao governo adiamento das regras. As conversas estão em curso.

Ontem, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, apontou “a queda abrupta da receita” como principal motivo da reivindicação. Tornar os veículos menos poluentes custa dinheiro.

Além disso, Moraes disse que a paralisação das fábricas durante a pandemia afetou a atividade das equipes de engenharia, bem como os testes em laboratórios.

Segundo o presidente da Anfavea, o setor está discutindo o assunto com o governo. Mas fez uma ressalva: “É importante deixar claro que somos a favor dos limites de poluentes; esses programas foram elaborados em conjunto com a indústria”.

Segundo Moraes, não há, ainda, uma definição de como esses cronogramas vão ficar. Numa recente entrevista à “Automotive Business”, publicação do setor, um executivo revelou que no caso de veículos comerciais a diesel, a proposta é adiar por três anos o Proconve P8, nome da próxima fase da legislação, fixada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

O P8, que equivale ao programa chamado Euro 6 da Europa, determina que novos modelos de caminhões e ônibus têm que sair das fábricas adaptados à nova regra a partir de janeiro de 2022. A partir de janeiro de 2023, todos os comerciais pesados serão obrigados a atender à legislação.

Os dirigentes das montadoras sabem, no entanto, que nos países de origem das empresas que eles representam a conversa é outra. Segue, aliás, o caminho contrário. No início de junho, Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, anunciou um plano de recuperação econômica pós-pandemia que prevê estímulos a investimentos em proteção ao meio ambiente e ao uso de energia veicular a partir de fontes renováveis.

Em entrevista à repórter Daniela Chiaretti, do Valor, o embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, disse que o governo de seu país quer ajudar a indústria de base a livrar-se dos combustíveis fósseis e a produzir com menor emissão de gases-estufa. A Alemanha assumiu o compromisso de tornar-se um país neutro em carbono em 2050 e aproveita a fase de retração econômica para definir estratégias para destacar-se na fase da recuperação.

É natural evitar comparações entre Brasil e nações desenvolvidas, principalmente no que se refere à concessão de recursos públicos para incentivar o uso de veículos mais limpos. A própria Alemanha vai oferecer ao consumidor bônus de € 6 mil na compra de um carro elétrico.

Por outro lado, num mundo cada vez mais globalizado, no qual a sustentabilidade não só passou a ser obrigatória em termos de governança corporativa como fator determinante para investidores, é difícil aceitar que multinacionais definam as estratégias de gastos em desenvolvimento de produtos mais limpos de acordo com o nível de desenvolvimento de cada país em que atuam.

Empresas habituadas a propagar a ideia de que a tecnologia dos veículos vendidos em países emergentes cada vez mais se aproxima do produto que roda nas nações mais ricas são as mesmas que agora fazem planos, e pedem apoio às autoridades, para lançar veículos com níveis de emissões inferiores aos que circulam na Europa.

Os dirigentes das montadoras no Brasil dirão, e com razão, que antes de criar legislação mais rigorosa para veículos novos, o país deveria adotar um programa sério para tirar os veículos velhos das ruas e estradas - esses sim, danosos ao ar que respiramos.

Motivos não faltam. Dos quase 38 milhões de automóveis que circulam no país, 18% têm mais de 16 anos. O caso dos caminhões é igualmente preocupante. Veículos de carga fabricados entre o fim do século passado e início deste - antes de 2003 - somam 27% da frota total de 2,2 milhões de unidades.

Os dados são do mais recente estudo que o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças) realiza todos os anos. O maior problema não envolve a idade do veículo, mas a falta de manutenção. A inspeção veicular regular é uma norma antiga na Europa. Por aqui, a prática esbarrou em fracassadas tentativas isoladas.

A necessidade de uma lei de inspeção, aliada a um programa de incentivos para tirar veículos velhos das ruas, é uma ideia antiga e fartamente debatida. Nenhum dos que governaram o Brasil desde o surgimento da indústria automobilística no país teve a coragem de criar leis para proibir a circulação de veículos que colocam a população em risco, seja pelas condições precárias dos itens de segurança, seja pelo nível de gases que emitem.

Pode ser que algum dia surja um programa de renovação da frota no país. Por enquanto, não existe qualquer sinalização disso. A inexistência de um programa dessa natureza não elimina, contudo, o dever dos fabricantes de desenvolver projetos de produtos mais limpos.

Essa não é a primeira vez que uma crise econômica é usada como desculpa para adiar o avanço das normas de emissões no país. O Proconve 7 (equivalente ao Euro 5) entrou em vigor em 2012. Depois disso, uma crise derrubou a produção de caminhões e não se falou mais na legislação. Somente em novembro de 2018 o Conama definiu a oitava fase do programa (início de 2022 para novos modelos e início de 2023 para todos os caminhões novos). O longo período entre as etapas provocou críticas de ambientalistas.

A transição das normas acontece num momento ruim. Abalada pelo impacto da pandemia, a indústria automotiva entra em novo período de redução de atividade e de demissões em massa. O foco, portanto, se volta para esses problemas, apesar da relevância também do debate ambiental.

Enquanto isso, na Europa, a discussão está em outro nível. Ali discute-se a rigidez da próxima e ultima etapa da lei de emissões da história do motor a combustão.

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